Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
592/20.8T8ENT-A.E1
Relator: MARIA JOSÉ CORTES
Descritores: CITAÇÃO EM PAÍS ESTRANGEIRO
CITAÇÃO EDITAL
FORMALIDADES
Data do Acordão: 01/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – No âmbito da citação do executado, a senhora Agente de Execução, a secretaria, o exequente e o tribunal não se podiam bastar com a resposta do vizinho de que “o citando se encontra atualmente no Brasil.”
II – Constando o executado, em 3 de março de 2022, como membro de órgão estatutário de três sociedades, estas deveriam ter sido contatadas no âmbito das averiguações da morada do executado (artigos 226.º, n.º 1 e 236.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
III – Não se pode proceder à citação edital de executado residente no estrangeiro (Brasil), sem se tentar apurar a morada dele no estrangeiro, ou através do consulado (do Brasil em Portugal), ou da embaixada (de Portugal no Brasil), ou de uma carta rogatória emitida no âmbito da convenção para obtenção de provas (artigos 225.º, n.º 1, 236.º, n.º 1 e 239.º, n.º 4, todos do Código de Processo Civil).
IV – Prevendo embora a lei que a realização de diligências tendentes a apurar do paradeiro do citando junto das entidades policiais tenha lugar apenas quando o juiz o considere absolutamente indispensável para decidir da realização da citação edital (n.º 1 do artigo 236.º), a exigência legal de que esta tenha lugar apenas quando se revelar impossível a citação pessoal, impõe, ainda que como medida de última ratio, que se não opte por tal modalidade de citação, de duvidosa eficácia, sem se esgotar este último recurso.
V – Verifica-se a falta de citação do executado (artigo 188.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil) se tiverem sido omitidas estas diligências de averiguações.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: RECURSO n.º 592/20.8T8ENT-A.E1

Tribunal recorrido: Juízo de Execução do Entroncamento - Juiz 1
Apelante: (…)
Apelado: BANCO (…), SA, SUCURSAL EM PORTUGAL


Sumário (elaborado pela relatora – artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
(…)
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Acordam os Juízes que integram a 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – RELATÓRIO
1.1. Na presente execução ordinária que o BANCO (…), SA, SUCURSAL EM PORTUGAL move, para além de outros, contra (…), veio este, em 7 de fevereiro de 2022, arguir a nulidade decorrente da falta e a nulidade da sua citação.
O exequente, por intermédio do requerimento com a referência 8461765, datado de 21 de fevereiro de 2022, impugnou parte dos factos alegados pelo executado/apelante e pugnou pelo indeferimento da sua pretensão.
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1.2. Em 23 de outubro de 2023 foi proferida a seguinte decisão:
Desse modo, cumpre, finalmente, apreciar e decidir, para o que emergem documentalmente dos autos os seguintes factos relevantes (que dispensam a produção de qualquer outro meio de prova):
1. Por requerimento datado de 12-02-2020 o “Banco (…)Argentaria, S.A., Sucursal em Portugal” instaurou, sob a forma de processo comum ordinário, a presente execução para pagamento de quantia certa contra (…), (…), (…) e “(…) – Indústria de (…), S.A.”.
2. Como morada do executado (…) fez constar «Casal (…), (…)».
3. Sob a ref.ª 83294499 de 24-02-2020 foi proferido despacho liminar determinando «a citação dos executados para, no prazo de 20 (vinte) dias, pagarem ou oporem-se à execução – artigo 726.º, n.ºs 1 e 6, do Código de Processo Civil».
4. Nessa sequência, a Sra. Agente de execução remeteu para «Casal (…), (…)» ofício de citação datado de 26-02-2020, com o n.º de registo (…) e tendo como destinatário o executado … (ref.ª 6682507 daquela mesma data).
5. O respectivo expediente postal foi devolvido sem assinatura do aviso de recepção e com a indicação de «mudou-se» (cfr. ref.ª 9211198 de 24-11-2022).
6. Sob a ref.ª 6701491 de 03-03-2022 a Sra. Agente de execução efectuou pesquisa junto da base de dados da Autoridade Fiscal e Aduaneira, apurando como domicílio fiscal do executado (…) a «Rua Dr. (…), lote 5, 1.º Esq., (…), Torres Novas», constando ainda a informação de que o mesmo é membro do Conselho de Administração, gerente e administrador de três sociedades.
7. Sob a ref.ª 6701507 de 03-03-2022 a Sra. Agente de execução efectuou pesquisa junto da base de dados da Segurança Social, apurando como domicílio do executado (…) a «Rua Dr. (…), Lt. 5, 1.º Esq., (…), Torres Novas», constando ainda a informação de que o mesmo é membro de órgãos estatutários de três sociedades.
8. Sob a ref.ª 6701509 de 03-03-2022, a Sra. Agente de execução efectuou pesquisa junto da base de dados dos Serviços de Identificação Civil, apurando como domicílio do executado (…) a «Rua Dr. (…), Lt. 5, 1 a Esq., (…), Torres Novas», constando ainda a informação de que o mesmo é membro de órgãos estatutários de três sociedades.
9. Nessa sequência, com data de 03-03-2020 remeteu, com o n.º de registo (…), ofício de citação para essa mesma morada (ref.ª 6701516 de 03-03-2020).
10. O respectivo expediente postal foi devolvido sem assinatura do aviso de recepção e com a indicação, datada de 10-03-2020, de «Não Atendeu» (ref.ª 9211198 de 24-11-2022).
11. Sob a ref.ª 6802558 de 22-04-2020, a Sra. Agente de execução efectuou nova pesquisa junto da base de dados da Segurança Social, continuando a constar como domicílio do executado (…) a «Rua Dr. (…), Lt. 5, 1.º Esq., (…), Torres Novas», mantendo-se ainda a informação de que o mesmo é membro de órgãos estatutários de três sociedades.
12. Em 22-04-2020 delegou a citação por contacto pessoal do executado naquela mesma morada (ref.ª 6802580 de 22-04-2020).
13. No dia 30-06-2020 foi tentada a citação do executado (…) por contacto pessoal na susodita «Rua Dr. (…), Lt. 5, 1.º Esq., (…), Torres Novas», tendo a Sra. Agente de execução delegada feito constar que «A citação (…) não foi concretizada uma vez que tendo-me deslocado à morada supra, não consegui apurar em 12/6/2020 se o citando aqui reside ou não. No entanto, no dia 30/6/2020 fui informada pelo vizinho do 1º direito que o citando se encontra atualmente no Brasil» (ref.ª 7155027 de 08-10-2020).
14. Em 08-10-2020 foi requerida autorização para citação edital do executado (…), em decorrência do que foi proferido despacho datado de 19-11-2020 a determinar que se procedesse às consultas a que alude o artigo 236.º do Código de Processo Civil e, bem assim, face à informação prestada por vizinho, que se oficiasse à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas no sentido de informar se era ali conhecido o paradeiro do executado na diáspora, designadamente no Brasil.
15. Sob a ref.ª 85468897 de 14-12-2020 a secretaria efectuou pesquisa junto da base de dados da Segurança Social, continuando a constar como domicílio do executado (…) a «Rua Dr. (…), Lt. 5, 1 Esq., (…), Torres Novas», mantendo-se ainda a informação de que o mesmo é membro de órgãos estatutários de três sociedades.
16. Sob a ref.ª 85468962 de 14-12-2020 a secretaria efectuou pesquisa junto da base de dados dos Serviços de Identificação Civil, continuando a constar como domicílio do executado (…) a «Rua Dr. (…), Lt. 5, 1 a Esq., (…), Torres Novas», mantendo-se ainda a informação de que o mesmo é membro de órgãos estatutários de três sociedades.
17. Em 23-12-2020 a Direção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas do Ministério dos Negócios Estrangeiros informou que, «depois de consultada a Base de Dados deste Ministério, verificou-se que o nacional referenciado não está ali registado, pelo que se desconhece o seu paradeiro».
