Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
882/23.8T8OLH.E1
Relator: CRISTINA DÁ MESQUITA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DAS DELIBERAÇÕES SOCIAIS
PRAZO DE CADUCIDADE
Data do Acordão: 01/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Em face do disposto no artigo 380.º/1 e 3, do CPC o prazo para o exercício da ação cautelar conta-se a partir da data da realização da assembleia-geral se o sócio tiver sido regularmente convocado; não tendo sido, será contado a partir do conhecimento da deliberação.
2 - A lei fixa como relevante para o início da contagem daquele prazo, a data do efetivo conhecimento, pelo sócio, do teor da deliberação (quando aquele não haja sido regularmente convocado para a assembleia) ou a data da própria deliberação, nos casos em que o sócio foi regularmente convocado pressupondo a lei que o sócio teve ou poderia ter tido conhecimento do teor das deliberações.
3 - O prazo de 10 dias previsto no artigo 380.º/1, do CPC corre em férias judiciais porquanto se trata de um processo urgente, aplicando-se-lhe o regime de contagem previsto no artigo 138.º do Código de Processo Civil.
(Sumário da Relatora
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 882/23.8T8OLH.E1
(2.ª Secção)

Relatora: Cristina Dá Mesquita
Adjuntos: Rui Machado Amorim
Anabela Luna de Carvalho

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
I.1.
(…) – Sociedade de Administração de Bens (…), Lda. requerente no procedimento cautelar comum que moveu contra:
- Administração do Condomínio do (…);
- (…);
- (…); e
- (…)
Interpôs recurso do despacho proferido pelo Juízo de Competência Genérica de Olhão, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o qual julgou procedente a exceção perentória de caducidade de propositura do presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais e, consequentemente, declarou extinto o direito de ação que a requerente pretendia fazer valer, absolvendo os requeridos dos pedidos formulados.

A requerente/apelante instaurou o presente procedimento cautelar, como comum, requerendo que:
(i) Os requeridos fossem condenados a absterem-se de praticar atos enquanto Administração do (…);
(ii) Fosse decretada a inversão do contencioso, por se verificarem os seus requisitos, dispensando-se a requerente da propositura da ação principal;
(iii) Se declarasse a nulidade ou anulabilidade da realização da Assembleia Extraordinária de Condóminos do dia 15 de julho de 2023 e de todas as decisões nela tomadas por serem ilegais;
(iv) Se determinasse como nula ou anulável qualquer decisão tomada na Assembleia Extraordinária do dia 15 de julho de 2023 por ter sido impedido o direito de voto da condómina da fração (…).
Citados, os requeridos deduziram oposição, invocando, nomeadamente, a caducidade do procedimento cautelar pelo decurso do prazo de 10 dias, bem como a caducidade do direito de impugnação das deliberações sociais tomadas na assembleia de condóminos por decurso do prazo de 60 dias, a que alude o artigo 1433.º, n.º 4, do Código Civil.
A requerente foi convidada a exercer o contraditório sobre as exceções invocadas, tendo aquela pugnado pela tempestividade do exercício do seu direito.

I.2.
A recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«A) A decisão final ora recorrida, julgou procedente a exceção perentória de caducidade de propositura do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais e em conformidade, declarou extinto o direito de ação que a Requerente pretendia fazer valer, absolvendo os Requeridos dos pedidos formulados.
B) Os fundamentos da caducidade que o Senhor Juiz a quo considerou verificados radicaram-se no preenchimento dos seus pressupostos, nos termos do disposto no artigo 1433.º, n.º 4, 279.º, do Código Civil e 576.º, n.º 1 e n.º 3, do Código de Processo Civil.
C) A providência cautelar foi submetida pela Recorrente em tempo útil.
D) O Senhor Juiz a quo, ao assim ter decidido na decisão final, violou os artigos 1433.º, n.º 4, 279.º, do Código Civil e 576.º, n.º 1 e n.º 3, do Código de Processo Civil, ao caso em apreço.
E) Esse é o entendimento, aliás, que, de acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de novembro de 2021, publicado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (dgsi.pt) o Senhor Juiz a quo deveria ter subscrito.
F) Razão, pela qual, deverá ser revogada por esse Venerando Tribunal a decisão recorrida, por ser manifestamente ilegal, seguindo-se os ulteriores termos até final.
G) Como consequência da revogação da decisão final recorrida, por esse Venerando Tribunal, deverá a ora Recorrente ser também absolvida da condenação das custas.
Assim julgando, como se espera, farão V. Exas. a habitual Justiça!»

