Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
40/12.7PESTB.E1
Relator: MARIA LEONOR ESTEVES
Descritores: FACTOS INSTRUMENTAIS
FACTOS RELEVANTES
NULIDADE
Data do Acordão: 02/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I – As ilações a retirar de factos instrumentais, sendo estes relevantes para a descoberta da verdade material, têm de ser fundamentadas de modo a que se compreenda a razão por que desse modo foram interpretados.
II – Embora constituindo factos instrumentais, mas relevantes e decisivos para a prova de factos principais, se o tribunal, nessa circunstância, não o esclarece devidamente na sua motivação, perante a susceptibilidade de outra interpretação razoável colocada pela defesa, podendo fazê-lo mediante diligências para o efeito, incorre em omissão destas, geradora de nulidade.
Decisão Texto Integral:
Recurso Penal nº 40/12.7PESTB.E1


Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1.Relatório
Na vara de competência mista do Tribunal Judicial de Setúbal, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, foi submetido a julgamento o arguido A, devidamente identificado nos autos, tendo no final sido proferido acórdão, no qual se decidiu absolvê-lo da prática dos dois crimes de detenção de arma proibida e do crime de tráfico de estupefacientes, ps. e ps., respectivamente, pelo art. 86º nº 1 al. d), por referência, à al. m) do art. 2º da Lei nº 5/2006 de 22/1, e pelo art. 21º nº 1 do DL nº 15/93 de 22/1, que lhe vinham imputados e, na convolação do último, condená-lo, como reincidente, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo referido art. 21º nº 1 e pelo art. 25º al. a) do mesmo diploma legal, na pena de 3 anos e 10 meses de prisão efectiva.
Inconformado com o acórdão, dele interpôs recurso o MºPº, pugnando pela alteração da matéria de facto provada e não provada e pela consequente condenação do arguido pela prática do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. tal como havia sido imputado na acusação e em pena congruente, ou, para o caso de se entender que, ainda que com a propugnada alteração factual, é de manter a qualificação jurídica, que a pena aplicada seja elevada para muito mais próximo do limite máximo prevista na respectiva moldura abstracta, para o que apresentou as seguintes conclusões:

– Impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de facto por se entender que o tribunal a quo apreciou incorrectamente a prova pessoal produzida em audiência de discussão e julgamento (conjugada com a prova documental e pericial constante dos autos e ali examinada) e, por essa via, condenou o arguido pela prática de crime menos gravoso do que aquele que lhe fora imputado na acusação, com o consequente reflexo na pena aplicada;
– Com efeito, do mesmo passo que deu como provados actos de consumo, detenção que não para consumo exclusivo e venda de cannabis por parte do arguido, o tribunal a quo afastou qualquer responsabilidade sua pela plantação dessa mesma substância detectada no dia 3 de Outubro de 2012 no anexo compreendido no imóvel sito (…) em Setúbal (imóvel a que, por comodidade, nos referiremos doravante como “casa da (…)”);
– Consideram-se incorrectamente julgados os factos constantes dos três últimos parágrafos da página 17 e primeiro parágrafo da página 18 do acórdão (factos não provados) e os factos constantes dos seis últimos parágrafos da página 12 do acórdão (factos provados);
– Em consequência, deverão tais factos ser removidos da factualidade julgada não provada e provada;
– E deverão ser ainda aditados aos factos julgados provados os seguintes (em remissão parcial para o texto da acusação):
«O arguido utilizava o anexo do imóvel sito (…), em Setúbal, aí mantendo uma cultura, em modo de estufa, de plantas de cannabis, com vista à secagem, acondicionamento e divisão de tal substância em doses individuais para posterior venda a terceiros mediante quantitativos monetários previamente estabelecidos»;
«O produto estupefaciente apreendido ao arguido naquele local (folhas e sumidades floridas ou frutificadas da planta cannabis sativa L da qual não tenha sido extraída resina) foi por este cultivado e preparado para posterior venda a terceiros mediante contrapartidas económicas»;
«O arguido conhecia ainda as características e natureza das plantas que cultivou e preparou no interior do anexo do imóvel sito (…), em Setúbal, plantas essas que após maturação e preparação se destinavam a ser divididas, acondicionadas em doses individuais e vendidas a consumidores indiferenciados mediante contrapartidas económicas»;
«Mais sabia o arguido que as plantas acima referidas são consideradas por lei produto estupefaciente, cujo cultivo, produção, preparação e posterior venda são por ela punidos»;
– As provas que impõem decisão diversa da recorrida sobre a matéria de facto impugnada consistem nas declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento pelo próprio arguido e pelas testemunhas B e C (cujas passagens mais relevantes se transcreveram na motivação do presente recurso), no mandado de busca e apreensão de fls. 260, no auto de busca e apreensão de fls. 261 a 264, nos fotogramas de fls. 271 a 291 e 298 (em particular o de fls. 278), no relatório de inspecção lofoscópica de fls. 436 e no relatório de exame pericial de fls. 438 a 444;
– Na verdade, o tribunal desvalorizou por completo os dois elementos essenciais que, com segurança, permitem estabelecer a ligação do arguido com a actividade que se desenvolvia no anexo da casa da (…): a duradoura disponibilidade daquela casa por parte do arguido (traduzida, além do mais, no facto de estar na posse das chaves que permitiam o acesso aos seus diversos espaços) e a presença de impressão digital sua na face interior de um armário/guarda-fatos existente no dito anexo (retratado a fls. 278 dos autos) que, aquando da recolha dos vestígios lofoscópicos, já se encontrava integralmente forrado e apetrechado para funcionar, conforme efectivamente funcionava, como estufa ou “incubadora” para o crescimento de plantas de cannabis;
– Ao invés, e em oposição às regras da lógica, da experiência comum e da normalidade da vida, o tribunal fez fé absoluta na versão intrinsecamente inconsistente e irrazoável do arguido, ao garantir que havia cedido o anexo da casa da (…) a um terceiro (o que apenas em julgamento referiu), que desde então não mais acedeu ao seu interior e que desconhecia a utilização que lhe era dada;
– Em consequência da pretendida alteração da matéria de facto, deverá o arguido ser condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artº 21º nº 1 do D.L. nº 15/93 de 22/01, com referência à Tabela I-C anexa ao referido diploma, já que se afigura que, perante o conjunto da factualidade que deverá ser julgada provada, não pode entender-se que a ilicitude do facto seja “consideravelmente diminuída”;
10ª – Tendo por referência o universo de condutas abstractamente susceptíveis de integrar o apontado ilícito, as circunstâncias que militam em favor do arguido e em seu desabono e a pena abstractamente aplicável (entre os cinco anos e quatro meses de prisão – por força da reincidência, cujos pressupostos foram dados como provados no acórdão – e os doze anos de prisão), tem-se por ajustada a pena concreta de seis anos e seis meses de prisão;
11ª – Para o caso de vir a ser entendido que a conduta do arguido, mesmo com a extensão decorrente da propugnada alteração à decisão proferida sobre a matéria de facto, continua a integrar tão-só a prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artº 25º al. a) do D.L. nº 15/93 de 22/01, deverá, coerentemente, ser aplicada pena significativamente mais aproximada do limite máximo da sua moldura abstracta, isto é, cinco anos de prisão.

