Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2982/19.0T8STR-A.E1
Relator: JOSÉ LÚCIO
Descritores: NULIDADE DA DECISÃO
VALOR DA CAUSA
RESPOSTA À CONTESTAÇÃO
MÁ FÉ
PROVA COMPLEMENTAR
Data do Acordão: 06/17/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1 – A nulidade da decisão nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 615º do CPC só existe no caso de faltar de todo a fundamentação.
2 – Cumulando-se vários pedidos o valor da causa resulta da soma dos valores correspondentes, ainda que dependam de critérios diferentes (v. g. o valor do acto jurídico impugnado e a quantia monetária peticionada).
3 - Num requerimento destinado a responder a matéria de excepção pode também suscitar-se a questão da má fé da parte contrária ou responder à imputação da própria.
4 – Devem ser deferidas as diligências probatórias requeridas nos termos legais que se mostrem relevantes para uma boa decisão, ainda que tal signifique algum sacrifício para a desejável celeridade processual. (sumário do relator)
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

1 – Relatório
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1.1 - Nestes autos de acção declarativa comum o autor R… demandou os réus: a) O… e M…; b) L… e C…; c) P… e E….
Na petição inicial o autor alega em resumo que:
O réu O… é seu irmão e a ré L… era casada com este.
Por negócio celebrado em data incerta do ano 2000 estes dois réus adquiriram dois imóveis, com financiamento da Caixa Geral de Depósitos.
Como a instituição financiadora exigiu um fiador como condição para o financiamento, os réus O… e L…, então sua esposa, pediram ao autor que aceitasse ser o seu fiador, o que este aceitou.
No período subsequente os dois referidos réus foram pagando as prestações devidas para amortização do crédito, o que aconteceu até data incerta de 2002.
Por causa das suas dificuldades financeiras, os dois réus mencionados acordaram em divorciar-se e em passar para os filhos, os réus Luís e Pedro, todo o património que pudessem, de forma a que este não fosse afectado pela insolvência.
Em execução desse acordo os réus O… e L… divorciaram-se, após o que continuaram a fazer a sua vida como marido e mulher.
E também se apresentaram à insolvência, que veio a ser decretada a 05/11/2012.
Entretanto, o autor, como fiador, veio a ser confrontado com a execução do seu património por parte da CGD, dada a insuficiência do património dos devedores, os réus O… e L….
Nos seus actos os réus O… e L… tiveram a conivência dos réus Lu… e P…, seus filhos.
No dia 08/02/2016 o autor procedeu à habilitação de herdeiros por óbito dos seus pais, também pais do réu O….
E na mesma ocasião foi efectuada a partilha dos bens deixados pelos falecidos.
Anteriormente, por escritura notarial de 5.5.2010 os réus tinham efectuado noutro cartório notarial uma escritura de alienação do quinhão pertencente ao réu O….
Neste acto notarial os réus fizeram consignar que os primeiros réus vendiam ao segundo e terceiro outorgantes, seus filhos, em comum e partes iguais, o quinhão hereditário a que tinham direito na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito dos pais do réu O….
Fazendo constar do documento que a venda era efectuada “…pelo preço já recebido de dez mil euros.
Daí que no acto notarial de partilha celebrado em 8.2.2016 tenham sido o terceiro e quinto réus (os filhos dos primeiros réus) a outorgar a escritura de partilha dos bens deixados pelos falecidos, desse modo sendo eles a receber os bens correspondentes ao quinhão do réu O….
Todavia, a venda feita pelos primeiro e segundo réus aos seus filhos do referido quinhão hereditário foi um acto simulado e em fraude à lei.
Na realidade nem os primeiros réus quiseram vender aos seus filhos tais bens ou direitos nem estes pretendiam comprar, como não compraram, tendo todos simulado aquele negócio para prejudicar terceiros, credores dos primeiros réus.
Conforme consta da comunicação do autor ao réu seu irmão, datada de 28.7.2018, o autor estava a ser executado pela Caixa Geral de Depósitos, nesse mês já lhe havia sido descontado o valor de €1.135,00 e mensalmente a penhora a incidir sobre a sua pensão seria de €567,50, perfazendo até essa data o valor vencido de €12.000,00.
Segundo o documento da CGD de 26.11.2018 o valor em dívida liquidado pela exequente ascendia a €102.345,55.
Tendo o autor solicitado aos réus que procedessem ao depósito de tais valores na conta do autor, uma vez que estava a pagar dívida da responsabilidade destes, as suas diligências não tiveram qualquer resultado.
Continuando o autor com a ordem de penhora na sua pensão de reforma até perfazer o montante da quantia exequenda.
Por força da declaração de insolvência, os primeiros réus ficaram afastados da execução, em face da apreensão dos bens conhecidos que detinham.
Continuando a ser mensalmente descontada na pensão de reforma do autor o valor de €567,50 com vista a perfazer o montante da liquidação efectuada em 26.11.2018 (no valor de €102.345,55.)
Em face do exposto, requer o autor que se reconheça e decida (na parte relevante para o presente recurso) o seguinte:
a) Que o acto notarial celebrado através da escritura de venda do quinhão hereditário foi um acto absolutamente simulado, e consequentemente nulo;
b) Que em consequência se reconheça e declare que a partilha dos bens a que se refere o acto notarial celebrado em 8.2.2016 é também afectado pela nulidade mencionada no anterior pedido, com as legais consequências;
c) Que os 1.º e 2.ª RR sejam solidariamente condenados a pagar ao autor, o valor que este já despendeu no valor de 12.000,00€, e bem assim nas prestações vincendas que o autor vier a liquidar, enquanto fiador dos 1.º e 2.º RR, até à liquidação da execução.