I.3.
Os recorridos apresentaram resposta às alegações de recurso, as quais culminam com as seguintes conclusões:
«I. Foi interposto recurso da douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, que julgou, e bem, totalmente improcedente, o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, deduzida pelo Recorrente.
II. Não assiste qualquer razão ao Recorrente, conforme em seguida se demonstrará.
III. Contrariamente ao alegado pela recorrente, primeiramente cumpre deixar claro que andou bem o Tribunal a quo na decisão final ora recorrida, ao julgar procedente a exceção perentória de caducidade de propositura do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais e em conformidade, declarou extinto o direito de ação que a Requerente pretendia fazer valer, absolvendo os Requeridos dos pedidos formulados.
IV. Pelo que, os fundamentos da caducidade que a Mm.ª Juiz de Direito do Tribunal a quo considerou verificados, estão corretos e só podiam radicar- se no preenchimento dos seus pressupostos, nos termos do disposto no artigo 1433.º, n.º 4, 279.º, do Código Civil e 576.º, n.º 1 e n.º 3, do Código de Processo Civil.
V. É por demais evidente, que os argumentos aduzidos pela recorrente não passam de meras considerações, que em nada beliscam a decisão recorrida, pois que nem sequer têm qualquer fundamento legal de facto e de direito que sirva em concreto ao recurso por si interposto.
VI. Ora, face à factualidade invocada, muito dificilmente se compreende como poderia o douto Tribunal a quo decidir de outro modo, quanto à invocada exceção, que não a decisão final adotada.
VII. Conforme consta na douta sentença ficou apurado que as deliberações em discussão foram tomadas na assembleia geral que ocorreu no dia 15 de julho de 2023.
VIII. Não foi invocada qualquer irregularidade na sua convocação, pelo que, o prazo se inicia na data em que ocorreu a assembleia geral, nos termos do artigo 380.º, n.º 3, do Código Processo Civil.
IX. Ficou igualmente demonstrado que a Recorrente esteve presente na assembleia geral pelo que, mesmo que tivesse ocorrido alguma irregularidade na sua convocação (o que não se concede, pois a recorrente como provado pela recorrida por prova junta aos autos, levantou a carta da convocatória) e ao estar presente na mesma, teve conhecimento das deliberações aí tomadas, pelo que, o prazo sempre se iniciaria nessa data.
X. Como tal, tendo o presente procedimento cautelar dado entrada em juízo no dia 15 de setembro de 2023, isto é, 62 dias após a realização da assembleia geral (o prazo de 10 dias terminou no dia 25 de julho de 2023), é manifesta a sua intempestividade, pelo que, quando deduzida a presente ação já se encontrava extinto o direito cautelar da Recorrente, conforme decorre da douta sentença recorrida.
XI. Acompanhamos o raciocínio da Mm.ª Juiz de Direito do Tribunal a quo quando refere que, não colhe a argumentação da Recorrente, em sede de contraditório e agora em sede de recurso, que o prazo se inicia com o conhecimento da ata da respetiva assembleia, porquanto só nesse momento teve conhecimento das irregularidades apontadas. Desde logo porque tal entendimento não tem qualquer consagração legal. Pelo contrário, a lei é clara em estabelecer o termo inicial do prazo de 10 dias para interposição do procedimento cautelar (cfr. artigo 380.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
XII. Até porque, como se retira da douta sentença recorrida a Recorrente confunde o conceito de ata, que consiste no documento que retrata o ocorrido na assembleia geral, e as deliberações sociais, que consistem nas decisões tomadas pelos condóminos na aludida assembleia geral.
XIII. Ora, o que se impugna são efetivamente as deliberações sociais e não o documento que a retrata.
