Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
451/12.8TBCCH-A.E1
Relator: SILVA RATO
Descritores: COMPRA E VENDA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
EQUIDADE
Data do Acordão: 05/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário:
A recusa do pagamento parcial da prestação a que o comprador está obrigado para com o vendedor, invocando a exceptio nom adimpleti contractus (art.º 428º do Código Civil) por o vendedor não ter cumprido parcialmente a sua prestação, deve obedecer a critérios de proporcionalidade e equidade, assim se assegurando o necessário equilíbrio entre as prestações recíprocas em falta por ambas as partes.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Proc. N.º 451/12.8TBCC-A
Apelação 1ª Espécie
Tribunal Judicial de Coruche
Recorrente: AA, Lda.
Recorrida: BB
R59.2015

I. AA, Lda., intentou acção executiva, para pagamento de quantia certa contra BB, juntando como título executivo escritura, alegando que celebrou com a executada escritura pública de compra e venda de um imóvel, tendo ficado acordado que o remanescente do preço, correspondente a € 5.000,00 seria pago após a conclusão de algumas obras por parte da exequente, e que essas obras se encontram concluídas, não se encontrando o preço pago, conforme resulta dos autos principais a que os presentes se encontram apensados.
A executada BB deduziu a presente oposição, alegando que as obras não se encontram devidamente efectuadas, recusando-se ao pagamento do montante em falta até que as obras se encontrem devidamente efectuadas, designadamente quanto ao telheiro, canalizações, colocação de cabine de duche, devendo também ser compensado o pagamento de despesas efectuadas.
A exequente contestou a oposição à execução alegando que as obras acordadas foram devidamente efectuadas.

Realizado julgamento, foi proferida sentença, em que se decidiu o seguinte:
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se julgar a oposição à execução totalmente procedente e, consequentemente, extinta a execução quanto à oponente/executada BB.
…”

