Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
698/17.0T8TNV.E1
Relator: CRISTINA DÁ MESQUITA
Descritores: HERANÇA
DEPÓSITO BANCÁRIO
LEVANTAMENTO DE DINHEIRO DEPOSITADO
IMPOSTO DE SELO
Data do Acordão: 09/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
1 – Nos termos do Código de Imposto de Selo aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11.09, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30.12, e designadamente dos seus arts. 63.º-A, 26.º, n.º 1 e n.º 2 e 28.º, n.º 1, o levantamento de quaisquer depósitos confiados a uma instituição bancária e que hajam sido objeto de uma transmissão gratuita, deve ser precedido do procedimento previsto no n.º 1 do art. 63-A, sob pena de a instituição bancária incorrer em responsabilidade solidária pelo pagamento do imposto de selo devido ao Estado, nos termos do n.º 2 daquele normativo.
2 – Pretendendo o autor/recorrente levantar metade dos valores depositados nas constas abertas pela falecida em instituição bancária a qual por testamento atribuiu em comum e partes iguais o dinheiro que possuía depositado à ordem e a prazo, a favor do recorrente e de terceiro, tinha aquela instituição bancária de exigir ao recorrente a demonstração do pagamento do imposto de selo relativo aos valores depositados – o que é diverso da demonstração da respetiva liquidação – ou a demonstração da respetiva isenção.
3 – Em face do teor do art. 63.º-A, n.º 1 do Código do imposto de Selo, à ré incumbia apenas o ónus de alegação e prova da falta de demonstração, pelo autor, do pagamento do imposto de selo devido e da devida participação dos valores depositados nas contas bancárias da falecida, sendo sobre o autor que recaía o ónus de prova de que havia pago o imposto de selo devido e realizado a devida relacionação dos bens isentos do pagamento de imposto de selo.
4 – A conta poupança-reformado é uma conta de depósito a prazo, pelo que não se lhe aplica a isenção de pagamento de imposto de selo a que alude o art. 1.º, 5, alínea b), do Código do Imposto de Selo.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
I.1.
BB, autor na ação declarativa de condenação que moveu contra a CC, SA, interpôs recurso da sentença proferida pelo Juízo Local Cível de Torres Novas, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, o qual julgou procedente a exceção perentória inominada invocada pela ré consistente no incumprimento, pelo autor, da obrigação prevista no art. 63.º-A, do Código de Imposto de Selo e, em consequência, absolveu esta última dos pedidos formulados pelo autor que consistiam na condenação da ré a pagar ao autor metade dos saldos das contas bancárias abertas na agência da ré do Barreiro, em nome da falecida DD, acrescida dos juros entretanto vencidos e dos vincendos, até integral pagamento.

Na presente ação o autor/recorrente pediu a condenação da CC, SA a pagar-lhe a quantia de 13.920,61 € correspondente a metade do saldo existente nas contas bancárias abertas na agência da ré do Barreiro, em nome da falecida DD e que, à data do seu relacionamento, somavam 27.841,23 €, acrescida dos juros vencidos e vincendos até integral pagamento.
Para tal desiderato o autor alegou que, por sentença proferida no processo de inventário n.º 712/09.3TBTNV que correu termos no Juízo Local Cível de Torres Novas instaurado por óbito de DD, foi adjudicado ao autor metade dos saldos bancários depositados na ré, em nome da falecida, pelo que é dono de metade do saldo das contas bancárias n.ºs …/756, …/200 e …/400 e que embora tivesse solicitado à ré a entrega desses valores, esta recusou fazê-lo.
Citada, a ré contestou, alegando que aquando do pedido de entrega dos valores depositados informou o autor dos documentos necessários à instrução do processo interno de habilitação de herdeiros de DD e entre os documentos entregues por aquele não constava a certidão do imposto de selo por óbito emitida pelo Serviço de Finanças comprovativa de que as contas existentes na ré estavam relacionadas e que o imposto estava pago. Mais alegou que dos documentos apresentados pelo autor resulta que as contas bancárias identificadas no artigo 8.º da contestação não estão corretamente relacionadas junto da Autoridade Tributária e Aduaneira e que aquelas contas não estão todas relacionadas e que só poderá autorizar a mobilização de saldos na proporção que pertence ao autor quando o mesmo apresentar certidão que ateste o correto relacionamento de todas as verbas e do pagamento do respetivo imposto de selo ou de que o mesmo não é devido.
Na sequência da contestação apresentada pela ré, o autor deduziu ampliação do pedido, peticionando a condenação da ré no pagamento do montante de 14.376,25 € correspondente a metade dos saldos existentes nas contas bancárias abertas junto da ré em nome de DD. E alegou que a conta bancária n.º …/756 é uma conta poupança reforma pelo que o levantamento dos valores nela depositados não está sujeito ao pagamento de imposto de selo.
O tribunal de primeira instância admitiu a ampliação do pedido.
Foi solicitado à Autoridade Tributária e Aduaneira que informasse se se mostrava liquidado o imposto de selo referente às contas bancárias identificadas no artigo 8.º da contestação, pelos saldos aí expressos, se existiam obrigações tributárias incumpridas que obstassem a que fosse autorizado o levantamento desses saldos bancários, se o imposto de selo devido pelos depósitos/saldos constantes das contas bancárias identificadas no artigo 8.º da contestação estava integralmente pago e se existiam outras obrigações tributárias incumpridas a fim de poder ser autorizado o levantamento desses saldos bancários junto da instituição bancária.
A Autoridade Tributária e Aduaneira prestou as informações juntas a fls. 59 a 78, documentos que foram notificados ao autor e à ré.
Foi designada data para a realização de audiência prévia, com as finalidades previstas no artigo 591.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC, no âmbito da qual foi tentada a conciliação das partes, que se frustrou por as partes manterem as posições exaradas nos articulados, e foi concedida às partes a possibilidade de se pronunciarem de facto e de direito sobre os termos do litígio.
Saneado o processo, foi proferida a decisão objeto do presente litígio.