O recurso foi admitido.
Não foi apresentada resposta.
Nesta Relação, a Exmª Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer no qual manifestou concordância com os argumentos aduzidos pelo MºPº na 1ª instância, pronunciando-se no sentido da procedência do recurso.
Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º C.P.P., sem que tivesse sido apresentada resposta.
Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre decidir.


2.Fundamentação
No acórdão recorrido foram considerados como provados os seguintes factos ( sendo nossa a respectiva numeração ) :

1. Desde o dia 22 de Junho de 2012 até ao dia 3 de Outubro de 2012, o arguido A dedicou-se à venda de CANABIS RESINA (vulgarmente conhecido por haxixe), fazendo-o directamente a consumidores que o procuraram para o efeito, na (…), em Setúbal, mais propriamente, junto do estabelecimento comercial “(…)” ou nas imediações do mesmo, mediante quantitativos monetários previamente estabelecidos.
2. Tais transacções foram realizadas durante o período em que o arguido permanecia na esplanada da “ (…)” assim como nas traseiras do referido estabelecimento comercial, em doses de cannabis resina (haxixe) individuais que eram previamente cortadas em forma de placas/ tiras e devidamente acondicionadas pelo arguido, em pedaços de papel, que este guardava no interior das calças que trazia vestidas.
3. No âmbito da referida actividade o arguido usou como ponto de venda de produto estupefaciente o estabelecimento comercial “(…)”, que se encontra localizado a cerca de 100/150m da sua residência sita na (…) em Setúbal, utilizando para deslocação a sua viatura automóvel, marca RENAULT, modelo BA MEGANE, com a matrícula (…), que se encontrava parqueada junto das imediações da Praceta (…), onde também guardava o produto estupefaciente que posteriormente, vendia.
4. Na concretização da referida actividade, no dia 05 de Julho de 2012, o arguido A, estacionou o seu veículo automóvel, junto da Praceta (…) em Setúbal, dirigindo-se para o interior da Praceta onde fica situado o estabelecimento comercial “ (…)”.
5. Nessa altura, surgiu do interior da referida praceta pessoa do sexo feminino, que abordou o arguido o qual parou, entregando-lhe um pedaço de Haxixe que trazia consigo.
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6. No dia 06 de Julho de 2012, o arguido A, no exterior da Praceta Hernâni Cidade, foi abordado por um indivíduo.
7. Após trocarem algumas palavras, o arguido retirou da mão direita um pedaço de Haxixe que entregou ao referido indivíduo o qual, em contrapartida, entregou quantia monetária ao arguido, que este recebeu e guardou consigo.
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8. No dia 09 de Julho de 2012, o arguido A, saiu do interior da Praceta Hernâni Cidade, acompanhado por um indivíduo do sexo masculino.
9. Após, o referido individuo entregou ao arguido uma quantia monetária e este em contrapartida, entregou – lhe Haxixe.
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10. No dia 10 de Julho de 2012, cerca das 18h04, o arguido A encontrava – se sentado na esplanada da “(…)”, tendo retirado um pedaço de Haxixe que trazia, do qual cortou uma dose com uma faca, que guardou na mão.
11. Cerca de um minuto depois, foi abordado por um indivíduo de sexo masculino, a quem entregou o Haxixe que havia preparado e em troca, o referido individuo entregou dinheiro ao arguido, que este guardou.
12. Por volta das 18h28, desse mesmo dia, o arguido abandonou a esplanada da “(…)”, dirigindo-se para a lateral da mesma, tendo sido abordado logo após, por um individuo do sexo masculino, a quem vendeu Haxixe, que este guardou em troca de dinheiro, que entregou ao arguido.
13. Ainda nesse mesmo dia, cerca das 18h41, quando o arguido se encontrava sentado na esplanada da “(…)” foi abordado por um individuo que, logo após, se deslocou para o interior do estabelecimento.
14. De seguida, o arguido retirou do interior das calças que envergava um pedaço de Haxixe que se encontrava acondicionado num pedaço de papel, levantou-se, entrando dentro do estabelecimento, onde se encontrava o dito indivíduo o qual depois saiu do referido estabelecimento, tendo feito o arguido outro tanto, pouco tempo depois, altura em que se sentou da esplanada, contando o dinheiro que havia recebido do indivíduo em causa, que guardou.
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15. No dia 11 de Julho de 2012, o arguido A chegou à “(…)”, deslocando-se para o seu interior.
Logo após, chega ao referido estabelecimento comercial um indivíduo do sexo masculino, conhecido por (…), que entra e sai pouco tempo depois, permanecendo no exterior do café.
16. Dois minutos depois, sai do interior do referido estabelecimento, o arguido A, dirigindo-se ao referido indivíduo.
17. Após uma troca de palavras entre ambos, o arguido retirou Haxixe que tinha enrolado num pedaço de papel, entregando-o a esse mesmo indivíduo que o guardou e em troca lhe entregou dinheiro, tendo o arguido abandonado após, o referido local.
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18. No dia 04 de Setembro de 2012, cerca das 14h37, o arguido A dirigiu – se à “(…)”, sentando-se na esplanada.
19. Após, retirou um pedaço de Haxixe do interior de uma bolsa prateada que trazia consigo, tendo sido abordado minutos volvidos, por um indivíduo do sexo masculino, que já se encontrava na esplanada do café o qual lhe entregou dinheiro, tendo-lhe o arguido entregue em troca o pedaço de Haxixe que havia retirado da bolsa.
20. Cerca das 15h48 desse mesmo dia, o arguido A retirou da bolsa prateada que trazia consigo, mais um pedaço de haxixe, que entregou de seguida a um indivíduo do sexo masculino, que se encontrava sentado na esplanada.
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21. No dia 5 de Setembro de 2012, cerca das 16h47, o arguido A encontrava-se sentado na esplanada da (…), onde foi abordado por D que colocou uma quantia monetária em cima da mesa onde estava sentado o arguido, a qual foi de seguida recolhida pelo mesmo.
22. De seguida, o D sentou-se na mesa do arguido e este entregou-lhe um pedaço de produto estupefaciente enrolado em papel, pelo qual pagou 5€ (cinco euros) o qual, submetido a exame laboratorial se apurou tratar-se de cannabis resina com o peso líquido de 1,4 gramas.
23. Ainda nesse mesmo dia cerca das 18h36, o arguido A dirigiu – se a uma mulher que se encontrava sentada na esplanada da (…) a quem entregou um pedaço de Haxixe, que esta enrolou num papel branco.
