Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4231/22.4T8STB-A.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
CAUSA PREJUDICIAL
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
CUSTAS DE PARTE
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. A acção executiva não pode ser suspensa com fundamento na pendência de causa prejudicial, dado não haver ali decisão sobre o mérito da causa (o direito a efectivar já está declarado), não existindo assim a relação de dependência prevista no art. 272.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
2. O art. 710.º do Código de Processo Civil permite cumular na mesma execução todos os pedidos julgados procedentes, se o título executivo for uma sentença.
3. Pode, pois, a exequente cumular a entrega de coisa certa com o pagamento das custas de parte, cuja condenação também resulta do título executivo que é a sentença.
4. Podendo o executado opor-se à execução baseada em sentença condenatória com fundamento na existência de contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos, só o pode fazer se esse contracrédito for superveniente em relação à sentença em execução.
5. Não pode, pois, invocar como fundamento de oposição à execução de sentença um contracrédito que fundamentou a reconvenção que deduziu na acção declarativa, e que foi julgada improcedente.
6. A nota discriminativa e justificativa de custas de parte não carece de ser notificada pessoalmente à parte devedora, e muito menos quando essa parte constituiu mandatário judicial e lhe conferiu poderes para pagar e receber custas judiciais e de parte.
(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo Central Cível de Setúbal, AA propôs acção declarativa com processo comum contra BB, que tomou o n.º 6606/19.7T8STB, pedindo que o imóvel identificado nos autos – prédio urbano, destinado a habitação, sito na Rua …, freguesia de Quinta do Conde, concelho de Sesimbra, descrito na respectiva CRP sob o n.º … – lhe fosse restituído, reconhecendo-se a A. como a sua única proprietária e possuidora, sendo o R. condenado ao pagamento da quantia de € 315,00 pela substituição das fechaduras do imóvel, e no pagamento de uma indemnização por danos morais, a arbitrar pelo tribunal.
Na sua contestação, o R. deduziu pedido reconvencional, de declaração da nulidade do negócio jurídico de compra e venda do imóvel, condenando-se a A./Reconvinda a reconhecer o direito de propriedade do R./Reconvinte sobre o dito imóvel, cancelando-se os registos de aquisição a favor da A.; ou, subsidiariamente, declarar-se a resolução do referido negócio, por falta de pagamento do preço pela A./Reconvinda, e condenando-se a mesma a reconhecer o direito de propriedade do R./Reconvinte sobre o imóvel, cancelando-se igualmente os registos de aquisição a favor da A..
Por sentença de 12.08.2021, foi a acção julgada parcialmente procedente, reconhecendo-se a A. como a única proprietária do dito imóvel, sendo o R. condenado a restituir-lho.
O R. foi absolvido do demais peticionado.
Por seu turno, ambos os pedidos reconvencionais foram julgados improcedentes, deles indo a A. absolvida.
Interposto recurso pelo R., por Acórdão desta Relação de Évora de 07.04.2022, transitado em julgado, foi a sentença integralmente confirmada, com custas pelo Recorrente.
Na sequência do trânsito em julgado, o Ilustre Mandatário da A. remeteu ao Ilustre Mandatário do R. nota discriminativa e justificativa de custas de parte, reclamando a esse título o pagamento da quantia de € 7.395,00.
Desta nota não foi apresentada reclamação.
A procuração forense do Ilustre Mandatário do R. permite-lhe pagar e receber custas judiciais e de parte.

Em 01.06.2022, o BB propôs, por seu turno, acção declarativa com processo comum contra a AA, que tomou o n.º 3633/22.0T8STB, pedindo a declaração de resolução do negócio jurídico de compra e venda do imóvel por incumprimento definitivo do contrato imputável a esta, com cancelamento dos respectivos registos de aquisição; subsidiariamente, deveria a Ré ser condenada no pagamento ao A. do preço de venda do imóvel de € 128.078,28, sendo declarada lícita a recusa de entrega da coisa vendida por não cumprimento do contrato; subsidiariamente, deverá a Ré ser condenada a pagar o aludido preço e reconhecido ao A. o direito de retenção sobre o imóvel.
Na sua contestação, a AA invocou a excepção de caso julgado, resultante do trânsito em julgado ocorrido na anterior acção.
Por saneador-sentença de 30.11.2022 foi a excepção julgada procedente e a AA absolvida da instância.
Esta decisão veio a ser confirmada por Acórdão desta Relação de Évora de 11.05.2023.
O BB interpôs deste aresto recurso de revista excepcional, mas por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.11.2023, transitado em julgado, esse recurso não foi admitido.