I.2.
O recorrente apresentou as respetivas alegações de recurso que culminam com as seguintes conclusões:
«1) É ininteligível e frontalmente contrário à lei o entendimento vertido na sentença recorrida: “Pelo que sendo a conta bancária n.º …765 uma conta poupança-reformado, a mesma constitui uma conta de depósito, cujo saldo não está coberto pela isenção de pagamento de imposto de selo, prevista no1.º, n.º 5, alinea b) do Código de Imposto de Selo e está sujeito ao pagamento de imposto de selo, nos termos previstos no artigo 1.º, n.º 3, alínea c) do Código de Imposto de Selo.” Está provado em 12. que «A conta bancária n.º …765, aberta na ré em nome de DD, é uma conta poupança-reformado. Logo, a conta poupança-reforma sub judice integra-se na previsão legal da norma constante do artigo 1.º 5 b) do Código do Imposto do Selo.

2) Esta questão que a sentença a quo decide contra legem não foi sequer submetida à apreciação do Tribunal, sendo eloquente o Requerimento da Ré CC, SA, com a referência Citius 5195759, de 16/08/2018: “7. E justifica tal falta de relacionamento por a referida conta ser uma conta poupança reforma, a qual não está sujeita a imposto por se verificar a isenção do mesmo ao abrigo do disposto no nº 5 al. b) do artº. 1º do CIS; 8. Tudo isto está correto e não é, sequer, posto em causa pela Ré!; 9. Porém, independentemente do imposto de selo não ser devido, por a conta em causa se encontrar isenta do respetivo pagamento, existe a obrigação da sua relacionação – vide última parte do transcrito nº 1 do artº. 63º-A do CIS”.

3) Ao decidir que conta poupança-reforma n.º …765, aberta na ré em nome de DD não está coberta pela isenção prevista no artigo 1.º 5 b) do Código do Imposto do Selo, a sentença recorrida é nula porque conhece de questões de que não podia tomar conhecimento e ainda porque os seus fundamentos estão em oposição com a decisão, ex vi do disposto no artigo 615.º 1 c) e d) do Código de Processo Civil.

4) A sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação da lei, não só do artigo 1.º 5 b) do Código do Imposto de Selo, mas também dos artigos 26.º e 63.º daquele diploma legal, como se dirá. O artigo 1º do Código estabelece que não são sujeitas a imposto de selo as transmissões gratuitas de valores aplicados em fundos de poupança-reforma. O artigo 26.º limita a obrigação de participação a “qualquer transmissão gratuita sujeita a imposto”. Logo, resulta textualmente da lei – e de uma correta interpretação do diploma legal – que não existe obrigação de Participação quanto às transmissões gratuitas não sujeitas a imposto de selo.

5) Deste modo, a sentença recorrida decide com base no artigo 63.º–A do Código do Imposto do Selo e como se o Autor baseasse a sua pretensão numa “habilitação de herdeiros”. Sucede porém que o direito do Autor resulta de uma sentença judicial transitada em julgado, pelo que o preceito legal do Código do Imposto de Selo aplicável ao caso dos autos, não é o aplicado pelo Tribunal a quo. A norma legal pertinente é a do artigo 62.º do Código do Imposto de Selo.

6) Os meios de prova que levaram o Tribunal a considerar provado o facto elencado em 14. são documentos que se encontram juntos aos autos. É ininteligível que a Autoridade Tributária e Aduaneira possa informar que o imposto não se encontra pago, depois de ter atestado que “não é possível verificar se o Imposto se encontra pago, por a informação do Sistema de Cobrança, só estar disponível relativamente aos últimos seis anos”. Aliás, o próprio Tribunal recorrido reconhece que os “autos não permitem demonstrar que o imposto de selo respeitante às contas bancárias identificadas em 4) foi pago pelos herdeiros ou legatários”. Os autos não contém pois elementos de prova que permitam sustentar o facto provado 14., o qual deverá ser considerado não provado ou eliminado, atenta a sua inutilidade.

7) Entende a sentença recorrida que os “autos não permitem demonstrar que o imposto de selo respeitante às contas bancárias identificadas em 4) foi pago pelos herdeiros ou legatários”. E, vai daí, julga procedente “a exceção invocada pela ré para recusar o levantamento dos valores monetários depositados nas contas bancárias abertas na ré, em nome de Filomena Ferreira, designadamente nas contas bancárias ns.º …400, …200, 765 e …200, por não terem sido cumpridas pelo autor as obrigações fiscais previstas no artigo 63.º-A, n.º 1 do Código de Imposto de Selo”. Ao assim decidir, o Tribunal a quo faz errada interpretação e aplicação das normas constantes do Código do Imposto do Selo supra referidas e ignora o ali disposto no artigo 39.º e as normas da Lei Geral Tributária, designadamente as respeitantes à caducidade e à prescrição.

8) Verifica-se a caducidade do direito à liquidação se esta não for notificada dentro do prazo de quatro anos contados, no caso dos impostos de obrigação única, como o é o Imposto de Selo, da data em que o facto tributário ocorreu (cfr. art. 45.º, n.ºs 1 e 4, da LGT). A prescrição do Imposto do Selo ocorre no prazo de 8 anos contados a partir da data em que o facto tributário ocorreu. Tendo a de cuius falecido em 06/03/2009 e a Participação do Imposto do Selo sido apresentada em 08/05/2009, dúvidas não subsistem de que o Autor não é devedor de Imposto do Selo – quer por o mesmo não ser devido quanto ao valor em 4.5, quer por estar pago relativamente aos valores 4.1 a 4.4 e 4.6 a 4.8, quer porque, ainda que assim não fosse, teria caducado o direito à liquidação e/ou estaria prescrito o imposto. É pois nula a sentença recorrida que não conhece matéria que tinha o dever de apreciar.