24. Cerca das 19h04, do mesmo dia, o arguido A dirigiu-se para a entrada de um prédio que fica situado numa lateral da (…), onde já se encontrava um individuo, ao qual, após uma toca de palavras, o arguido entregou um pedaço de Haxixe e do qual recebeu uma quantia monetária.
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25. No dia 06 de Setembro de 2012, cerca das 10h53, o arguido A encontrava – se na Praceta Hernâni Cidade na companhia de dois outros indivíduos, do sexo masculino.
26. Nessa ocasião, entregou a um desses indivíduos um pedaço de Haxixe, mediante contrapartida económica.
27. Nesse mesmo dia, cerca das 11h33, encontrando-se o arguido na esplanada da “(…)”, foi abordado por um indivíduo, do sexo masculino, a quem entregou um pedaço de Haxixe, mediante contrapartida económica.
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28. Na (…) em Setúbal existe uma casa, que se encontra trancada e fechada onde existe um anexo, com cadeados que o arguido possui.
29. Tal anexo, no dia 03 de Outubro de 2012, encontrava-se acondicionado para funcionar como estufa, nos seguintes termos:
30. Numa das suas divisões, existia um guarda-fatos forrado, em cujo interior existia uma caixa de plástico tapada, dentro da qual se encontravam sementes de “cannabis”, sendo que tal guarda-fatos continha iluminação para fornecimento da temperatura necessária ao seu desenvolvimento, funcionando como “ incubadora” para o crescimento das respectivas plantas.
31. Noutra divisão da habitação, encontravam-se vários vasos de plantas de “cannabis”, em diferentes estados de maturação, que recebiam o aquecimento necessário para o seu desenvolvimento.
32. Outra divisão era destinada à guarda dos materiais de cultivo, adubos, vasos e fertilizantes.
33. Possuindo o referido anexo um sistema de ventilação e um sistema eléctrico que permitia o funcionamento de luzes, aquecimento e ventilações.
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34. No dia 17 de Agosto de 2012 a viatura de marca RENAULT, modelo MEGANE, com a matrícula (…), encontrava-se estacionada junto da passagem de nível sita na (…), próximo da casa já aludida.
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35. No dia 03 de Outubro de 2012, na Praceta Professora Virgínia Rau, n.º 6 em Setúbal, o arguido A trazia consigo, os seguintes produtos/ objectos:
- Vários pedaços de um produto estupefaciente, enrolados num pedaço de papel, que guardava no interior das calças que vestia, junto à zona da cintura (lado interior) o qual, submetido a teste laboratorial se apurou tratar-se de cannabis resina, com o peso líquido de 3,431 gramas.
- Um telemóvel cinzento de marca Samsung, com o número de série (…), associado ao número da VODAFONE (…) que se encontrava na mão do arguido.
- Duas notas de 5€ (cinco euros) que se encontravam no interior de uma carteira com o logótipo “ Sporting” que o arguido tinha no bolso das calças que vestia.
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36. Em cumprimento dos mandados de busca domiciliária, que tiveram em vista a residência do arguido, sita (…) em Setúbal, o arguido tinha na sua posse os seguintes objectos/ produtos:
- Uma faca de marca “ OPINEL”, com cabo em madeira, com um comprimento total de 28cm e lâmina com 12 cm de comprimento, que se encontrava no interior da mesa-de-cabeceira do quarto do arguido;
- Uma catana marca “ TRAMONTINA”, com o comprimento total de 43 cm e lâmina com 31 cm de comprimento, que se encontrava pendurada no hall de entrada;
- Oito tiras, vulgarmente designadas por “ línguas” de produto estupefaciente, que se encontravam no interior de uma embalagem plástica de cor vermelha, com a inscrição “smint”, no topo do guarda-fatos localizado no quarto do arguido que, submetidas a teste laboratorial se apurou tratar – se de cannabis resina, com o peso líquido de 18,026 gramas.
- Onze tiras, vulgarmente designadas por “ línguas” de produto estupefaciente, que se encontravam no interior de uma embalagem de plástico, de cor cinzenta, com a inscrição “ drops”, no topo do guarda-fatos localizado no quarto do arguido as quais, sujeitas a teste laboratorial se apurou tratar – se de cannabis resina, com o peso líquido de 20,751 gramas.
- Quatro placas e meia de 100gr cada de produto estupefaciente, acondicionadas no interior de uma meia, que se encontrava guardada na dispensa da residência do arguido as quais, submetidas a teste laboratorial se apurou tratar – se de cannabis resina, com o peso líquido de 380,886 gramas (as quatro placas) e com o peso líquido de 51,669 (a meia placa).
- Uma barra de produto estupefaciente, acondicionado por um papel que se encontrava guardado no interior de uma caixa de ferramentas na dispensa da residência do arguido a qual, submetida a teste laboratorial se apurou tratar – se de cannabis resina, com o peso líquido de 16,297 gramas.
- Uma nota de € 20 e oito notas de €10, emitidas pelo BCE, que se encontravam guardadas numa carteira, de cor castanho, de marca “milano”, que se encontrava no interior do guarda-fatos localizado no quarto do arguido.
- Três notas de € 10, emitidas pelo BCE, que se encontravam guardadas no interior da mesa-de-cabeceira, do quarto do arguido.
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37. Em cumprimento do Mandado de Busca, que teve em vista o veículo automóvel de marca RENAULT, modelo MEGANE, com a matrícula (…), foram encontrados no seu interior os seguintes objectos/ produtos:
- Uma embalagem de produto estupefaciente, enrolado num papel que se encontrava no interior do cinzeiro da viatura a qual, submetida a teste laboratorial, se apurou tratar-se de cannabis resina, com o peso líquido de 2.307 gramas.
- Quatro embalagens de produto estupefaciente, que se encontravam dentro de uma caixa metálica na bolsa da porta do lado do condutor da viatura as quais, submetidas a teste laboratorial se apurou tratar – se de cannabis resina, com o peso líquido de 6.943 gramas.
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38. Em cumprimento dos mandados de busca domiciliária, que tiveram em vista a residência sita na (…) em Setúbal, foram encontrados num anexo existente na mesma, os seguintes objectos/ produtos:
No interior da habitação:
- Cinquenta e seis pés de uma planta, cada um deles plantado no respectivo vaso, que se encontravam nas várias divisões da residência que funcionava como estufa, os quais, sujeitos a teste laboratorial se apurou tratarem-se de cannabis (folhas e sumidades floridas ou frutificadas da planta cannabis sativa L da qual não tinha sido extraída resina), com o peso bruto de 359,000 gramas.
- Diversas folhas de uma planta, secas, que se encontravam acondicionadas dentro de um saco de plástico, já prontas a serem trabalhadas para posterior divisão e distribuição, que se encontravam nas várias divisões da residência que funcionava como estufa, as quais, sujeitas a teste laboratorial se apurou serem de cannabis (folhas e sumidades floridas ou frutificadas da planta cannabis sativa L da qual não tinha sido extraída resina), com o peso liquido de 12,000 gramas.
