Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO PIRES HENRIQUES DA GRAÇA | ||
Descritores: | ACTOS SEXUAIS COM ADOLESCENTES | ||
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Data do Acordão: | 03/29/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I. Para a existência do crime de actos sexuais com adolescentes, p. e p. no artº 174º do CP, não basta a existência de actos sexuais, nem a idade da vítima (entre 14 e 18 anos) é suficiente; exige-se ainda a inexperiência desta, ou seja, que a vítima seja seduzida. II. A idade da menor, com 14 anos na data dos factos, não constitui presunção de inexperiência sexual, pois que tal idade não é suficiente para se concluir pela sua imaturidade, especialmente nos tempos actuais, em que os jovens desde muito cedo se começam a confrontar com todas as realidades do mundo exterior e iniciam também muito cedo a sua vida sexual. III. Se o comportamento assumido pela menor sobre os factos e o contexto em que o desenvolveu não revelam que a mesma se sentisse determinada por actos exteriores à sua vontade, nem que existissem sequer tais actos, não pode concluir-se ter havido sedução, nem que a mesma menor fosse inexperiente. IV. Não constando da matéria fáctica provada factos relativos à experiência ou inexperiência sexual da menor, nem factos donde se infira a sedução da mesma menor pelo arguido, nem a existência de factos abusivos da inexperiência sexual da menor, inexiste factualidade típica relevante para a definição da ilicitude. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em audiência, na Relação de Évora A- Nos autos de processo comum (tribunal singular) com o nº…, da comarca de…, foi proferida sentença, em …, que absolveu o arguido A, com os demais sinais dos autos, da prática de um crime de actos sexuais com adolescentes, na forma continuada, do qual se encontrava acusado pelo Ministério Público.B- Inconformado, recorreu o assistente B, id. nos autos, concluindo: A) Não consta da douta Sentença recorrida a data de nascimento do arguido. B) O crime de actos sexuais com adolescentes é punido por quem for de maioridade e tiver cópula com menor de 14 a 16 anos, abusando da sua inexperiência. C) O arguido fez á vítima promessas de vida em comum e insistentemente dizia-lhe que queria casar com ela. D) A vítima admirava muito o arguido porque gostava muito de música e de cantar e este era presidente do Grupo Musical a que aderiu. E) A vítima à data dos factos em apreço tinha 14 anos de idade. F) Era uma rapariga normal, calma e vivia com os pais. G) Nunca tinha tido namorado antes da data dos factos em apreço. H) O arguido tinha tudo preparado e convencido a vítima a com ele fugir de…, onde ambos viviam. I) O arguido a pedido da vítima, entre outros factos, procedeu ao carregamento do telemóvel. J) O arguido teve cópula completa com a vítima, sabendo ser esta rapariga de 14 anos de idade e desenvolvendo tal comportamento de forma livre e consciente sabendo que tal lhe não era permitido por lei. K) A prova produzida consubstancia inequívoco comportamento sedutor do arguido susceptível de lhe permitir alcançar, como alcançou, o resultado pretendido de ter relações sexuais com a vitima. L) Ao lograr ter relações sexuais com a vítima, provando-se que aquela, rapariga de 14 anos de idade, que nunca tivera antes qualquer relação de namoro com outros homens, que vivia com os pais, era calma e normal e nutria grande admiração pelo arguido, presidente do Grupo Musical a que ansiava e conseguiu pertencer, está demonstrada a sedução sexual e o abuso da inexperiência sexual da vítima. M) Com a decisão recorrida foram violadas, entre outras, as disposições contidas no artigo 174º do Código Penal. Termos em que Deve o Recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ordenar-se o reenvio para o Tribunal “a quo" para ampliação da matéria de facto, ou, se por mera hipótese assim não for entendido, deve ainda assim ser julgado procedente por provado e, em consequência revogar-se a douta decisão recorrida proferindo-se outra que conclua pela condenação do arguido com a medida da pena adequada, tudo com as legais consequências, Assim se fará a costumada JUSTIÇA C- Respondeu o Ministério Público à motivação do recurso, concluindo: 1 - A fundamentação de facto da sentença preenche-se com a «enumeração dos factos provados e não provados... ». O que tem, pois, de ser enumerado são os factos, que não as conclusões a extrair dos mesmos. 