Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
431/17.7T8PSR.E1
Relator: FRANCISCO XAVIER
Descritores: PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
VIOLAÇÃO DE REGRAS PROCEDIMENTAIS
Data do Acordão: 11/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
A omissão de comunicação ao credor do início do processo para acordo de pagamentos e do convite a participar nas negociações, bem como a falta de relacionamento do seu crédito, por parte do devedor, previstas no artigo 222º-D, n.º 1, e 24º, n.º 1, alínea a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, além de traduzirem uma violação não negligenciável de regras procedimentais, configura, irregularidade susceptível de influir no exame e na decisão da causa, impeditiva de participação do credor nos actos de reclamação do seu crédito, nas negociações com vista à apresentação e votação do plano de pagamentos e na homologação deste.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1. BB manifestou o propósito de estabelecer negociações com os seus credores tendo em vista concluir com estes acordo de pagamentos conducente à sua revitalização, dando lugar à abertura de Processo Especial para Acordo de Pagamento.
Foi proferido despacho a designar o administrador judicial provisório e cumprido o disposto no artigo 222.º-C, n.º 5 do CIRE.
Foi publicada a lista provisória dos créditos, que se converteu em definitiva após conhecimento das impugnações.

2. Findas as negociações, foi apresentado o plano de recuperação, sem aprovação unânime.
Os credores CC e DD vieram solicitar a não homologação do plano, invocando, o primeiro, que o plano é manifestamente inexequível, não contém informação respeitante aos passos a que o devedor deve recorrer para ultrapassar os seus problemas financeiros e que é um expediente dilatório, uma vez que o devedor não tem liquidez para pagar as suas dívidas; o segundo, que o plano viola o disposto no artigo 216.º, n.º 1, al. a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, porquanto é menos favorável para os credores do que a liquidação do activo em processo de insolvência, sendo que, além do mais, o plano não identifica, de forma completa, o património do devedor e omite a situação em que ficariam os credores na ausência do plano.
Por sua vez, a sociedade EE, veio dizer que é credora do devedor, na sequência de serviços jurídicos prestados e não pagos, mas que o devedor não lhe comunicou o início das negociações, não a informou do início do processo, nem a convidou a participar nas negociações em curso que encetou com os demais credores.
Conclui dizendo que tal situação configura uma irregularidade susceptível de influir no exame e na decisão da causa, uma vez que a impediu de participar nos actos de reclamação do seu crédito e de participar nas negociações com vista à aprovação do plano de recuperação, pelo que deve ser recusada a sua homologação, ou que seja atendido o seu crédito.

3. O Tribunal convidou o administrador judicial provisório a vir esclarecer se estavam verificados os princípios da igualdade de tratamento entre os credores e o princípio da proporcionalidade, tendo este respondido afirmativamente e que o plano propõe o pagamento de 20% dos créditos comuns reconhecidos na lista de créditos reconhecidos em 96 prestações mensais e sucessivas, e que para o crédito resultante do contrato de mútuo n.º 069-27.100337-3 da FF, que tem hipoteca constituída por um terceiro a favor desse credor, o plano propõe que a liquidação do remanescente deste crédito (80%), seja efectuada por esse terceiro.

4. Foi proferida decisão, no âmbito da qual se apreciou a questão prévia suscitada pela credora EE, concluindo-se pela inexistência de qualquer irregularidade e pela extemporaneidade do pedido, indeferiu-se a inclusão do alegado crédito da EE na lista definitiva de créditos reconhecidos, e decidiu-se homologar o plano de recuperação aprovado no presente processo.

5. O credor CC, S.A., interpôs recurso, concluindo pela não homologação do plano apresentado pelo devedor, com os fundamentos seguintes […]:
(…).
NESTES TERMOS e nos melhores de Direito deve o presente recurso ser provido e, em consequência, ser revogado o despacho/sentença recorrida e substituída pelo Acórdão deste Tribunal da Relação que revogue o despacho/a sentença proferida pelo Tribunal a quo, substituindo-a por outra que determine a não homologação do plano apresentado pelo devedor e, bem assim, julgue a sua ineficácia relativamente ao recorrente e demais credores reconhecidos.
Assim decidindo farão V. Exas. Exmos. Senhores Dr. Juízes Desembargadores a costumada JUSTIÇA.