18. Em 28-01-2021 foi proferido despacho de acordo com o qual foi autorizada a requerida citação edital do executado (…).
19. Em 05-05-2021 a Sra. Agente de execução juntou aos autos cópia de edital de cujo teor resulta, para além do mais, que em 30-04-2021 se procedeu à respectiva afixação na «Rua Dr. (…), lote 5 – 1º Esq., Torres Novas» (ref.ª 7677427 de 05-05-2021).
20. Em 30-09-2021 foi o Ministério Público citado, em representação do executado (…), «para no prazo de 20 dias deduzir oposição, querendo».
21. Através da ref.ª 8381676 de 25-01-2022 o executado (…) juntou aos autos procuração forense outorgada a favor do seu Ilustre mandatário em 20-01-2022.
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Estando enunciados os factos relevantes a ter em conta, resulta do artigo 719.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que a citação do executado se inscreve no âmbito de atribuições do agente de execução, o que não invalida que, estando em causa citação edital, a mesma esteja dependente de despacho judicial prévio.
Com efeito, nos termos do artigo 236.º, n.º 1, do mesmo diploma, aqui transcrito com sublinhados nossos, «[q]uando seja impossível a realização da citação por o citando estar ausente em parte incerta, a secretaria diligencia obter informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços, designadamente, mediante prévio despacho judicial, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes quando o considere absolutamente indispensável para decidir da realização da citação edital, junto das autoridades policiais».
Neste enfoque, e tal como esclarecem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I., 3.ª edição, Almedina, 2022, págs. 308-309), «a citação edital constitui o último recurso destinado a assegurar aos incertos e aos ausentes em parte incerta o efetivo direito de defesa, com sujeição a um circunstancialismo especial, ampla forma de publicidade e alargamento dos prazos para contestar», sendo que «[t]odo o sistema está construído de modo a limitar os efeitos negativos que podem derivar do prosseguimento de um processo judicial relativo a direitos privados sem que todos os interessados sejam conhecidos ou efetivamente informados da pendência do processo».
Daí que não deva «ser prescindida a intervenção do juiz, na medida em que é este que se encontra em melhores condições para ponderar os elementos fornecidos pelo processo, avaliar a necessidade de efetivação de outras tentativas de citação ou aquilatar os riscos que podem derivada da situação e revelia efetiva».
Revertendo à situação dos autos, os factos assentes espelham que a citação edital sindicada foi precedida de despacho judicial que, em 28-01-2021, a autorizou.
Tal despacho teve como pressuposto todo o descrito excurso processual que o antecedeu.
A questão que se coloca é a de saber se estavam ou não reunidas as condições para que aquela autorização tivesse lugar.
Vejamos:
A propósito da citação de pessoal singular por via postal emerge do artigo 228.º do Código de Processo Civil, no que aqui releva, o seguinte:
«1 - A citação de pessoa singular por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de receção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho (…).
(…)
5 - Não sendo possível a entrega da carta, será deixado aviso ao destinatário, identificando-se o tribunal de onde provém e o processo a que respeita, averbando-se os motivos da impossibilidade de entrega e permanecendo a carta durante oito dias à sua disposição em estabelecimento postal devidamente identificado.
(…)
7 - Não sendo possível deixar aviso ao destinatário, o distribuidor do serviço postal lavra nota da ocorrência e devolve o expediente ao tribunal.
8 - No caso previsto no número anterior, se a impossibilidade se dever a ausência do citando e se, na ocasião, for indicado ao distribuidor do serviço postal novo endereço do citando, devolvido o expediente, a secretaria repete a citação, enviando nova carta registada com aviso de receção para tal endereço.
9 - No caso previsto no n.º 7, se a impossibilidade se dever a ausência do citando em parte incerta, devolvido o expediente, a secretaria dá cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 236.º e, se for apurado novo endereço, repete a citação, enviando nova carta registada com aviso de receção para tal endereço.
(…)».
Caso se frustre a citação por via postal, a mesma deverá ser efectuada por contacto pessoal do agente de execução com o citando nos termos estipulados nos artigos 231.º e 232.º, sendo que do n.º 1 deste último emerge que «se o agente de execução ou o funcionário judicial apurar que o citando reside ou trabalha efetivamente no local indicado, não podendo proceder à citação por não o encontrar, deve deixar nota com indicação de hora certa para a diligência na pessoa encontrada que estiver em melhores condições de a transmitir ao citando ou, quando tal for impossível, afixar o respetivo aviso no local mais indicado».
Revertendo já à situação dos autos, verifica-se que a citação por via postal na morada indicada no requerimento executivo frustrou-se em razão de o respectivo expediente postal ter sido devolvido sem assinatura do aviso de recepção e com a indicação de «mudou-se» (cfr. factos assentes em 1, 4 e 5).
Nessa medida, e na esteira do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11-05-2023 (disponível, como os demais que citaremos, em www.dgsi.pt, neste caso sob Processo n.º 359/20.3T8TVR.E1-A), é perfeitamente defensável considerar que não teria «cabimento a realização de diligências para citação mediante contacto pessoal do agente de execução ou de funcionário judicial com o citando» naquela morada quando já existia «informação de que houve mudança do domicílio».
Tal asserção merece particular enfoque in casu, na medida em que o próprio executado/reclamante alegou que a morada indicada pela exequente nunca lhe pertenceu (a ele, executado).
Posto isto, seguiram-se as pesquisas mencionadas nos factos assentes em 6 a 8 e, conforme o facto assente em 9, a expedição de ofício para citação por via postal registada com aviso de recepção para a morada comum a todas elas («Rua Dr., Lt. 5, 1 a Esq., …, Torres Novas»), o que, do nosso ponto de vista, está de acordo com as disposições conjugadas dos já citados artigos 228.º, n.º 9, e 236.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Tendo esse expediente sido devolvido sem assinatura do aviso de recepção e com a indicação, datada de 10-03-2020, de «Não Atendeu» (cfr. facto assente em 10), depois de nova pesquisa a confirmar a mesma morada (facto assente em 11), foi ali levada a cabo a tentativa de citação por contacto pessoal, tendo a Sra. Agente de execução delegada feito constar que «A citação (…) não foi concretizada uma vez que tendo-me deslocado à morada supra, não consegui apurar em 12/6/2020 se o citando aqui reside ou não. No entanto, no dia 30/6/2020 fui informada pelo vizinho do 1º direito que o citando se encontra atualmente no Brasil» (factos assentes em 12 e 13).
Neste conspecto, não tendo sido possível apurar que o citando ali efectivamente residia, não poderia a Sra. agente de execução proceder, como nos parece evidente, em conformidade com o sobredito artigo 232.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Por outro lado, associando essa afirmada impossibilidade à informação de acordo com a qual o citando se encontrava no Brasil, facilmente se depreende, a contrario, que residiria efectivamente naquele país, o que, de resto, o mesmo veio agora alegar/confirmar.
É ainda facilmente inferível que quem prestou aquela informação desconhecia a concreta morada do citando no Brasil, pois, caso contrário, certamente a Sra. agente de execução tê-la-ia feito constar.
Acresce que, ao referir-se expressamente o «vizinho do 1º direito», não vislumbramos qualquer exigência legal que impusesse identificação mais circunstanciada de quem se trataria.
Aqui chegados, diante da entretanto requerida citação edital, foi proferido despacho datado de 19-11-2020 a determinar que se procedesse às consultas a que alude o artigo 236.º do Código de Processo Civil e, bem assim, face à informação prestada por vizinho, que se oficiasse à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas no sentido de informar se era ali conhecido o paradeiro do executado na diáspora, designadamente no Brasil (facto assente em 14).