9) A sentença recorrida que considera os “autos não permitem demonstrar que o imposto de selo respeitante às contas bancárias identificadas em 4) foi pago pelos herdeiros ou legatários” e, vai daí, decide como se o mesmo não estivesse pago, faz ilegal inversão do ónus da prova: quem invoca a “exceção perentória inominada” “para recusar o levantamento dos valores monetários” “por não terem sido cumpridas pelo autor as obrigações fiscais”, foi a Ré.

10) Logo, competia à Ré a prova da falta do pagamento do Imposto do Selo devido. Mas, a Ré não provou que “o imposto de selo respeitante às contas bancárias identificadas em 4)” não tenha sido pago pelos herdeiros ou legatários.

11) Ao entender que os elementos juntos aos autos não permitiam concluir que o imposto foi pago, o Tribunal a quo não podia ter decidido como se o mesmo não tivesse sido pago. As regras atinentes ao ónus da prova, impedem também que o Tribunal a quo imponha ao autor a prova (e contra prova) de factos alegados como “exceção invocada pela ré”.

12) Na prática, a sentença recorrida permite que a Ré mantenha na sua posse valor que lhe não pertence e que é do autor. Mais, a sentença recorrida conduz a um non liquet: o imposto não é devido, não está demonstrado que o imposto não tenha sido pago, já prescreveu o imposto e já caducou o direito à liquidação do imposto, mas a sentença recorrida assegura à Ré o direito de continuar na posse do que não lhe pertence, enquanto o autor não demonstrar o pagamento de um imposto que está por demonstrar seja devido e/ou não tenha sido pago, sendo certo que em 2019 o mesmo já prescreveu e caducou o direito à sua liquidação… a sentença recorrida garante assim a impossibilidade de o Autor receber o que lhe pertence ao mesmo tempo que assegura à Ré a manutenção do que não é seu. Estamos pois perante uma sentença ininteligível, o que conduz à sua nulidade.

13) A sentença faz errada apreciação da matéria de facto provada, designadamente do facto provado em 11. ao afirmar que “o saldo depositado na conta bancária n.º …200, no montante de € 1.309,43 não foi relacionado nem participado à Autoridade Tributária e Aduaneira na sua totalidade, mas apenas foi relacionado metade do saldo depositado nessa conta, e o saldo depositado na conta bancária n.º …400, no montante de € 843,52 não foi corretamente participado à Autoridade Tributária e Aduaneira”, uma vez que os saldos das mencionadas contas foram total e corretamente participado.

14) Estando provado nos autos, além do mais, os factos 6, 7, 10 e 12, não poderia o Tribunal a quo ter deixado de condenar a Ré a entregar ao Autor metade do saldo ali depositado.»

I.3.
A recorrida apresentou resposta às alegações de recurso, pugnando pela improcedência do recurso.
O tribunal a quo conheceu das nulidades de sentença invocadas, julgando-as improcedentes.
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no art. 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, nº 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (art. 608.º, n.º 2 e art. 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (arts. 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPC).

II.2.
As questões que importa decidir são as seguintes:
1 – Nulidade da sentença.
2 – Impugnação da decisão sobre matéria de facto.
3 – Erro de julgamento.