6. Também a credora EE, interpôs recurso, pedindo a revogação da sentença, com os seguintes fundamentos [segue transcrição das conclusões do recurso]:
1.ª A Recorrente é uma sociedade civil de Advogados constituída em Fevereiro de 19… e inscrita na Ordem dos Advogados com o n.º …/…, que exerce aquela profissão de forma habitual e com carácter lucrativo.
2.ª Na sequência dos serviços jurídicos prestados, a Recorrente procedeu à emissão da Factura n.º 90055989, emitida e vencida a 18-12-2014, no valor de EUR 37.662,29 (trinta e sete mil, seiscentos e sessenta e dois euros e vinte e nove cêntimos).
3.ª Para além do mais, a aqui Recorrente prestou diversos serviços, ainda não facturados, no valor total de EUR 1.870,00 (mil oitocentos e setenta euros).
4.ª Não obstante as diversas interpelações efectuadas pela Recorrente no sentido de ser ressarcida do valor em dívida, o Devedor não procedeu ao pagamento da factura, nem na data de vencimento (18-12-2014) nem posteriormente.
5.ª O Recorrido sabia e não podia desconhecer que o processo executivo se encontrava pendente e que, nessa sequência, ainda se encontravam valores em dívida.
6.ª No entanto, aquando da apresentação da sua petição inicial, que originou o presente processo especial de revitalização, o Recorrido optou por omitir os valores em dívida, referente ao crédito da ora Recorrente.
Ora,
7.ª O artigo 24.°, n.º 1, alínea a) ex vi o artigo 17.º-C, n.º 3, ambos do CIRE, exige que o devedor, quando seja o requerente, junte a relação por ordem alfabética com todos os credores com indicação dos respectivos domicílios, dos montantes dos seus créditos, das de vencimento, natureza e garantias de que beneficiem e da eventual existência de relações especiais.
8.ª Contudo, o ora Recorrido não respeitou esta imposição legal, não tendo mencionado o valor que se encontra em dívida (ou aproximado) à ora Recorrente, ao contrário do que fez com os restantes credores.
9.ª Esta actuação do Devedor culminou com o não relacionamento do crédito, por parte do Administrador Judicial provisório e, consequentemente, com a não inclusão do crédito da Recorrente na lista provisória de créditos.
10.ª Saliente-se que, apesar das sucessivas notificações dirigidas ao Recorrido, no âmbito da prestação de serviços jurídicos, este nunca se dignou informar a Recorrente da existência do processo especial de revitalização.
11.ª Nem tão pouco comunicou à Recorrente, por carta registada, a existência do processo especial de revitalização, conforme o artigo 17.°-D, n.º 1 do CIRE assim o exige.
12.ª A Recorrente só tomou conhecimento da existência do processo especial de revitalização em Abril de 2018, quando o Recorrido, por precisar do seu acompanhamento no processo judicial, informou de tal facto, já haviam passado todos os prazos previstos na lei para que a Recorrente pudesse fazer valer os seus direitos.
13.ª Este facto demonstra, mais uma vez, que o Recorrido sabia da existência do crédito, mas optou não efectuar qualquer comunicação à ora Recorrente.
14.ª A ausência dessa comunicação e, consequentemente, o desconhecimento da existência do processo especial de revitalização originou a:
a. Não reclamação de créditos por parte da Recorrente;
b. Não participação nas negociações na mesma medida que os restantes credores.
15.ª Caso o ora Recorrido tivesse cumprido as suas obrigações legalmente impostas, todas as situações supra referidas teriam sido evitadas.
