Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
347/12.3T8RMR.E2
Relator: BERNARDO DOMINGOS
Descritores: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
COMPETÊNCIA MATERIAL
EXECUÇÃO DE COIMA
Data do Acordão: 02/07/2017
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
Sumário:
À competência para a execução de uma coima aplicada pelas entidades administrativas são subsidiariamente aplicáveis os códigos penal e processual penal, sendo competentes para a sua execução as secções criminais das instâncias locais ou as secções de competência genérica, e não as secções de execução.
Decisão Texto Integral:
Conflito Negativo de Competência.

Entidades em Conflito:
Juiz da instância local de Rio Maior - Secção de Competência Genérica - J1 – Comarca de Santarém
E
Juiz da Instância Central – Secção de Execução – J2 – Entroncamento – Comarca de Santarém
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Está em causa saber quem tem competência material para a execução de uma coima aplicada em processo contra-ordenacional.
A Secção de Competência Genérica da instância local- J1 de Rio Maior, entendeu ser incompetente, em razão da matéria, para executar uma decisão administrativa que aplicou uma coima e condenou em custas o arguido e declarou competente e ordenou a remessa dos autos para a Instância Central – secção de execução – J2 – Entroncamento, ambas pertencentes à comarca de Santarém. Desta decisão houve recurso, tendo este Tribunal da relação decidido que tal decisão não era passível de recurso e que a questão apenas poderia ser decidida, por Tribunal hierarquicamente superior, por via de conflito.
O juiz da Secção de execução, declinou a competência material, atribuindo-a à Instância Local remetente.
Os despachos transitaram em julgado.
O MP pronunciou-se no sentido de ser deferida a competência Juiz da instância local de Rio Maior - Secção de Competência Genérica - J1.
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Cumpre apreciar e decidir.
Estabelece o art. 129º, nºs 1 e 2 da Lei 62/2013 de 26/08 (LOSJ):
1 - Compete às secções de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.
2 - Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos ao tribunal de propriedade intelectual, ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão, ao tribunal marítimo, às secções de família e menores, às secções do trabalho, às secções de comércio, bem como as execuções de sentenças proferidas por secção criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante uma secção cível.
Esta norma, com excepção da referência ao tribunal de propriedade intelectual, ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão, em nada inova relativamente ao que estabelecia a Lei 3/99 de 13/01 (LOFTJ) no seu art. 102º-A, nºs 1 e 2:
1 - Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.
2 - Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos e as execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil.
Analisando estes textos legais, verifica-se que a competência das “secções de execução”, delimitada no transcrito artigo 129º da LOSJ, é reservada, por regra, ao âmbito dos processos de execução de natureza cível (nº 1 do preceito). O nº 2 do citado artigo 129º vem em reforço dessa mesma ideia, ao tratar das exclusões à aludida “regra”, clarificando, na sua parte final, a exclusão referente às execuções de sentenças proferidas por secção criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante uma secção cível.
Por seu lado, a competência da instância local está definida no artigo 130º da LOSJ, de uma forma que, obviamente, abrange todas a matérias residuais (competindo-lhe, por conseguinte, tramitar todas as execuções que não corram perante as “secções de execução”).
Importa pois determinar se a execução de uma coima tem natureza cível ou criminal. Ora a este respeito a jurisprudência deste Tribunal tem sido unânime no sentido de considerar que à competência para a execução de uma coima, são aplicáveis subsidiariamente os códigos penal e processual penal, sendo competentes para a sua execução as secções criminais das instâncias locais ou as secções de competência genérica. Como bem se salienta no acórdão desta Relação de 19-11-2015 (processo 2720/09.5TAFAR.E1- relator João Amaro), «a execução para cobrança de uma coima aplicada por autoridade administrativa não possui, manifestamente, natureza de “execução cível” (não é um meio de cobrança de uma dívida pecuniária, não pode ser vista apenas na sua vertente patrimonial). Na verdade, a coima é uma sanção (tem caráter punitivo), decorre da prática de uma contraordenação (de uma conduta típica, ilícita e censurável), sendo a execução por coima, no fundo, um meio coercivo de cumprimento de tal sanção. Veja-se, a propósito, que a coima é passível, desde que a lei o preveja (e pode prever), de ser “total ou parcialmente substituída por dias de trabalho…”, quando o tribunal “concluir que esta forma de cumprimento se adequa à gravidade da contraordenação e às circunstâncias do caso” (artigo 89-A do RGCO).
Atente-se também que, depois de instaurada a execução por coima, podem suscitar-se questões como a amnistia da infração ou a prescrição da coima, questões que, como se nos afigura evidente, possuem natureza contraordenacional, para as quais as secções de execução não estão vocacionadas nem direcionadas. Em suma: a execução por coima não tem natureza cível, nem faz qualquer sentido, com o devido respeito, equiparar a execução para cobrança coerciva de uma coima a uma execução de natureza cível.