No respeitante aos meios de prova, indicados no final da sua petição, requer o autor, além do mais, que nos termos do artigo 429.º do CPC os RR sejam notificados para juntar aos autos os documentos que já tinha referido no art.º 16.º da sua petição, dizendo que “sem ser por essa via, o A. a eles não tem acesso”. Concretamente, solicita que os réus juntem aos autos:
a) Documento comprovativo do pagamento do preço indicado através de qualquer meio documentado – cheque ou transferência bancária, da quantia que fizeram constar no ato notarial.
b) Documento comprovativo que os filhos do 1º, e 2ª, RR, tinham tal quantia e, que por via de tal negócio, a entregaram aos seus pais.
c) Que, por via de tal negócio, aquele valor entrou na conta dos pais e ali permaneceu visto que, sem ser por tal via, o autor não tem acesso a tal meio de prova documental que prova a simulação absoluta.
No final da sua petição inicial o autor indicou €60.000,00 como sendo o valor da acção.
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1.2.1 - Na sua contestação os réus O… e L… impugnam o relato dos factos apresentado pelo autor, e contam a sua versão dos mesmos, dizendo ainda que este alterou intencionalmente a verdade dos factos relevantes para a decisão da causa e que tal posição consubstancia litigância de má-fé.
Nomeadamente, negam que o negócio de venda do quinhão hereditário do réu O… tenha sido simulado, afirmando expressamente que o negócio declarado foi o negócio real.
Para corroborar essa afirmação juntaram um documento, a cópia de um cheque emitido pelo réu P… a favor da ré L…sete, sua mãe, no dia 05 de Maio de 2010, no valor de €10.000,00 (dez mil euros), explicando que por esse meio foi feito o pagamento do preço do quinhão em referência e que para esse efeito os adquirentes contraíram um empréstimo bancário.
Defendem também (art. 38º) que “o autor para fazer valer o seu crédito, deveria ter reclamado o seu crédito junto dos processos de insolvência supra referidos, o que não aconteceu”.
De passagem os réus aludem ainda ao prazo legal de três anos para o exercício do direito que o autor invoca (cfr. art. 8º da contestação) sendo certo que ele era perfeitamente conhecedor de toda a factualidade que invoca.
No final, pedem, para além da improcedência da acção, a condenação do autor como litigante de má fé, nomeadamente em indemnização a favor dos réus.
Não se pronunciam especificamente sobre o requerimento probatório que consta do art. 16º da petição inicial (acima transcrito) e também nada dizem sobre o valor da acção.
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1.2.2 - Contestaram também os restantes réus (os filhos dos anteriores e respectivas esposas), começando por impugnar a factualidade exposta pelo autor, em relação a alguns factos por deles não terem conhecimento nem terem obrigação disso e quanto a outros por saberem pessoalmente que não correspondem à verdade.
Também estes réus sustentaram que não houve qualquer conluio ou falsidade na venda e aquisição do quinhão hereditário, e que o pagamento foi satisfeito através do cheque atrás referido, explicando igualmente que para essa finalidade existiu um mútuo celebrado com a CGD.
Em relação a esse negócio referem ainda os réus contestantes que o autor está a agir muito para além do prazo para exercício do seu eventual direito, pelo que ocorre caducidade – o autor teve conhecimento do negócio e dispunha do prazo de três anos, há muito excedidos.
Alegam ainda os réus que a existir direito do autor este age em abuso de direito, já que durante cerca de nove anos nada disse quanto a esta situação, pelo que criou a confiança de que nada mais era devido, estando o assunto encerrado e resolvido.
Concluem estes réus (terceiro a sexta) pedindo que os pedidos do autor sejam julgados improcedentes.
Também não se pronunciam quanto ao requerido pelo autor em matéria de prova, e nada dizem sobre o valor da causa.
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1.3 – Na sequência desses articulados foi então proferido o seguinte despacho:
De acordo com o artº 3º, nº 4, CPC, o autor pode responder na audiência prévia ou na audiência final às excepções deduzidas pelo réu.
No entanto, por razões de economia processual, afigura-se adequado que a parte contrária se pronuncie sobre as excepções em momento prévio, de forma a simplificar e agilizar o saneamento dos autos.
Deste modo, ao abrigo do princípio da cooperação e do dever de gestão processual (artºs. 6º e 7º, nºs. 1 e 2, CPC), notifique o A. para se pronunciar quanto à matéria de excepção invocada pelos RR. na contestação.
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1.4 – Notificado o autor, este respondeu com um requerimento de que se transcrevem os doze primeiros artigos, para compreensão do objecto deste recurso.
R…, Autor nos autos à margem, por seu advogado, vem, perante V. Ex.ª, em face do R. despacho com a ref.ª 84736570, responder às exceções e questões que os RR introduziram nos seus articulados, a que o autor pode responder.
I) Quanto à Contestação dos RR O… e L….
1.º É um ónus de qualquer dos RR contestar os factos que o autor apresentou no seu articulado de ação pelo que nada surpreende do que dizem depois da factualidade da ação e do teor das contestações.
2.º No entanto, surpreende, pela ousadia e maldade dos RR contestantes, no que invocam e inventam com o objetivo claro de nenhum deles responder pelas suas obrigações legais e morais que infligiram ao seu familiar – aqui autor.
3.º Que, a responsabilidade que o autor imputa aos RR, nada tem a ver com os factos dos RR terem requerido “exoneração do passivo” em processo de insolvência ou de ter sido considerada fortuita, posto que dos autos de insolvência seguramente não constam estes factos que o administrador de insolvência ou o Ministério Publico desconhecem.
4.º A responsabilidade dos RR perante o autor, é posterior à sua insolvência.
5.º A responsabilidade dos RR tem origem em responsabilidade civil de todos os RR e advém do facto do autor estar a suportar no seu património, o pagamento de dívida que a estes pertence, que devem mas que não querem assumir voluntariamente.