II.3.
Factos provados
O tribunal de primeira instância julgou provada a seguinte factualidade:
1. DD faleceu no dia 06.03.2009, no estado de viúva de EE.
2. Por testamento outorgado em 02.02.1972, lavrado a folhas seis verso a folhas sete do Livro T – vinte e sete de notas para Testamentos Públicos e Escrituras de Revogação de Testamentos do extinto Primeiro Cartório Notarial do Barreiro, de que é fiel depositário o Cartório Notarial do Barreiro de Aniana Bilimória, DD atribuiu, em comum e em partes iguais, o dinheiro que possui depositado, à ordem e a prazo, a favor de BB e de FF.
3. À data do óbito, DD deixou bens móveis e imóveis.
4. Em 06.03.2009, DD tinha depositado em contas bancárias abertas na ré o montante global de € 28.752,50, depositado nas seguintes contas bancárias:
41. Conta n.º 141017413400, titulada por Filomena Graça Nunes Gomes Ferreira, com saldo depositado no montante de € 843,52;
4.2. Conta n.º …120, titulada por DD, sem saldo depositado;
4.3. Conta n.º …200, titulada por DD, com saldo depositado no montante de € 1.322,84;
4.4. Conta n.º …628, titulada por DD, sem saldo depositado;
4.5. Conta n.º …765, titulada por DD, com saldo depositado no montante de € 25.276,71;
4.6. Conta n.º …200, titulada por DD e por GG, com saldo depositado no montante de € 1.309,43;
4.7. Conta n.º 200, titulada por HH, DD e II, sem saldo depositado;
4.8. Conta n.º 961, titulada por HH, DD e II, sem saldo depositado.
5. Para partilha dos bens deixados por óbito de DD, foi intentado processo de inventário com o n.º 712/09.3TBTNV, que correu termos no Juízo Local Cível de Torres Novas.
6. No processo de inventário referido em 5) foram relacionados os saldos depositados nas seguintes contas bancárias abertas na ré em nome de DD:
6.1. Conta n.º …/400, com o saldo de € 843,52;
6.2. Conta n.º …/120, com o saldo de € 0,00;
6.3. Conta n.º …/200, com o saldo de € 0,00;
6.4. Conta n.º …/961, com o saldo de € 0,00;
6.5. Conta n.º …/200, com o saldo de € 1.721,00;
6.6. Conta n.º …/628, com o saldo de € 0,00;
6.7. Conta n.º .../765, com o saldo de € 25.276,71;
6.8. Conta n.º …/200, com o saldo de € 0,00.
7. Por sentença proferida em 14.03.2017, transitada em julgado em 28.04.2018, no âmbito do processo de inventário referido em 5), foi adjudicado ao autor e a FF, em comum e sem determinação de parte ou direito, os saldos bancários referidos em 6).
8. Em 24.02.2017, o autor promoveu a abertura de um processo de habilitação de herdeiros de DD e solicitou à ré a entrega dos saldos bancários depositados em contas bancárias abertas na ré, em nome deDD, identificadas em 4.1., 4.3., 4.4., 4.5., 4.6., e na conta bancária n.º …120.
9. Por escrito datado de 13.04.2017, a ré solicitou ao autor o envio dos seguintes documentos para instrução do processo referido em 8): “certidão emitida pelo competente Serviço de Finanças, no âmbito do Imposto do Selo, gerada por óbito de DD, ocorrido em 2009-03-06, comprovativa de que as contas de depósito constantes abaixo, foram relacionadas pelos valores existentes à data do óbito e que o respetivo Imposto de Selo se mostre pago ou não ser devido:
N.º Conta …400 da Agência do Barreiro
- Natureza: Conta Caderneta
- Titular: DD
- Saldo à Data do Óbito: 843,52 Euros
- Saldo Atual: 673,27 Euros
N.º Conta ..200 da Agência do Barreiro
- Natureza: Conta Caderneta
- Titular: DD
- Saldo à Data do Óbito: 1.322,84 Euros
- Saldo Atual: 2.744,66 Euros
N.º Conta …765 da Agência do Barreiro
- Natureza: Conta Poupança Reformado
- Titular: DD
- Saldo à Data do Óbito: 25.276,71 Euros
- Saldo Atual: 25.276,71 Euros
N.º Conta …200 da Agência do Barreiro
- Natureza: Conta Caderneta
- Titular: DD e GG
- Saldo à Data do Óbito: 1.309,43 Euros
- Saldo Atual: 0,00 Euros”.
10. O autor entregou à ré certidão do registo de participação n.º 728833, do Imposto de Selo, apresentada na Autoridade Tributária e Aduaneira em 08.05.2009.
11. Do registo de participação n.º 728833 do Imposto de Selo, efetuado à Autoridade Tributária e Aduaneira, por óbito de DD, constam relacionados designadamente os seguintes bens:
11.1. Metade do saldo depositado na conta bancária n.º ...200, aberta na ré, no valor de € 654,70 (sob a verba n.º 2);
11.2. Metade do saldo depositado na conta bancária n.º …200, no valor de € 1.322,84 (sob a verba n.º 3);
11.3. Metade do saldo depositado na conta bancária n.º …400, no valor de € 843,52 (sob a verba n.º 4);
11.4. Metade do saldo depositado na conta bancária n.º ...200, aberta na ré, no valor de € 654,70 (sob a verba n.º 8);
11.5. Metade do saldo depositado na conta bancária n.º …200, no valor de € 1.322,84 (sob a verba n.º 9);
11.6. Metade do saldo depositado na conta bancária n.º …400, no valor de € 843,52 (sob a verba n.º 10).
12. A conta bancária n.º …765, aberta na ré em nome de DD, é uma conta poupança-reformado.
13. A conta bancária n.º …765, titulada por DD, com saldo depositado na ré no montante de € 25.276,71, não foi relacionada na participação de Imposto de Selo n.º 728833 apresentada na Autoridade Tributária e Aduaneira.
14. Em 17.10.2018, o imposto de selo em nome de BB, referente à participação n.º 728833, por óbito deDD, não se encontrava pago.