Nessa sequência, sabe-se que as pesquisas levadas a cabo retornaram a mesma morada em que se havia frustrado a tentativa de citação por contacto pessoal (factos assentes em 15 e 16) e que em 23-12-2020 a Direção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas informou que, «depois de consultada a Base de Dados deste Ministério, verificou-se que o nacional referenciado não está ali registado, pelo que se desconhece o seu paradeiro» (facto assente em 17).
Ora, perante uma tal informação, e estando em causa um cidadão de nacionalidade portuguesa, não era necessário, do nosso ponto de vista, qualquer notificação dirigida à Embaixada do Brasil para que a mesma viesse informar se o executado se encontrava registado como residente nesse país.
Com efeito, a Direção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas é a entidade do Ministério dos Negócios Estrangeiros adequada e competente para prestar o tipo de informação solicitada, tendo inclusivamente feito chegar aos tribunais, em 22-11-2022 e por intermédio do Conselho Superior da Magistratura, o seguinte pedido: «por forma a obviar os tempos de resposta às solicitações de paradeiro de nacionais portugueses residentes no estrangeiro, que esses pedidos sejam apresentados e dirigidos exclusivamente por via eletrónica, através do seguinte endereço: paradeiros@mne.pt».
A tudo acresce, ao que cremos de forma decisiva, que, tal como assertivamente enfatizado no supra citado Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11-05-2023, «[a] atualização do domicílio constitui uma obrigação dos cidadãos perante os serviços do Estado. Assim:
Nos termos do artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2007, de 5 de fevereiro (versão atualizada), a morada é o endereço postal físico, livremente indicado pelo cidadão, correspondente ao local de residência habitual. Segue o n.º 2 estatuindo que para comunicação com os serviços do Estado e da Administração Pública, nomeadamente com os serviços de registo e de identificação civil, os serviços fiscais, os serviços de saúde e os serviços de segurança social, o cidadão tem -se por domiciliado, para todos os efeitos legais, no local referido no número anterior, podendo ainda aderir às comunicações eletrónicas referidas no n.º 4, sem prejuízo de poder designar outros endereços, físicos ou eletrónicos, para fins profissionais ou convencionais, nos termos previstos na lei.
Em caso de mudança do local de residência habitual, determina o artigo 13.º, n.º 3, da citada Lei que o titular do cartão de cidadão deve comunicar novo endereço postal e promover, junto dos serviços de receção, a atualização da morada no cartão de cidadão, podendo autorizar, expressamente, que este dado seja transmitido a outras entidades públicas que dele careçam. Certo é que o não cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 13.º no prazo de 30 dias a contar da data em que ocorreu a alteração de morada constitui contraordenação punível com coima de € 50,00 a € 100,00 – artigo 43.º, n.º 3, da citada Lei.
Por outro lado, é obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária, sendo ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária; sempre que se altere o estatuto de residência de um sujeito passivo, este deve comunicar, no prazo de 60 dias, tal alteração à administração tributária – artigo 19.º, n.ºs 3, 4 e 5, da Lei Geral Tributária.
A alteração do domicílio nos serviços da Autoridade Tributária ou de identificação civil atualiza automaticamente a residência nos serviços um do outro a ainda junto da Segurança Social, Serviço Nacional de Saúde, Recenseamento Eleitoral e Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres – cfr. Plataforma de Integração, AMA (Agência para a Modernização Administrativa), IAP (Interoperabilidade na Administração Pública), plataforma que disponibiliza, designadamente, serviços de autenticação do cidadão, possibilidade de autorização online do cidadão para consulta de dados, comunicação segura entre Sistemas de Informação de serviços do Estado.
Nestes termos, o incumprimento do dever de atualizar o domicílio, para além de poder implicar a aplicação de sanções pecuniárias, coloca o sujeito na contingência de, eventualmente, não ser localizado para efeito de citações judiciais».
Deste modo, mesmo a ser verdade que, tal como alegou, o executado/reclamante tenha residência na Rua (…), n.º 1100, (…), 87704 – 180 (…), estado do Paraná, no Brasil, ao não ter actualizado o domicílio nos termos descritos, sibi imputet.
Diz ainda o executado, embora sem concretizar que efeito útil daí poderia advir, que também não foi solicitada a intervenção das autoridades policiais de modo a averiguar qual o seu paradeiro.
A este propósito, a agora em linha com o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 06-10-2016 (Processo n.º 212/14.0TBPTG-A.E1), cumpre evidenciar que o eventual recurso às autoridades policiais nos termos da parte final do artigo 236.º, n.º 1, do Código de Processo Civil «assume um carácter não obrigatório e cuja concretização depende de um juízo valorativo sobre a sua pertinência – rectius, indispensabilidade –, que deve ser avaliado à luz das circunstâncias do caso».
Ademais, e recorrendo desta feita ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-10-2021 (Processo n.º 1788/16.2T8FNC-B.L2-4), deve acrescentar-se o seguinte: «(…) a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, v. g. com o Acórdão do TJ de 15 de Março de 2012 (processo n.º C-292/10) que, a propósito do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução das decisões em matéria civil e comercial, afirmou além do mais, que:
- quanto ao imperativo de evitar uma violação desmesurada dos direitos de defesa, “importa salientar que o mesmo encontra expressão na regra enunciada no artigo 26.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001 segundo a qual o juiz está obrigado a suspender a instância enquanto não se verificar que ao demandado foi dada oportunidade de receber o ato que iniciou a instância ou ato equivalente em tempo útil para apresentar a sua defesa, ou enquanto não se verificar que para o efeito foram efectuadas todas as diligências”;
- no que respeita, por outro lado à interpretação do artigo 26.°, n.° 2, do Regulamento n.° 44/2001, “importa entender esta disposição, como o Tribunal de Justiça declarou recentemente, no sentido de que um órgão jurisdicional competente nos termos deste regulamento só pode prosseguir validamente o processo, caso não esteja demonstrado que foi dada oportunidade ao demandado de receber o ato que iniciou a instância, se tiverem sido tomadas todas as medidas necessárias para permitir a este defender-se. A este respeito, o órgão jurisdicional ao qual foi submetido o processo deve assegurar-se de que foram efetuadas todas as averiguações exigidas pelos princípios da diligência e da boa fé para encontrar o demandado (v. acórdão Hypoteèní banka, já referido, n.° 52).”;
- da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem decorre “que o direito de acesso a um tribunal, garantido pelo artigo 6.°, n.° 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, que corresponde ao segundo parágrafo do artigo 47.° da Carta, não se opõe a uma «citação edital» desde que os direitos dos interessados sejam devidamente acautelados (v. TEDH, decisão Nunes Dias c. Portugal de 10 de abril de 2003, Recueil des arrêts et décisions 2003-IV)”.
E concluiu, com base nestas e noutras considerações que “o direito da União deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que seja proferida uma decisão à revelia contra um demandado que, na impossibilidade de ser localizado, foi citado para o ato que determinou o início da instância por via edital nos termos do direito nacional, desde que o órgão jurisdicional ao qual foi submetido o processo se assegure previamente de que foram efectuadas todas as averiguações exigidas pelos princípios da diligência e da boa fé para encontrar esse demandado”».
No caso concreto, ante todas as diligências até então levadas a efeito, o tribunal entendeu não ser necessário pedir qualquer informação às autoridades policiais, em razão do que, tudo conjugado, tendo sido devidamente observado o estipulado no citado preceito legal, concluímos que estavam reunidos, sem necessidade de quaisquer outras diligências, os pressupostos necessários à citação edital judicialmente ordenada, o que agora se reafirma para fundamentar a improcedência da arguida nulidade decorrente da falta de citação.
No que toca à também arguida «nulidade de citação, por falta de observação do formalismo legal», apoia-se o executado, recorde-se, no seguinte:
- Não resulta dos autos a data em que foi afixado o edital na última morada conhecida do executado;
- Não resulta dos autos sequer que tenha sido afixado tal editado;
- Desconhece-se em que data foi concretizada a afixação do Edital na última morada conhecida do executado;
- Com efeito, o edital para a fixação na porta do executado não se encontra junto aos autos, sendo que, o que encontra junto sob a referência citius 7670781, não se encontra preenchido nem assinado, desconhecendo-se quem o terá realizado, sendo que não se aceita que tenha sido concretizada tal afixação, pois o executado teria sido alertado pelos vizinhos, o que não sucedeu.