- Duas lâmpadas de marca Philips com 400W;
- Duas lâmpadas de marca Osram com 400w;
- Duas lâmpadas de marca Gib. Ligting com 150w;
- Uma lâmpada de marca Sun Master com 150w;
- Duas lâmpadas de marca Ante com 45 w;
- Seis temporizadores, sem marca;
- Três pulverizadores, de marca vito, para 2 litros;
- Cinco lâmpadas, de marca Agr. Lite com 400w;
- Uma lâmpada, de marca Agr. Lite com 250w;
- Uma lâmpada, de marca Osram, com 250W;
- Cento e dezanove vasos grandes em forma de quadrado;
- Um pulverizador de marca Quechua;
- Cento e catorze pratos adequados para servirem de base aos vasos;
- Uma lâmpada, de marca Osram, de 150w;
- Dez painéis reflectores para aquecimento;
- Dez transformadores;
- Vinte e oito vasos, de tamanho pequeno;
- Um termoventilador de marca ufesa;
- Um fio eléctrico;
- Uma palete de sementeira individual;
- Dois tubos de extracção de ar;
- Uma garrafa de estimulante do crescimento das plantas;
- Um extractor de ar, marca Dospel;
- Uma ventoinha, de marca Sunon;
- Quatro sacos de acondicionamento, sendo que cada um continha diversas embalagens de acondicionamento;
- Vinte e dois sacos de acondicionamento, sendo que cada um continha diversas embalagens de acondicionamento;
- Onze sacos de acondicionamento, sendo que cada um continha diversas embalagens de acondicionamento;
- Quatro sacos de acondicionamento, sendo que cada um continha diversas embalagens de acondicionamento;
- Um recipiente metálico, em forma cilíndrica que continha no seu interior sementes de planta de cannabis.
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39. Na posse do arguido A e que este facultou para abrir a residência buscada, foram encontrados:
- Dois cadeados, de marca Corbin, acompanhados com as respectivas chaves;
- Um cadeado, de marca Nine, acompanhado da respectiva chave.
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40. O produto estupefaciente que lhe foi apreendido e o que foi apreendido no interior do veículo automóvel do arguido A (cannabis resina) pertencia-lhe, tendo-o adquirido a terceiro cuja identidade forneceu à entidade policial, aquando da realização das operações de busca.
41. Do produto estupefaciente que lhe foi apreendido no interior da casa onde residia, pertenciam-lhe as oito tiras de Cannabis resina, com o peso líquido de 18,026 gramas e as outras onze tiras, de Cannabis resina, com o peso líquido de 20,751 gramas e a barra de Cannabis resina acondicionada por um papel que se encontrava guardado no interior de uma caixa de ferramentas na dispensa da residência, com o peso líquido de 16,297 gramas.
42. O arguido destinava parte do produto estupefaciente que lhe pertencia à sua venda a terceiros, e parte dele ao seu consumo próprio.
43. O arguido A conhecia as características e natureza do produto que tinha consigo e que vendia, desde 22 de Junho de 2012 até 3 de Outubro de 2012, produto esse que cedia, vendia e guardava no interior da sua residência e do seu automóvel e bem ainda, que mantinha na sua posse, sabendo que aquele produto por lei é considerado estupefaciente.
44. O arguido A agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, ainda assim não se inibiu de a praticar.
45. O arguido detinha ainda na sua posse, na sua residência sita na (…) em Setúbal, uma faca “ Opinel “ com um comprimento total de 28 cm e lâmina de 12cm de comprimento.
46. Detinha ainda o arguido, na sua residência, sita no local já referido, uma catana de marca “ tramontina” com um comprimento total de 43cm e lâmina de 31cm de comprimento.
47. O arguido A agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, ainda assim não se inibiu de a praticar.
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Dos pressupostos da reincidência:
48. O arguido A foi julgado, no âmbito do processo n.º 25/08.8PESTB, que correu termos na Vara Mista deste Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, pela prática dos crimes de:
Tráfico de produto estupefaciente de menor gravidade previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, alínea a) ambos do Dec. Lei 15/93, de 21 de Janeiro na pena de dois anos e seis meses de prisão.
Detenção de arma proibida p.p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d) da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, por referência à definição constante no artigo 2.º, n.º 1, al) aj na pena de 6 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico das penas parcelares o arguido foi condenado na pena única de dois anos e nove meses de prisão, cuja execução ficou suspensa na sua execução por igual período.
Após recurso, veio o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 15 de Junho de 2009, revogar a decisão, na parte em que suspende a execução da pena de prisão, determinando a sua não suspensão.
O mencionado acórdão transitou e julgado em 14 de Julho de 2009.
O arguido esteve privado da liberdade, pelo menos, desde 18.09.2009 até 10.01.2012 altura em que terminou o cumprimento da pena.
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MAIS SE PROVOU:
49. Que o arguido vendia haxixe a 5 euros, cada dose, com vista a complementar o seu rendimento mensal (303 euros de reforma), nas suas necessidades do dia-a-dia.
50. Que nos princípios de Junho de 2012, foi-lhe proposto por terceiro que guardasse em sua casa Haxixe, a troco do recebimento para si, de produto estupefaciente.
51. Tal acordo consistia na cedência ao arguido por banda desse terceiro de uma placa de haxixe, por cada 5 placas desse mesmo produto estupefaciente que o arguido lhe guardasse, permitindo que esse terceiro fosse a casa do arguido para ir buscar o produto estupefaciente que este ali guardava, sempre que tal conviesse a esse terceiro (acordo esse que foi aceite pelo arguido).
52. Que cada placa que, nos termos do referido acordo, esse terceiro lhe cedia o arguido destinava metade ao seu consumo e a outra metade à venda a terceiros.
53. As quatro placas e meia de Haxixe, com o peso líquido oportunamente referido que foram encontradas na dispensa da residência do arguido, pertenciam a esse terceiro, nos moldes do acordo levado a cabo entre ambos.
54. Que a casa aludida na acusação ((…)), da qual o arguido tinha as chaves, não se tratava da casa principal e antes de um anexo desta, que era de uma companheira já falecida do arguido, com a qual este tinha vivido tendo passado o arguido após tal falecimento, a tratar desse anexo, evitando que lhe partissem os vidros ou o vandalizassem.
55. Que os 3 cadeados que o arguido tinha na sua posse correspondiam um deles à porta desse anexo (onde permaneciam objectos pertença da sua falecida companheira, designadamente os armários das roupas, uma bicicleta e uma máquina de café), outro à porta (ou portão) do quintal e outro à porta (ou portão) de uma plantação (ou jardim) ali existente.
56. Que o arguido guardava nesse anexo objectos seus, enquanto a sua companheira foi viva, tendo após o falecimento ido ao seu interior por várias vezes, entre 2004 a 2008 e também após a sua libertação (ocorrida em 10.01.2012).