2- Constando do relatório da sentença impugnada a data de nascimento do arguido, seria mero juízo conclusivo consignar na matéria de facto dada provada 3 - Sendo certo que os depoimentos dos ofendidos são os principais e muitas vezes únicos elementos de prova quando estão em causa crimes de cariz sexual, é necessário que tais depoimentos sejam credíveis e coerentes. 4- Não sendo este o caso do depoimento da ofendida, bem decidiu o tribunal ao atribuir, em detrimento do depoimento da ofendida, maior relevo probatório à confissão do arguido. 5 - A Sentença recorrida não padece de quaisquer dos vícios a que alude o art. 410° do CPP, designadamente a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e o erro notório na apreciação da prova. D- Também o arguido respondeu à motivação de recurso, pugnando pela manutenção do decidido, devendo o recurso ser julgado totalmente improcedente. E- Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer no sentido da improcedência do Recurso, assinalando , em suma, que a matéria dada como provada (e não provada)é a que resulta da análise da prova produzida, temperada com os princípios de processo penal convergentes na área, com destaque – inevitável e desejável sob o ponto de vista da captação psicológica – para o da imediação, pelo que nenhuma razão assiste ao Recorrente quando pretende apenas que ela fosse valorada de forma diferente, mais consoante com os respectivos interesses.” F- Cumpriu-se o disposto no artigo 417º nº 2 do CPP, sem que fosse aduzida resposta. G- Foi o processo a vistos dos Exmos Adjuntos, após o que o Exmo Presidente designou a audiência que veio a realizar-se na forma legal. H- Consta da decisão recorrida: “Factos Provados: Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa:
2- A C havia passado a integrar o grupo musical “…” de que o arguido fazia parte e do qual era presidente. 3- A partir de princípios de …de …, o arguido passou a manter relações de intimidade amorosa com a C. 4- Dizendo-lhe que a amava e que casaria com ela. 5- Apesar de saber que ela tinha então apenas 14 anos de idade. 6- Abraçava-a, beijava-a na boca e acariciava-a inclusive, sexualmente. 7- Em diversos locais de.... 8- Nomeadamente, na casa dela, na Rua …, 9- À qual se deslocava. 10- Prevalecendo-se da ausência para o trabalho, dos pais da mesma. 11- Veio, em consequência, em meados do referido mês de…, e nesse local, a lograr introduzir, completamente, o seu pénis na vagina dela. 12- E a manter, assim, relações sexuais de cópula completa. 13- E, mais tarde, entre esse dia e … de …de …, repetiu por várias vezes, esse tipo de comportamento, sendo, pelo menos: a) quatro, no mesmo local; b) três, à noite, no campo junto à escola da casa da adolescente, em…; c) outra, no pátio da mesma escola; d) duas, no …. 14- Agiu sempre consciente, livre e deliberadamente. 15- E com perfeito conhecimento da referida idade da menor. 16- O arguido encontra-se a tirar um curso de calceteiro, auferindo o salário mínimo nacional. 17- Vive com os pais e a filha menor. 18- Auxilia nas despesas do agregado familiar. 19- Tem o 6º ano de escolaridade. 20- Não tem antecedentes criminais. Não se provaram os seguintes factos: - que o arguido se tenha aproveitado da imaturidade da C, de ela ter passado a integrar o grupo musical “…” de que ele próprio fazia parte, de ser ele o presidente deste grupo e do fascínio que, em consequência, lograva provocar-lhe, mas apenas o consta de 1) e 2) dos factos provados; - que foi desta forma que conseguiu passar a manter relações de intimidade amorosa com a mesma, mas apenas o que consta em 3) dos factos provados. - que, atendendo aos factos constantes de 4) e 5) dos factos provados, era mais susceptível de acreditar em si e aceitar a satisfação da sua lascívia. - que o arguido tenha desflorado a C. - que o arguido não ignorava que a sua conduta não era permitida. I- Cumpre apreciar e decidir. 1. Houve documentação dos actos de audiência, pelo que a Relação pode conhecer de facto e de direito nos termos do artigo 428º nº 1 do CPP. Todavia, o conhecimento em matéria de facto só se concretiza se houver recurso em matéria de facto, nos termos do artigo 412 nºs 3 e 4 do CPP, e, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios e nulidades nos termos do artigo 410º nºs 2 e 3 do CPP. Ora o recorrente não recorreu da matéria de facto, nos termos em que legalmente poderia fazê-lo. O recorrente pretende (de forma genérica e inintelegível), a ampliação da matéria de facto, quando afinal, impugna a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecido da regra da livre apreciação da prova inserta no artº 127º do CPP. (Ac. do S.T.J. de 213 de Fevereiro de 1991 in AJ, nºs 15/16, 7). 