Salvaguardando o respeito que é devido, o executado olvida ostensivamente que em 05-05-2021 a Sra. Agente de execução juntou aos autos cópia de edital de cujo teor resulta, para além do mais, que em 30-04-2021 se procedeu à respectiva afixação na «Rua Dr. (…), lote 5 – 1º Esq., Torres Novas» (facto assente em 19, emergente da ref.ª 7677427, de 05-05-2021 que o executado se terá esquecido de mencionar).
Foi assim devidamente cumprido o que a esse propósito decorre do artigo 240.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, não se verificando a apontada falta de observância de qualquer formalismo legal.
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Na defluência de todo o conspecto fáctico jurídico vindo de enunciar, decido declarar não verificadas as arguidas nulidades inerentes à citação edital do executado (…) e, por conseguinte, indeferir na totalidade o requerimento / reclamação que deduziu através da ref.ª 8417756, de 07-02-2022.
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Custas do incidente a cargo do identificado executado, com taxa de justiça que fixo em 2 (duas) unidades de conta (artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e 7.º, n.º 4, e Tabela II anexa ao Regulamento das Custas Processuais).”
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1.3. Não se conformando com esta decisão, dela apela o executado (…), pugnando pela sua revogação, extraindo da motivação do recurso as seguintes conclusões (transcrição):
1. O recorrente apresentou requerimento com reclamação por Falta e Nulidade de Citação, ao abrigo do disposto nos artigos 851.º, n.º 1 e 696.º, alínea e) e subalínea i), do CPC, o qual foi apresentado no dia 07-02-2022, com a referência citius 8417756, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
2. Salvo o devido respeito, que é mesmo muito, não se poderá concordar com o vertido no douto despacho com a referência 93621629 citius.
3. A primeira das questões que se colocou à apreciação do Tribunal a quo, e que se encontra efetivamente enunciada no douto despacho colocado em crise, será saber se estavam ou não reunidas as condições para que o Tribunal tivesse/pudesse autorizado a citação edital, tal qual foi ordenada.
4. De facto, dos factos assentes resulta que a citação edital, aqui sindicada foi precedida de despacho judicial que, em 28-01-2021, a autorizou, porém, e, salvo o devido respeito, que se repita é muito, não se poderá concordar, com a posição espelhada no mesmo.
5. Continuando, a regularidade da citação edital o Tribunal a quo referiu que, sic: “Posto isto, seguiram-se as pesquisas mencionadas nos factos assentes em 6 a 8 e, conforme o facto assente em 9, a expedição de ofício para citação por via postal registada com aviso de recepção para amorada comum a todas elas («Rua Dr. …, Lt. 5, 1 a Esq., …, Torres Novas»), o que, do nosso ponto de vista, está de acordo com as disposições conjugadas dos já citados artigos 228.º, n.º 9 e 236.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Tendo esse expediente sido devolvido sem assinatura do aviso de recepção e com a indicação, datada de 10-03-2020, de «Não Atendeu» (cfr. facto assente em 10), depois de nova pesquisa a confirmar a mesma morada (facto assente em 11), foi ali levada a cabo a tentativa de citação por contacto pessoal, tendo a Sra. Agente de execução delegada feito constar que «A citação (...) não foi concretizada uma vez que tendo-me deslocado à morada supra, não consegui apurar em 12/6/2020 se o citando aqui reside ou não. No entanto, no dia 30/6/2020 fui informada pelo vizinho do 1º direito que o citando se encontra atualmente no Brasil» (factos assentes em 12 e 13). Neste conspecto, não tendo sido possível apurar que o citando ali efectivamente residia, não poderia a Sra. agente de execução proceder, como nos parece evidente, em conformidade com o sobredito artigo 232.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Por outro lado, associando essa afirmada impossibilidade à informação de acordo com a qual o citando se encontrava no Brasil, facilmente se depreende, a contrario, que residiria efectivamente naquele país, o que, de resto, o mesmo veio agora alegar/confirmar. É ainda facilmente inferível que quem prestou aquela informação desconhecia a concreta morada do citando no Brasil, pois, caso contrário, certamente a Sra. agente de execução tê-la-ia feito constar. – Sublinhado e realce nossos
6. Será aqui, que reside uma das razões da discórdia face ao considerado pelo Tribunal a quo, desde logo, porque nesses considerandos não foi feita referência aos resultados das pesquisas à base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira e da Segurança social, quando ao facto de o executado ser gerente e administrador de sociedades em Portugal, designadamente da sociedade executada e irmão dos demais executados e com ligações societárias às sociedades participadas pelo mesmo.
7. De facto, foi considerado assente pelo Tribunal a quo que, sic:
“6. Sob a ref.ª 6701491 de 03-03-2022 a Sra. Agente de execução efectuou pesquisa junto da base de dados da Autoridade Fiscal e Aduaneira, apurando como domicílio fiscal do executado (…) a «Rua Dr. (…), lote 5, 1.º Esq., (…), Torres Novas», constando ainda a informação de que o mesmo é membro do Conselho de Administração, gerente e administrador de três sociedades. E
7. Sob a ref.ª 6701507 de 03-03-2022 a Sra. Agente de execução efectuou pesquisa junto da base de dados da Segurança Social, apurando como domicílio do executado (…) a «Rua Dr. (…), Lt. 5, 1.º Esq., (…), Torres Novas», constando ainda a informação de que o mesmo é membro de órgãos estatutários de três sociedades.” – Sublinhado e realces nossos
8. Por outro lado, não se compreende como é que o Tribunal a quo inferiu dos considerandos apostos pela Sra. Agente de Execução (AE) na certidão negativa, para concluir, que os vizinhos não identificados do primeiro direito, desconheciam a morada do executado no Brasil, ou sequer se o mesmo se encontrava em território Brasileiro a título transitório, permanente ou de viagem, seja de negócios ou lazer.
9. O texto aposto pela Sra. Agente de execução na certidão negativa é de tal forma insuficiente, que se desconhece sequer se a mesma fez perguntas necessárias a indagar pelo paradeiro do executado, se é que concretizou alguma questão nesse sentido.
10. A AE não disse isso, nem disse também que tinha feito a pergunta necessária sobre a morada concreta (designadamente tendo em vista o disposto no artigo 235.º, particularmente claro em confronto com o artigo 236.º/1, ambos do CPC).
11. Para além disso, a AE ainda devia ter averiguado, junto das pessoas que contactou, ainda tendo em vista o disposto naquele artigo 235.º, se o executado tinha o costume de se ausentar por um certo período de tempo ou se aquela ausência era uma situação inusual.
12. E não o tendo feito a AE, devia-o ter feito a secretaria, por força do artigo 236.º/1, 1.ª parte, do CPC, ao menos por contacto telefónico com o administrador judicial provisório da sociedade (…), SA, executada nos autos e cuja identificação do número do processo de revitalização constava do requerimento executivo.
13. Até mesmo por via de pedido de informação ao processo de revitalização, poderia a secretaria, e o Tribunal a quo obter a necessária informação acerca da morada do executado.
14. Ainda, por via de notificação dos demais executados nestes auto, todos com relações de família entre si, e, bem assim, com participações sociais na sociedade executada.
15. Não se tratava de enviar carta para citação do executado para nenhuma da sociedade de que é administrador ou gerente, mas sim da necessidade de a AE fazer averiguações, junto de uma sociedade a que o executado estava ligado, como gerente ou como administrador, de modo a aferir da morada do executado (eventualmente no Brasil).