6.º Sendo que, à luz do disposto no art.º 644.º do CC o autor tem o direito sub-rogado dos pagamentos que fizer pelos RR.
7.º Note-se que à data da insolvência dos RR, (1º, e 2º,) o autor não era sequer credor destes RR sendo que o processo de insolvência já não se encontra pendente.
8.º No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.01.2020 – P.º 1363/19.0T8LSB.L1-7, decidiu-se que:
O CIRE disponibiliza um processo para reconhecimento e impugnação de créditos reconhecidos (art.º 129.º e segs.).
Mas, isto não significa que os créditos não possam - ou não tenham - que ser reconhecidos em processo autónomo, nomeadamente quando não se trata de créditos comuns, em particular com origem na responsabilidade civil.
A natureza célere e urgente do processo de insolvência é incompatível com a tramitação e a necessária ponderação de direitos litigiosos complexos ou especializados.
9.º Não tendo por isso qualquer cabimento invocar o processo de insolvência totalmente inaplicável ao caso, embora tudo sirva aos RR para se tentarem eximir das suas obrigações e responsabilidades.
10.º Sobre a má fé que os RR invocam, olhando os factos do articulado inicial, depreende-se que os RR ou desconhecem os legais pressupostos deste instituto ou então, antevendo que a sua conduta se enquadra no comportamento doloso evidenciado na ação, tentaram antecipar-se!
11.º É que, quem efetivamente preenche tais requisitos de má fé processual, são os RR, no seu conjunto, em face da factualidade apresentada na ação e nesta resposta e que, sem pudor, os RR perante a “vítima” deste comportamento, OUSAM, até referir que o executado apenas pretende ser ressarcido das aldrabices que os seus familiares (irmão, cunhada e sobrinhos) lhe fizeram, em “conluio”, e vê-se confrontado, e apelidado de litigante de má fé!
É preciso ter “lata”!
Aliás, veja-se o seguinte:
a) Invocam os RR a venda do quinhão hereditário em 2010.
b) Veja-se o que consta do documento ora junto como documento 1 que prova que, em 12/02/2015, pela mão do 1º, réu, ali escreveu:
“DOU O MEU ACORDO
Assinou e datou o documento que ditou as partilhas a fazer com o autor a que se refere o documento de partilha.
c) Ou seja, esta é a prova plena do conluio, da simulação entre todos os réus, bastando comparar a assinatura do Réu O… com a que consta da procuração nos autos.!
d) Aliás, vejam-se os documentos 2 a 7 que se juntam que provam o que o autor invoca como simulação absoluta dos RR quanto à suposta venda que tentam sustentar maldosamente e com intenso dolo processual sustentar.
II) Quanto à Contestação dos 3.º a 6.º RR
12.º Atuando em conjunto, seguem a linha dos Pais – como aliás seria lógico que acontecesse para sustentarem a mentira, há que manter a união.!”
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1.5.1 – Notificados desse requerimento de resposta do autor, os réus O… e L… vieram por seu turno responder-lhe como segue:
O… e L…, RR., no processo em epígrafe aí melhor identificados, vem ao abrigo do artigo 3.º nº 4 do C.P.C, exercer o CONTRADITÓRIO, o que faz com base no seguinte:
1. Segundo o nº 1 artigos 423.ºC.P.C, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2. Ora no caso concreto, o A. veio juntar os documentos, com a Resposta às exceção, contrariamente à regra do nº1 e 2 do artigo 423.º C.P.C.
3. Impugna–se os documentos particulares e não autênticos apresentados pelo A., com exceção do Doc. 2, que foi junto pelos RR. na Contestação como Doc.1.
4. Por lapso, não foi junto aos autos, os anexos do doc.1, na Contestação, que agora junta.
5. Quanto ao pedido de condenação dos RR., como litigantes de má- fé deverá o mesmo improceder, uma vez que o A., foi notificado para apresentar resposta à exceção invocada, ao abrigo nº4 do artigo 3.º do C.P.C e não para apresentar novo pedido.
6. Deverá a Contestação ser julgada procedente e em consequência serem os 1º e 2ª RR. absolvidos dos pedidos contra si formulados pelo Autor.”
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1.5.2 – E da mesma forma reagiram os restantes réus, 3º a 6ª, os quais por sua vez apresentaram requerimento onde, para além do mais, referente a outras questões, declararam, nos seus art. 6º e 7º, em relação aos documentos juntos pelo autor, que vêm “impugnar a autenticidade, quer pela veracidade da letra ou assinatura, por serem documentos particulares e/ou meramente manuscritos e não sabe por quem, tudo nos termos do artigo 374.º C.P.Civil” e “por maioria de razão, por o seu conteúdo não se tratar de factos pessoais, de que os R.R. tenham ou devam conhecer.
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1.6 – Em face destes articulados dos réus respondeu por sua vez o autor com novo requerimento, onde requereu a realização de prova pericial sobre o documento que tinha juntado como documento n.º 1.
Diz o autor:
R…, autor nos autos à margem, por seu advogado, vem, perante V. Ex.ª, em face do requerimento dos RR com a ref.ª 7203491 e 7203501, e em face do disposto no artigo 445.º do CPC, expor e requerer o seguinte:
1 - Com o requerimento do A. de 16.10.2020, com a ref.ª 717962, o autor juntou documento (doc. 1), manuscrito pelo réu O…, do qual consta:
- “DOU O MEU ACORDO”
- “A assinatura do réu” que é aliás igual à que consta da procuração nos autos datada de 26.11.2019, junta com a contestação em 2.1.2020.
2 - O escrito em causa, é de autoria do 1.º Réu O….