2. Na verdade, dispõe o artº 127º do CPP que salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. É certo que, este princípio da livre apreciação da prova não é absoluto, já que a própria lei lhe estabelece excepções – designadamente as respeitantes ao valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (artº 169º); ao caso julgado (artº 84º); à confissão integral e sem reservas no julgamento (artº 344º) e à prova pericial (artº 163º) (Ac. do STJ de 5 de Maio de 1993; BMJ 327, 441) A regra da livre apreciação da prova em processo penal não se confunde com apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável. O julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância a regras de experiência comum utilizando como método de avaliação a aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e controlo (c. do Tribunal Constitucional nº 1165/96 de 19 de Novembro; BMJ,461, 93). Uma dúvida que, em rigor, não ultrapassa o limite da subjectividade, e que por isso se não deixa objectivar, não tem a virtualidade de, racionalmente, convencer quem quer que seja da bondade da sua justificação (v. Acs do STJ de 4 de Novembro de 1998 in CJ, Acs do STJ, VI, tomo 3. 201 e, de 21 de Janeiro de 1999, proc. 1191/98 3ª, SASTJ, nº 27,78). Ora, examinando a motivação da decisão de facto constante da sentença, verifica-se que faz uma explicação cabal, ex abundanti, de forma cuidada e crítica, das provas que conduziram à convicção do tribunal sobre a decisão de facto tomada. Não procedem os pressupostos de modificabilidade da decisão em matéria de facto, nos termos permitidos pelo artigo 431º do CPP. Por outro lado a matéria fáctica constante da decisão recorrida não enferma de qualquer dos vícios constantes do artigo 410º nº2 do CPP, que têm de resultar do texto da decisão recorrida ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, nem ocorrem nulidades de que cumpra conhecer. A mesma matéria fáctica apurada na sentença, torna-se, por conseguinte, definitiva. 3. Contrariamente ao alegado pelo recorrente, consta do relatório da sentença, mormente no início, relativamente à identificação do arguido que este, nasceu em … de …de …. Relativamente ao demais constante das conclusões da motivação do recurso que se podem sintetizar nas conclusões J) e L) no sentido de que a prova produzida consubstancia inequívoco comportamento sedutor do arguido susceptível de lhe permitir alcançar, como alcançou, o resultado pretendido de ter relações sexuais com a vitima e, ao lograr ter relações sexuais com a vítima, provando-se que aquela, rapariga de 14 anos de idade, que nunca tivera antes qualquer relação de namoro com outros homens, que vivia com os pais, era calma e normal e nutria grande admiração pelo arguido, presidente do Grupo Musical a que ansiava e conseguiu pertencer, está demonstrada a sedução sexual e o abuso da inexperiência sexual da vítima, basta ler a motivação de facto e, a fundamentação jurídica da sentença, para se concluir pela inexistência de sedução e, de abuso de inexperiência sexual da vítima. a- Na verdade, de harmonia com o referido artigo 127º do CPP, e, com o princípio da imediação da prova, a motivação de facto pormenorizadamente justifica: “Motivação de Facto: O decidido funda-se em todos os meios de prova produzidos em audiência de julgamento, valorados na sua globalidade Desde logo de salientar que ao longo das várias sessões de audiência de julgamento foram apresentadas 3 versões acerca da ocorrência dos factos. A constante da acusação, a apresentada pelo arguido, de certa forma coincidente com a da acusação e a relatada pela menor C, contraditória com qualquer uma das outras duas. Não podemos também deixar de referir que o crime em causa nos presentes autos, (de natureza sexual) se apresenta como um crime cuja prova da verificação é assaz difícil, na medida em que regra geral só têm conhecimento da maioria dos factos o arguido e a vítima. Assim sendo, e na maioria dos casos, tal prova, a ser feita, assenta exclusivamente no depoimento da vítima, caso este se mostre susceptível de formar a convicção do julgador. Nos presentes autos, situação diversa se verificou. Com efeito, e face à acusação do Ministério Público, foi o próprio arguido que confirmou a existência de relações sexuais, durante um período de tempo, com a menor, que só terão terminado quando o pai da mesma ficou ao corrente da situação. Confirmou também os locais onde os factos aconteceram e esclareceu que gostava da adolescente C e que pretendia ficar com ela. Esclareceu também que a adolescente ficava muito feliz quando chega ao pé dele para lhe contar o que acontecia na escola. Afirmou