57. Que na mesma ocasião (inícios de Junho de 2012) em que acordou com terceiro nos moldes referidos, mais acordou verbalmente em ceder-lhe esse anexo, mediante o pagamento de uma retribuição mensal de 80 euros, para que o mesmo, que o arguido conhecia como sendo empreiteiro, o usasse como armazém para depósito de instrumentos.
58. Que nessa ocasião, o arguido lhe deu um dos cadeados (do anexo) e respectivo par de chaves e um par de chaves dos cadeados do portão e da porta da plantação respectivamente, tendo ficado na posse dos restantes.
59. Que desde essa data, o arguido nunca mais foi ao interior do referido anexo, apesar de ocasionalmente passar “ao largo do mesmo”, para verificar se os cadeados não estavam partidos, tendo em algumas dessas vezes ido até ao jardim.
60. Que o arguido é consumidor de haxixe de há muitos anos a esta parte, tendo voltado a fazê-lo a partir de Maio de 2012, sendo que aquando da sua detenção e prisão preventiva à ordem dos presentes autos consumia “uma barrinha” diariamente, que dividia em 4 bocados já que fumava cerca de 4 vezes por dia.
61. Que a retoma desse consumo serviu designadamente, de “escape” pelo facto do seu filho que vivia consigo, ter saído de casa e de o arguido se ter sentido muito só e desgostoso.
62. Que a catana que o arguido tinha no interior da sua residência, tinha-a trazido há dezenas de anos atrás, de África e encontrava-se numa parede da sua residência, com finalidade decorativa.
63. Que a faca “Opinel” que lhe foi apreendida no quarto da sua residência, encontrava-se na mesa-de-cabeceira nele existente, sendo com essa faca que o arguido cortava as doses do Haxixe que consumia.
64. O arguido vive em casa própria que acabou de pagar ao banco (à data da prática dos factos pagava uma prestação de 21 euros mensais - porque tinha desconto de deficiente - e 25 euros de 3 em 3 meses da manutenção da caderneta da Caixa Geral de Depósitos, onde a comprou).
65. Vivia sozinho (já que o seu filho tinha saído em Maio de sua casa, como referido).
66. Como habilitações literárias tem a 4ª classe.
67. Era marinheiro da marinha mercante (altura em que teve em Angola, de onde trouxe a catana) e tinha 31 anos quando teve o acidente profissional no decurso do qual ficou sem uma das suas pernas.
68. Viveu com a mãe até ao falecimento desta (há 10 anos atrás).
69. O filho ajudava-o com um prato de sopa e a filha também (esta última não lhe dava dinheiro, por ter sabido que tinha voltado a consumir haxixe e lhe ter jurado que nunca mais o ajudaria, se ele voltasse a fumar).
70. Do seu relatório social, junto aos autos a fls. 633 e ss., consta designadamente:
“(…) O arguido nasceu no seio de uma família de condição sócio económica baixa, revelando uma pobre adesão ao percurso escolar, o qual veio a ser abandonado aos 15 anos para se iniciar na vida activa, embarcando na marinha mercante.
Este percurso profissional pela sua exigência, autonomia em relação ao meio familiar e tipo de remuneração, proporcionou uma experiência de vida bastante valorizada pelo arguido, favorecendo uma boa perspectiva futura, tendo por isso casado, tendo no contexto desta relação nascido os seus dois filhos.
Contudo este percurso profissional foi interrompido precocemente aos 30 anos quando A sofreu de um acidente de viação, ficando amputado de uma perna, deficiência que impôs um conjunto vasto de limitações e condicionalismos que alteraram completamente o estilo de vida assumido até então.
Após o acidente a relação conjugal terminou, com o afastamento da mulher, tendo o arguido passado a residir com a sua progenitora, centrado numa fase inicial na sua adaptação física, psicológica e social à deficiência adquirida.
(…) A filha mais velha integrou o agregado familiar da avó paterna até à primeira prisão do arguido e há cerca de 10 anos, quando tinha 16 anos, o filho veio coabitar com o pai, altura marcada pelo falecimento da avó.
Dependente de uma reforma por invalidez, o arguido não mais voltou a trabalhar, assumindo tendencialmente um estilo de vida caracterizado pela inactividade e pelas vivências centradas no bairro e na família. Desde longa data que o arguido vive integrado num bairro residencial de Setúbal, a Camarinha, conotado pela presença regular de sujeitos ligados ao consumo e tráfico de estupefacientes, em determinados locais públicos como sejam certas ruas, esquinas e estabelecimentos comerciais.
Aos 35 anos passou por um período de consumo de drogas dura (…).
Posteriormente e apesar de assumir a sua abstinência de drogas, o arguido viveu durante alguns anos na ligação afectiva a duas companheiras, ambas mais novas e numa condição de saúde e sociofamiliar muito frágil, aparentando percursos de vida ligados à marginalidade, tendo ambas falecido nos anos seguintes. Tais acontecimentos de vida, associados à perda da progenitora, foram evocados como a razão central para vivenciar desde há 4 anos um estado psicológico aparentemente deprimido, deixando de investir na sua aparência ou na construção de relações sociais positivas/normativas.
Entre 2009 e 2010 o arguido cumpriu pena de prisão efectiva, ao que se seguiram alguns meses em período de adaptação à liberdade condicional com recurso a meios de vigilância electrónica e até Janeiro de 2012 o período de liberdade condicional, revelando em qualquer das situações, um adequado grau de conformismo e de adaptação às exigências das medidas judiciais em causa.
(…) reside em casa própria (…). Desde o falecimento da sua progenitora, o filho do arguido passou a coabitar com o seu pai (…). Mais tarde integrou este agregado a companheira do filho e nasceu o primeiro filho do casal, actualmente com 6 anos de idade.
Desde Maio de 2012, o (…) casal optou por autonomizar-se (…) prevalece um afecto positivo entre todos e o nascimento do neto parece constituir uma fonte de gratificação comum a todos os elementos.
(…) tendo assumido (…) ter retomado o consumo regular de haxixe (…) justificado pelos sentimentos de solidão que resultam da realidade mais recente de viver sozinho.
(…)
Numa abordagem global do seu estilo de vida e dos acontecimentos que estiveram na origem dos presentes autos, o arguido evidenciou uma postura tendencialmente vitimizada e desresponsabilizada, ignorando os elementos de controlo social, externalizando qualquer causalidade para o seu comportamento anti normativo e sobrevalorizando factores sociais como ‘a má influência dos amigos.
(…) Na adaptação de A ao Estabelecimento Prisional é de realçar um comportamento adaptado, sem integrar nenhum grupo em particular, procurando levar o seu percurso prisional de acordo com os seus interesses, as normas e exigências institucionais. O suporte que recebe do filho e da nora assume um papel importante para a sua estabilidade pessoal, ainda que seja insuficiente para se comprometer com uma mudança efectiva de comportamento social quando antecipa o futuro.
(…) Perante a presente medida de coação, o arguido revela passividade e resignação, numa atitude de desvalorização da gravidade da situação e das consequências para si próprio e para os outros, prevalecendo uma perspectiva egocêntrica e instrumental.