16.ª Após ter tomado conhecimento da existência do processo especial de revitalização, a ora Recorrente expôs toda a situação nos respectivos autos, tendo pugnado, em prol do princípio da justiça material e do princípio do aproveitamento dos actos processuais, o reconhecimento do seu crédito e sua respectiva inclusão da lista de créditos reconhecidos.
17.ª Não obstante o supra exposto, o Tribunal a quo, na sua sentença que ora se recorre, afirma não existir qualquer violação não negligenciável das regras, procedimentos ou de normas aplicáveis, ditando antes que o requerimento de não homologação da Recorrente era extemporâneo.
18.ª Ora, conforme já foi possível demonstrar nas presentes conclusões, a actuação do Recorrido consubstanciou uma violação do artigo 24.°, n.º 1, alínea a) ex vi o artigo 17.°-C, n.º 3 e do artigo 17.°-D, n.º 1, todos do CIRE.
19.ª A violação dos artigos supra referidos acarretou a preterição de formalidades essenciais, por parte do Devedor, ora Recorrido, as quais constituem violação não negligenciável de regras procedimentais
20.ª Entende-se que são não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza.
21.ª Para além da violação dos artigos supra referidos se traduzirem numa violação não negligenciável das regras procedimentais, no âmbito do processo especial de revitalização, configuram uma irregularidade susceptível de influir no exame e na decisão da causa, uma vez que impediu a ora Recorrente de participar nos actos de reclamação do seu crédito e de participar nas negociações com vista à aprovação do plano de recuperação.
22.ª Assim, impunha-se a anulação dos actos subsequentes à apresentação da lista provisória de credores, sendo ainda conferido à Recorrente o prazo a que alude o artigo 17.°-D, n.º2 do CIRE, a fim de reclamar o seu crédito.
23.ª Neste sentido, vejam-se os Acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do processo n.º 341/15.2T8PRG-A.G1, em 19-05-2017 e no âmbito do processo n.º 3129/13.1TBBRG.G1, em 07/03/2014.
Mais,
24.ª O artigo 215.° ex vi o artigo 17.º-F, n.º 5, ambos do CIRE, dispõe que a homologação do plano de recuperação deve ser recusada oficiosamente pelo juiz, no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normais aplicáveis ao seu conteúdo.
25.ª Nestes termos, tendo ocorrido uma violação não negligenciável de regras procedimentais, o plano de recuperação não deveria ter sido homologado pelo Tribunal a quo.
26.ª De tudo o exposto, resulta que, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo procedeu incorrectamente, quando homologou o plano de recuperação apresentado pelo Devedor, ora Recorrido, devendo essa decisão ser revogada e substituída por outra que não homologue o respectivo plano.
27.ª Em alternativa, em prol do aproveitamento dos atas processuais, deverá a decisão proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e anulada a lista provisória de credores e os actos processuais subsequentes, sendo conferido à ora Recorrente o prazo a que alude o artigo 17.°-D, n.º2 do CIRE, a fim de reclamar seu crédito.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. deverá ser dado provimento ao recurso interposto, devendo, em consequência, ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo, com as devidas consequências, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!