3 - Desmascarados os RR ante a posição falsa que em conluio apresentam, vieram nessa sequência:
a) O 1.º e 2.º RR, no ponto 3 do requerimento, referir:
“Impugna-se os documentos particulares e não autênticos apresentados pelo A”;
b) Os 3.º a 6.º RR, por sua vez, em 6.º, vêm “impugnar a autenticidade, quer pela veracidade da letra ou assinatura, por serem documentos particulares e/ou meramente manuscritos e não sabe por quem”! ?
4 - O documento em causa, como se vê, é o documento 1, manuscrito pelo 1.º Réu O… e cuja assinatura é evidente que os filhos (3º, e 5º,RR) conhecem porque não podem ignorar tal facto pessoal.
5 - Nos termos do disposto no artigo 445.º do CPC, o autor pode requerer produção de prova sobre a autenticidade e genuinidade do documento 1, para reconhecimento da letra na parte subscrita pelo 1.º Réu ora em causa quanto ao “Dou o meu acordo”, assinatura e data que apôs no mencionado documento”.
6 - Assim sendo, o autor para provar a autenticidade e genuinidade quer da letra quer a assinatura no documento 1 das expressões transcritas no artigo 1.º são de autoria do réu O…, para além de juntar o original fisicamente nos autos para a realização da perícia, requer a produção de prova pericial a que se refere o artigo 467.º e 482.º e segs. do CPC, a realizar no Laboratório Pericial da Polícia Cientifica e cujos quesitos se apresentam para o efeito.
7 - Bem como requer o depoimento de parte do 1.º e 2.ª 3º, e 5º, Réus nos termos do disposto no artigo 452.º e segs, do C.P.C, para que prestem declarações em depoimento de parte:
i. Sobre a autenticidade do escrito no documento 1 quanto às expressões transcritas no artigo 1.º e bem assim sobre os documentos 2 e 7.
ii. Posto que, são factos pessoais dos RR que conhecem e não podem ignorar embora se perceba a estratégia seguida por todos.
Dos Quesitos.
8 - No âmbito da prova pericial ora requerida a incidir sobre o documento 1 junto com o requerimento de 16.10.2020, e cujo original o autor juntará fisicamente aos autos, deverá a perícia responder:
a) A assinatura aposta no documento datado de 12/02/2015 cujo original se junta é de autoria de O…?
b) A expressão “DOU O MEU ACORDO” constante do referido documento é de autoria de O…?
c) A data aposta no mencionado documento “16/02/2015” é de autoria de O…?
d) A assinatura aposta na procuração existente nos autos com data de 26.11.2019 e junta na contestação de 2.2.2020 é de O…?
e) A letra com a indicação dos números do cartão de cidadão e data no referido documento (procuração) são da pessoa que assinou o documento 1 ora em causa?
Em face do exposto, requer a V. Exa:
f) Que, para prova da autenticidade e genuinidade do documento 1 ora em causa, se ordene a realização de prova pericial para exame de reconhecimento de letra, a realizar através do Laboratório de Policia Cientifica de Lisboa na Rua Gomes Freire, Ed. Polícia Judiciária.
g) Que, em consequência, seja ordenada a recolha de autógrafos do Réu O…, para que posteriormente se proceda ao exame da escrita nos termos do disposto no art.º 482.º do CPC,
h) Que seja solicitado o exame pericial ora requerido, em face do original do documento que se juntará fisicamente nos autos e enviado que foi como “doc.1”, bem como no confronto com a procuração junta aos autos assinada pelo réu O…, do documento ora em causa junto pelo autor em 02.1.2020 como doc.4 e a recolha de autógrafos do réu O… a realizar presencialmente no tribunal quanto às expressões manuscritas referidas em 1.º e que são:
a) DOU O MEU ACORDO.
b) Assinatura.
c) Data 12/02/2015”
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1.7 – Finalmente, foi proferido despacho saneador, no qual foi determinado que o processo seguiria para julgamento e indicados o objecto do litígio e os temas da prova.
E nesse mesmo saneador constam também as decisões que o apelante impugna, a saber, concretamente:
1 - REQUERIMENTO DO AUTOR
O A. foi notificado para responder à matéria de excepção alegada pelos RR. na contestação. No entanto, o A. veio responder “às excepções e às questões que os RR. introduziram nos seus articulados”, pronunciando-se separadamente a cada uma das contestações dos RR.
Importa salientar que o A. foi notificado para se pronunciar quanto à excepção e não quanto a outras questões.
Na sua contestação, os 1º e 2ª RR. limitaram-se a aceitar alguns factos e a impugnar outros factos, tecendo ainda considerações jurídicas, pelo que, não tendo invocado matéria de excepção, estava o A. impedido de se pronunciar quanto à matéria da contestação dos 1º e 2ª RR.
Os 3º, 4º, 5º e 6º RR., para além de impugnaram os factos, vieram invocar a caducidade, matéria esta que, por ser de excepção, foi o A. notificado para se pronunciar, vindo a fazê-lo nos artigos 12º e seguintes do requerimento de resposta.
Deste modo, a resposta do A. à contestação dos 1º e 2ª RR. não é legalmente admissível, devendo o requerimento ficar limitado aos artigos 12º e seguintes do requerimento de resposta, sendo toda a restante matéria alegada inadmissível.
Termos em que não admito os artºs. 1º a 11º do requerimento do A.
2 – DOCUMENTOS
Admito os documentos juntos pelas partes.
Os documentos requeridos pelo A. na petição inicial a fls. 8 já se encontram nos autos.
Fica o A. notificado para juntar aos autos o suporte documental da matéria alegada no artigo 2º da petição inicial.
Os documentos juntos pelo A. com o requerimento de 16.10.2020 foram genericamente admitidos. Contudo, não se vislumbra qual a sua relevância, face aos temas da prova atrás definidos.
Nestes termos, a realização da prova pericial para determinação da letra e assinatura do documento número um não tem interesse para o processo, pelo que não se admite a realização da perícia.”