Entretanto, em 30.06.2022, a AA havia apresentado requerimento executivo para execução da sentença proferida no primeiro processo, pedindo a entrega do imóvel e o pagamento das custas de parte constantes da nota discriminativa enviada ao Ilustre Mandatário do BB.
Este deduziu os presentes embargos de executado, alegando ser titular de um contracrédito com direito de retenção sobre o imóvel, que não pode ser cumulada a execução da nota de custas de parte, que não foi a própria parte interpelada para proceder ao pagamento das custas de parte, e que a execução deveria ser suspensa com fundamento na pendência de causa prejudicial (a segunda acção, proposta 01.06.2022).
Os embargos de executado foram objecto de despacho de indeferimento liminar e dele vem apresentado o presente recurso.

As conclusões do embargante não são um modelo da capacidade de síntese exigida pelo art. 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil – longe disso – e certo é que não existe qualquer obrigação legal de proceder à cópia acrítica das mesmas.
Quanto às questões que ali são enunciadas – art. 663.º n.º 2 do Código de Processo Civil – são as seguintes:
1.ª Se deve a execução ser suspensa em virtude da pendência da segunda causa (a acção proposta pelo embargante em 01.06.2022, com o n.º 3633/22.0T8STB), por se tratar de causa prejudicial?
2.ª Se a decisão recorrida incorreu nulidade por omissão de pronúncia ao não conhecer da requerida suspensão da instância?
3.ª Se existe erro na forma de processo na acção executiva, pois a forma utilizada foi a de “entrega de coisa certa”, quando deveria ser “execução com diversas finalidades”, pois a exequente pretende a restituição do imóvel e o pagamento de quantia certa, quanto às custas de parte?
4.ª Se a decisão recorrida incorreu nulidade por omissão de pronúncia também ao não conhecer da questão do erro na forma de processo?
5.ª Se, tendo o embargante alegado que detém um crédito sobre a embargada no montante de € 128.078,28 e o direito de retenção sobre o imóvel enquanto esse crédito não for satisfeito, pode invocar a compensação de créditos e requerer a extinção da execução?
6.ª Se o embargante pode invocar a compensação de créditos, importando apenas a exigibilidade do crédito em juízo e não a sua efectiva declaração e eficácia?
7.ª Se é necessário que o crédito declarado para efeitos de compensação já deva ter sido declarado judicialmente?
8.ª Se existe direito de retenção a favor do embargante, nos termos do art. 754.º do Código Civil, enquanto a embargada não liquidar a totalidade a totalidade do preço acordado no contrato de compra e venda do imóvel?
9.ª Se a improcedência do direito de retenção do embargante seria beneficiar a embargada injustificadamente, fazendo-a incorrer em enriquecimento sem causa?
10.ª Se não existe título executivo quanto às custas de parte, por o embargante não ter sido pessoalmente interpelado da respectiva nota discriminativa e justificativa?
11.ª Se era exigível que a dita nota fixasse prazo para pagamento?

A embargada contra-alegou, no sentido de ao recurso ser negado provimento.

Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.
Os factos relevantes à decisão são os descritos no relatório.