Inconformada com tal decisão, veio a Exequente interpor recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões:
A. A recorrente intentou contra a recorrida, uma acção executiva, para obter o pagamento do remanescente do preço, no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros), devido pela compra e venda de um imóvel, que havia ficado por liquidar sob condição da recorrente efectuar algumas obras, que ficaram expressamente mencionadas na respectiva escritura: "...a construção de um telheiro, a colocação de uma lareira na sala e uma churrasqueira no referido telheiro e a conclusão da canalização.", obras que foram realizadas mas o valor em causa não foi pago.
B. A recorrida deduziu oposição à execução intentada, defendendo-se pela excepção do não cumprimento, alegando que a recorrente não teria cumprido com o que se obrigou em sede de escritura de compra e venda e peticionou a realização dessas e de outras obras.
C. A recorrente defendeu-se daquela excepção alegando que a construção do telheiro se encontrava feita de acordo com o que havia sido combinado entre as Partes e que consta da respectiva escritura de compra e venda e que as restantes obras estavam devidamente concluídas, sendo que a colocação da cabine de duche não era da sua responsabilidade.
D. Em sede de julgamento, não logrou a recorrida provar os fundamentos que lhe serviram de base para invocar a excepção do não cumprimento, nomeadamente por a recorrente ter efectuado as obras bem como por outras não lhe serem exigíveis.
E. Da Douta Sentença resulta que:
· "Na escritura referida em 1) consta: (...) e o remanescente no valor de cinco mil euros, será pago após a conclusão da construção de um telheiro, cuja obra se encontra iniciada e que será concluída provavelmente no prazo de quinze dias a contar de hoje, bem como a colocação de uma lareira na sala e churrasqueira no referido telheiro e a conclusão da canalização. "(II — Fundamentação de facto — A- Factos Provados: ponto 3.);
celebrado contrato-promessa de compra e venda entre as partes, datado de 11 de Fevereiro de 2011, do qual consta no ponto 4 do clausula 3g que: A primeira outorgante (aqui exequente) obriga-se a construir e a terminar a construção de:
Um telheiro, com espaço para dois carros, em alvenaria; Uma churrasqueira; Uma lareira; Pavimentar o acesso ao telheiro supra-mencionado, em gravilha." (II — Fundamentação de facto — A- Factos Provados: ponto 6.)
· "Não restam dúvidas, (..) que constituía obrigação da exequente a construção de um telheiro em alvenaria, apenas sendo devido o pagamento do quantia de € 5.000,00 após o cumprimento de tal obrigação por parte da exequente." (Hl — Do Direito) "Dos factos provados resulta que efectivamente o telheiro se encontra construído em alvenaria, não tendo a oponente logrado fazer prova de que o telheiro não se encontra em condições de segurança." (111— Do Direito)
· "Quanto às demais obras, não resultou provado que as mesmas não se encontrem devidamente efectuadas e quanto à cabine de duche não resultou provado qualquer acordo na sua colocação, não sendo a mesma elemento essencial num imóvel, nem a mesma foi contemplada no contrato de compra e venda, que configura o título executivo na presente acção."
F. O Tribunal a quo não teve dúvidas quanto às obras a que a recorrente se havia obrigado e que cumpriu pontualmente, considerando que as obras elencadas pela recorrida não eram motivo atendível para a procedência da invocada excepção, por já estarem realizadas ou por não serem devidas, bem como considerou provado que o telheiro estava construído.
G Contudo, e apesar disso, entendeu o Douto Tribunal a quo que,
· "No entanto, também resulta provado em 11. (esclarecimento nosso: esta referência de numeração é um manifesto lapso de escrita, pelo que deverá ler-se com referência ao n2 9, por a este dizer respeito) que o telheiro se encontra numa situação ilegal, concluindo-se, assim, que o contrato nõo foi pontualmente cumprido por parte da exequente, na medida em que a construção do telheiro envolve também o seu licenciamento, e, não tendo resultado provado que tal licenciamento era obrigação da oponente, tal obrigação sobre quem tem obrigação de o construir, tanto mais que o anúncio de venda da casa fazia expressa referência à existência de um telheiro" (...) (111 — Do Direito)
· "assiste à oponente a faculdade de recusar o pagamento do preço em falta até que o telheiro esteja devidamente construído e apto a ser utilizado, o que, neste caso, face aos factos que resultaram provados, significa devidamente licenciado ou autorizado pela Câmara Municipal." (111 — Do Direito)
"Ainda assim, foce ao que foi alegado pela opoente em sede de oposição à execução e oos factos que resultaram provados, conclui-se que a oposição terá de proceder, uma vez que a excepção de não cumprimento do contrato de encontra devidamente verificada pelo facto de o telheiro não se encontrar devidamente concluído." (Hl — Do Direito) E acrescenta, parafraseando o Acordão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 06/12/2005, no Processo 2798/05, disponível em www.dgsi.pt, que:
"A excepção de não cumprimento do contrato (exceptio non adimpleti contractus) prevista no art9 4289 do CC, opera mesmo no caso de incumprimento parcial e de cumprimento defeituoso.- a chamada exceptio non rite adimpleti contractus — havendo ter em conta, no entanto, o principio da boa fé. Daí resulta a exigência da apreciação da gravidade da falta, que não pode mostrar-se de pouca importância para a outra porte, como o adequação ou proporcionalidade entre a ofensa do direito do excipiente e o exercício da excepção"
H. Entendeu a Mm. Juiz a quo que o licenciamento ou autorização emitida pela entidade administrativa competente é elemento sine qua non para que o telheiro esteja "(...) apto a ser utilizado, o que, neste caso, face aos factos que resultaram provados significa devidamente licenciado ou autorizado pela Câmara Municipal." e que a falta deste elemento justifica a excepção de não cumprimento invocada pela recorrida e por via dessa, concluiu pela absolvição da recorrida e extinção da execução.
