Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
25/14.9GAAVS.E1
Relator: CLEMENTE LIMA
Descritores: MEDIDA DA PENA
PODERES DA RELAÇÃO
Data do Acordão: 06/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Em sede de escolha e de medida concreta da pena, o recurso não deixa de possuir o paradigma de remédio jurídico, no sentido de que a intervenção do tribunal de recurso, também nesta matéria, deve cingir-se à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e normas legais pertinentes, não sendo de modificar penas que, dentro desses princípios e dessas normas, ainda se revelem congruentes e proporcionadas.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I


1 – Nos autos de processo comum em referência, precedendo acusação do Ministério Público, o arguido, JMC, FOI SUBMETIDO A JULGAMENTO e, a final, por sentença de 4 de Novembro de 2014, foi condenado na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 6,00, no montante global de € 540,00 (quinhentos e quarenta euros) pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo n.º 1 do art. 292.º do Código Penal, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de quatro meses, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 69.º do CP.

2 – A Dg.ª Magistrada do Ministério Público interpôs recurso daquela sentença.

Pretende vê-la revogada e substituída por decisão que condene o arguido na prática do aludido crime e, consequentemente na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 6€, num total de €600 e na proibição de conduzir veículos motorizados por 8 meses.

Extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões:

«1. Foi o arguido condenado pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido, pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 6€ (seis euros), num total de 540€ (quinhentos e quarenta euros).

2. Mais foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses.

3. A pena de multa deve ser adequada e ajustada ao caso ao espírito sancionatório das penas e das finalidades de prevenção geral e especial e tendo ainda em consideração a concreta taxa apresentada.

4. Ora, a pena de 90 dias de multa mostra-se desadequada e desajustada face ao espírito sancionatório das penas e das finalidades de prevenção geral e especial e tendo ainda em consideração a concreta taxa apresentada pelo arguido – 2,88 g/L.

5. A pena de multa mais adequada e ajustada ao caso concreto será de 100 dias de multa, devendo a taxa diária ser mantida nos 6€ (seis euros), o que perfaz o montante de 600€ (seiscentos euros), atentas as condições socioeconómicas do condenado.

6. Por seu turno, a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados deve ser proporcional à pena principal e responder de modo eficaz às exigências de prevenção especial que se fizerem sentir no caso concreto.

7. Ora, atento o grau de culpa manifestado pelo arguido, a taxa de alcoolemia que apresentava e, bem assim, as exigências de prevenção geral, entendemos que a pena de 4 meses de inibição de conduzir veículos motorizados é manifestamente insuficiente a responder a tais exigências – vide, a propósito o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 25/02/2008, disponível em www.dgsi.pt – jurisprudência que se mantém actual.

8. Entendemos, na verdade, que a pena acessória aplicada àquela não dá resposta cabal às aludidas necessidades.

9. Razão pela qual, em nosso entendimento, o arguido deverá ser proibido de conduzir veículos motorizados por um período situado nos 8 meses.

10. Ao não decidir do modo descrito, violou o Tribunal a quo as disposições legais previstas nos artigos 40º, nº1, 47º, 69º, nº1, alínea a), 71º, nºs 1 e 2 e 292º, nº1, todos do Código Penal.»

3 – O recurso foi admitido, por despacho de 14 de Novembro de 2014.

4 – Nesta instância, a Dg.ª Procuradora-Geral Adjunta, louvada na motivação, é de parecer que o recurso merece provimento.

5 – Atento o teor das conclusões da motivação recursiva, o objecto do recurso reporta a saber se a Mm.º Juiz do Tribunal a quo incorreu em erro de jure, no ponto em que condenou o arguido na pena (principal) de 90 e não de 100 dias de multa, e na pena acessória de 4 e não de 8 meses de proibição de conduzir veículos motorizados.


II

6 – A Mm.ª Juiz do Tribunal a quo sedimentou, como provada, a seguinte materialidade de facto:

«1. No dia 17.01.2014, pelas 18h00, o arguido tripulava o veículo ligeiro de passageiros matrícula (....), pela Rua 1.º de Maio em Avis, seguindo quer pela sua faixa de rodagem quer invadindo a faixa de rodagem contrária (vulgo aos esses).

2. Nas circunstâncias de tempo e lugar atrás referidas, o arguido foi sujeito a exame qualitativo de pesquisa de álcool, mas por insuficiência de sopro foi sujeito a recolha de sangue para o mesmo efeito, acusando uma taxa de alcoolemia de 2,88 g/l.

3. Em qualquer caso, sempre o arguido agiu voluntária, deliberada, e conscientemente, sabendo que não podia conduzir o mencionado veículo após a ingestão de bebidas alcoólicas em quantidade que poderia determinar uma taxa de álcool no sangue superior à permitida para conduzir na via pública, bem como conhecia as características da via por onde circulava.

4. Do certificado de registo criminal do arguido não consta qualquer condenação.

5. O arguido reside com a companheira em casa desta, aufere cerca de € € 670,00 a título de pensão de reforma e contribui com cerca de € 400,00 para as despesas da casa.

6. Na Associação de Reformados em que se encontra inserido costuma auxiliar a condução de viatura para recolha de Alimentos no Banco Alimentar em Portalegre, trazendo-os para Avis para entrega a pessoas desfavorecidas.»

7 – Em face de tal deciso importa, de ofício, dar nota de que a sentença recorrida não revela nulidade de que cumpra conhecer.