3 – VALOR DA CAUSA
Fixo à acção o valor de € 22.000,00 (artº 296º, 297º, nº 1, 301º e 306º, nºs. 1 e 2, CPC)
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1.8 – Notificado do despacho saneador, o autor, R…, veio então interpor o presente recurso e apresentar as respectivas alegações, terminando por formular as conclusões que passamos a expor:
1.ª Tendo em vista o exposto na 1.ª questão, é um direito do autor requerer que os Réus juntem aos autos os documentos de prova do pagamento e do recebimento do valor mencionado no acto notarial sendo certo que a simples cópia de emissão de cheque existente nos autos, não prova o seu pagamento.
2.ª Tal como se referiu na 1.ª questão, a factualidade apresentada na qual com base em tal factualidade descrita se requereu a condenação do 1.º e 2.ª RR na acção, como litigantes de má fé é legal e não poderia ser afastada do processo como o foi na R. decisão “sub judice” ao considerar como não escritos os 11 artigos iniciais do requerimento apresentado.
3.ª Tal como se invocou na 2.ª questão, é um direito fundamental do autor no que se refere ao direito à prova o de requerer que os RR juntem documentos comprovativos do pagamento do preço, sendo:
a) Os alienantes, para a prova do recebimento do valor;
b) Os adquirentes, para a prova do pagamento do valor, sendo insuficiente a apresentação de simples cópia de emissão de cheque sem nenhum suporte de que tenha sido apresentado a pagamento e que tenha sido efectivamente pago aquele valor.
4.ª Tal como se argumentou na 3.ª questão, tendo o documento junto, manuscrito pelo 1º Réu sido posto em causa, quanto à sua genuinidade e autenticidade, é um direito do apresentante, requerer a prova pericial para demonstrar que o documento é genuíno em face do disposto no artigo 445.º do CPC, através do meio de prova que foi a prova pericial ilegalmente indeferida tanto mais que o documento foi admitido.
5.ª Conforme se sustentou na 4.ª questão, o R. despacho que fixou o valor da acção é nulo por absoluta falta de sustentação e fundamentação posto que, tal como se verifica da decisão, não há qualquer argumento de suporte a esta decisão.
6.ª No valor da acção deverá ser mantido o indicado pelo autor ou ser fixado em 102.345,55€ - valor reclamado pelo credor na execução e constante do documento 6 junto com a “p.i.”, documento que nem sequer foi posto em causa pelos RR e que representa a quantia que o credor reclama do aqui autor na execução em curso.
7.ª No entendimento do apelante o R. despacho ora em causa, violou as seguintes normas:
- Do CPC
Art.º 4.º, 5.º n.º 3, 6.º, 7.º n.º 1 parte final, 154.º, 410.º, 411.º, 413.º, 429.º, 445.º, 467.º e 615.º, n.º 1 “b” quanto à falta de fundamentação do despacho que fixou o valor da causa.
- Da C.R.P.
Artigo 205.º, quanto à falta de fundamentação do despacho que decidiu o valor da causa e bem assim o princípio constitucional do direito à prova e da tutela jurisdicional efectiva a que se refere o artigo 2.º e 20.º na interpretação que a M.ª juiz fez da norma do artigo 445.º e 429.º do C.P.C.
Com estes fundamentos, entende o recorrente que deve ser dado provimento ao presente recurso, e consequentemente sejam revogadas as decisões contra as quais se insurge.
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1.9 – Por seu turno a apelada L… (e apenas esta) apresentou contra-alegações, concluindo que deve o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se na íntegra o despacho recorrido.
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2 – Fundamentação
2.1 – Como se sabe, e constitui entendimento consensual, o objecto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso.
Não se deparando questões de natureza oficiosa a reclamar decisão, o objecto da presente apelação circunscreve-se à apreciação das questões suscitadas pelo autor.
Assim, em síntese, do que resulta das conclusões, as questões a apreciar são as que seguintes:
A) A eventual nulidade da decisão sobre o valor da causa, por falta de fundamentação.
B) O erro dessa decisão, tendo em conta o valor fixado e os critérios legais.
C) A decisão de considerar não escritos os onze primeiros artigos do requerimento de resposta apresentado pelo autor.
D) O indeferimento dos requerimentos de prova do autor.
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2.2 – A factualidade a considerar é aquela que foi exposta no extenso relatório que antecede, onde se procurou apresentar de forma compreensível toda a matéria processual com interesse para a apreciação das diversas questões suscitadas.
Optou-se por uma ordem que não coincide com aquela que consta das conclusões do recorrente, e que se afigura mais adequada.
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2.3 – Da nulidade da decisão sobre o valor da causa
O recorrente invoca a nulidade do decidido quanto ao valor da causa, alegando falta de fundamentação da decisão.
Verifica-se que o julgador na primeira instância escreveu a esse respeito, muito sucintamente, apenas “Fixo à acção o valor de € 22.000,00 (artº 296º, 297º, nº 1, 301º e 306º, nºs. 1 e 2, CPC)”.
Perante a alegação da nulidade a Mma. Juíza que proferiu o despacho pronunciou-se pela sua inexistência (e defendeu também o acerto do valor que fixou).
Apreciando a questão, não pode deixar de reconhecer-se que o despacho em causa é notoriamente sintético, indicando sumariamente qual o valor que considera apropriado e mencionando a seguir as normas legais contendo os critérios em que se baseou a decisão.
Todavia, sendo certo que o art. 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, em que se apoia o recorrente, fulmina de nulidade a decisão que não especifique os fundamentos que a justificam, no seguimento do disposto no art. 154º, n.º 1, também do CPC, que impõe a fundamentação das decisões proferidas no processo, ainda assim afigura-se que não existe a nulidade alegada.