I. O facto do Tribunal a quo considerar que era obrigação da recorrente prover ao licenciamento do telheiro, como elemento essencial à perfeição do negócio, merece a nossa discordância dada a interpretação extensiva dos conceitos "construir" e "conclusão da obra" que o mesmo faz ao considerar que o licenciamento administrativo do telheiro é intrínseco à construção deste.
J. Nesse sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/12/90 Actualidade Jurídica, 139/pgs. 17 e 18, proc. 78996, conforme invocado pelo Tribunal da Relação do Porto no processo 1668/11.8TJPRT.P1 in
http.www.dgsi.nsf56a6e7121657f91e80257cda00381fdf734d117a2381989880257a71004d6867?OpenDocument:
"De todo o modo, a falta de alvará ou de licença de construção não interfere nem com o contrato de empreitada civil, nem com o direito do condómino a efectuar reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns, consoante o disposto no art9 14279 CCiv.
Uma tal falta de instrumentos administrativos poderá ter consequências penais ou, obviamente, administrativas, seja para o empreiteiro, seja para o dono da obra, mas não interfere com o empreitada civil, respectivo regime, nem com os direitos que, com base nela, se podem fazer valer."
K. Ainda que viesse a concluir-se que a recorrente estava obrigada a pugnar pela obtenção do licenciamento administrativo do telheiro, o que não se concede, também o desfecho da sentença teria de ser outro, porquanto a quantia exequenda dizia respeito a uma universalidade de actos (obras) que tinham de ser praticados pela recorrente e que se provou estarem realizadas.
L. A referida sentença teria de concluir pela procedência parcial da oposição à execução, restringindo-se apenas a verificação da excepção invocada à obtenção do licenciamento e ditando uma eventual redução da quantia exequenda, que ficaria retida até à obtenção do referido licenciamento administrativo.
M. O facto de o Tribunal a quo ter entendido como legítima a retenção da totalidade do montante devido pela recorrida, configura uma ofensa ao princípio da proporcionalidade e equilíbrio entre as posições das partes, beneficiando a recorrida em detrimento da recorrente, porquanto, a quantia exequenda é manifestamente superior aos eventuais custos decorrentes do processo de licenciamento de um simples telheiro, sendo por isso abusivo, violando por isso o arte- 4282 do CC.
N. Como refere o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no âmbito do processo nº 578/10.0TBVNO.C1 in
http.www.dgsittrc.nsf8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc8d94fd5d5ebc75c180257c910042fffc?OpenDocument:
"(...) O cumprimento defeituoso ou o mau cumprimento da obrigação que vincula o empreiteiro constitui este em responsabilidade, designadamente no dever de reparar os danos suportados, em consequência dele, pelo dono da obra. Mas não preclude irremediavelmente o direito do empreiteiro de receber o preço correspondente à parte da obra ou dos trabalhos que, apesar do não cumprimento daquela obrigação e da suo definitividade, realizou.
(...) A exceptio arranca e é materialmente alimentada pela boa fé: a bona fide exclui a sua actuação sempre que o não cumprimento, ou o mau cumprimento ou cumprimento defeituoso não seja significante e, portanto, sempre que a alegação da excepção não observe o princípio regulativo da proporcionalidade ou do equilíbrio entre as posições jurídicas daquele que opõe a excepção e daquele a quem ela é oposta.
Na verdade, no contexto do contrato de empreitada, deve exigir-se que o preço ou a parte do preço cujo pagamento se recusa através da invocação da excepção seja proporcional à desvalorização do obra provocada pela existência do defeito.
Caso isso não suceda, a oposição da exceptio deve ter-se por abusiva.
Na verdade, deve reconduzir-se ao abuso do direito, por exemplo, o desequilíbrio objectivo no exercício, comportamento abusivo cujo desvalor se objectiva na desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem e que compreende todas as situações em que se exercem poderes sanção por faltas insignificantes, como sucede quando uma parte resolva o contrato, alegando uma violação sem relevo de nota, em termos de causar a esta um grande prejuízo (artg 334 do Código Civil)."
E também no processo 299633/11.7YIPRT.C1 in
http://www.dcisi.pt/itrc.nsf/c3fb530030ealc61802568d9005cd5bb/89b92e0lacfa9.907802 57b3400398784?OpenDocument:
"4.- Para que a excepção de não cumprimento do contrato (cf. art. 428º do C.Civil) possa ser invocada, necessário é que a parte do preço, cujo pagamento se recusa, seja proporcional à desvalorização provocada pela existência do defeito, conforme o exigem os ditames da boa fé no cumprimento das obrigações.
5.- Cobe à parte que pretende utilizar a exceptio perante o cumprimento defeituoso, aqui o dono da obra, a demonstração que os defeitos existentes, pela sua relevância, tornam inadequada a prestação, em termos de justificarem o recurso à exceptio. (...) Como critério a ter em conta para a determinação de um tal proporcionalidade, já foi doutamente proposto que fosse tido como referência aquele que foi indicado para apurar o valor de redução do preço do obra, por defeitos não supridos."
O. Se se concluir pela obrigatoriedade da recorrente na obtenção daquele licenciamento ficamos perante uma impossibilidade legal, porquanto a recorrente está impossibilitada de requerer o respectivo processo junto da Câmara Municipal, por falta de legitimidade activa, dado que não é a proprietária do imóvel, sendo a esta que compete tal obrigação legal de proceder ao referido acto administrativo.
P. Mas qualquer que fosse a solução jurídica encontrada nos termos supra expostos pela aqui recorrente, teria de concluir-se pela manutenção da execução e penhora na respectiva proporção, até integral e efectivo pagamento e alteração da responsabilidade pelas custas processuais.
Q. Pelo que se imporá a modificação da sentença em crise, devendo o mesma ser substituída por outra que condene a Recorrida e ordene o prosseguimento da execução.
Nestes termos e sempre com o Douto Suprimento de Vossas Excelências que aqui se invoca, deve o presente recurso de Apelação ser admitido e julgado totalmente procedente e com todos os efeitos legais daí resultantes, …”