16. Sendo o executado membro de um órgão estatutário de uma sociedade, é muito provável que esta sociedade tivesse informações ou contactos que fossem úteis para se averiguar a morada concreta (mesmo que no Brasil).
17. Em concreto, o Tribunal a quo, não se pronuncia quanto ao facto de não ter sido considerado pertinente, que no âmbito das diligências a empreender em ordem à citação, que deveria ter ordenado a notificação de qualquer uma das sociedades com as quais o executado mantinha relações (gerente ou administrador), ou mesmo todas, em ordem a apurar a sua morada, evitando-se a citação edital, a qual deve ser o recurso último e de forma extraordinária.
18. Também não foram notificados os co-executados (irmãos do executado) para informarem se sabiam do paradeiro deste.
19. A exequente não foi notificada para indicar qualquer morada alternativa, sendo certo que a que forneceu aos autos nunca pertenceu ao executado.
20. Também não foi solicitada a intervenção das autoridades policiais de modo a averiguar qual o paradeiro do executado, nos termos do disposto no artigo 236.º, n.º 1, CPC, sendo que, estas poderiam ter feito as averiguações de que se demitiu a AE, quer junto da morada do executado, quer junto das empresas de que é administrador e gerente, designadamente junto dos funcionários e demais sócios e acionistas.
21. É certo que, o Tribunal ordenou que se oficiasse à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, para informar se ali era conhecido o paradeiro do executado na diáspora, designadamente no Brasil (conforme resulta da referência citius 82567894), e que a mesma veio informar que o mesmo não está ali referenciado, que desconhece o paradeiro (referência citius 7362289).
22. Tal como já se referiu, salvo o devido respeito, que é muito, entendendo o Tribunal que o executado residia num país concreto, no caso no Brasil, deveria ter sido ordenada a notificação da embaixada do Brasil, para que a mesma, viesse informar se o executado se encontrava registado como residente nesse país, o que não foi ordenado.
23. Na verdade, se os autos conheciam que o executado, estava ausente de território nacional, mas em parte certa, isto é, no Brasil, que apesar de ser um país enorme, não foram desencadeados quaisquer dos mecanismos ao dispor do tribunal para apurar a morada do mesmo nesse país.
24. Aliás, tendo em consideração a informação prestada, pelo não identificado vizinho do primeiro andar direito, deveria ter sido ordenada a notificação deste, para esclarecer se sabia o local, onde o executado se encontrava, e, bem assim, se conhecia qual a data do seu retorno a Portugal, por forma a determinar se os autos aguardavam pelo regresso, de modo a concretizar a citação nos termos do disposto no artigo 235.º, in fine, do CPC.
25. Em momento prévio, à citação edital, deveriam ter sido esgotadas todas as tentativas de citação postal e pessoal do executado, e, só após se concluir que não era possível determinar a morada no Brasil, é que se ordenar realização da citação edital.
26. Tendo sido determinada a citação edital, sem que primeiramente se tivessem realizado as diligências prévias, em ordem à citação postal e pessoal, determina a falta de citação, porquanto a citação edital foi empregue indevidamente.
27. Efetivamente, tinham e deveriam ter sido realizadas as tentativas de citação postal, previstas no CPC, inerentes à citação do executado, designadamente no Brasil, pois que, se existia nos autos a informação de que o mesmo poderia residir nesse país, tal informação tinha de ser oficiosa e rigorosamente averiguada.
28. E não o tendo feito a AE, devia-o ter feito a secretaria (por força dos artigos 226.º/1 e 236.º/1 do CPC) ou mesmo o Tribunal.
29. Tal averiguação essa a ser feita junto da embaixada do Brasil em Portugal e da embaixada de Portugal no Brasil, quer através da expedição de uma carta rogatória para obtenção dessa informação, ao abrigo da Convenção sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial.
30. E não se diga, que o contato com a Direção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesa, se basta de modo afastar todas as demais diligências, previstas na lei em ordem a concretização da citação.
31. O Tribunal a quo não se pronunciou quanto à questão levantada pelo executado na reclamação, nomeadamente, não esclareceu porque entendeu não realizar qualquer diligência de averiguação da morada junto das sociedades comerciais participadas pelo mesmo em Portugal, no caso junto daquelas de que é gerente e administrador, cujas moradas constam das pesquisas efetuadas na base de dados da Autoridade Tributária e da Segurança social.
32. Estamos no mundo da comunicação digital e da informação, pelo que, importante seria que se estabelecesse contato com qualquer uma delas ou mesmo com todas, por telefone, email ou carta, porque é que tal não foi efetuado, antes de lançar mão da “bomba atómica” que é a citação edital.
33. Não se impute culpa ao executado pela não atualização de morada, pois que, quando o Tribunal a quo assumiu que o mesmo não residia na morada que constava das bases de dados, então deveria averiguar se o mesmo tem outra morada em Portugal, e, bem assim, da veracidade da informação veiculadas por um vizinho não identificado, a quem não foram colocadas as questões pertinentes.
34. Ademais, antes de decidir-se pela citação edital, deveria o Tribunal a quo, incumbir a AE ou as entidades policiais de obter a concretização das informações que não constam da certidão negativa.
35. Este dever de salvaguarda tanto maior seria, perante a informação da Direção geral dos assuntos consulares e das comunidades, que informa que o executado não está aí registado (facto assente 17).
36. Persiste a questão, perante a informação que estava no Brasil a informação da ausência de registo na referida Direção-Geral, porque razão o Tribunal a quo decidiu pela citação edital, o que não foi explicado nem fundamentado na decisão ora colocada em crise, pois das duas uma, ou está no Brasil ou não está, e, ficamos sem saber em que sentido concluiu o Tribunal a quo, tanto mais, quando não tinha informação suficiente no processo para decidir- se pela citação edital.
37. Posto isto, nos termos do previsto no artigo 188.º do CPC, há falta de citação “c) Quando se tenha empregado indevidamente a citação edital”, e, aqui tem que se ter em conta que, por força do artigo 187.º, alínea a), do CPC a falta de citação tem como consequência a nulidade de tudo o que se processe depois da petição inicial, que se salva, mas continua a não produzir efeitos em relação ao executado, atento o disposto no artigo 259.º, n.º 2, do CPC).
38. Pelo que, o Tribunal a quo errou quando ordenou a citação edital do executado, e, em consequência deverá a decisão ser revogada e substituída por outra que declare verificada a falta de citação do executado (…), e, consequentemente, declare a anulação de todos os atos praticados em consequência desta, designadamente a nulidade da penhora da pensão de que o mesmo é beneficiário junto da Segurança Social, determinando-se o seu cancelamento, e, posteriormente, ordenado a citação do executado para contestar.
39. O tribunal ao decidir violou o disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, os artigos 851.º, n.º 1 e 696.º, alínea e) e subalínea i), 187.º, 188.º, 225.º, n.º 6, 226.º, n.º 1, 235.º, 236.º, n.º 1, 239.º, n.º 1 a 4, 240.º, 259.º, n.º 2, todos do CPC.
II - Da omissão de afixação do edital
40. O tribunal a quo considerou assente que: “19. Em 05-05-2021 a Sra. Agente de execução juntou aos autos cópia de edital de cujo teor resulta, para além do mais, que em 30-04-2021 se procedeu à respectiva afixação na «Rua Dr. (…), lote 5 – 1º Esq., Torres Novas» (ref.ª 7677427 de 05-05-2021).
41. Porém salvo o devido respetivo que é muito, não poderia ter considerado assente tal facto, e ao fazê-lo efetuu uma errada apreciação da prova documental, pois dos documentos juntos aos autos resulta prova diversa.
42. Na verdade, o Edital que se mostra junto aos autos com a referência citius 7670781, do dia 05-05-2021, elaborada pela AE (…), não se mostra assinado, pois como resulta da página 2/2 dos campos destinada ao preenchimento da data, hora e local não se mostram preenchidos, bem o mesmo documento se mostra aposta a assinatura ortografa da alegada emitente, nem sequer o mesmo foi assinado eletronicamente.