7. Contra-alegou o devedor pugnando pela improcedência dos recursos.
Também o Ministério Público respondeu aos recursos, concluindo pela improcedência dos mesmos.

8. Os recursos foram admitidos como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:
A) Do recurso da credora EE.
(i) Se a falta de comunicação à credora do início do processo e do convite a participar nas negociações, bem como a não relacionação do seu crédito, constituem violações não negligenciáveis de regras procedimentais e se configuram uma irregularidade susceptível de influir no exame e decisão da causa.
B) Do recurso do credor CC, SA.
(i) Se a credora FF S.A. podia votar o plano apresentado;
(ii) Se o plano não devia ter sido homologado por ter ocorrido violação do princípio da proporcionalidade e da igualdade entre os credores e por não se traduzir num plano de negócios viável e credível, que evidencie a capacidade do devedor de gerar fluxos de caixa necessários ao plano de reestruturação, sendo meramente dilatório, e o devedor ter dissipado parte dos seus bens com vista ao não pagamento dos compromissos que sabia ter assumido com os seus credores; e
(iii) Se o crédito da sociedade GG, Sociedade Unipessoal, Lda., deveria ter sido qualificado como subordinado, devendo esta qualificação ter sido tomada em conta para efeitos de votação do plano.
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III – Fundamentação
A) - Os Factos
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais resultantes do relato dos autos.
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B) – O Direito
1. Do recurso da credora EE
1.1. Como resulta dos autos, a sociedade EE, veio dizer que é credora do devedor, na sequência de serviços jurídicos prestados e não pagos, mas que o devedor não lhe comunicou o início das negociações, nem foi informada do início do processo, nem foi convidada a participar nas negociações em curso entre a devedora e os demais credores.
Concluiu dizendo que tal situação configura uma irregularidade susceptível de influir no exame e na decisão da causa, uma vez que a impediu de participar nos actos de reclamação do seu crédito e de participar nas negociações com vista à aprovação do plano de recuperação, pelo que deve ser recusada a sua homologação, ou que seja atendido o seu crédito.
O tribunal a quo, na decisão recorrida, rejeitou a pretensão da recorrente com os fundamentos seguintes:
«Veio a EE requerer, em 11.4.2018, que fosse incluído na lista de créditos reconhecidos o seu crédito ou que não fosse homologado o plano, alegando, para o efeito, que o devedor não lhe comunicou o início das negociações. Nos presentes autos a lista provisória de créditos reconhecidos foi publicitada no CITIUS e foi convertida em definitiva, depois de conhecidas as impugnações, em 30.1.2018.
Ora, do exposto conclui-se que tal inclusão do referido crédito na lista definitiva de credores, que foi requerida em 11.4.2018 e, assim, após a conclusão das negociações, é absolutamente extemporânea, sendo que a circunstância do devedor não ter comunicado ao referido credor o início das negociações em nada inquina o processo negocial, pois essa comunicação apenas visa informar os credores do início do PER e convidá-los a participar, não sendo a partir dela que se conta o prazo para reclamação de créditos, mas sim a partir da publicação no portal CITIUS do despacho judicial de nomeação do administrador judicial provisório - cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 7.2.2018, in www.dgsi.pt.
Além do mais, a referida lista de créditos tem apenas como fim a composição de quórum deliberativo do plano de recuperação (cf. artigo 222.º-F, n.º 3 do CIRE), pelo que os credores que não reclamaram créditos, pelos mais variados motivos, não perdem o seu direito de serem pagos, sendo que, a decisão de homologação do plano vincula todos os credores, mesmo os que não hajam participado nas negociações - cf. citado aresto.
Daí que, por tudo o exposto, porque não se verifica qualquer irregularidade e porque o pedido deste credor é extemporâneo, improcede tudo o que alegou e, assim, indefere-se a inclusão do alegado crédito da EE na lista definitiva de créditos reconhecidos.»

1.2. A recorrente discorda desta decisão, alegando que o plano não deve ser homologado porquanto o devedor não mencionou a dívida que tinha para com a recorrente, resultante de serviços por esta prestados e não lhe deu conhecimento da apresentação do plano, convidando-a a participar nas negociações, e que, por isso, e por desconhecer a existência do processo não reclamou créditos, não tendo o seu crédito sido reconhecido, não participou nas negociações, nem na votação do plano.
Assim, considera que tais omissões do devedor acarretam a preterição de formalidades essenciais, nos termos dos artigos 24º, n.º1, alínea a), ex vi do artigo 17º-C, n.º 3, e do artigo 17-D, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, constituindo violação não negligenciável de regras procedimentais, impondo a rejeição do plano, por força do disposto no artigo 215º, ex vi do artigo 17º-F, n.º 5, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Em alternativa à rejeição do plano, em prol do aproveitamento dos actos processuais, propõe a recorrente a anulação da lista provisória de créditos e a concessão do prazo previsto no artigo 17º-D, n.º 2, para reclamar o seu crédito.
Vejamos:

1.3. O Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP) foi introduzido com a alteração ao Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, pelo Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de Junho, que entrou em vigor no dia 1 de Julho de 2017, e destina-se a permitir ao devedor que, não sendo uma empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, estabeleça negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento.
O regime agora instituído, regulado nos artigos 222.º-A a 222.º-I do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, idêntico ao previsto para o Processo Especial de Revitalização (PER), introduzido pela alteração ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas efectuada pela Lei n.º 16/2012, de 30 de Abril, referido no n.º 2 do artigo 1.º e previsto nos artigos 17.º-A a 17.º-I, surgiu na sequência das divergências na jurisprudência quanto à aplicação do Processo Especial de Revitalização às pessoas singulares que não desenvolviam actividade empresarial, em particular a dos tribunais da Relação, e das decisões da 6.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, à qual são distribuídos os processos desta natureza, que proferiu sucessivos acórdãos decidindo que “o PER não se aplica a pessoas singulares que não sejam comerciantes ou empresários, ou que exerçam actividade autónoma por conta própria” [cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12/04/2016 (proc. n.º 531/15.8T8STR.E1.S1), de 18/10/2016 (proc. n.º 65/16.3T8STR.E1.S1) e de 27.10.2016 (proc. n.º 381/16.4T8STR.E1.S1), disponíveis como os demais citados em www.dgsi.pt].
Deste modo, com a entrada em vigor da referida alteração ficou clarificada a pretensão do legislador no sentido de que também o devedor que não seja uma empresa e se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, possa beneficiar de um mecanismo pré-insolvencial, estabelecendo negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes um acordo de pagamento (artigo 222.º-A).
Como se refere no acórdão desta Relação de 22/02/2018 (proc. n.º 494/18.8T8STB-A.E1), à semelhança do que ocorre no Processo Especial de Revitalização também o Processo Especial para Acordo de Pagamento é um processo de pendor marcadamente extrajudicial, decorrendo da respectiva tramitação que ao juiz está cometida a prática de escassos actos de entre os quais avulta a decisão sobre se deve homologar o acordo de pagamento ou recusar a homologação (artigo 222.º-F, n.º 5), aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Não obstante o Processo Especial para Acordo de Pagamento, à semelhança do Processo Especial de Revitalização, ser norteado por razões de economia e celeridade processual, certo é que, como emana do artigo 222º-D do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, em conjugação com os princípios orientadores que constam da Resolução nº 43/2011, de 25 de Outubro, as partes, nomeadamente os devedores, devem pautar a sua actuação no processo de recuperação/revitalização por princípios de transparência, boa fé e equidade, ressaltando-se que “o devedor deve adoptar uma postura de absoluta transparência durante o período de suspensão, partilhando toda a informação relevante sobre a sua situação, nomeadamente respeitante aos seus activos, passivos, transacções comerciais e previsões da evolução do negócio”.
Tanto assim que, como prescreve o nº 11 do citado artigo 222º-D, o devedor que não cumpra os deveres de comunicação previstos neste preceito, por omissão ou por incorrecção dos elementos de informação transmitidos, responde pelos danos causados ao credor ou credores.
Ora, no n.º 1 do artigo 222º-D do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas impõe-se ao devedor o dever de comunicação a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração que dá início ao processo de revitalização a que alude o artigo 222º-C que deu início a negociações com vista à elaboração de plano de pagamentos, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso e informando que a documentação referida na alínea b) do n.º 3 do artigo anterior se encontra patente na secretaria do tribunal, para consulta.
Assim, por força do estatuído neste último preceito, deve o devedor apresentar, com o requerimento inicial do Plano Especial para Acordo de Pagamento “[l]ista de todas as acções de cobrança de dívida pendentes contra o devedor, comprovativo da declaração de rendimentos deste, comprovativo da sua situação profissional ou, se aplicável, situação de desemprego, bem como cópias dos documentos elencados nas alíneas a), d) e e) do n.º 1 do artigo 24.º, ficando esta documentação disponível na secretaria para consulta dos credores durante todo o processo”.
Ora destes documentos de apresentação obrigatória consta precisamente a “[r]elação por ordem alfabética de todos os credores, com indicação dos respectivos domicílios, dos montantes dos seus créditos, datas de vencimento, natureza e garantias de que beneficiem, e da eventual existência de relações especiais, nos termos do artigo 49.º” (cf. artigo 24º, n.º 1, alínea a)). (sublinhado nosso)