XIV. E ainda assim, andou bem o Tribunal a quo ao afirmar, que mesmo que a ata não retrate fielmente o ocorrido na assembleia geral, o que releva são as deliberações tomadas, e não o que se fez constar na ata.
XV. Ora tendo a Recorrente estado presente na aludida assembleia geral, tendo por isso assistido as deliberações sociais aí tomadas, é irrelevante o momento em que tomou conhecimento da ata porquanto já há muito tinha conhecimento do que ocorreu na assembleia geral.
XVI. Acompanhando o mesmo raciocínio, ademais, mesmo que assim não se entendesse, isto é, tomando como boa a tese da Recorrente de que o prazo de caducidade apenas se inicia na data em que teve conhecimento da ata da assembleia geral de condóminos, a verdade é que o prazo de 10 dias encontrava-se igualmente esgotado quando o presente procedimento entrou em juízo.
XVII. E que, ainda assim, com efeito, a Recorrente foi esclarecedora no requerimento inicial quando afirmou expressamente que teve conhecimento da ata em finais de agosto de 2023 (ponto 9 do requerimento inicial), e só agora tentando demonstrar o contrário, que só teve conhecimento no dia 8 de setembro.
XVIII. Ora em suma, tendo o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberação social entrado em juízo após o decurso do prazo de 10 dias (muito embora e para todos os efeitos, entendeu o tribunal a quo que terminou no dia 25 de julho de 2023) a que alude o artigo 380.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, considera-se desde logo verificada a exceção perentória de caducidade do procedimento cautelar invocada pelos Recorridos, o que se deve julgar correto e determinar a improcedência da presente providência cautelar, cfr. artigos 576.º, n.º 1 e 3, do Código de Processo Civil.
XIX. Sendo igualmente ponto assente, que as deliberações impugnadas ocorreram no dia 15 de julho de 2023. Iniciando-se a contagem do prazo nesse momento, o último dia para exercício do direito de impugnação judicial das deliberações em causa ocorreu no dia 13 de setembro de 2023, cfr. artigos 1433.º, n.º 4 e 279.º do Código Civil.
XX. Tendo o presente procedimento cautelar entrado em juízo no dia 15 de setembro de 2023, isto é, dois dias após o termo do prazo, constata-se igualmente que já se encontrava extinto, por caducidade, o exercício do direito de impugnação judicial.
XXI. Acompanhando a douta sentença recorrida por assertiva e devidamente fundamentada, sempre se dirá que independentemente da classificação que se faça quanto a este procedimento cautelar (comum ou nominado), tendo o mesmo como fundamento as deliberações tomadas em assembleia do condóminos, realizada no dia 15 de julho de 2023, ainda para mais, com pedido de inversão do contencioso, e encontrando-se à data de entrada em juízo caducado o direito de reação judicial pelo decurso do prazo de 60 dias a que se refere o artigo 1433.º, n.º 4, do Código Civil, sempre estaria condenada ao insucesso o presente procedimento cautelar, por inexistência de probabilidade séria do direito invocado, cfr. artigo 368.º, n.º 1, a contrario.
XXII. Assim sendo andou bem o Tribunal a quo quando afirma na douta sentença que seja pelo decurso do prazo de caducidade para propositura do presente procedimento cautelar, seja pelo decurso do prazo de caducidade para o exercício do direito ameaçado, é de concluir pelo indeferimento do presente procedimento cautelar.
Face ao supra exposto, crê a ora Recorrida que outro entendimento não se possa ter, se não ser mantida a decisão recorrida na íntegra, por não se encontrar a mesma ferida de qualquer contradição ou ilegalidade.
Face ao exposto, requer-se muito respeitosamente a improcedência do recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida, como é de Justiça».
1.4.
O tribunal recebeu o recurso.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, nº 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPC).