43. Com efeito, o executado alegou que o edital que supostamente teria de ser afixado na última residência conhecida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 240.º, n.º 2, do CPC, não se mostra assinado, nem datado, nem preenchido em qualquer dos seus campos. 44. Resultado do alegado edital, com a referência citius 7670781, do dia 05-05-2021, elaborado pela AE (…), que o mesmo tem campos para preenchimento manual e para a assinatura, que se encontram completamente por preencher.
45. Os campos de preenchimento manual e assinatura, são para efetivo preenchimento, tal como sucedeu, quando a mesma AE preencheu os campos de preenchimento manual na certidão de citação (vide facto assente 13 e referência 7155027 de 08-10- 2020), que se encontram devidamente preenchidos e assinada, o que não aconteceu com o edital colocado em crise.
46. Nos termos da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, designadamente no artigo 23.º, sic “Quando não for possível apor a assinatura eletrónica aos autos e termos que, de acordo com os n.os 1 e 2 do artigo 160.º do Código de Processo Civil, devem ser assinados pelas partes, seus representantes ou testemunhas, estes são impressos e é-lhes aposta assinatura autógrafa, devendo a secretaria arquivar e conservar os originais no processo correspondente.”
47. Acresce que, a mesma portaria no artigo 28.º, n.º 1, consagra que constam do processo físico, sic “f) Atos próprios, comunicações ou notificações do agente de execução.”
48. Ora, do edital com a referência citius 7670781, do dia 05-05-2021, elaborado pela AE (…), não se mostra preenchido, assinado, nem está arquivado nos autos, com previsto nos referidos normativos legais, e o disposto nos artigos 160.º e 240.º, n.º 2, do CPC.
49. Por outro lado, não poderemos deixar de ter atenção que a AE encarregue do processo é … (vide edital referência 7677427) e o edital elaborado para afixação na porta do executado foi feito pela AE … (vide referência 7670781).
50. Daqui resulta não apenas que AE (…) não pode certificar nem fazer constar no edital a publicar nos termos do artigo 24.º da referida portaria, na Área de Serviços Digitais dos Tribunais, acessível no endereço eletrónico https://tribunais.org.pt, a data da afixação do edital na ultima residência conhecida do citando, pois que não esteve no local e inexiste qualquer prova física documental de tal evidência nos autos.
51. Donde a AE (…) não poderia ter dado cumprimento à publicação do Edital por ausência de cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 240.º do CPC, na medida em que a AE (…), não preencheu atestou a data da afixação do edital preenchendo os respetivos campos, que, inegavelmente permanecem por preencher (vide Referência 7670781 de 05-05- 2021).
52. Donde, o Tribunal errou ao considerar provado que o edital foi afixado na última residência do executado em 30-04-2021, por referência a uma AE que jamais esteve no local, sendo que, o edital editado pela AE (…) é completamente omisso quanto à data, hora e local de afixação, pelo que não poderá ser considerado.
53. Pelo que, o Tribunal a quo efetuou uma errada apreciação da prova documental, ao considerar provada a factualidade considerada como assente no Ponto 19, na medida em que a AE (…) não poderia atestar uma afixação que não viu, sendo que dos autos não resulta qualquer evidência da afixação do edital seja na última morada do executado seja em qualquer outro local.
54. Por oposição, o Tribunal a quo deveria ter dado os factos vertido no Ponto 19 como não assentes.
55. E, bem assim, o Tribunal a quo deveria ter dado como assente que não foi possível apurar se foi dado cumprimento à afixação do edital previsto no n.º 2 do artigo 240.º do CPC, inexistindo qualquer prova quando ao local data e hora da sua efetivação.
56. Ora, não tendo sido afixado o edital na última morada conhecida do executado, foi omitida uma formalidade essencial prescrita na lei.
57. Tendo sido omitida tal formalidade, a citação é nula nos termos do artigo 191.º, n.º 1, do CPC, o que foi alegado tempestivamente para daí retirar as legais consequências, nomeadamente as previstas por força do artigo 187.º, alínea a), do CPC, a nulidade de todo o processado após o requerimento executivo, designadamente, a nulidade da penhora da pensão de que o mesmo é beneficiário junto da Segurança Social, determinando-se o seu cancelamento.
58. Ao decidir, como decidiu, julgando devidamente cumprido o disposto no artigo 240.º do CPC, o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 2 desse artigo 240.º, n.º 2, os artigos 160.º, 187.º, alínea a), 191.º, n.º 1, do CPC e os artigos 23.º, 24.º, 28.º, alínea f), da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto.
59. Pelo exposto, deverá ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que declare a nulidade da citação edital do executado, a nulidade de todo o processado após o requerimento executivo, designadamente, a nulidade da penhora da pensão de que o mesmo é beneficiário junto da Segurança Social, determinando-se o seu cancelamento.”
*
1.4. A apelada contra-alegou concluindo que nenhuma formalidade foi omitida pela Exma. Sra. Agente de Execução, tendo ocorrido uma válida e eficaz citação edital do apelante (…), em claro respeito pela lei, não havendo qualquer margem de aplicação da alínea a) do artigo 187.º do Código de Processo Civil.
*
1.5. O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato, em separado e com efeito meramente devolutivo (cfr. despacho de 5 de dezembro de 2023).
*
1.6. Efetuada a apreciação liminar, colhidos os vistos legais e realizado o julgamento, nos termos do artigo 659.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
**
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Âmbito do recurso e questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 3 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes em 1.ª instância e ali apreciadas, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no sistema de recursos vigente na nossa lei adjetiva, não se destina à prolação de novas decisões judiciais, mas ao reexame ou à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias [Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de processo Civil, págs. 92-93].
No seguimento desta orientação, as questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
1.ª Determinar se ocorre a falta de citação do executado/apelante, (…), por ter sido empregue indevidamente a sua citação edital (subsumindo-se desse modo ao disposto no artigo 188.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil), e, em caso afirmativo, ordenar a sua citação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 728.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, concedendo prazo para se opor à execução;
2.ª Caso assim não se entenda, determinar se a citação do executado / apelante, (…), é nula por omissão de formalidade essencial (subsumindo-se desse modo ao disposto no artigo 191.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
*
2.2. A factualidade que tem relevância para a decisão do recurso encontra-se explanada no relatório supra.
*
2.3. Apreciação do recurso
1.ª Questão
Determinar se ocorre a falta de citação do executado/apelante, (…), por ter sido empregue indevidamente a sua citação edital (subsumindo-se desse modo ao disposto no artigo 188.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil), e, em caso afirmativo, ordenar a sua citação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 728.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, concedendo prazo para se opor à execução
Entende o apelante, (…), que por ter sido empregue indevidamente a sua citação edital, estamos perante a falta da sua citação, nos termos do artigo 188.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil.
Vejamos.
A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender (cfr. artigo 219.º do Código de Processo Civil).
Momento de inquestionável importância na vida do processo pelos efeitos que lhe estão associados, a lei privilegia claramente a citação pessoal, só estando prevista a citação edital “quando seja impossível a realização da citação por o citando estar ausente em parte incerta”, conforme resulta das disposições combinadas dos artigos 225.º e 236.º do mesmo Código.
A propósito de outra norma da citação por via postal, Alberto dos Reis, no Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2.º, Coimbra Editora, 1945, pág. 680, escreveu:
“(…) A lei tem horror à citação edital. Porque considera muito precária e contingente esta forma de citação, porque não tem confiança nela como meio eficaz de dar conhecimento ao réu de que contra ele foi proposta determinada acção, só em última extremidade admite o seu emprego. Sempre que haja alguma possibilidade, mínima que seja, de se conseguir a citação pessoal, deve fazer-se a tentativa. (…)”.
Nos termos do artigo 225.º, n.ºs 1 e 6, do Código de Processo Civil:
1- A citação de pessoas singulares é pessoal ou edital.