II.4.
II.4.1.
Nulidade da sentença
Os fundamentos invocados pelo recorrente quanto à nulidade da sentença são os seguintes:
1) «Ao decidir que a conta poupança-reforma n.º …765, aberta na ré em nome de DD, não está coberta pela isenção prevista no artigo 1.º, 5 b) do Código do Imposto do Selo, a sentença recorrida é nula porque conhece de questões de que não podia tomar conhecimento e ainda porque os seus fundamentos estão em oposição com a decisão, ex vi do disposto no artigo 615.º 1 c) e d) do Código de Processo Civil.» (cfr. pontos n.ºs 2 e 3 das conclusões do recurso).
2) «[…] a sentença recorrida garante assim a impossibilidade de o Autor receber o que lhe pertence ao mesmo tempo que assegura à Ré a manutenção do que não é seu. Estamos pois perante uma sentença ininteligível, o que conduz à sua nulidade.» (cfr. ponto n.º 12 das conclusões de recurso).
3) «Verifica-se a caducidade do direito à liquidação se esta não for notificada dentro do prazo de quatro anos contados, no caso dos impostos de obrigação única, como o é o Imposto de Selo, da data em que o facto tributário ocorreu (cfr. art. 45.º, n.ºs 1 e 4, da LGT). A prescrição do Imposto do Selo ocorre no prazo de 8 anos contados a partir da data em que o facto tributário ocorreu. Tendo a de cuius falecido em 06/03/2009 e a Participação do Imposto do Selo sido apresentada em 08/05/2009, dúvidas não subsistem de que o Autor não é devedor de Imposto do Selo – quer por o mesmo não ser devido quanto ao valor em 4.5, quer por estar pago relativamente aos valores 4.1 a 4.4 e 4.6 a 4.8, quer porque, ainda que assim não fosse, teria caducado o direito à liquidação e/ou estaria prescrito o imposto. É pois nula a sentença recorrida que não conhece matéria que tinha o dever de apreciar.» (cfr. ponto n.º 7 das conclusões de recurso).
São, pois, três os fundamentos de nulidade invocados: ininteligibilidade da sentença; conhecimento de questões que o tribunal não podia conhecer e o não conhecimento de questões que o tribunal deveria ter conhecido oficiosamente.
Importa, por conseguinte, chamar à colação o disposto no art. 615.º, do CPC que sob a epígrafe Causas de nulidade da sentença, prescreve nas als. c) e d), do seu n.º 1 que:
«1 - É nula a sentença quando:
[…]
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
[…]».
Quanto à «ininteligibilidade» da sentença, este vício pode decorrer, nos termos da norma citada, quer da ambiguidade ou obscuridade da sentença quer da existência de oposição entre os fundamentos e a parte decisória da sentença.
Estamos perante a primeira situação («ininteligibilidade») quando um declaratário normal, nos termos do art. 236.º, n.º 1 e do art. 238.º, n.º 1, ambos do Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar[1]. Ou, dito de outra forma, a sentença é ambígua ou obscura quando se mostra impossível compreender o sentido e/ou o alcance do segmento decisório da sentença, por este ser suscetível de mais do que uma interpretação e/ou não se apresentar claramente expresso.
No que respeita à segunda situação («oposição entre os fundamentos da sentença e a parte decisória da mesma»), ela ocorrerá quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, isto é, os fundamentos invocados na decisão conduzem, num processo lógico, a uma solução oposta àquela que foi adotada. Como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 05.06.2018, processo n.º 503/14.0TMFUN-D.L1-7[2]: «Trata-se de um vício formal, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença. […] Não se confundindo, enquanto vício de natureza processual, com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal, ou porque decide contrariamente aos factos apurados ou contra lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente».
Quanto aos demais vícios da sentença invocados pelo recorrente, concretamente os que constam da alínea d) do normativo legal citado, dir-se-á que o tribunal tem de conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e, ainda, de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, nos termos do art. 608.º, n.º 2, do CPC. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., p. 713, sublinham, citando Alberto dos Reis: «Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas».
Em contraponto, o juiz não pode conhecer de causas de pedir não invocadas nem de exceções não deduzidas que se encontrem na exclusiva disponibilidade das partes.
Retornando ao caso sub judicie, no que à alegada «ininteligibilidade» da sentença concerne, dir-se-á que aquela não padece da nulidade imputada porquanto:
(1) não existe qualquer contradição entre os fundamentos e a conclusão; e
(2) da mesma resulta de forma cristalina o percurso intelectual seguido pelo tribunal de primeira instância para concluir, a final, que improcede o alegado pelo autor/recorrente quanto à isenção de pagamento de imposto de selo dos valores monetários depositados, à data do óbito de DD, na conta poupança-reformado n.º 141050560765 aberta junto da ré.
Ao conhecer da questão relacionada com a isenção de pagamento de imposto prevista no art. 1.º, n.º 5, al. b), do Código de Imposto, o tribunal de primeira instância limitou-se a apreciar e decidir sobre uma questão que foi alegada pelo próprio recorrente quando respondeu às exceções alegadas pela ré na contestação. Com efeito, e como refere o sr. juiz a quo (cfr. despacho em que aquele conheceu da nulidade em causa) no art. 13.º do articulado apresentado pelo autor/recorrente em 15.01.2015 aquele alegou que os valores depositados na conta supra mencionada «não estão sujeitos a imposto de selo nos termos previstos no art. 1.º, n.º 5, alínea b), do Código de Imposto de Selo». Por conseguinte, a sentença respeitou os limites legalmente impostos quando conheceu da natureza da conta bancária em causa e, em conformidade, afastou a aplicação da isenção prevista no normativo acima referido.
Por último, no que respeita às exceções de prescrição e de caducidade invocadas pelo recorrente, como ponto prévio se dirá que não estamos perante matéria excluída da disponibilidade das partes, pelo que a caducidade do direito à liquidação não tem de ser conhecida oficiosamente pelo tribunal (art. 333.º do Código Civil) e a prescrição do imposto de selo tem de ser invocada por aquele a quem aproveita (art. 303.º do Código Civil). E nenhuma destas exceções foram suscitadas pelo autor/recorrente perante o tribunal de primeira instância, pelo que este não tinha de as conhecer e não as conheceu. Assim, a sua invocação pelo autor/recorrente (apenas) na instância recursiva constitui «questão nova» e, portanto, arredada do conhecimento e decisão deste tribunal de segunda instância. Com efeito, e como sublinha Abrantes Geraldes[3]: «A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objeto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas. Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. […] Compreendem-se perfeitamente as razões que levaram a que o sistema tenha sido assim desenhado. A diversidade de graus de jurisdição determina que, em regra, os Tribunais Superiores apenas devem ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios
Em face do exposto, julgam-se improcedentes as nulidades de sentença invocadas pelo recorrente, improcedendo, assim, este segmento do recurso.

II.4.2.
Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
II.4.2.1.
Facto provado n.º 14
O facto provado impugnado tem a seguinte redação:
«Em 17.10.2018, o imposto de selo em nome de BB referente à participação n.º 728833, por óbito de DD, não se encontrava pago.»
Insurge-se o recorrente contra o facto de o tribunal a quo ter fundado a sua convicção, no que àquele facto concerne, em documentos juntos aos autos provenientes da Autoridade Tributária e Aduaneira, uma vez que a informação neles contida é “ininteligível”, concluindo que, não existindo elementos de prova que permitam sustentar aquele facto, o mesmo deverá ser considerado não provado.
Liminarmente se dirá que o recorrente não tem razão.
Pese embora do teor do ofício junto a fls. 59 e datado de 01.06.2018 conste que a participação do imposto do selo sob o n.º 72883 por óbito de DD foi liquidada em 2011 e que «não é possível verificar se o imposto se encontra pago por a informação do Sistema de Cobrança só estar disponível relativamente aos últimos seis anos», no ofício que consta de fls. 78, datado de 17.10.2018, portanto cerca de quatro meses depois do primeiro, consta já a seguinte informação: «[…] o imposto em nome de BB referente à transmissão por óbito de DD, participação do Imposto do Selo n.º 728833, não se encontra pago».
Ofício cujo teor não foi impugnado na primeira instância.
Em face do exposto, não merece censura a decisão do tribunal a quo de julgar provado o facto em análise, improcedendo, assim, este segmento do recurso.