Por outro lado, preceitua o artigo 89º, nºs 1 e 2, do RGCO (norma não derrogada pela LOSJ) que a execução por não pagamento da coima “
será promovida perante o tribunal competente, segundo o artigo 61º”, “aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Penal sobre a execução da multa”. Ora, o tribunal competente para conhecer da impugnação da decisão da autoridade administrativa que aplicou a coima é o tribunal criminal, pelo que, também por aqui, não sendo paga a coima, a respetiva execução terá de ser promovida perante o tribunal criminal (o tribunal competente para a decisão da impugnação). E esta é até, perante a natureza da matéria em causa, a única solução harmoniosa, pois que, e repete-se o acima dito, na execução por coima podem, eventualmente, suscitar-se questões relacionadas com a amnistia da infração, ou com a prescrição da coima, etc.. Face a todo o predito, e com o devido respeito por diferente opinião, não faz qualquer sentido, nem tem apoio legal, entender-se que as secções de execução são competentes para a execução para cobrança coerciva de uma coima aplicada por uma autoridade administrativa em processo de contra-ordenação.
Competente para a execução das referidas coimas é, isso sim, a secção criminal da instância local».
No mesmo sentido podem ver-se diversos arestos deste Tribunal, quer da secção cível quer da secção criminal de que se destacam os seguintes:
Processo 892/07.2TAFAR.E1 – relator António João Latas, processo nº 1625/08.1TAFAR.E1 e 1255/11.0TAFAR.E1, relatados por Alberto Borges, processo nº 650/14.8TAFAR.E1 de 19-11-2015, relatora Isabel Duarte e processo n.º1223/11.2TAFAR.E1 de 03-12-2015, relator Sílvio Sousa, processo n.º 835/14.7 TAFAR.E1 de 19-01-2016, relatora Maria Filomena Soares e processo nº 3559/08.0TBSTB-A.E1, relator Bernardo Domingos, 249/15.1T9RMR.E1 de 26-4-2016, relatora Isabel Duarte, todos acessíveis in www.dgsi.pt.. No mesmo sentido vejam os arestos do TRL de 9.10.2012, proc n.º 1040/12.2YRLSB-5 e de 22.11.2011, proc. n.º 1112/11.0YRLSB-7, disponíveis in www.dgsi.pt... e Joel Timóteo Ramos Pereira in Prontuário de Formulários e Trâmites Vol. IV, Processo Executivo, Tomo I, 5.ª Edição, pág. 175 a 177.
Como resulta destes arestos, a competência das instâncias centrais de Execução respeita a questões de natureza civil (cfr. art.º 129.º n.º 1 da LOSJ). A execução de coimas tem natureza contra-ordenacional. É isso que decorre do disposto no art.º 89.º n.º 2 do Regime geral das Contra-ordenações e do art.º 491.º n.º 2 do Código de Processo Penal. Ora da aplicação conjugada desta duas normas claramente se conclui que a execução de coimas aplicadas pelas entidades administrativa (equiparadas à execução de uma multa aplicada por sentença criminal) seguem o mesmo regime da execução de multas criminais, excluídas da competência da instância central de execuções (cfr. art.º 129.º n.º 2 da LOSJ), pelo que a competência para a sua tramitação terá de estar residualmente atribuída à respectiva instância local com competência genérica ou especializada criminal.
Veja-se que os meios de defesa e questões que poderão carecer de apreciação em sede de execução da coima revestem absoluta natureza penal (por ex. prescrição e amnistia) o que colide com a competência cível da secção de execuções conforme estatuído do art.º 129.º n.º 1 da LOSJ. Ademais, o próprio regime subsidiário do RGCO é, nos termos do art.º 32.º e 41.º n.º 1 do RGCO, o Código Penal e o Código de Processo Penal.
O legislador pretendeu estabelecer uma competência muito específica para as secções de execução deixando-lhes tão só matéria de natureza cível (cfr. 129.º n.º 1 da LOSJ) e excluindo da sua competência todas as outras matérias como sejam criminal, família, comércio (cfr. art.º 129.º n.º 2 da LOSJ) e bem assim tudo o que se refere a execução por custas, multas e indemnizações (cfr. art.º 131.º da LOSJ).
Acrescenta-se que o próprio art.º 89.º n.º 1 do RGCO, enquanto lei especial e prévia à lei geral que é a LOSJ, esclarece sem margem para qualquer dúvida que em caso de não pagamento da coima o tribunal competente para a execução é o previsto no art.º 61.º desse mesmo Diploma, ou seja, aquele que era o competente para o conhecimento da impugnação da decisão administrativa (“o tribunal em cuja área territorial se tiver consumado a infracção”) e esse (tribunal) nunca poderá ser a Instância Central de Execução, por carecer em absoluto de tal competência.
Este tem sido o entendimento uniforme desta presidência, como se pode ver nas decisões proferidas nos Conflitos, Proc. n° 13/14.5TAABF.E1, Proc. nº 132/11.8TAABF.E1, proc. nº 132/14.8TAABF.E1, proc. nº 257/15.2T9ABF.E1, proc. nº 467/14.0TAABF.E1, Proc. n° 540/13.1TAABF.E1; proc. nº 557/09.0TAABF.E1 proc. nº 2347/11.1TAFAR.E1 e proc. nº 250/15.5T8RMR.E2. Por isso não será demais lembrar que não é aceitável que as secções criminais ou as secções locais de competência genérica continuem a declinar a competência em situações desta natureza, quando a jurisprudência dos tribunais superiores é unânime no sentido de lhes atribuir a competência para a execução de coimas.
Concluindo

Pelo exposto e sem necessidade de outros considerandos, dirimindo o conflito, atribuo a competência à Instância local de Rio Maior - Secção de Competência Genérica - J1 da Comarca de Santarém
Sem custas.
Notifique.
Évora, em 7 de Fevereiro de 2017.
O Vice-presidente da Relação de Évora,
(Des. Bernardo Domingos)