que por várias tentou terminar a relação existente entre eles, mas que a C dizia que se matava. Referiu também que a adolescente já não era virgem da primeira vez que tiveram relações sexuais. A menor vem apresentar uma versão completamente diferente dos factos, alegando que apenas teve relações sexuais com o arguido por duas vezes, uma na casa dele e outra no carro, mas contra a sua vontade e porque este a ameaçava. Avançamos desde logo que a versão apresentada pela adolescente não foi susceptível de convencer este tribunal acerca da ocorrência dos factos, da forma por ela descrita. Com efeito, e pese embora a mesma tenha mantido a sua versão dos factos ao longo de toda a audiência de julgamento, o certo é que pela mesma foi dito que, quando contou aos pais, lhes disse que namorava com o arguido e que mantinham relações sexuais. Face a tal relato, o pai da menor foi apresentar queixa contra o arguido. Continua a menor dizendo que sempre assumiu a existência de uma relação de namoro com o arguido e que só quando foi ao psicólogo acompanhada pelos pais é que disse que apenas tinha tido relações sexuais por duas vezes com o arguido, contra a sua vontade, e que só o fez porque ele a ameaçou. No entanto, e confrontando o seu depoimento com os demais meios de prova produzidos em audiência de julgamento, verifica-se que o mesmo não se revelou credível. Em primeiro lugar, desde logo não se compreende o motivo pelo qual uma menor de 14 anos se dirige à casa de uma homem com mais de 30 anos, para tratar de uns papeis, sendo certo que o poderiam ter feito na sede do grupo musical. Não se compreende também que, se de facto a menor tivesse sido abusada sexualmente pelo arguido, continuasse a fazer parte do grupo musical de que o arguido era presidente. A explicação dada pela menor de que não abandonou o grupo porque tinha ido para lá com o irmão e ele gostava muito de lá estar não convenceu este tribunal, na medida em que não se concebe que alguém não se afaste de seu agressor em prol da felicidade do irmão, consistente em fazer parte de um grupo musical. A por em causa a versão da menor, temos ainda um bilhete junto aos autos, dirigido ao arguido, e que a mesma admite ter sido escrito por ela. Nesse mesmo bilhete não transparece qualquer relação forçada entre os dois, muito pelo contrário. Além de tratar o arguido por “amor”, a menor ainda lhe pede para ele lhe carregar o telemóvel. Temos também o depoimento das testemunhas D e E, os quais prestaram depoimento de forma isenta, confirmaram que a menor C ia ter com o arguido à obra onde este trabalhava, sendo que, no entender das referidas testemunhas, o comportamento destes era idêntico ao comportamento dos namorados. Estes depoimentos tornam também incompreensível a versão apresentada pela menor, pois se a mesma fosse abusada, certamente não iria visitar o abusador. Temos também os depoimentos do irmão da C, F, e do pai de ambos, G, os quais confirmaram que inicialmente aquela havia dito que namorava com o arguido e que só mais tarde é que veio dizer que tinha tido relações sexuais com este, contra a sua vontade. O próprio pai da menor, no seu depoimento, disse que não sabia qual das versões apresentadas pela menor correspondia à verdade. Por tudo o que supra ficou exposto, o tribunal não considerou credível a versão apresentada pela adolescente C. Temos depois a versão constante da acusação. De acordo com a mesma, o arguido, aproveitando-se da sua situação pessoal e da imaturidade e inexperiência da adolescente, teria logrado manter relações sexuais com a mesma. Apesar de imputar tais factos ao arguido, o Ministério Público não logrou fazer prova da maioria deles. Em primeiro lugar porque a versão apresentada pela adolescente revelou-se completamente diferente daquela defendida na acusação. Em segundo lugar, porque nenhuma da prova trazida pelo Ministério Público foi susceptível de confirmar determinados factos, nomeadamente os factos relativos ao aproveitamento por parte do arguido da inexperiência e imaturidade da menor. Com efeito, provou-se que efectivamente a menor C passou a integrar o grupo musical “…”, de que o arguido fazia parte e era presidente, por tal ter sido confirmado pela prova produzida. No entanto, e no que diz respeito à imaturidade da menor, nada se provou, a não ser que a mesma tinha 14 anos à data da prática dos factos. Tal não é suficiente para se concluir da sua imaturidade, especialmente nos tempos actuais, em que os jovens desde muito cedo se começam a confrontar com todas as realidades do mundo exterior e iniciam também muito cedo a sua vida sexual. Não