Tem dificuldade em perspectivar no futuro regresso à comunidade as mudanças necessárias para a minimização dos factores predisponentes à criminalidade e consequente alteração da sua trajectória de vida.
(…)
A é um sujeito de 57 anos, cujo estilo de vida surge desde há 27 anos com características bastante vincadas, que se têm mantido de forma mais ou menos consistente e reforçada ao longo da vida. É de realçar por um lado, a deficiência adquirida num acidente e a desocupação laboral e por outro, as relações sociais centradas em vivência de rua e a proximidade ao mundo da droga, quer na adopção de comportamentos de consumo e na actividade de tráfico, quer no envolvimento activo com pessoas associadas a este meio de vida marginal.
Estes factores aliados a características psicológicas como o isolamento, a autocentração, a autovitimização (…) parecem favorecer a manutenção de um padrão de vida tendencialmente rígido, assente em interesses e actividades marginais.
Assim, como principais factores de risco para uma eventual reincidência na conduta marginal encontramos:
- o estilo de vida do arguido, que mantém os mesmos contornos desde há longa data;
- a deficiência física e desocupação laboral;
- o consumo de diversos tipos de drogas, mais acentuado em certos períodos da sua vida, o contacto e envolvimento regular com pessoas com percursos marginais;
- as características pessoais que indiciam rigidez, egocentrismo, solidão e desligamento de relações aprofundadas no seu aspecto afectivo, desresponsabilização face à mudança;
Por outro lado, o envolvimento familiar e aparente ligação afectiva do arguido aos filhos e neto, ainda que surja como um aspecto normativo no enquadramento do arguido, bem como a sua capacidade para aderir e cumprir a formalidade dos planos e medidas que envolvem acompanhamento técnico do seu comportamento, não nos parecem ser factores suficientes e determinantes para garantir uma mudança efectiva ao nível dos diversos factores de risco para a marginalidade, identificados no seu enquadramento social, na sua personalidade e estilo de vida (…)”.
71. Do seu CRC junto aos autos a fls. 611 e ss., mostram-se registadas:
A sua condenação, pela prática no início de 1991, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 24º/1 e 36º/1 – a) do DL 430/83, de 13.12, na pena única de 2 anos e 45 dias de prisão e 73 500$00, 13 500$00 (acórdão proferido a 27.05.92, sem indicação da data de trânsito);
A sua condenação, pela prática (em data não indicada), pela prática de crime de lenocínio e detenção de arma, p. e p. pelos artigos 170º/1 e 275º/1 e 2, ambos do Código Penal, na pena de sete meses de prisão suspensa por dois anos (acórdão proferido a 18.11.98, sem indicação da data de trânsito);
A sua condenação, pela prática em Março de 2008, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 21º e 25º - a) do DL nº 15/93, de 15/93 e a 9.07.2008 de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º da Lei 5/2006 de 23.2, na pena única de 2 anos e 9 meses de prisão (acórdão transitado em julgado a 14.07.2009).
72. Em declarações finais pediu uma oportunidade para ir para um centro de recuperação de dependência, dizendo que “a vida na cadeia é muito dura”, declarando estar “muito arrependido” e pediu desculpa ao tribunal e à sociedade.

Consignaram-se como não provados os seguintes factos[1] ( sendo nossa a sua ordenação ):

a) Que o arguido se tenha dedicado à venda de haxixe por outro período de tempo que não o estritamente apurado.
b) Que tenha realizado outras transacções diárias, para além das que nos autos se apuram.
c) Que o indivíduo com o qual realizou a apurada transacção no dia 6 de Julho fosse conhecido como “(…)”.
d) Que o arguido no âmbito da sua actividade ilícita utilizasse ainda uma residência sita na (…) em Setúbal;
e) Que a ela se deslocasse frequentemente no veículo automóvel atrás referido;
f) Que aí cultivasse em modo de estufa, plantas de “CANABIS” que após secagem, acondicionamento e divisão em doses individuais, vendesse a terceiros, mediante quantitativos monetários previamente estabelecidos.
g) Que na data em que foi realizada busca domiciliária a essa casa, esta fosse utilizada pelo arguido (sendo que a falta de prova respeitante aos factos acabados de aludir, torna inútil a resposta aos que constam dos artigos 7º, 9º, 10º e 12º, em numeração repetida na acusação).
h) Quanto à faca e catana encontradas no interior da residência do arguido, não se prova que a sua posse não lhe fosse permitida, o que torna inútil a resposta aos factos contidos no artº 17º da acusação.

A convicção do tribunal foi explicada nos seguintes termos:

Para uma melhor compreensão na exposição da convicção formada, dividiremos a factualidade apurada, em três grupos de factos relevantes:
1. De um lado, os que se prendem com as vendas de produtos estupefacientes directamente realizadas pelo arguido e com o produto estupefaciente que lhe foi apreendido (a si e no interior da sua viatura), aquando das revistas e buscas aludidas.
2. De outro lado, os que respeitam ao produto estupefaciente e demais objectos que nessa mesma ocasião lhe foram apreendidos no interior da sua residência.
3. Finalmente os concernentes à casa da (…).
Assim:
Quanto ao primeiro grupo de factos, o arguido confessou-os de forma integral e sem reservas, dando-nos aliás pormenores que foram mais além do que nessa matéria constava na acusação (designadamente, dizendo-nos quanto às vendas, o montante pelo qual as fazia, mais acrescentando que no decurso do período em que se apurou tê-lo realizado, que fez dessas vendas o seu modo de vida).
Confirmando tudo o que a tal propósito consta dos relatórios de vigilâncias de folhas 35 a 158 dos autos, fazendo-o sem subterfúgios no que respeita aos actos ali retratados designadamente, com confirmação das feições e os nomes indicados na acusação como sendo de compradores (afirmando designadamente que o “(…)” referido na acusação, é outro indivíduo e não o que se encontra retratado no relatório de vigilância respectivo).
O mesmo se diga, no que respeita ao produto estupefaciente que na data das revistas e das buscas domiciliárias trazia consigo e àquele que foi encontrado no interior do seu veículo automóvel, tendo declarado ter indicado concretamente à autoridade policial, o local onde se encontrava (o que foi confirmado, conforme “infra” se perceberá, aquando da alusão individualizada aos depoimentos prestados pelos elementos policiais encarregues de realizar as respectivas diligências), mais tendo acrescentado (outrossim sem qualquer inflexão) que guardava o período estupefaciente dentro dessa viatura, para desse modo evitar, mercê da sua condição física (o arguido não tem uma das suas penas e locomove-se com o auxílio de uma canadiana) estar a fazer um percurso maior, subindo e descendo escadas, para ir buscar a sua casa o haxixe que efectivamente vendia.
O que relegou para segundo plano, a utilidade dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas em julgamento, cujo contributo praticamente se esgotou quanto aos mesmos, na confirmação das diligências formais realizadas e do teor da documentação que as atesta, uma vez que para o tribunal a confissão do arguido foi suficiente ao apuramento fáctico respectivo.