II.4.3.
Direito
O autor/recorrente invoca erro de julgamento do juiz a quo, alegando que aquele «faz errada apreciação da matéria de facto provada» e que a lei impunha uma solução jurídica diferente. Concretamente, o recorrente sustenta que a conta bancária n.º …765 é uma conta poupança-reformado pelo que, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, integra-se na previsão legal da norma constante do art. 1.º, 5, b) do Código do imposto do Selo, que o tribunal a quo decidiu com base no art. 63.º-A do Código de Imposto de Selo quando a norma legal pertinente é a do art. 62.º do mesmo diploma legal, as regras atinentes ao ónus da prova impedem que o tribunal a quo imponha ao autor a prova dos factos alegados como “exceção invocada pela ré” e que a sentença faz uma errada apreciação do facto provado n.º 11 pois os saldos das contas ali mencionados foram total e corretamente participados.
Vejamos se lhe assiste razão.
Na sua contestação a ré/recorrida tinha alegado que não procedeu à entrega das quantias reclamadas pelo Autor (metade dos saldos de contas bancárias tituladas pela falecida DD) na medida em que o autor/recorrente não tinha feito prova, mediante certidão emitida pelo Serviço de Finanças, de que as contas domiciliadas junto da CC tinham sido corretamente relacionadas pelo valor do saldo à data do óbito de DD e que o respetivo imposto do selo se mostrava pago, ou não era devido. E, ainda, porque a conta onde estava depositado o saldo mais elevado — conta n.º 014. 105. 056. 076— não tinha sido descrita na relação de bens do processo de imposto do selo por óbito de DD e, consequentemente, não foi pago o respetivo imposto de selo.
A ré/recorrida, invocando o art. 63.º-A, do Código de Imposto de Selo, sustentou que teve motivo justificativo para não permitir a mobilização dos saldos das contas, em face do legalmente estabelecido.
O tribunal a quo considerou procedente a exceção invocada pela ré para recusar o levantamento dos valores monetários depositados nas contas bancárias abertas na ré em nome de DD, designadamente nas contas bancárias n.ºs …400, …200, …0765 e …200 por não terem sido cumpridas pelo autor as obrigações fiscais previstas no art. 63.º-A, n.º 1, do Código de Imposto de Selo e, consequentemente, absolveu a ré dos pedidos formulados pelo autor.
Está em causa a recusa, pela ré/recorrida, da entrega ao autor de metade dos saldos bancários depositados em contas abertas em nome de DD, falecida em março de 2009, a qual, por testamento outorgado em 02.02.1972, atribuiu em comum e partes iguais o dinheiro que possuía depositado à ordem e a prazo, a favor do aqui recorrente e de FF.
Pelo que o que importa aferir é se a recusa da ré fundada no art. 63.º-A, do Código de Imposto de Selo é legítima, ou não.
Como ponto prévio, dir-se-á que não é controvertido que se aplica, in casu, o Código do Imposto de Selo aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11.09, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30.12, considerando a data do óbito de DD já que os saldos das contas bancárias integram a herança aberta por óbito daquela, ocorrido em 06.03.2009.
Também não é controvertido que, à data do óbito de DD, aquela tinha depositado em contas bancárias abertas na ré o montante global de € 28.752,50, valor distribuído pelas seguintes contas bancárias:
(i) Conta n.º …400, com saldo depositado no montante de € 843,52;
(ii) Conta n.º …200, titulada por DD, com saldo depositado no montante de € 1.322,84;
(iii) Conta n.º …765, com saldo depositado no montante de € 25.276,71;
(iv) Conta n.º …200, titulada por DD e por GG, com saldo depositado no montante de € 1.309,43.
Dispõe o art. 63.º-A, do Código de Imposto de Selo, sob a epígrafe Levantamento de depósitos de valores monetários, que:
«1 - Nenhuma pessoa singular ou coletiva poderá autorizar o levantamento de quaisquer depósitos que lhe tenham sido confiados, que hajam constituído objeto de uma transmissão gratuita, por ela de qualquer forma conhecida, sem que se mostre pago o imposto do selo relativo a esses bens, ou, verificando-se qualquer isenção, sem que se mostre cumprida a respetiva obrigação declarativa a que se refere o n.º 2 do artigo 26.º.
2 – A inobservância do disposto no número anterior importará a responsabilidade solidária de pessoa singular ou coletiva pelo pagamento do imposto, bem como a dos administradores, diretores ou gerentes desta última que tomaram ou sancionaram a decisão.» (itálicos, negritos e sublinhado nossos).

Por sua vez, o art. 26.º, n.º 1 e 2 do mesmo diploma normativo, sob a epígrafe Participação da transmissão de bens, prescreve que:
«1 – O cabeça-de-casal e o beneficiário de qualquer transmissão gratuita sujeita a imposto são obrigados a participar ao serviço de finanças competente a doação, o falecimento do autor da sucessão, a declaração de morte presumida ou a justificação judicial do óbito, a justificação judicial, notarial ou efetuada nos termos previstos no Código do Registo Predial da aquisição por usucapião ou qualquer outro ato ou contrato que envolva transmissão de bens.
2 – A participação a que se o número anterior é de modelo oficial, identifica o autor da sucessão ou da liberalidade, as respetivas datas e locais, bem como os sucessores, donatários, usucapientes ou beneficiários, as relações de parentesco e respetiva prova, devendo, sendo caso disso, conter a relação dos bens transmitidos, com a indicação dos valores que devam ser declarados pelo apresentante.» (negrito nosso).