Cumpre decidir.
II. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual :
1. A acção executiva à qual os presentes autos se encontram apensos tem por base uma escritura outorgada em 28 de Março de 2011. – alínea A) da matéria assente
2. Da escritura referida em 1) constam como Primeiro Outorgante CC (…), que outorga na qualidade de único e actual sócio e gerente e em representação da sociedade comercial por quotas unipessoal, com a firma “AA, Unipessoal, Lda.” (…) e como Segunda Outorgante BB. – alínea B) da matéria assente
3. Na escritura referida em 1) consta:
Pelo primeiro outorgante, na qualidade em que outorga, foi dito:
Que, pela presente escritura e pelo preço de cento e cinquenta e oito mil euros, a sociedade sua representada vende à segunda outorgante, o prédio urbano, destinado à habitação, com a área coberta de cento e sessenta e dois vírgula vinte e dois metros quadrados e descoberta de mil vírgula setenta e cinco metros quadrados, sito na Rua da …, Fajarda, freguesia de Fajarda, concelho de Coruche (…).
Que, do referido preço, já se encontra paga a quantia de cento e cinquenta e três mil euros, da qual nesta data é paga através de cheque bancário (…), a quantia de cento e vinte e oito mil euros, a quantia de vinte e cinco mil euros já foi paga anteriormente, e o remanescente no valor de cinco mil euros, será pago após a conclusão da construção de um telheiro, cuja obra se encontra iniciada e que será concluída provavelmente no prazo de quinze dias a contar de hoje, bem como a colocação de uma lareira na sala e churrasqueira no referido telheiro e a conclusão da canalização.
Pela segunda outorgante foi dito:
Que aceita a venda, nos termos exarados, e que o imóvel se destina a sua habitação própria permanente.
Pelos outorgantes mais foi declarado sob sua inteira responsabilidade:
Que o negócio titulado por esta escritura, foi objecto de intervenção da sociedade de mediação imobiliária, DD – MEDIAÇÂO IMOBILIÁRIA, Lda. (…).”. – alínea C) da matéria assente
4. A oponente encontrou a casa objecto da escritura referida em 1) através do site da Remax em Portugal.– alínea D) da matéria assente
5. No anúncio da casa no site referido em 4) constava “Bonita moradia T3, inserida num lote de terreno de 1.163 m2. Composta por três quartos (um em suite), sala ampla com lareira e 2 w.c.. Qualidade de construção e acabamentos de 1ª, com beirados à antiga portuguesa. No exterior encontrará um anexo com telheiro para dois carros e churrasqueira. Lote totalmente murado e muito bem localizado, a 10 minutos da A13 e a 40 minutos de Lisboa. Venha conhecer e compre com qualidade.” – alínea E) da matéria assente
6. Antes da outorga da escritura referida em 1), foi celebrado contrato-promessa de compra e venda entre as partes, datado de 11 de Fevereiro de 2011, do qual consta no ponto 4 da cláusula 3ª que: “A primeira outorgante (aqui exequente) obriga-se a construir e a terminar a construção de:
1. Um telheiro, com espaço para dois carros, em alvenaria;
2. Uma churrasqueira;
3. Uma lareira;
4. Pavimentar acesso ao telheiro, supra-mencionado, em gravilha.”– alínea F) da matéria assente
7. Da cláusula 4ª do contrato-promessa referido em 6) consta que “Será feita a entrega e tradição do imóvel ora prometido à Segunda Outorgante (aqui oponente), no estado de conservação em que se encontrar, acrescido das edificações, alterações e melhoramentos mencionados no ponto anterior, em simultâneo com a escritura pública de compra e venda.” – alínea G) da matéria assente
8. Por e-mail datado de 17 de Maio de 2011, enviado por CC ao representante da Remax consta que “Quanto ao carpinteiro, já falei com ele (Sr. Luis …) e diz-me que tem tentado contactar a D. BB mas não tem conseguido falar com ela. Vai tentando, mas talvez fosse bom ela entrar em contacto com ele para marcar dia e hora para fazer o arranjo. (…) Quanto aos azulejos partidos e ao assunto da rega do jardim já contactei o Sr. José … que vai passar em casa da Senhora para arranjar o que falta. (…)
Ambos têm instruções para procederem aos arranjos, pagando eu as despesas.
Quanto ao resto, aceito que sejam descontadas as quantias que a senhora pagou, embora duvide que, pelo menos a do electricista, fosse devida.” – alínea H) da matéria assente
9. A exequente mandou construir o telheiro em alvenaria. – alínea I) da matéria assente
10. Em Outubro de 2011 a oponente solicitou à Câmara Municipal de Coruche uma vistoria ao telheiro.– alínea J) da matéria assente
11. Do auto de vistoria elaborado em sequência do referido em 10) consta que o telheiro se encontra em situação ilegal. – alínea L) da matéria assente
12. As quantias pagas pela oponente referidas em 8) referem-se a € 36,27 para instalação exterior para ligação de telefone e € 225,09 para colocação de líquido no painel solar. – quesito 1º da base instrutória
13. Os ferros que se encontram colocados no telheiro têm o propósito de o sustentar enquanto o mesmo está a ser construído. – quesito 8º da base instrutória
14. A colocação de uma cabine de duche nunca foi acordada entre as partes. – quesito 11º da base instrutória
***
III. Nos termos do disposto nos art.ºs 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, ambos do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 608º do mesmo Código.