(…)
6- A citação edital tem lugar quando o citando se encontre ausente em parte incerta, nos termos dos artigos 236.º e 240.º (…)”.
E de acordo com o artigo 226.º, do mesmo Código:
1-Incumbe à secretaria promover oficiosamente, sem necessidade de despacho prévio, as diligências que se mostrem adequadas à efectivação da regular citação pessoal do réu e à rápida remoção das dificuldades que obstem à realização do acto (…).
2-Passados 30 dias sem que a citação se mostre efectuada, é o autor informado das diligências efectuadas e dos motivos da não realização do acto.
3-Decorridos 30 dias sobre o termo do prazo a que alude o número anterior sem que a citação se mostre efectuada, é o processo imediatamente concluso ao juiz, com informação das diligências efectuadas e das razões da não realização atempada do acto.
(…)”.
Por seu turno, dispõe o artigo 228.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que “[A] citação de pessoa singular por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de recepção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo anterior e ainda a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o faz incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé.”.
O artigo 231.º, n.º 1, prescreve que “[F]rustrando-se a via postal, a citação é efetuada mediante contacto pessoal do agente de execução com o citando.” E a norma prevista no artigo 235.º que “[N]ão sendo possível efectuar a citação nos termos dos artigos anteriores, em consequência de o citando estar ausente em parte certa e por tempo limitado, e não haver quem esteja em condições de lhe transmitir prontamente a citação, procede-se conforme pareça mais conveniente às circunstâncias do caso, designadamente citando-se por via postal no local onde se encontra ou aguardando-se o seu regresso.
O artigo 236.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, determina:
“1- Quando seja impossível a realização da citação por o citando estar ausente em parte incerta, a secretaria diligencia obter informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços (…).”
Finalmente, para o que para a decisão importa, estatui o artigo 239.º:
1- Quando o réu resida no estrangeiro, observa-se o que estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais.
2- Na falta de tratado ou convenção, a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de recepção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais.
3- Se não for possível ou se frustrar a citação por via postal, procede-se à citação por intermédio do consulado português mais próximo, se o réu for português; sendo estrangeiro, ou não sendo viável o recurso ao consulado, realiza-se a citação por carta rogatória, ouvido o autor.
4- Estando o citando ausente em parte incerta, procede-se à sua citação edital, averiguando-se previamente a última residência daquele em território português e procedendo-se às diligências a que se refere o artigo 236.º”.
É este o quadro legal em que teremos de nos mover.
O tribunal recorrido entendeu não se verificar a falta de citação do executado com fundamento em indevido recurso à citação edital do mesmo.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, há duas ordens de razões que não nos permitem concordar com o decidido: a primeira prende-se com a falta de diligência da senhora Agente de Execução (AE) no dia 30 de junho de 2020 quando foi tentada a citação do executado por contato pessoal e, designadamente tendo em vista o disposto no artigo 235.º, particularmente em confronto com o artigo 236.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil; a segunda, prevendo embora a lei que a realização de diligências tendentes a apurar do paradeiro do citando junto das entidades policiais tenha lugar apenas quando o juiz o considere absolutamente indispensável para decidir da realização da citação edital (n.º 1 do artigo 236.º), a exigência legal de que esta tenha lugar apenas quando se revelar impossível a citação pessoal, impõe, ainda que como medida de última ratio, que se não opte por tal modalidade de citação, de duvidosa eficácia, sem se esgotar este último recurso.
A douta decisão recorrida deu por provado que:
6. Sob a ref.ª 6701491 de 03-03-2022 a Sra. Agente de execução efectuou pesquisa junto da base de dados da Autoridade Fiscal e Aduaneira, apurando como domicílio fiscal do executado (…) a «Rua Dr. (…), lote 5, 1.º Esq., (…), Torres Novas», constando ainda a informação de que o mesmo é membro do Conselho de Administração, gerente e administrador de três sociedades.
7. Sob a ref.ª 6701507 de 03-03-2022 a Sra. Agente de execução efectuou pesquisa junto da base de dados da Segurança Social, apurando como domicílio do executado (…) a «Rua Dr. (…), Lt. 5, 1.º Esq., (…), Torres Novas», constando ainda a informação de que o mesmo é membro de órgãos estatutários de três sociedades.
8. Sob a ref.ª 6701509 de 03-03-2022, a Sra. Agente de execução efectuou pesquisa junto da base de dados dos Serviços de Identificação Civil, apurando como domicílio do executado (…) a «Rua Dr. (…), Lt. 5, 1 a Esq., (…), Torres Novas», constando ainda a informação de que o mesmo é membro de órgãos estatutários de três sociedades.” – itálico e sublinhados nossos.
Mal se compreende porque não foram levadas a efeito diligências para averiguar junto das sociedades em causa, as quais estão devidamente identificadas, e estabelecer contato com as mesmas a fim de se tentar obter a morada do executado (…).
Sendo o executado membro de órgão estatutário de três sociedades (… – Sociedade Imobiliária, SA, … – Sociedade de …, Lda. e … – Comércio e Indústria de …, Lda), é muito provável que estas tivessem informações ou contactos que fossem úteis para se averiguar a morada concreta daquele (mesmo que no Brasil). E não o tendo feito o AE, devia-o ter feito a secretaria ou o exequente.
Por outro lado, pese embora tenha sido dado como assente que “No dia 30-06-2020 foi tentada a citação do executado (…) por contacto pessoal na susodita «Rua Dr. (…), Lt. 5, 1.º Esq., (…), Torres Novas», tendo a Sra. Agente de execução delegada feito constar que «A citação (…) não foi concretizada uma vez que tendo-me deslocado à morada supra, não consegui apurar em 12/6/2020 se o citando aqui reside ou não. No entanto, no dia 30/6/2020 fui informada pelo vizinho do 1º direito que o citando se encontra atualmente no Brasil» (ref.ª 7155027, de 08-10-2020).” [facto provado sob o ponto 13], não consta nos factos provados que a AE tenha apurado junto do vizinho do 1.º direito qual a morada do executado no Brasil, ou pelo menos a zona de residência, embora sem indicação da concreta morada. A AE também não disse que tinha feito a pergunta necessária sobre a morada concreta, designadamente tendo em vista o disposto no artigo 235.º, particularmente em confronto com o artigo 236.º.
Para além disso, a AE ainda deviria ter averiguado, junto da pessoa que contactou, ainda tendo em vista o disposto naquele artigo 235.º, se o executado tinha o hábito de se ausentar por um certo período de tempo ou se aquela ausência era uma situação anormal. E não o tendo feito a AE, competia à secretaria fazê-lo, como é imposto pelo artigo 236.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código de Processo Civil, ao menos por contacto telefónico, ou o exequente (a título de ónus, porque lhe interessava uma citação com observância de todas as formalidades legais de maneira a evitar eventuais delongas da execução com a possível arguição de invalidade da citação do executado).
Veja-se o que escreve Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, vol. 1.º, 4.ª edição, reimpressão de 2021, Almedina, págs. 487 e 488 (anotação 6 ao artigo 240.º do Código de Processo Civil):
Não dá lugar à citação edital a simples ausência temporária do citando, ainda que em lugar desconhecido, por motivo de gozo de férias (ac. do STJ de 15/05/1979, MANUEL dos SANTOS VÍTOR, BMJ, 287, pág. 226). Tão-pouco se deve utilizar a citação edital com base na informação, dada pelo agente de execução ou pelo funcionário judicial encarregado da citação, de que não foi possível encontrar o citando na morada indicada nem obter informação sobre o motivo da sua ausência, sem que o tribunal seguidamente haja procedido a uma indagação que lhe permitisse um juízo de certeza sobre a ausência do réu em parte incerta isto mesmo anteriormente ao aditamento introduzido na norma do actual artigo 236.º-1 pelo DL n.º 183/2000, de 10/08 (ac. do STJ de 02/10/2003, SANTOS BERNARDINO, www.dgsi.pt, proc. 03B2478; ver o n.º 1 da anotação ao artigo 236.º).