II.2.
Cumpre decidir do acerto da decisão recorrida, concretamente, se se verifica a exceção de caducidade tal como decidido pelo tribunal recorrido.
II.3.
FACTOS
Os factos relevantes são os que constam da decisão recorrida.
II.4.
Apreciação do objeto do recurso
No presente recurso está em causa a decisão do tribunal recorrido que julgou procedente a exceção perentória de caducidade de propositura do presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais e, consequentemente, declarou extinto o direito de ação que a requerente pretendia fazer valer, absolvendo os requeridos dos pedidos formulados.
Liminarmente se dirá que o presente procedimento cautelar se iniciou como procedimento cautelar comum e que na decisão sob recurso foi determinada a convolação dos autos para procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações sociais, segmento da decisão da primeira instância que não vem posto em causa no presente recurso.
A “suspensão de deliberações sociais” consiste numa providência que permite antecipar certos efeitos derivados da sentença declarativa de nulidade ou de anulabilidade, obstando à execução de uma deliberação inválida do ponto de vista formal ou substancial, e que poderia ter repercussões negativas na esfera jurídica da pessoa coletiva ou do sócio. Trata-se, portanto, de uma providência cautelar de natureza antecipatória que permite uma apreciação tão rápida quanto possível da eventual desconformidade da deliberação social, evitando a concretização de uma deliberação social (inválida) que prejudique a sociedade.
Dispõe o artigo 380.º do Código de Processo Civil, epigrafado de Pressupostos e Formalidades, o seguinte:
«1 – Se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável.
2 – O sócio instrui o requerimento com cópia da ata em que as deliberações foram tomadas e que a direção deve fornecer ao requerente dentro de vinte e quatro horas; quando a lei dispense reunião de assembleia, a cópia data é substituída por documento comprovativo da deliberação.
3 – O prazo fixado para o requerimento da suspensão conta-se da data da assembleia em que as deliberações foram tomadas ou, se o requerente não tiver sido regularmente convocado para a assembleia, da data em que ele teve conhecimento das deliberações».
Por força do disposto no artigo 383.º do mesmo diploma normativo, o disposto na secção relativa à suspensão de deliberações sociais é aplicável, com as necessárias adaptações, à suspensão de deliberações anuláveis da assembleia de condóminos de prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal. Neste caso, a providência deve ser requerida dentro do prazo de 10 dias prescrito no artigo 380.º/1, do CPC. Refira-se que o prazo de 10 dias respeita ao direito de ação cautelar, não se confundindo com o prazo de caducidade do direito a exercitar na ação principal[1]; tratando-se de uma ação de anulação de deliberações da assembleia de condóminos de prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal o prazo para a propositura da ação definitiva (de anulação) é o previsto no artigo 1433.º/4, do Código Civil.
Não sendo controvertido que o prazo para requerer a providência cautelar em causa é de 10 dias, e que estamos perante um prazo de caducidade, a (única) questão suscitada no recurso é a de saber qual o termo inicial (dies a quo) daquele prazo. Isto é, o momento a partir do qual o ato jurídico pode ser praticado.
Diz a recorrente no ponto 11.º das suas alegações de recurso que «o que conta para a impugnação é a ata» e que «se assim é o prazo de impugnação conta a partir do momento que a recorrente tem conhecimento», aduzindo que, no caso, o dia do conhecimento da ata nunca foi antes do dia 14 de agosto de 2023.
Ora em face do disposto no artigo 380.º/1 e 3, do CPC aquele prazo conta-se a partir da data da realização da assembleia, se o sócio tiver sido regularmente convocado; não tendo sido, será contado a partir do conhecimento da deliberação. A lei fixa como relevante para o início da contagem do prazo, a data do efetivo conhecimento, pelo sócio, do teor da deliberação (quando aquele não haja sido regularmente convocado para a assembleia) ou a data da própria deliberação, nos casos em que o sócio foi regularmente convocado pressupondo a lei que o sócio teve ou poderia ter tido conhecimento do teor das deliberações. É para este sentido que aponta inequivocamente o texto da lei, não tendo a interpretação defendida pela recorrente qualquer correspondência na letra da lei. Lembremo-nos que o texto é ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio nas palavras da lei.
Em síntese, atenta a redação do preceito, o que interessa para o início da contagem do prazo é o conhecimento da deliberação, independentemente do conhecimento do processo formativo, recaindo sobre a requerida o ónus de prova do decurso do prazo atento o disposto no artigo 343.º/2, do Código Civil[2].