E o art. 28.º, n.º 1 do mesmo diploma legal dispõe que:
«Os beneficiários de transmissões gratuitas estão obrigados a prestar as declarações e proceder à relação dos bens e direitos, a qual, em caso de isenção, deve abranger os bens e direitos referidos no artigo 10.º do Código do IRS e outros bens sujeitos a registo, matrícula ou inscrição, bem como, exceto no caso de doações a favor de beneficiários isentos, os valores monetários, ainda que objeto de depósito em contas bancárias» (negritos nossos).

Resulta do cotejo dos normativos legais supra citados que o levantamento de quaisquer depósitos confiados a uma instituição bancária (como é o caso da ré/recorrida) e que hajam sido objeto de uma transmissão gratuita, deve ser precedido do procedimento previsto no n.º 1 do art. 63.º-A sob pena de a instituição bancária incorrer em responsabilidade solidária pelo pagamento do imposto de selo devido ao Estado, nos termos do n.º 2 daquele normativo.
Logo, pretendendo o autor levantar metade dos valores depositados nas contas abertas pela falecida DD na CC, a ré/recorrida tinha de exigir ao primeiro a demonstração do pagamento do imposto de selo relativo aos valores depositados — o que é diverso da demonstração da respetiva liquidação — ou a demonstração da respetiva isenção e, neste caso, o cumprimento, pelo autor, da obrigação prevista no art. 26.º, n.º 2, do Código de Imposto de Selo, atento o disposto no art. 28.º, n.º 1, daquele diploma legal.
Pelo que bem andou o tribunal a quo ao enquadrar a conduta da ré/recorrida no art. 63.º-A, do Código de Imposto de Selo.
Quanto ao ónus de prova.
Este traduz-se «para a parte a quem ele compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário» - Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, volume III, Almedina. Coimbra, 1982, p. 350.
Resta saber sobre qual das partes deve recair o ónus da prova, ou seja, a decisão desfavorável do litígio na hipótese do facto em causa ficar ilíquido.
Recorrendo uma vez mais ao ensinamento de Anselmo de Castro, ob. cit., p. 352: «O problema da distribuição do ónus da prova entre as partes reconduz-se, assim, a um problema de aplicação da lei. Ele traduz-se em determinar quais são os elementos verdadeiramente constitutivos da norma fundamentadora do direito invocado em juízo e os que já fora dela constituam elemento de uma norma que se lhe oponha-contra-norma (impeditiva ou extintiva) – decidindo contra a parte a quem interesse no processo a aplicação da norma constitutiva do direito ou da contra-norma.»
No caso sub judicie, o recorrente sustenta que foi a ré quem invocou a falta de cumprimento pelo autor das obrigações fiscais para recusar o levantamento dos valores monetários, pelo que era aquela que competia a prova da falta do pagamento do imposto do selo devido, prova que não foi feita.
Sem razão, porque se provou que em 17.10.2018, o imposto de selo em nome de BB referente à participação n.º 728833, por óbito de DD, não se encontrava pago (cfr. supra II.3).
De qualquer modo, sempre se dirá que, em face do teor do art. 63.º-A, n.º 1, do Código do Imposto de Selo — norma fundamentadora da recusa da ré em entregar os valores depositados ao autor/recorrente — à ré incumbia (apenas) o ónus de alegação e prova do facto impeditivo da entrega, a saber, a falta de demonstração, pelo autor, do pagamento do imposto de selo devido e da devida participação dos valores depositados nas contas bancárias da falecida.
Sendo sobre o autor/recorrente que recaía o ónus de prova de que havia pago o imposto de selo devido e realizado a devida relacionação dos bens isentos do pagamento de imposto de selo.
Quanto à prova do pagamento, resulta já do exposto que o autor/recorrente não a logrou fazer.
No que respeita à relacionação dos valores depositados, o recorrente sustenta que o tribunal a quo afirmou que o saldo depositado na conta bancária n.º …200, no montante de 1.309,43 € não foi relacionado nem participado à Autoridade Tributária e Aduaneira na sua totalidade, mas apenas foi relacionado metade do saldo depositado nessa conta» e que o saldo depositado na conta bancária n.º …400, no montante de 843,52 € não foi corretamente participado à Autoridade Tributária e Aduaneira, «o que não corresponde à verdade».
Pese embora a questão suscitada pelo recorrente não releve para a decisão da causa porquanto basta a prova da falta de pagamento do imposto do selo devido pelos valores depositados nas duas supra referidas contas para legitimar a recusa da ré em entregar a metade dos respetivos saldos ao autor/recorrente, sempre se dirá o seguinte:
Extrai-se da sentença recorrida a seguinte passagem: «[…] Do exposto resulta assim que […] o saldo depositado na conta bancária n.º …200 no montante de 1.309,43 não foi relacionado nem participado à Autoridade Tributária e Aduaneira na sua totalidade, mas apenas foi relacionado metade do saldo depositado nessa conta e o saldo depositado na conta bancária n.º …400, no montante de 843,52 € não foi corretamente participado à Autoridade Tributária e Aduaneira, detetando-se uma desconformidade na identificação dessa conta bancária, constante da participação efetuada à Autoridade Tributária e Aduaneira».
Está provado que em 06.03.2009, estava depositado na conta bancária n.º …200 titulada pela falecida e por GG o saldo de 1.309,43 € (cfr. facto provado n.º 4.6) e que do registo de participação n.º 728833 do Imposto de Selo promovido pelo autor/recorrente constam relacionadas duas metades do saldo depositado na conta bancária n.º …200 (cfr. factos provados n.ºs 11.1 e 11.4). Pelo que o autor relacionou a totalidade do valor depositado naquela conta, ao contrário do afirmado pelo tribunal a quo.
Quanto à conta bancária com o n.º …400 está provado que, à data do óbito de Filomena Ferreira, o saldo daquela conta era de 843,52 € (cfr. facto provado n.º 4.1.) e que essa conta foi relacionada no processo de inventário instaurado por óbito de DD (processo n.º 712/09.3TBTNV) mas com o n.º …/400 (cfr. facto provado n.º 6.1.) e, ainda, que do registo de participação n.º 728833 do Imposto de Selo promovido pelo autor/recorrente consta relacionada uma conta bancária n.º …400 com o saldo de 843,52€. Existe, por conseguinte, uma desconformidade na identificação da conta em apreço, como sustentou o tribunal a quo.
Finalmente a questão da conta n.º …765.
Entende o recorrente que a mesma se integra na previsão legal da norma constante do art. 1.º, 5, alínea b) do Código do Imposto de Selo, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo e, como tal, o respetivo saldo está isento do pagamento de imposto de selo.
Prescreve o art. 1.º, n.º 5, alínea b) do Código do Imposto de Selo que «Para efeitos da verba 1.2. da tabela geral, não são sujeitos a imposto do selo os valores aplicados em fundos de poupança-reforma, […]».
Há que distinguir os «fundos de poupança-reforma» das «contas poupança-reforma».
Nos termos do disposto no art. 1.º, n.º 1, do D/L n.º 430/91, de 02.11, diploma que regula a constituição de depósitos, os depósitos de disponibilidades monetárias nas instituições de crédito podem revestir uma das seguintes modalidades:
(i) Depósitos à ordem;
(ii) Depósitos com pré-aviso;
(iii) Depósitos a prazo;
(iv) Depósitos constituídos em regime especial.
E nos termos do art. 2.º, n.º 1, do mesmo diploma legal «São considerados depósitos em regime especial todos os depósitos não enquadráveis nas alíneas a) a d) do artigo 1.º, ou previstos em normas legais ou regulamentares». Trata-se de depósitos dirigidos a determinadas finalidades específicas e que se encontram regulados, total ou parcialmente, em legislação especial.
De entre os depósitos criados sob regimes especiais encontram-se os depósitos em contas poupança-reformado que são depósitos a prazo que beneficiam de um regime especial de isenção de imposto sobre os juros vencidos no âmbito do depósito de pensões na parcela que não ultrapasse o valor definido anualmente no Orçamento de Estado (cfr. D/L n.º 138/86, de 14.06).
Ou seja, a conta poupança-reformado é uma conta de depósito a prazo.
Os planos «poupança-reforma» (PPR) são planos de poupança constituídos por certificados nominativos de um fundo de poupança-reforma, devendo a respetiva denominação incluir a sigla “PPR” (art. 1.º, do D/L n.º 158/2002, de 02.07).
Não é controvertido que a conta n.º …765 é uma conta poupança-reformado (cfr. facto provado n.º 12). Logo, não é um «fundo de poupança-reforma» pelo que não se lhe aplica a isenção do pagamento de imposto de selo a que alude o recorrente. E, por conseguinte, bem andou o tribunal a quo ao julgar que «os valores monetários transmitidos gratuitamente e depositados em conta poupança reformado não estão isentos de pagamento de imposto de selo, uma vez que a conta poupança-reformado não integra nenhuma das categorias de fundos de poupança ou de investimento previstos no art. 1.º, n.º 5, al. b), do D/L n.º 158/2002, de 02.07».
Ademais, ainda que o respetivo saldo estivesse isento do pagamento de imposto de selo, o autor/recorrente teria de ter relacionado a conta n.º …765 quando fez o registo de participação do imposto de selo por óbito de DD, o que não fez (cfr. facto provado n.º 13).
Não merece, pois, censura a decisão do tribunal recorrido, improcedendo também este segmento do recurso do autor.