Aplicando o Direito.
1. Nulidade por omissão de pronúncia
Quanto à invocação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia – art. 615.º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil – ao não conhecer da requerida suspensão da instância e do erro na forma de processo, diremos que esta nulidade apenas ocorre quando o juiz não resolve todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, ou conheça de outras questões não suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso das mesmas.
Ora, a decisão recorrida não declarou a suspensão da instância, porquanto entendeu que existia título executivo e que os fundamentos invocados pelo embargante não se enquadravam no art. 729.º do Código de Processo Civil, e daí que a questão da suspensão da instância tenha ficado prejudicada pela solução dada àquela primeira questão.
E quanto à questão do erro na forma de processo, o despacho recorrido declarou que existia título executivo bastante quanto ao pagamento da quantia reclamada a título de custas de parte, e esse raciocínio também implicava que a forma de processo era a adequada.
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2. Suspensão da instância
Entrando, agora, na apreciação da suspensão da execução por pendência da causa prejudicial que seria o processo n.º 3633/22.0T8STB – para além da questão se ter tornado inútil, em virtude do trânsito em jugado da sentença que julgou procedente a excepção de caso julgado e absolveu a ali Ré da instância, sempre diríamos que a acção executiva não pode ser suspensa com fundamento na pendência de causa prejudicial, dado não haver ali decisão sobre o mérito da causa (o direito a efectivar já está declarado), não existindo assim a relação de dependência prevista no art. 272.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
De resto, não pode afirmar-se sequer que a pendência de uma causa constitua “outro motivo justificado” – segunda parte da mesma norma – pois se assim fosse estar-se-ia a aplicar o mesmo fundamento de “causa prejudicial”, que a lei não permite.[1]
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3. Erro na forma de processo
Argumenta o Recorrente que ocorre erro na forma de processo na acção executiva, pois deveria ter sido utilizada a “execução com diversas finalidades”, destinada à restituição do imóvel e ao pagamento de quantia certa.
Diremos que o art. 710.º do Código de Processo Civil permite cumular na mesma execução todos os pedidos julgados procedentes se o título executivo for uma sentença. Não estabelece limites à cumulação de execuções com objectos diferentes, e certo é que o art. 626.º n.ºs 4 e 5 regula expressamente a cumulação de execuções para pagamento de quantia certa, entrega de coisa certa ou para prestação de facto.[2]
Logo, podia a exequente cumular a entrega do imóvel com o pagamento das custas de parte, cuja condenação também resulta do título executivo que é a sentença, motivo pelo qual esta parte do recurso não procede.
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4. Do reconhecimento do crédito do embargante, da compensação de créditos e do exercício do direito de retenção
Nesta Relação de Évora já foi afirmado que, “no âmbito da oposição à execução, o crédito exequendo só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva, ou seja, que seja judicialmente exigível, pois o processo executivo não comporta a definição do contracrédito.”[3][4]
Mas, mesmo para os que concedem que o executado pode opor-se à execução baseada em sentença condenatória, com fundamento na existência de contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos, e que esta não carece de prévio reconhecimento judicial ou extrajudicial, estabelecem o seguinte limite: “o executado só pode invocar, em sede de embargos de executado, o seu contracrédito para efeitos de compensação, se não o pôde invocar, por via de reconvenção, no âmbito da acção declarativa precedente, por não terem ainda ocorrido os factos que fundamentavam o alegado crédito do executado.”[5]
Na doutrina é esta a interpretação mais recente que tem prevalecido.
Rui Pinto escreve que “apenas se a situação de compensabilidade ocorrer depois do encerramento da discussão na 1ª instância é que a compensação pode ser alegada na oposição à execução de sentença; se foi feita extrajudicialmente, deve ser alegada ao abrigo do artigo 729º al. g); se for feita na própria petição de embargos, deve ser invocada a al. h). (…) Assim, também a compensação judicial realizada por meio de oposição à execução deverá ser superveniente, i.e., o estado de compensabilidade completou-se depois do momento em que o executado tivera o ónus de a deduzir na acção declarativa. Ao invés, o réu que, podendo, não fez, podendo, a declaração de compensação na contestação (cf. artigo 266º nº 2 al. c)) ou em articulado superveniente (cf. artigo 588º nº 1), não o pode fazer na oposição à execução.”[6]
De igual modo, Lebre de Freitas ensina que “uma vez entendido que o titular do contracrédito tem hoje um ónus de reconvir, o momento preclusivo recua à data da contestação (a reconvenção não pode ser deduzida em articulado superveniente); a invocação da compensação só não será, pois, admissível quando ela já era possível à data da contestação da acção declarativa, só assim se harmonizando o regime da alínea h) com o da alínea g) do art. 729º.”[7]
No mesmo sentido também se pronunciam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, na sua anotação ao art. 729.º do Código de Processo Civil.[8]
No caso, o contracrédito invocado pelo embargante não é superveniente em relação à sentença em execução. Podia ter sido invocado em sede da contestação que apresentou na acção declarativa com o n.º 6606/19.7T8STB, como efectivamente fez, deduzindo reconvenção com o objectivo desse crédito ser reconhecido.
O resultado é o que consta do relatório deste Acórdão: não foi reconhecido o crédito invocado pelo embargante, por decisão transitada em julgado.
Insistiu, propôs uma segunda acção com o mesmo intuito, e o resultado é o que está documentado: foi declarado que sobre a matéria existia caso julgado.
Não pode, pois, em sede de embargos de executado continuar a invocar o mesmo contracrédito no qual já decaiu, motivo pelo qual também esta parte das suas alegações são desatendidas.
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5. Da notificação pessoal da nota discriminativa e justificativa de custas de parte e do prazo de pagamento
Neste assunto, a jurisprudência não tem fornecido resposta unânime, dividindo-se entre os que exigem a notificação da nota de custas de parte directamente ao devedor[9], apoiados na doutrina por Salvador da Costa[10], e os que se bastam com a notificação ao mandatário constituído.[11]
Convence-nos esta última posição, pois não existe qualquer norma especial que imponha a notificação da nota de custas de parte directamente à parte devedora, prevalecendo a regra que resulta do art. 247.º n.º 1 do Código de Processo Civil: as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.
No caso não foi estabelecida qualquer excepção a tal regra, e não é aplicável, por analogia, o disposto no art. 31.º n.º 1 do RCP, que trata da conta de custas, numa relação jurídica que se estabelece entre os utentes dos serviços de justiça e o Estado, enquanto o art. 25.º rege uma relação entre partes do processo.
De todo o modo, é impressiva a diferença de redacções entre o art. 25.º n.º 1 e o art. 31.º n.º 1 do RCP: neste exige-se expressamente a notificação da conta de custas “ao Ministério Público, aos mandatários, ao agente de execução e ao administrador de insolvência, quando os haja, ou às próprias partes quando não haja mandatário, e à parte responsável pelo pagamento”, enquanto naquele se basta com a mera remessa na nota discriminativa e justificativa de custas de parte “para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução”.
O caso possui, contudo, uma especificidade relevante para a decisão da questão: o Ilustre Mandatário do embargante dispõe de procuração forense que lhe permite pagar e receber custas judiciais e de parte, o que implica a concessão de mandato para tratar de todas as questões relativas às custas de parte, entre elas o recebimento das competentes notificações da parte contrária e proceder ao seu pagamento.
Finalmente, quanto ao prazo de pagamento, as custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas – art. 26.º n.º 1 do RCP – e portanto devem ser pagas no mesmo prazo que as custas judiciais – 10 dias, como resulta do art. 31.º n.º 1 do mesmo diploma, desta vez por remissão permitida pelo citado art. 26.º n.º 1.
De onde se conclui que, no caso específico dos autos, nem a nota discriminativa e justificativa de custas de parte carecia de ser notificada pessoalmente, nem carecia de ser imposto outro prazo de pagamento, que não aquele que resulta já da lei, motivo pelo qual também esta parte do recurso improcede.