só não se fez prova dessa imaturidade e inexperiência, como não se fez prova de que tenha havido qualquer aproveitamento do arguido de qualquer situação, com vista a conseguir ter relações sexuais com a mesma, o que logrou conseguir. A prova de tais factos poderia eventualmente ter sido feita caso a adolescente C tivesse prestado depoimento de uma forma credível e coerente, o que não aconteceu, conforme já foi dito. Assim sendo, e no que diz respeito aos factos constantes da acusação, apenas se provaram aqueles que foram confessados pelo arguido, na medida em que não foram contrariados pelos restantes meios de prova produzidos. Os documentos juntos aos autos relativos à situação de baixa médica da mãe da menor não afastam a versão apresentada pelo arguido de que se encontravam na casa da mesma, na medida em que não comprovam que efectivamente a mesma se encontrava em casa o tempo todo. Também no que diz respeito às declarações prestadas pelo pai e irmão da C, dizendo que quem tinha as chaves da casa dos avós eram apenas ele (o pai) e o avó não afastam as declarações do arguido, porque tal não significa que a mesma tivesse tido acesso às mesmas. Considerou-se também provado que o arguido tinha conhecimento da idade da adolescente C, atendendo ao teor do seu próprio depoimento, que confirmou que mais tarde veio a saber, conjugado com o depoimento da C, do seu pai e irmão, que confirmaram que quando entraram para o grupo preencheram umas fichas, que forma entregues ao arguido, das quais constava a sua data de nascimento, fichas essas juntas aos autos. As restantes testemunhas inquiridas não revelaram conhecimento directo sobre os factos, apenas testemunhando que existia entre eles o que aparentava ser uma relação de namoro, não tendo, no entanto, conhecimento directo de como tal relação se teria iniciado. Também não se considerou provado que a adolescente C fosse virgem aquando da primeira vez que manteve relações sexuais com o arguido, na medida em que nenhuma prova foi feita nesse sentido, apenas constando do relatório médico junto aos autos que, na data do exame, a mesma apresentava sinais próprios de desfloração não recente- cfr. fls. 52 e 53. A conjugação de todos os meios de prova produzida determinou que o Tribunal considerasse provados e não provados os factos da forma supra descrita. Valorou-se ainda o CRC do arguido junto aos autos. No que diz respeito à condição pessoal do arguido, o Tribunal valorou as suas próprias declarações.” b- A matéria fáctica provada nada alude em relação à experiência ou inexperiência sexual da menor, mas também não dá como provados factos donde se infira a sedução da mesma menor pelo arguido, ou a existência de factos abusivos da inexperiência sexual da menor. c- Note-se aliás, que foi dado como não provado que o arguido se tenha aproveitado da imaturidade da C, de ela ter passado a integrar o grupo musical “…” de que ele próprio fazia parte, de ser ele o presidente deste grupo e do fascínio que, em consequência, lograva provocar-lhe, mas apenas o consta de 1) e 2) dos factos provados; e que foi desta forma que conseguiu passar a manter relações de intimidade amorosa com a mesma, mas apenas o que consta em 3) dos factos provados. d- A idade da menor, com 14 anos na data dos factos, não constitui, por outro lado, presunção de inexperiência sexual, pois como salienta a decisão recorrida, “Tal não é suficiente para se concluir da sua imaturidade, especialmente nos tempos actuais, em que os jovens desde muito cedo se começam a confrontar com todas as realidades do mundo exterior e iniciam também muito cedo a sua vida sexual”. e- Aliás, o comportamento assumido pela menor sobre os factos e o contexto em que o desenvolveu, não revela que a mesma se sentisse determinada por actos exteriores à sua vontade, nem que existissem sequer tais actos. f- Por outro lado, para a existência do crime de actos sexuais com adolescentes, p. e p. no artº 174º do CP, não basta a existência de actos sexuais, nem a idade da vítima, é suficiente, mas exige-se ainda a inexperiência desta, ou seja, que a vítima seja seduzida : - “Os meios de sedução que agora se prevêem terão de ser determinantes do consentimento do ofendido para a cópula. Além destes, não há outros meios de sedução, porque a lei os tipificou. As promessas de vida em comum, as dádivas e a excitação sexual continuada e persistente deixaram de ser, só, por si, meio de sedução com relevância penal, sem prejuízo de, quando se trata de menor inexperiente, poderem integrar uma sedução por abuso de inexperiência.” (Maia Gonçalves in Código Penal Português, anotado