1.4. No caso em apreço, está assente que o devedor omitiu a comunicação à credora recorrente do início do presente processo, como estava obrigado nos termos do n.º 1 do artigo 222º-D do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, e não fez constar a mesma credora da relação referida na assinalada alíneas a) do n.º 1 do artigo 24.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o que acarretou, que o crédito desta não viesse a ser reclamado nem reconhecido e a sua não participação no processo de negociação que conduziu à aprovação do plano que veio a ser homologado, inquinando assim a possibilidade que lhe era legalmente deferida da sua participação no processo em causa.
Alega o recorrido que não relacionou o crédito da recorrente porque não a reconhece como credora, daí que também não tenha que a convidar para participar no processo negocial.
Porém, tal argumentação não colhe no caso concreto, porquanto, o recorrido, não obstante dizer que não reconhece o crédito da recorrente, não contesta os factos que o sustentam, ou seja, a prestação de serviços jurídicos no âmbito do processo de execução específica a que se reporta a factura junta aos autos, apresentada ao recorrido, com data de 18/12/2014.
Assim, somos levados a concluir que o recorrido sabia da existência do dito crédito e que deliberadamente não o relacionou, omitindo ainda a informação quanto ao início do processo e o convite à participação nas negociações.
Deste modo, ocorreu, pois, a preterição das ditas formalidades essenciais por parte do devedor/recorrido, as quais constituem violação não negligenciável de regras procedimentais [como se concluiu no acórdão da Relação de Coimbra de 27/06/2017 (proc. n.º 8389/16.3T8CBR.C1): «IV- Muito embora a lei não o defina, deve entender-se que as “regras procedimentais” são aquelas que visam regular a forma como deverá desenrolar-se o processo, enquanto que as segundas (as normas de conteúdo) se reportarão ao dispositivo do plano de revitalização, bem como aos princípios que lhe devam estar subjacentes. Ou seja, as primeiras são todas aquelas que regem a actuação a desenvolver no processo, que incluem os passos procedimentais que nele devem ser dados até que os credores decidam sobre as propostas que lhes foram apresentadas – incluindo, assim, as regras que disciplinam as negociações a encetar entre os credores e o devedor e as regras que regulam a aprovação e votação do plano – e, bem assim, as relativas ao modo como o plano deve ser elaborado e apresentado, enquanto que as segundas (as normas de conteúdo) serão todas as respeitantes à parte dispositiva do plano, mas além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente. V- Por outro lado, muito embora o legislador tenha omitido também aqui a definição sobre o conceito de “normas não negligenciáveis”, deve entender-se que revestem tal natureza todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza e que interfiram com a justa salvaguarda dos interesses/posições dos credores. (…)»]
Porém, a omissão de comunicação à credora do início do processo e do convite a participar nas negociações, bem como a falta de relacionamento do seu crédito, configura, antes de mais, irregularidade susceptível de influir no exame e na decisão da causa – desde logo de participação da credora nos actos de reclamação do seu crédito, de negociações com vista ao plano de pagamentos e homologação deste – o que implica a anulação dos actos subsequentes à apresentação da lista provisória de credores, incluída esta, devendo ser concedido à recorrente o prazo a que alude o artigo 222º-D, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a fim de reclamar o seu crédito [cf. neste sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 03/07/2014 (proc. n.º 3129/13.1TBBRG.G1), disponível em www.dgsi.pt, e o Acórdão da mesma Relação, de 18/05/2017 (proc. 341/15.2T8PRG-A.G1), inédito, mas com cópia junta aos autos].

1.5. Procede, pois, a apelação da credora EE.

2. A procedência deste recurso, pelas suas consequências, prejudica, a apreciação do recurso do credor CC, S.A..
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IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em:
a) Julgar procedente a apelação da credora EE, e, em consequência, anular a decisão recorrida e os actos subsequentes à apresentação da lista provisória de credores, incluída esta, devendo ser concedido à recorrente o prazo a que alude o artigo 222º-D, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a fim de reclamar o seu crédito, seguindo-se os termos processuais ulteriores.
b) Julgar prejudicado o conhecimento do recurso do credor CC, S.A..
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Custas a cargo do devedor.
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Évora, 22 de Novembro de 2018

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(Francisco Xavier)

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(Maria João Sousa e Faro)

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(Florbela Moreira Lança)