Tudo isto seria de ter em conta antes de se ordenar a citação edital do executado (artigos 225.º, n.º 6, 226.º, n.º 1 e 236.º, n.º 1) e o facto de o executado ter, provavelmente, ido para o Brasil, ainda impunha que se fizessem mais diligências de averiguações (artigo 239.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), pois que sempre se teria que ter tentado a citação por via postal e mais tarde por carta precatória ou rogatória nos termos do artigo 239.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (o executado é português), o que teria de ser antecedido da averiguação da morada do mesmo no Brasil.
Averiguação essa a ser feita junto do consulado do Brasil em Lisboa, já que tendo estado a residir em Portugal, se deve ter inscrito no consulado e fornecido elementos de identificação para o efeito, incluindo a respetiva morada no Brasil, quer junto da embaixada do Brasil em Portugal, quer através da expedição de uma carta rogatória para obtenção dessa informação, ao abrigo da Convenção sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial.
Quanto à carta rogatória, o Brasil é parte desde 2017 (Decreto 9.039, de 27/04/2017) da Convenção sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial e utiliza esta Convenção para efeitos de localização de provável endereço residencial de pessoa em país estrangeiro, como se pode ver em: Diligência 8 Localização de pessoa em https://www.justica.gov.br/sua-protecao/cooperacao-internacional/cooperacao-juridica-internacional-em-materia-civil/formularios-e-modelos-1; ou: http://lisboa.itamaraty.gov.br/pt-br/assuntos_juridicos.xml, embora sem referência a esta Convenção.
Note-se que não se está a dizer que devesse ter sido enviada uma carta rogatória para citação do executado (…) no Brasil sem se saber a respetiva morada, pois que isso não é possível (tal como hoje resulta expressamente do artigo 1/§2 da Convenção Relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro dos Atos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial: A Convenção não se aplicará quando a morada do destinatário for desconhecida, Convenção de que o Brasil é parte desde 01.06.2019; o texto da Convenção foi promulgado pelo Decreto 9.734/19, de 20.03.2019; o mesmo se passa, para já, com as cartas rogatórias emitidas para os países membros da União Europeia, no âmbito do Regulamento (CE) 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13/11/2007, pois que o seu artigo 1/§2 também dispõe que “O presente regulamento não se aplica quando o endereço do destinatário for desconhecido.”
O que se afirma é que será possível obter essa morada através de outros meios, entre eles os referidos acima para o Brasil.
Feitas as necessárias diligências de averiguação (o que não quer dizer que se tenham de fazer sempre todas as diligências referidas atrás) e não se tendo descoberto a morada do executado/réu/demandado (quer em Portugal quer no estrangeiro), é então possível citá-lo editalmente (sem colocação de editais se não for conhecida a última residência deles em Portugal: Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, pág. 486).
Tudo isto porque, como dizem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, pág. 487, a citação edital nunca constituiu garantia suficiente da cognoscibilidade, pelo réu/executado, da ação/execução que contra ele é movida, sendo, ao invés, elevado o grau de probabilidade de desconhecimento do processo pelo réu por essa forma citado.
Pelo que a não realização de todas as diligências necessárias e adequadas à averiguação do paradeiro dos réus/executados/demandados representa a violação dos seus direitos de defesa, que decorrem do direito a um processo equitativo.
Por outro lado, dispõe o artigo 236.º do Código de Processo Civil que “[Q]uando seja impossível a realização da citação por o citando estar ausente em parte incerta, a secretaria diligencia obter informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços, designadamente, mediante prévio despacho judicial, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da direcção geral dos impostos e da Direcção geral de Viação e, quando o juiz o considere absolutamente indispensável para decidir da realização da citação edital, junto das autoridades policiais.
No caso que nos ocupa, cumpre assinalar que, face à devolução da carta enviada para citação, e ao que resulta dos elementos juntos, e se é facto que na sequência da deslocação da Agente de execução nomeada à morada apurada nas bases de dados a que alude aquela norma, tendo em vista a realização da citação através de contato pessoal, apurou que o executado (…) se ausentara daquela morada e se encontrava no Brasil, certo é que, para além da informação fornecida peça Direção Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas do Ministério dos Negócios Estrangeiros, nenhuma outra diligência foi efetuada na sequência de tal informação, nem qualquer outra base de dados foi consultada.
Por outro lado, se é correto afirmar, tal como o senhor Juiz destacou no douto despacho proferido, que a realização de diligências junto da entidade policial depende da formulação de um juízo prévio de absoluta indispensabilidade, tendo em vista decidir se é caso de ordenar ou não a realização da citação edital, afigura-se que a exigência de que esta modalidade tenha lugar apenas quando se revelar impossível, para utilizar as palavras da lei, a citação pessoal, impõe, ainda que como medida de última ratio, que se não opte por tal modelo de citação, de duvidosa eficácia, sem se esgotar este último recurso.
Por outro lado, estando em causa um meio relativamente pequeno – (...), Torres Novas –, não custa aceitar, antes surgindo como plausível, que a entidade policial, pudesse estar de posse de informação sobre uma localização mais exata do executado, o que reforça o juízo da necessidade de realização desta última diligência.
Posto isto, há falta de citação quando se verifica a “grande probabilidade de o réu não saber da propositura da ação, por via da utilização do meio da citação edital, quando não estavam reunidos os respetivos pressupostos, devendo a citação ter sido pessoal ou quase-pessoal” [artigo 188.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, e Lebre de Freitas, A acção declarativa, pág. 93].”
Embora materialmente não configure a falta absoluta do acto, o tratamento como falta de citação do emprego da citação edital fora dos casos em que a lei a permite justifica-se pela limitação, ou prática supressão, do direito de defesa que essa modalidade de citação pode implicar, pois a citação edital constitui no nosso direito processual uma presunção juris et de jure de conhecimento da acção pelo réu, não obstante ser precisamente o caso em que o réu menor probabilidade tem de adquirir esse conhecimento (…) O emprego indevido da citação edital pode dar-se quando o citando está ausente em parte incerta (artigo 236.º do CPC) (…) a citação edital é erradamente empregue: ‘(…) 2. se o réu é citado por éditos como ausente em parte incerta, sem se terem observado as cautelas previstas [no actual artigo 236.º-1]; 3. se este artigo foi observado e cumprido, mas são inexactas as informações colhidas” (Alberto dos Reis, Comentário, Vol. II, págs. 424-426).”
Atento o exposto, e em conclusão, não tendo sido esgotadas as diligências com pertinência para averiguar do paradeiro do executado (…), incluindo a medida última de solicitar informação à entidade policial, prematuro e, nessa medida, indevido, se revelou o recurso à modalidade de citação edital, o que consubstancia uma situação de falta de citação, nos termos da previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 188.º do Código de Processo Civil, oportuna e tempestivamente arguida pelo executado apelante.
De acordo com os artigos 187.º, alínea a) e 259.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, a falta de citação tem como consequência a nulidade de tudo o que se processe depois da petição inicial, que se salva, mas continua a não produzir efeitos em relação ao réu.
Assim, julga-se procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, e declara-se nulo todo o processo, com exceção do requerimento executivo, devendo a execução prosseguir nestes termos.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que integram a 1.ª secção cível deste Tribunal da Relação de Évora, em julgar procedente a apelação, e, em consequência, revogar a decisão recorrida, e, em consequência, declarar nulo todo o processado, com exceção do requerimento executivo, determinando-se o prosseguimento da execução nos termos sobreditos.
Sem custas.
Notifique.
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Évora, 11 de janeiro de 2024
(o presente acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelas suas signatárias)
Maria José Cortes (Relatora)
Ana Pessoa (1.ª Adjunta)
Amélia Ameixoeira (2.ª Adjunta)