Conforme vem sendo decidido uniformemente pela jurisprudência, a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, que é motivo de nulidade da decisão, é a total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão.
Uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não integra a referida causa de nulidade. Só a ausência de qualquer fundamentação é susceptível de conduzir à nulidade da decisão.
Essa causa de nulidade verifica-se apenas quando o tribunal julga (e por isso não comete qualquer omissão de pronúncia) mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão.
Explica Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 687, que essa nulidade só existe quando falta em absoluto a indicação dos fundamentos da decisão, não bastando a mera deficiência de fundamentação.
Nestes termos, julga-se improcedente o recurso nesta parte, indeferindo a suscitada nulidade.
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2.4 – O valor da causa
Verifica-se que o autor no final da petição inicial indicou como valor da causa €60.000 e que essa indicação não foi sequer posta em crise pela parte contrária (os réus nada disseram a esse respeito, em contestação).
Em sede de saneador o tribunal decidiu como já se referiu: “Fixo à acção o valor de € 22.000,00 (artº 296º, 297º, nº 1, 301º e 306º, nºs. 1 e 2, CPC)”.
Face a esse valor o recorrente vem dizer que deve ser mantido aquele que indicou originalmente ou então ser fixado em €102.345,55 - valor reclamado pela Caixa Geral de Depósitos na execução que lhe instaurou e que “representa a quantia que o credor reclama do aqui autor na execução em curso”.
A este propósito importa recordar que, nos termos do art. 306º, n.º 1, do CPC, “compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes”, e que essa fixação deve ocorrer no despacho saneador, como dispõe o n.º 2 do mesmo artigo.
Portanto, não pode duvidar-se que a simples circunstância de não ter sido impugnado o valor indicado pelo autor na petição inicial (aliás sem nenhum esclarecimento sobre o critério seguido) não obsta a que o juiz do processo corrija no saneador aquilo que houver para corrigir, atendendo aos critérios legais imperativos.
Ora face a esses critérios legais nem se compreende a razão de ser dos €60.000 inicialmente indicados nem é possível aceitar a sugestão dos €102.345,55 referidos no final das conclusões do recorrente.
Com efeito, a quantia que a exequente CGD reclama do autor na execução que lhe moveu será o valor da causa nesse processo, mas não corresponde evidentemente ao que neste está em questão.
Nestes autos o autor pede a declaração de nulidade de um negócio jurídico formal cujo valor atribuído foi de €10.000, com as consequências daí decorrentes, e cumulativamente a condenação dos réus a pagar-lhe a quantia que já despendeu na tal execução em que, conforme relata, está a suportar obrigações imputáveis aos réus, que computa em €12.000,00 à data do pedido, e ainda nas prestações vincendas que viesse a liquidar posteriormente.
Ora, do disposto no art. 301º, n.º 1, do CPC, resulta que quando a acção tiver por objecto a apreciação da validade de um acto jurídico atende-se ao valor do acto “determinado pelo preço ou estipulado pelas partes”.
Portanto, ao pedido referente à declaração de nulidade por simulação da venda do quinhão hereditário do réu O… aos dois filhos também aqui réus não pode deixar de corresponder o valor de €10.000, por ser esse o valor conhecido do negócio (e nenhum outro é referido, designadamente na petição inicial).
Prosseguindo, temos a considerar o estatuído no art. 297º, n.º 1, de onde resulta que sendo objecto da acção “obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário”, e também o estabelecido no art. 299º, n.º 1, quando dispõe que “na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a acção é proposta”.
Ou seja, o pedido de condenação dos réus a pagar o valor de €12.000 define o valor processual respeitante a esse pedido, sem que relevem as prestações vincendas a que o autor se reporta.
Para concluir, resta citar o n.º 2 do art. 297º: “Cumulando-se na mesma acção vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; mas quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos.
Aplicando ao caso vertente todas as disposições legais aludidas afigura-se acertado fixar à causa o valor de €22.000, por ser este o que resulta da soma supra referida, como efectivamente ficou decidido no saneador, momento próprio para tal.
Em conclusão, julga-se improcedente nesta parte o recurso em apreço, e consequentemente mantem-se inalterado o valor da acção fixado no despacho recorrido.
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2.5 – Os artigos 1º a 11º da resposta do autor (declarados não escritos)
Também em sede de saneamento do processo o julgador decidiu que seriam considerados não escritos os artigos 1º a 11º do requerimento/resposta apresentado pelo autor com data de 16/10/2020, e que transcrevemos no relatório.
Segundo o despacho recorrido, o autor apenas podia responder à matéria da caducidade alegada pelos 3º, 4º, 5º e 6º réus, e nada mais do que isso. Consequentemente, não podia admitir-se o conteúdo dos arts. 1º a 11º desse requerimento, que expressamente responde aos réus 1º e 2ª.
Quid juris?
Vistos os autos, afigura-se que não é de perfilhar o entendimento seguido neste segmento decisório.
Desde logo, constata-se que os 1º e 2º réus sustentam que o autor a ter algum crédito sobre eles deveria ter feito valer o seu direito no processo de insolvência, em concurso com os outros credores, pelo que a preterição dessa imposição legal torna inadmissível a sua formulação por esta via.
Assim sendo, parece certo que nesta parte os réus não estão a defender-se por impugnação (não estão a contradizer os factos alegados pelo autor nem a afirmar que desses factos não resultaria o direito pretendido), e antes estão realmente a defender-se por excepção, tal como previsto no art. 571º, n.º 2, do CPC.
Nos termos da lei processual, defende-se por excepção o réu que alega factos que obstam à apreciação do mérito da acção ou que servem de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor.
Independentemente da precisa qualificação desta excepção, o certo é que ela permitia naturalmente que o autor respondesse aos réus 1º e 2ª, como o fez precisamente nessa parte do seu articulado, na sequência da notificação que lhe foi feita para responder à matéria de excepção.