Conclusão:
1 – Nos termos do Código de Imposto de Selo aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11.09, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30.12, e designadamente dos seus arts. 63.º-A, 26.º, n.º 1 e n.º 2 e 28.º, n.º 1, o levantamento de quaisquer depósitos confiados a uma instituição bancária e que hajam sido objeto de uma transmissão gratuita, deve ser precedido do procedimento previsto no n.º 1 do art. 63-A, sob pena de a instituição bancária incorrer em responsabilidade solidária pelo pagamento do imposto de selo devido ao Estado, nos termos do n.º 2 daquele normativo.
2 – Pretendendo o autor/recorrente levantar metade dos valores depositados nas constas abertas pela falecida em instituição bancária a qual por testamento atribuiu em comum e partes iguais o dinheiro que possuía depositado à ordem e a prazo, a favor do recorrente e de terceiro, tinha aquela instituição bancária de exigir ao recorrente a demonstração do pagamento do imposto de selo relativo aos valores depositados – o que é diverso da demonstração da respetiva liquidação – ou a demonstração da respetiva isenção.
3 – Em face do teor do art. 63.º-A, n.º 1 do Código do imposto de Selo, à ré incumbia apenas o ónus de alegação e prova da falta de demonstração, pelo autor, do pagamento do imposto de selo devido e da devida participação dos valores depositados nas contas bancárias da falecida, sendo sobre o autor que recaía o ónus de prova de que havia pago o imposto de selo devido e realizado a devida relacionação dos bens isentos do pagamento de imposto de selo.
4 – A conta poupança-reformado é uma conta de depósito a prazo, pelo que não se lhe aplica a isenção de pagamento de imposto de selo a que alude o art. 1.º, 5, alínea b), do Código do Imposto de Selo.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas de parte na presente instância recursiva pelo recorrente (arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil).
Notifique.

Évora, 12 setembro de 2019,
Cristina Dá Mesquita
Silva Rato
Mata Ribeiro

_________________________________________________
[1] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, p. 735.
[2] Publicado em www.dgsi.pt.
[3] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, p. 119.