Dito isto, não vindo posto em causa que:
1) As deliberações em causa foram tomadas na assembleia geral que ocorreu no dia 15 de julho de 2023;
2) Não foi invocada qualquer irregularidade na sua convocação; e
3) A requerente/apelante esteve presente na referida assembleia geral,
Então, o prazo supra referido de 10 dias iniciou-se no dia 16 de julho de 2023 (artigo 279.º, alínea b), do Código Civil).
De acordo com o disposto no artigo 138.º/4, do CPC, epigrafado Regra da continuidade dos prazos, os prazos para a propositura de ações previstos no Código de Processo Civil seguem o regime dos números anteriores[3]. Ou seja: são prazos contínuos, suspendendo-se durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes (n.º 1); quando o prazo para a prática do ato processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte, considerando-se encerrados os tribunais quando for concedida tolerância de ponto (n.ºs 2 e 3).
O prazo de 10 dias previsto no artigo 380.º/1, do CPC corre em férias judiciais porquanto se trata de um processo urgente, aplicando-se-lhe o regime de contagem previsto no artigo 138.º do Código de Processo Civil. Assim sendo, aquele prazo de 10 dias terminou no dia 26 de julho de 2023.
Tendo a ação cautelar sido instaurada no dia 15 de setembro de 2023, é evidente a razão do julgador a quo ao considerar manifestamente intempestivo o presente procedimento cautelar.
Diga-se que mesmo a aceitar-se a interpretação da recorrente (a de que o prazo de impugnação de 10 dias se conta a partir do momento em que teve conhecimento da ata) – que não se aceita – ainda assim o prazo de 10 dias já estava esgotado quando a ação cautelar foi proposta no dia 15 de setembro de 2023, porquanto:
(i) No seu requerimento inicial a requerente/recorrente alegou expressamente que teve conhecimento “em finais de agosto de 2023” do teor da data[4] e na oposição ao procedimento cautelar os requeridos aludiram expressamente àquela confissão defendendo a extemporaneidade do procedimento cautelar;
(ii) Aquela confissão vinculou a requerente na medida em que foi aceite pela parte contrária antes de a requerente ter tido oportunidade de a retirar (artigo 46.º do CPC);
Por conseguinte mesmo que a requerente tivesse tido conhecimento do teor da ata no último dia do mês de agosto (31-08-2023), iniciando-se o prazo de 10 dias em 01-09-2023, aquele teria terminado no dia em 11 de setembro de 2023 (artigo 138.º/2, do CPC).
No caso, quando a requerente/apelante propôs o presente procedimento cautelar o prazo de 10 dias previsto no artigo 380.º/1, do CPC já se mostrava esgotado.
A caducidade constitui um facto extintivo dos direitos. O direito em causa é o direito processual da requerente à providência cautelar que pretendia ver decretada (o que é distinto do direito material da requerente).
A caducidade do direito de ação cautelar constitui uma exceção perentória que gera a absolvição dos requeridos dos pedidos formulados na presente instância cautelar (artigo 576.º/3, do CPC).
Por conseguinte, nada há a censurar à decisão recorrida que julgou procedente a exceção perentória de caducidade do direito de propor o presente procedimento cautelar e, em conformidade, absolveu os requeridos dos pedidos formulados nesta instância cautelar.
Improcede, pois, a apelação.

Sumário: (…)

III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam em julgar improcedente a Apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
As custas na presente instância de recurso são da responsabilidade da recorrente sendo que apenas são devidas custas de parte porquanto a recorrente pagou a taxa de justiça devida pelo impulso processual artigos 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º, 533.º, ex vi artigo 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil.

Notifique.
DN.
Évora, 11 de janeiro de 2024
Cristina Dá Mesquita
Rui Machado e Moura
Anabela Luna de Carvalho




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[1] Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição, Almedina, pág. 491.
[2] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, 2001, Almedina, pág. 79.
[3] Esta redação foi introduzida pela revisão de 1995/1996 e veio pôr cobro às dúvidas interpretativas suscitadas a propósito da natureza substantiva ou processual dos prazos de propositura de ações. Com esta nova redação o prazo estatuído para a propositura das ações previstas no Código de Processo Civil é contado em termos idênticos aos previstos para os restantes prazos processuais.
[4] Diz a requerente no artigo 9.º da sua PI que: «Após ter conhecimento da ata no final do mês de agosto uma vez que a fração A não recebeu a Ata, já que esta é enviada e posteriormente entregue no escritório da Administração de condomínio em causa, o representante da fração A encontrou várias incongruências, o que motivou a presente providência cautelar».