Assim, no que tange ao produto apreendido a D, revelou algum interesse, o depoimento prestado por E (agente da PSP da esquadra de investigação criminal de Setúbal, que conhece o arguido por intermédio do seu desempenho funcional, nada tendo contra o mesmo), que nos descreveu de forma clara e objectiva ter intervindo numa apreensão de droga feita a terceiro, na sequência de vigilâncias feita por colegas, que lhe indicaram que um indivíduo (D) tinha contactado com o arguido e lhe tinha comprado droga.
Tal indivíduo foi abordado na sequência dessa indicação, tendo-lhe sido apreendido haxixe (confirmando o teor do auto de apreensão respectivo, a folhas 161 a 163, e o da sua assinatura, nele aposta).
No âmbito da detenção do arguido e da apreensão (ao mesmo e no interior da sua viatura), do produto estupefaciente e demais objectos mencionados, relevaram ainda os depoimentos prestados pela testemunha acabada de referir (que outrossim interveio na detenção do arguido, confirmando o teor do auto de apreensão de folhas 211/212, e da sua assinatura, nele aposta) e por C, agente da PSP, da esquadra de investigação criminal Setúbal, que conhece o arguido por intermédio do seu desempenho profissional, já que interveio no inquérito, colaborando designadamente, na sua abordagem, detenção e apreensão dos objectos que trazia (droga, dinheiro e telemóvel) e na busca realizada à sua viatura onde, recorda, foi encontrado haxixe num cinzeiro e bocados desse mesmo produto, na porta lateral do condutor (no âmbito da qual foi o próprio arguido quem indicou onde estava a droga – indo de encontro aliás, ao que o arguido havia declarado nesse particular).
Mediante reprodução de fls. 251 e ss. (auto de busca e apreensão ao veículo) esta testemunha, que depôs de uma forma isenta e objectiva, confirmou o seu teor bem como a sua assinatura, nele aposta.
*
Quanto ao produto estupefaciente que lhe foi apreendido no interior da sua habitação:
Vale a pena atentar nas declarações prestadas pelo arguido, neste particular.
Segundo as quais, nos princípios de Junho de 2012 uma determinada pessoa (que identificou expressamente em julgamento como sendo F, residente na (…) Setúbal – Camarinha – condutor de uma viatura Citroen Xara verde, com a matrícula (…)) o terá abordado, propondo-lhe o acordo cuja existência resulta demonstrada, o qual foi aceite por si (cujos detalhes, nos precisos moldes apurados, nos foram descritos pelo próprio).
Acordo a ser executado, sem que houvesse contactos telefónicos entre ambos, porque segundo o que aquele F lhe disse, haveria “espiga”.
Por isso, nos 3 meses a que se reportam os factos, encontrou-se com o F de 15 em 15 dias (faziam-no no jardim, junto do café, ocasiões em que esse terceiro lhe dava as placas de haxixe e como esse local era perto da casa do arguido, este levava-as para lá - sendo que esse terceiro também ia a sua casa, para levantar as placas que eram dele, de acordo com as suas conveniências).
Nos termos de cujo acordo, a droga que lhe foi apreendida no interior da sua residência pertenceria em parte àquele F (que o arguido guardava) e noutra parte ao próprio arguido (na proporção apurada).
Acrescentando que no dia da sua detenção e aquando da busca à sua residência, esse terceiro (que ia à procura do arguido) surge nesse local cerca de 20 minutos após, tendo sido abordado pelo “B” (trata-se da testemunha B, agente da PSP, chefe da esquadra de investigação criminal, que foi o coordenador da investigação policial nos presentes autos, tendo intervindo nas buscas realizadas à residência do arguido e ao anexo da casa da (…), cujo depoimento “infra” será mencionado), perguntando-lhe onde ia.
Respondendo-lhe esse F, dizendo-lhe que ia ter com o arguido, o “B” perguntou-lhe “Tens identificação?”. Após o que lhe disse “Vai-te embora, porque isto não é ambiente para ti!” (não sabendo o arguido dizer se o “B” o conhecia ou não).
Sabendo contudo que aquando da realização da busca à sua residência, foi o próprio quem indicou aos agentes policiais os locais em que tinha o haxixe que lhe foi apreendido (só não indicou o local da catana e da faca) e que tentou dar conhecimento do que referiu em tribunal a propósito desse terceiro àquele agente policial que terá retorquido “isso dizes em tribunal”, razão pela qual o arguido achou não valer a pena dizer mais nada sobre o que se passava.
Note-se que, inquirida a testemunha B, confirmou ter sido efectivamente abordado por F, que apareceu junto da habitação do arguido (com quem queria falar), aquando da realização da referida busca (pessoa que a testemunha identificou e mandou embora), bem como o facto de o arguido lhe ter dito que a droga encontrada na sua residência (nos locais que efectivamente foram indicados pelo arguido) pertencia a esse F.
Instado pelo tribunal sobre qual a actuação levada a cabo, mercê dessa informação, respondeu-nos a testemunha laconicamente, dizendo terem iniciado um processo (inquérito) à parte, para o dito F.
Por seu turno, inquirido G (agente da PSP da esquadra de investigação criminal de Setúbal, que conhece o arguido no âmbito do seu desempenho profissional, uma vez que fez vigilâncias e interveio como testemunha, na busca realizada à residência do arguido), instado a tal propósito referiu (de forma credível) nada lhe dizer o nome F, mas não obstante, saber que esse senhor passou pelo local e falou com o “B”, desconhecendo todavia sobre o quê.
Sabe que esse senhor foi identificado (presume que para ser inquirido mais tarde).
Quanto ao inquérito que B referiu ter sido iniciado, referiu-nos a testemunha G ter convocado esse F, mas que este estaria impossibilitado (a testemunha falou com a filha da pessoa em questão, que lhe disse que tinha Parkinson), acabando por nunca se ouvir a pessoa em causa.
Ou seja;
Do cotejo entre as declarações prestadas pelo arguido e os depoimentos das testemunhas, B e G, conclui o tribunal (porque em face das mesmas, coisa distinta não poderia concluir) que, não obstante as indicações dadas pelo arguido, não foi feita qualquer investigação sobre o terceiro que o arguido expressamente indica como sendo o dono da “parte de leão” da droga que guardava em casa e como seu directo fornecedor.
Resultando que a linha investigatória assim seguida se ateve essencialmente ao “tráfico de rua” levado a cabo pelo arguido e às apreensões e busca realizadas na sequência dessa actividade (de que resultou a apreensão de haxixe, da catana e da faca, nos moldes apurados).