Excepção não é apenas a caducidade arguida pelos 3º, 4º, 5ºe 6º réus, como parece depreender-se do teor do despacho recorrido. Mesmo essa questão da caducidade do direito de acção, por força do prazo de três anos para o exercício desse direito previsto no art. 291º do Código Civil, não surge apenas na contestação desses réus. Também aparece de passagem na contestação dos réus 1º e 2ª (veja-se o art. 8º).
Entendemos, pois, que a faculdade de responder aos primeiros réus (1º e 2ª) que o autor usou nesses onze primeiros artigos do seu articulado estava legitimada pelo próprio despacho que o mandou notificar para responder à matéria de excepção.
Porém, acresce outra razão de monta para admitir essa parte controvertida do articulado de resposta. Com efeito, verifica-se que os primeiros réus (1º e 2ª) pediram na sua contestação a condenação do autor como litigante de má fé, e este, nesses artigos, para além de responder às excepções, responde precisamente a essa imputação de má fé e tenta por sua vez demonstrar a má fé dos réus.
Aliás, conclui pedindo que as excepções suscitadas sejam julgadas improcedentes e que o comportamento dos réus seja analisado à luz do disposto no art.º 542.º do CPC.
Ora neste ponto é forçoso reflectir sobre as especificidades deste tipo de pedido. Este por sua natureza pode surgir em qualquer altura do processo, como se compreende facilmente tendo em conta que o comportamento censurável tanto se poderá revelar logo no início do procedimento como apenas em momento posterior.
Por tal motivo, sempre foi entendido que a questão da má fé pode ser suscitada em qualquer momento do processo. Pode ser logo na fase dos articulados, ou na fase de instrução, ou até na audiência de discussão e julgamento, tanto por requerimento escrito avulso como de forma oral ficando o pedido registado em acta (neste sentido, ver Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, 2012, pág. 279; e ABRANTES GERALDES, Temas Judiciários, Vol. I, Almedina, 1998, pág. 332).
O autor podia levantar a questão da má fé dos réus através de requerimento avulso, e podia responder à má fé que lhe era assacada, dadas as garantias do contraditório - em face do art. 3º do CPC constata-se liminarmente que a questão não poderia ser decidida sem que ele tivesse a possibilidade de se pronunciar (verifica-se aliás que os réus também vieram responder a este articulado do autor, designadamente a essa alegação da má fé, mas alargando-se a outras questões, sem que esses articulados posteriores tenham sofrido censura).
Em suma: se o autor podia fazer uso de requerimento avulso tanto para responder à imputação de má fé que lhe era dirigida como também para suscitar a má fé da contraparte não se pode considerar que não pudesse fazer uso do articulado em que respondia às excepções para simultaneamente tratar dessa matéria. Destacam-se até razões de economia processual que apontam para a conveniência do procedimento seguido.
Por último, deve dizer-se que mesmo a inteligibilidade da argumentação e do raciocínio do autor exigem a presença desses artigos 1º a 11º, declarados não escritos. O art. 12º prossegue a linha de raciocínio que o antecede, dizendo “Quanto à Contestação dos 3.º a 6.º RR” que “Atuando em conjunto, seguem a linha dos Pais – como aliás seria lógico que acontecesse para sustentarem a mentira, há que manter a união.!”
Torna-se deste modo necessário saber qual é a “linha dos pais” para perceber a linha dos filhos. Tudo impõe que o requerimento apresentado seja considerado na íntegra.
Por tudo o exposto, julga-se o recurso procedente nesta parte e em consequência revoga-se a decisão que considerou não escritos os artigos 1º a 11º do requerimento do autor datado de 16-10-2020.
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2.6 – Os requerimentos probatórios indeferidos
Por último, temos que o autor/recorrente insurge-se contra o indeferimento de duas pretensões probatórias que deduziu.
2.6.1 – Na primeira delas o autor solicitava que os réus fossem notificados, ao abrigo do disposto no artigo 429º do CPC, para juntar aos autos documentação comprovativa do pagamento efectivo do preço indicado no acto notarial cuja simulação alega.
O que o autor requer é a prova de que os filhos dos primeiros réus, que figuram como compradores, tinham realmente a quantia aludida e que por via de tal negócio a entregaram realmente aos vendedores, seus pais (que aquele valor entrou na conta destes e ali permaneceu, diz o autor).
O art. 429.º do CPC, com a epígrafe Documentos em poder da parte contrária”, estabelece que:
1 - Quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento, a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar.
2 - Se os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa, é ordenada a notificação.
Os réus afirmam que o preço foi realmente pago. Porém, o documento junto para provar essa factualidade traduz-se na cópia de um cheque emitido por um dos réus filhos em nome da ré sua mãe. Porém, como diz o apelante, este documento não pode provar o efectivo pagamento, o efectivo recebimento, da quantia em referência.
Para satisfazer o requerido mostra-se insuficiente a mera apresentação de simples cópia de emissão de cheque sem confirmação de que tenha sido apresentado a pagamento e que tenha sido efectivamente pago aquele valor.
Assim, afigura-se equivocada a afirmação inserida no despacho impugnado, e que justificou o indeferimento, segundo a qual os documentos requeridos pelo autor na petição inicial já se encontram nos autos.
Em face dos requerimentos do autor a este respeito pensamos que lhe assiste razão.
Na verdade, aplicando o preceito ao caso vertente, apresenta-se claro que os factos que a parte pretende provar assumem relevo para a decisão de mérito da causa. Recordemos que o autor alega que um negócio de compra e venda de um quinhão hereditário foi um exercício de fingimento entre pais e filhos, que nada foi vendido nem comprado, tratou-se de simulação.