As questão a decidir resume-se, pois, a saber se a presente Oposição deve improceder.

O contrato de compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou de um direito, mediante um preço, conforme resulta do disposto no art.º 874º do Cód. Civ.
Tendo por efeitos essenciais, a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito, a obrigação de entregar a coisa e a de pagar o preço (art.º 879º do Cód. Civ.)
No entanto, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, consagrado no art.º 405º do Cód. Civ., podem as partes acordar que o cumprimento parcial do contrato, por uma ou ambas as partes, seja relegado para momento posterior.
Subjacente ao princípio da liberdade contratual, está o conceito da boa fé contratual consagrado nos art.ºs 227º e 762º, ambos do Cód. Civ., quanto aos preliminares, à formação e ao cumprimento do contrato.
E nos termos gerais, o contrato deve ser cumprido pontualmente, nos termos acordados (art.ºs 406º, n.º 1 e 762º n.º 1 do Código Civil).
Podendo o comprador opor ao vendedor a exceptio nom adimpleti contractus (art.º 428º do Código Civil), não efectuando pagamento do preço em falta se o vendedor não cumprir com a prestação a que está contratualmente obrigado.
Assentando esta exceptio na necessidade de estabelecer “um processo lógico de assegurar, mediante o pagamento simultâneo, o equilíbrio em que assenta o esquema do contrato bilateral” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, em nota ao art.º 428º).