e comentado,15ª edição, p. 584, nota 3.) Ora como bem fundamenta a decisão recorrida: “O arguido vem acusado da prática de um crime de actos sexuais com adolescentes, na forma continuada, previsto e punido pelo art. 174º do Código Penal, que dispõe que: “Quem, sendo maior, tiver cópula, coito anal ou coito oral com menor entre 14 e 16 anos, abusando da sua inexperiência é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias”. Conforme é referido por Jorge de Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, pag. 563 e seguintes, o bem jurídico protegido pela incriminação em análise é o livre desenvolvimento da vida sexual do adolescente de 14 a 16 anos, de qualquer sexo, face a processos proibidos de sedução conducentes à cópula ou ao coito anal ou oral. O autor do tipo de crime ora apreciado terá de ser alguém, maior de idade, de qualquer sexo. A vítima pode ser um adolescente entre 14 e 16 anos de qualquer sexo. Nos presentes autos ficou demonstrado que o arguido era maior de idade e que a C tinha 14 anos à data da prática dos factos. Indaguemos agora se a conduta do arguido, tal como resulta dos factos provados, integra a previsão do normativo legal supra referido. A conduta consubstanciadora do crime é a cópula, o coito anal ou o coito ora, não integrando o tipo um qualquer acto sexual de relevo. Resulta dos factos provados que o arguido, por várias vezes, manteve relações sexuais de cópula completa com a menor C. Mas não basta a existência de tal conduta para que se verifique o preenchimento do tipo, sendo necessário, conforme refere o texto legal, que tenha havido, por parte do autor, um aproveitamento da inexperiência da vítima, ou seja, uma exploração ou aproveitamento da inexperiência da vítima e, consequentemente, a menor força de resistência que por isso terá diante da cópula ou coito [1] . Além disso, consideramos também que não basta que tenha havido abuso da inexperiência, por um lado, e cópula ou coito (consentidos) de outro. É necessário que o abuso de inexperiência tenha sido determinante da cópula ou coito, ou antes, determinante do consentimento para a cópula ou coito, de tal forma que se possa dizer que, sem aquele, esta (cópula ou coito) não se teria verificado. [2] Com efeito, é possível que exista uma inexperiência sexual do adolescente e cópula (consentida) sem que exista qualquer nexo de causalidade entre tais factos. Nestes casos, em que o aproveitamento da inexperiência não foi determinante na obtenção do consentimento, não se verifica o crime, sendo necessário, como ensinava Beleza dos Santos, que “o sedutor determine a seduzida a consentir no estupro, por forma que, se não fosse aquele, o consentimento desta não seria prestado.” Este nexo de causalidade existente entre o abuso da inexperiência e a conduta típica tem de ser demonstrado, não podendo, em caso algum, ser presumido. No caso sub judice não se logrou provar, desde logo, a inexperiência da adolescente ou a sua imaturidade, nem mesmo que tenha sido o arguido a desflorar a adolescente (sendo certo que ainda que se provasse que a mesma já não era virgem, tal não implicava necessariamente que a mesma não fosse inexperiente). Além disso, e ainda que assim não fosse, atendendo aos factos provados e não provados, temos de concluir pela inexistência do referido nexo de causalidade. Pese embora a acusação refira que o arguido, aproveitando-se da imaturidade da adolescente, de ela ter passado a integrar o grupo musical de que era presidente e do fascínio que, em consequência, lograva provocar-lhe, conseguiu passar a manter relações de intimidade amorosa com a mesma, o certo é que o Ministério Público não logrou fazer prova de tais factos. Os factos provados nos presentes autos não consubstanciam o crime pelo qual o arguido se encontra acusado, uma vez que, conforme já foi supra exposto, não se logrou provar um dos elementos do tipo, ou seja, que a cópula foi conseguida através do abuso da inexperiência da adolescente. Face ao exposto, não resta senão concluir que o arguido deve ser absolvido da prática do crime pelo qual se encontra acusado.” Do exposto, resulta que o recurso não merece provimento. J- Termos em que: Negam provimento ao recurso e, confirmam a sentença recorrida. Tributam o assistente em 4 Ucs de taxa de justiça. ÉVORA, 29 de Março de 2005 Elaborado e revisto pelo relator. António Pires Henriques da Graça Rui Hilário Maurício Manuel Cipriano Nabais ______________________________ [1] Cfr. José de Figueiredo Dias, ob. cit., pag. 566. [2] Cfr. Sénio Manuel dos Reis Alves, in Crimes Sexuais, Almedina, 1995, pag. 92. |