Assim, a prova de que o preço referido na escritura notarial nunca foi pago (essa quantia nem existia na conta dos compradores, nem deu entrada na conta dos vendedores, como diz o autor) ou a prova de que foi efectivamente pago (como dizem os réus), pode assumir capital importância.
E não é susceptível de ser dispensada essa diligência pela apresentação da cópia de um cheque emitido, como dissemos. Tendo o autor identificado suficientemente a documentação a que se refere e especificado os factos que com ela pretende provar, entendemos que deve ser deferido o requerido pelo autor.
Com efeito, o autor não tem acesso a tal meio de prova documental, dadas as regras vigentes sobre sigilo bancário, e os réus podem ultrapassar essa dificuldade.
Pelo exposto, julga-se procedente nesta parte o recurso interposto e revoga-se a decisão que indeferiu essa diligência de prova.
2.6.2 – A outra pretensão probatória apresentada pelo autor e que mereceu indeferimento foi a relativa à perícia para determinação da autoria da letra e assinatura de um documento manuscrito que o requerente imputa ao réu O…, seu irmão.
O autor argumenta que, tendo esse documento sido posto em causa, quanto à sua genuinidade e autenticidade, é um direito do apresentante requerer a prova pericial para demonstrar que o documento é genuíno, em face do disposto no artigo 445.º do CPC, através do meio de prova adequado, a prova pericial.
Segundo o autor, a certificação da autenticidade desse documento tem inegável interesse para a apreciação do conluio entre os intervenientes no negócio simulado (se o réu O… tivesse realmente alienado o seu quinhão hereditário na herança dos pais de ambos não seria ele a ter que exprimir o seu acordo para a partilha a efectuar entre o autor e os adquirentes) e também para a apreciação da má fé processual que ele próprio imputou aos contestantes.
O art. 444º do CPC prevê a impugnação da genuinidade de documento que tenha sido apresentado. A impugnação da letra ou assinatura do documento particular e a declaração de que não se sabe se a letra ou a assinatura do documento particular são verdadeiras é uma faculdade que os réus usaram contra o documento apresentado pelo autor.
Não tendo eles impugnantes requerido prova a esse respeito, “a parte que produziu o documento pode requerer a produção de prova destinada a convencer da sua genuinidade”, como estatui o n.º 2 do art. 445º do CPC, e foi precisamente o que fez o autor.
Essa pretensão foi rejeitada como consta do despacho recorrido:
Os documentos juntos pelo A. com o requerimento de 16.10.2020 foram genericamente admitidos. Contudo, não se vislumbra qual a sua relevância, face aos temas da prova atrás definidos.
Nestes termos, a realização da prova pericial para determinação da letra e assinatura do documento número um não tem interesse para o processo, pelo que, não se admite a realização da perícia.
E realmente verifica-se que o mesmo despacho declara algumas linhas acima “Admito os documentos juntos pelas partes”.
Afigura-se contraditório afirmar por um lado que certos documentos são irrelevantes e por outro lado determinar que fiquem no processo. Os documentos destinam-se a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa, e se forem irrelevantes não devem ficar nos autos. A faculdade de rejeitar nos autos aquilo que for impertinente para os autos integra-se plenamente no dever de gestão processual a que se refere o art. 6º do CPC.
Se os documentos foram admitidos deve entender-se que são relevantes para as questões a decidir. E na realidade este requerimento do autor, destinado a estabelecer a verdade da autoria do documento que atribui ao réu seu irmão, pode contribuir para a boa decisão sobre esses temas. Tanto para avaliar da simulação invocada como da má fé suscitada posteriormente.
E tanto basta para justificar o deferimento do requerido, mesmo que importe algum sacrifício da desejável celeridade processual. Valor maior é a procura da verdade material e da justa decisão.
Como é sabido, o dever de gestão processual, consagrado expressamente no art. 6.º do Código de Processo Civil, obriga o juiz titular de um processo judicial a dirigir activamente o processo e a providenciar pelo seu andamento célere, e para esse efeito deve promover oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção e recusar o que for impertinente ou meramente dilatório.
Mas este poder/dever de recusar aquilo que for impertinente ou dilatório não se estende a esta situação, em que o autor exerce efectivamente o seu direito à prova, tal como tutelado na lei processual, nomeadamente no citado n.º 2 do art. 445º do CPC.
Por conseguinte, julga-se procedente o recurso nesta parte e revoga-se a decisão que indeferiu a realização da prova pericial que estava requerida pelo autor.

3 – Decisão
Pelo que fica dito, decide-se julgar a presente apelação parcialmente procedente e parcialmente improcedente e em consequência:
a) Indefere-se a arguição de nulidade da decisão sobre o valor da causa.
b) Confirma-se o decidido quanto ao valor da causa (€22.000).
c) Revoga-se a decisão que declarou não escritos os artigos 1º a 11º do requerimento do autor de 16-10-2020.
d) Quanto ao requerimento do autor sobre a notificação dos réus para que juntem documentos relativos ao pagamento e recebimento do preço do negócio cuja simulação está invocada, revoga-se o indeferimento decidido e determina-se que a primeira instância ordene a diligência pretendida.
e) Quanto ao requerimento do autor sobre a realização de prova pericial, revoga-se a decisão de indeferimento e determina-se que a primeira instância ordene a realização da perícia requerida.
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As custas nesta instância recursiva ficam a cargo do apelante na proporção de um quarto do total, dado o seu decaimento parcial, e não há lugar a condenação pela parte restante dada a protecção jurídica que beneficia a única apelada que apresentou contra-alegações (cfr. artºs 10º n.º 1, 13º n.º 1 e 3 e 16º n.º 1 alínea a) da Lei 34/2004 de 29/07).
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Évora, 17 de Junho de 2021
José Lúcio
Manuel Bargado
Francisco Xavier