Decisão.
Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.

Évora, 25 de Janeiro de 2024

Mário Branco Coelho (relator)
Maria José Cortes
José António Moita

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[1] Neste sentido, vide o Acórdão da Relação de Guimarães de 17.02.2022 (Proc. 391/17.4T8VCT-D.G1), e da Relação de Coimbra de 19.05.2020 (Proc. 1075/09.2TBCTB-E.C1), de 26.04.2022 (Proc. 33/19.3GASRE-C.C1), e de 14.06.2022 (Proc. 806/18.T8GRD-D.C1), todos em www.dgsi.pt.
[2] Neste sentido, Rui Pinto, in A Acção Executiva, AAFDL Editora, 2018, págs. 322 e 323.
[3] Acórdão de 30.05.2019 (Proc. 5432/18.5T8STB-A.E1), em www.dgsi.pt.
[4] Adoptando o mesmo entendimento, vide o Acórdão da Relação do Porto de 10.02.2022 (Proc. 21922/19.0T8PRT-A.P1), em www.dgsi.pt.
[5] Acórdão da Relação de Lisboa de 20.06.2023 (Proc. 174/22.0T8LRS-A.L1-7), em www.dgsi.pt.
[6] Loc. cit., págs. 396 e 397.
[7] In A acção executiva à luz do CPC de 2013, 7.ª ed., pág. 205.
[8] In CPC Anotado, vol. II, págs. 85 e 86.
[9] Vide, por todos, o Acórdão da Relação de Guimarães de 26.10.2023 (Proc. 4799/22.5T8VNF-A.G1), em www.dgsi.pt.
[10] In As Custas Processuais, 8.ª ed., Almedina, 2021, a pág. 166.
[11] Vide, por todos, o Acórdão da Relação de Lisboa de 07.12.2023 (Proc. 558/23.6T8OER-A.L1-8), em www.dgsi.pt.