Conforme resulta da matéria de facto assente, a ora Exequente vendeu à ora Executada o prédio acima descrito, acordando as partes, entre o mais, que Pelo primeiro outorgante, na qualidade em que outorga, foi dito:
Que, pela presente escritura e pelo preço de cento e cinquenta e oito mil euros, a sociedade sua representada vende à segunda outorgante, o prédio urbano, destinado à habitação, com a área coberta de cento e sessenta e dois vírgula vinte e dois metros quadrados e descoberta de mil vírgula setenta e cinco metros quadrados, sito na Rua da …, Fajarda, freguesia de Fajarda, concelho de Coruche (…).
Que, do referido preço, já se encontra paga a quantia de cento e cinquenta e três mil euros, da qual nesta data é paga através de cheque bancário (…), a quantia de cento e vinte e oito mil euros, a quantia de vinte e cinco mil euros já foi paga anteriormente, e o remanescente no valor de cinco mil euros, será pago após a conclusão da construção de um telheiro, cuja obra se encontra iniciada e que será concluída provavelmente no prazo de quinze dias a contar de hoje, bem como a colocação de uma lareira na sala e churrasqueira no referido telheiro e a conclusão da canalização.
Pela segunda outorgante foi dito:
Que aceita a venda, nos termos exarados, e que o imóvel se destina a sua habitação própria permanente.

Por via da presente Execução pretende a Exequente receber o remanescente do preço, no montante de €5.000,00, por entender que a prestação a que estava obrigada _ a da conclusão de um telheiro no prédio que vendeu à Executada_, já foi cumprida, sendo que a Executada se recusa a efectuar o pagamento do remanescente do preço.
Discordando, veio a Executada deduzir a presente Oposição à Execução, em que, em suma, alega que a Exequente não cumpriu com a prestação a que estava adstrito, pelo que só pagará o remanescente do preço quando a Exequente cumprir totalmente com a prestação a quês está obrigada.

Discutida a causa, resultou provado que a Exequente construiu o telheiro a que ficou contratualmente obriga a concluir, _sem que a Executada tenha logrado provar que o mesmo não está construído em condições de segurança _ mas que o mesmo está em situação ilegal, por não estar devidamente licenciado.
Do que o Tribunal “a quo”, veio a retirar que: “Sendo o contrato de compra e venda um contrato bilateral, e face ao disposto no artigo 428º do Código Civil, em que cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe, assiste à oponente a faculdade de recusar o pagamento do preço em falta até que o telheiro esteja devidamente construído e apto a ser utilizado, o que, neste caso, face aos factos que resultaram provados, significa devidamente licenciado ou autorizado pela Câmara Municipal.
Relativamente aos montantes despendidos pela oponente provados em 12., também resultou dos factos provados em 8. que a exequente assumiu o seu pagamento perante a oponente, devendo existir uma compensação de créditos, conforme dispõem os artigo 847º e 851º do Código Civil.

Em face da matéria de facto que está vazada na escritura de compra e venda, não nos restam dúvidas de que a Exequente estava obrigada a concluir a construção de um telheiro no prédio vendido à ora Executada.
Sendo também para nós evidente que era obrigação da Exequente, enquanto dona do prédio vendido à ora Executada, a obtenção atempada de licença camarária para poder proceder à construção do mesmo.
E que essa obrigação _ a de ter licença camarária para a construção do telheiro _ decorria da obrigação a que se vinculou na escritura de compra e venda, a de concluir a construção de um telheiro no prédio vendido à ora Executada
Mas o que é verdade, conforme resulta da matéria provada, é que a ora Exequente, enquanto foi proprietária do prédio que vendeu à ora Executada, não procedeu ao licenciamento de tal telheiro, obtendo junto da respectiva entidade camarária, autorização para a sua construção.
O que terá de ser feito.
No entanto, está fora do alcance da Exequente, por não ter qualquer direito sobre o prédio que vendeu à ora Exequente, solicitar o licenciamento camarário de tal telheiro.
O que deve ser requerido pela ora Executada, suportando a Exequente todos os custos do processo de licenciamento camarário do telheiro, se entretanto o processo de legalização a que alude o doc. de fls. 37 a 39 (a que se refere o Ponto 11 dos Factos Provados), junto aos autos pela Executada, não tiver culminado na legalização do dito telheiro.