8 – Por outro lado, acresce salientar, muito em síntese (e ressalvando-se a generalização), que, do texto e na economia da decisão revidenda, não se verifica qualquer dos vícios prevenidos no citado artigo 410.º n.º 2, do CPP – investigada que foi a materialidade sob julgamento, não se vê que a matéria de facto provada seja insuficiente para fundar a solução de direito atingida, não se vê que se tenha deixado de investigar toda a matéria de facto com relevo para a decisão final, não se vê qualquer inultrapassável incompatibilidade entre os factos julgados provados ou entre estes e os factos julgados não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão, e, de igual modo, não se detecta na decisão recorrida, por si e com recurso às regras da experiência comum, qualquer falha ostensiva na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário.

9 – Revertendo ao objecto do recurso, cabe fazer presente a fundamentação decisória da sentença revidenda no particular – sindicado – da escolha e medida das penas, principal e acessória.

10 – Neste segmento, a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo ponderou nos seguintes termos:

«[…] Considerando a factualidade assente, e desde logo o apurado em audiência de julgamento e o teor do seu certificado do registo criminal, é patente que a pena de multa se mostra adequada ao caso concreto.

Parece-nos, atendendo a todo circunstancialismo que se tratou de um acto isolado na vida do arguido, pelo que uma pena não detentiva se mostra idónea quer em termos de prevenção especial quer do ponto de vista da prevenção geral, uma vez que permite sublinhar a validade da norma perante a comunidade, e alertar o arguido – demovendo-o – da prática de novos comportamentos integrantes de tipos de ilícito criminais.

Relevando agora o preceituado no Código Penal, ponderando a culpa do arguido, as exigências de prevenção e as circunstâncias do crime ora em apreço, que não fazendo parte do tipo de crime militam contra ou em favor do arguido, nomeadamente:

- O dolo com que o arguido actuou;

- A ilicitude da conduta;

- A quantidade de álcool apurada por litro de sangue;

- O facto de ter percepcionado o desvalor intrínseco da sua conduta, mesmo quando se reporta a uma situação em que, pelo menos incrementado o risco pela ingestão de bebidas alcoólicas, foi interveniente em acidente de viação; e

- A inexistência de antecedentes criminais.

O Tribunal tem como adequada a aplicação ao arguido da pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 6,00 no montante global de € 540,00.

Aplica-se esta pena por referência ao quantum auferido a título de reforma, e mais tendo em consideração o dispêndio mensal do arguido, também por referência ao facto de se tratar de reforma apesar de tudo modesta, para o custo de vida nacional e de em função dos rendimentos percebidos, se demonstrar adequado e idóneo à tutela das necessidades de prevenção que norteiam a aplicação das sanções criminais.

Da pena acessória de proibição de condução de veículos a motor

Dispõe o artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal que “é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 291.º ou 292.º.”

In casu, conforme se explanou, o arguido cometeu o crime previsto no n.º 1 do art. 292.º do C.P., pelo que importa, nos termos do preceito citado, graduar o período durante o qual ficará inibido de conduzir viaturas.

Atendendo à taxa de álcool com que o arguido conduzia, ao teor do seu depoimento, até compaginado com a atitude percepcionada ao longo de todo o julgamento, a postura de arrependimento e pesar em razão das condutas analisadas, a inexistência de antecedentes que coligida com a idade do arguido, a tutela das necessidade de prevenção suscitadas ao caso concreto, bem assim, ao facto de o arguido ter percepcionado o desvalor da sua conduta, a que acresce ainda a disponibilidade de prestação de trabalho socialmente valoroso, como o é o de auxiliar a recolha de alimentos junto do Banco Alimentar em Portalegre para os distribuir em Avis, entende o Tribunal que é proporcional condenar o mesmo na proibição de condução de veículos pelo período de quatro meses.

Acresce que a lei não permite a suspensão e a não consideração da pena acessória.»

11 – A divergência manifestada pela Dg.ª recorrente – sem qualquer desdouro para o respectivo e douto esforço argumentativo – vem abonada, tão-apenas, numa particular sensibilidade relativamente ao «espírito sancionatório das penas e das finalidades de prevenção geral e especial e tendo ainda em consideração a concreta taxa [de álcool no sangue] apresentada [pelo arguido]», em tal base se pretextando a comutação das penas concretizadas pela Mm.ª Juiz do Tribunal recorrido, de 90 dias de multa e 4 meses de proibição de conduzir, nas penas de 100 dias de multa e de 8 meses de proibição de conduzir, que se têm por mais mais adequadas e ajustadas ao caso concreto.

12 – Importa ter presente (faz doutrina e jurisprudência de há muito sedimentadas) que, em sede de escolha e medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico (na expressão de Cunha Rodrigues), no sentido de que a intervenção do tribunal de recurso, (também) neste particular, deve cingir-se à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e normação que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstracta determinada na lei.

13 – Vale por dizer que o exame da concreta medida da pena estabelecida na instância, suscitado pela via recursiva, não deve aproximar-se desta senão quando haja de prevenir-se e emendar-se a fixação de um determinado quantum em derrogação dos princípios e regras pertinentes, cumprindo precaver (desde logo à míngua da imediação e da oralidade de que beneficiou o Tribunal a quo) qualquer abusiva evicção relativamente a uma concreta pena que ainda se revele congruente e proporcionada.

14 – No caso – sempre ressalvado o muito e devido respeito pela sensibilidade da Dg.ª recorrente – não se vê que a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo haja valorado as circunstâncias apuradas (designadamente a taxa de álcool no sangue apresentada pelo arguido, de par com a atitude repesa e a primariedade delitiva comprovadas, a indiciar uma conduta ocasional), com inadequado peso prudencial, por isso que a sentença revidenda não merece nem suscita qualquer intervenção ou suprimento reparatório.

15 – Termos em que o recurso não pode lograr provimento.

16 – Não cabe tributação – artigo 522.º, do Código de Processo Penal.


III

17 – Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.

Évora, 16 de Junho de 2015

António Manuel Clemente Lima (relator)

Alberto João Borges (adjunto)