Dito isto, resta saber se a ora Executada pode deitar mão da aludida exceptio nom adimpleti contractus, consagrada no art.º 428º do Cód. Civ., até que obtenha licença camarária relativamente ao telheiro, compensando então os seus créditos sobre a Exequente _entre eles os resultantes do processo de licenciamento do telheiro _com a dívida exequenda.

A jurisprudência do S.T.J., acompanhando a doutrina maioritária, tem sido no sentido de que “A excepção do não cumprimento do contrato, consagrada no art. 428.º do CC, é uma consequência natural dos contratos sinalagmáticos, pois, neles, cada uma das partes assume obrigações, tendo em vista as obrigações da outra parte, de sorte que se romperia o equilíbrio contratual, encarado pelas partes, se caso uma delas pudesse exigir da outra o cumprimento sem, por outro lado, ter cumprido o que se prestar a cumprir.
No caso de incumprimento parcial, o alcance da excepção de não cumprimento do contrato deve ser proporcional à gravidade da inexecução, o que só poderá implicar uma recusa parcial por parte do credor; isto é, o credor poderá tão só suspender, parcial e proporcionalmente, a prestação, segundo o princípio da boa fé que deve presidir a toda a temática do cumprimento das obrigações.” (Ac. do S.T.J. de 04/02/2010, proferido no Proc. 4913/05.5TBNG.P1.S1).
Doutrina que acolhemos.

Em face do expendido, afigura-se-nos legitima a recusa, pela Executada, do pagamento, pelo valor total, da prestação a que está contratualmente vinculada, porque, por culpa da Exequente, o telheiro, apesar de estar construído, não está licenciado.
No entanto, afigura-se-nos excessivo que essa recusa abranja o valor global da prestação devida pela Executada, dado que o valor do incumprimento pela Exequente, respeitante à falta de obtenção de licenciamento, será necessariamente inferior, pois trata-se apenas do licenciamento camarário do telheiro que, a ver pelo doc. de fls. 37, estará já em marcha.
Sendo certo que caberia à Executada, alegar e provar qual o valor previsível da despesa com esse processo de licenciamento.
Será pois dentro do referido quadro de proporcionalidade entre as prestações devidas por cada uma das partes, com recurso a um juízo de equidade, que se encontrará a justa solução para o caso em apreço, deitando mão ao disposto no art.º 428º do Cód. Civ..
Tendo em conta que a prestação devida pela Executada à ora Exequente é de €5.000,00 e que será previsível que o licenciamento camarário do telheiro seja bastante inferior a €1.000,00, não se olvidando que haverá valores a compensar, que são devidos pela Exequente à Executada (vide Ponto 12 dos Factos Provados), somos levados a concluir que a legitima recusa, pela Executada, ao abrigo da exceptio nom adimpleti contractus, consagrada no art.º 428º do Cód. Civ., relativa ao pagamento da dívida que tem para com a Exequente, deve ser reduzida ao montante de €1.000,00.
Consequentemente, prosseguirá o Processo Executivo para cobrança do valor de €4.000,00 e respectivos juros.
Procede assim, parcialmente, o presente recurso.
***
IV. Decisão
Pelo acima exposto, decide-se pela procedência parcial do recurso, e, consequentemente:
a) Revoga-se parcialmente a Sentença recorrida;
b) Determina-se o prosseguimento do Processo Executivo para cobrança do valor de €4.000,00 e respectivos juros.
Custas por Apelante e Apelada, na proporção do decaimento.
Registe e notifique.

Évora, 05 de Maio de 2016
Silva Rato
Assunção Raimundo
Mata Ribeiro