Já por diversas vezes nos pronunciamos sobre a forma como se realizam parte muito significativa das investigações respeitantes ao tráfico de droga nesta comarca, nunca sendo demais realçar que fora a que ora nos ocupa mais arrojada, não se quedando apenas pelo cenário do “tráfico de rua” e porventura, os meios de aquisição probatória usados a par da eventual colaboração do arguido (que parece tê-lo querido fazer desde sempre, ainda que daí não tenha surgido qualquer outro resultado que não o da inércia), poderiam ter sido elementos úteis para a investigação de outro tipo de tráfico, a realizar a partir da posição ocupada por este arguido na “pirâmide” correspondente e subindo degraus para, eventualmente, se chegar a outro tipo de tráfico, decerto muito mais relevante.
Sendo certo que as declarações prestadas pelo arguido neste particular foram intrinsecamente coerentes, não as tendo o tribunal entendido como um alijamento de quaisquer responsabilidades suas.
Até porque o mesmo manifestou em julgamento estar bem ciente das potenciais consequências da conduta que praticou, que aliás confessou (à excepção do segmento respeitante à pertença a terceiro de parte substancial da droga apreendida na sua residência, nos termos do acordo feito, não sendo de presumir – até porque já tem antecedentes pela prática desse ilícito - que o mesmo não soubesse que a guarda de droga pertença de terceiro é também legalmente considerada como tráfico).
Por isso foram valoradas como se apresentaram à nossa convicção, ou seja:
Como a assunção da conduta efectivamente praticada, com identificação concreta do seu fornecedor de droga (o que não é vulgar, de acordo com a nossa experiência) à qual aparentemente, pouco se ligou (assim se tendo privilegiado o “conforto” de um crime “de flagrante delito”, em detrimento de uma investigação que – porventura – poderia ter chegado mais longe).
Tal coerência resulta atestada ainda, pela confluência de outros detalhes que não são de somenos e desde logo:
Pelo facto do arguido nos ter referido ter sido contactado por determinado Senhor Advogado, que lhe transmitiu fazê-lo a mando do “F” o qual, tendo sido informado pelo arguido da impossibilidade, por falta de dinheiro, de lhe pagar lhe terá transmitido que tal não tinha importância, por o F lhe ter dito que ele (arguido) não pagaria honorários, bastando assinar uma procuração (o que o arguido fez).
Senhor Advogado que mais tarde lhe transmitiu que “o safava”, mas que o arguido não podia falar no “F” o qual (perante a não aceitação pelo arguido desse silêncio), lhe disse então que já não queria ser advogado dele (sendo certo que dos autos consta efectivamente uma procuração forense emitida pelo arguido a favor de Senhor Advogado, que veio mais tarde a renunciar ao mandato), vindo o arguido após a constituir nova procuração forense a favor de outra Senhora Advogada porque (segundo declarações do arguido) “a Senhora Doutora aceitou que eu lhe pagasse em prestações”.
Sendo que toda a situação financeira do arguido outrossim relevou, na formação da convicção do tribunal (quanto à aceitação da bondade das suas declarações, a propósito do acordo firmado), na medida em que resulta escassamente crível que o arguido, recém-saído (a 10.01.2012) do estabelecimento prisional onde cumpriu pena desde 18.09.2009, com um rendimento mensal de 300 euros (o qual conceder-se-á, dificilmente permite acorrer às necessidades básicas de subsistência) repentinamente obtivesse recursos financeiros compatíveis com a aquisição de Haxixe, pelas quantidades que lhe foram apreendidas.
Razões que conjugadas (mais a mais quando a resposta às questões que fatalmente se colocariam em face da versão dos factos relatada pelo arguido, assentou em lacónica afirmação segundo a qual haveria inquérito a decorrer sobre as mesmas – sendo certo que pelas razões já referidas, se concluiu que afinal a pessoa que o arguido identificou como seu fornecedor nunca foi ouvida) nos levaram “in dúbio”, ao acolhimento das declarações prestadas pelo próprio neste segmento, atendendo à sua plausibilidade (que diga-se em abono da verdade é maior do que a versão dos factos contida na acusação, segundo a qual um arguido pobre – para não dizer paupérrimo – aparentemente teria meios financeiros para adquirir haxixe, nas quantidades que nela são referidas).
Quanto ao produto estupefaciente encontrado no interior da residência do arguido, locais onde o mesmo foi apreendido e (também), quanto à catana e faca que foram apreendidas, o tribunal alicerçou a sua convicção no teor do depoimento prestado pela já referida testemunha B, que confirmou o teor do auto de busca e das fotos de suporte de folhas 222 e ss., bem como da sua assinatura, nele aposta.
*
Quanto à busca e apreensão na (…) em Setúbal
Antes de tudo o demais, atente-se em que a apreensão decorrente da busca não se verificou no interior dessa casa (que se encontra devoluta), e antes num anexo da mesma, como claramente resultou das declarações prestadas pelo arguido, que descreveu a configuração da mesma, do anexo, do portão de acesso ao pátio e ao anexo (que tem uma porta de entrada e outra porta que dá para um jardim, ou plantação ali existente), confirmadas pelo teor do depoimento prestado pela testemunha C (agente da PSP, da esquadra de investigação criminal de Setúbal, que conheceu o arguido no desempenho de funções, já que colaborou na detenção, busca à viatura do arguido e à residência da (…)).
Tendo-nos o arguido declarado tudo o que como apurado se teve a tal propósito designadamente, as razões pelas quais estava na posse dos cadeados desse anexo e portão de entrada (que aliás, foram entregues pelo arguido na data da busca, tendo sido apreendidos), as razões pelas quais lá ia - o que sucedeu antes de ter sido preso e depois de ter sido liberto, até Junho de 2012 (data em que firma o apurado acordo com o referido F)- o qual ficou com os cadeados um par de chaves respeitantes aos mesmos (tendo ficado as restantes com o arguido),momento a partir do qual nunca mais acede ao interior desse anexo (indo por vezes ao exterior para verificar se tudo estaria “em ordem”, designadamente, se os cadeados não tinham sido partidos – ocasiões em que por vezes chegou a entrar no jardim), desconhecendo que ali tinha sido montada uma “estufa”, para a plantação das espécies que ali foram apreendidas.
Quanto a esse acordo (por intermédio do qual cedeu aquele espaço ao F, pelo valor de 80 euros mensais para ser usado como armazém), instado pelo tribunal sobre as razões pelas quais, bem sabendo que esse terceiro se dedicava ao tráfico (até porque nessa altura também acordou em guardar droga da sua pertença, nos moldes apurados), ainda assim lhe cedeu esse espaço para armazém (sem se questionar sobre qual o uso que efectivamente pudesse ser dado ao espaço em causa), referiu-nos o mesmo que sempre tinha conhecido esse terceiro como empreiteiro, com homens a trabalhar para ele, por isso quando ele lhe pediu para usar a casa como armazém, acreditou que fosse para ali colocar máquinas e objectos relacionados com a sua actividade (e que nunca teria aceite esse acordo, se soubesse qual o destino que seria dado ao anexo).
Todavia, por não sabê-lo aceitou-o, tendo acrescentado que nessas circunstâncias, mesmo que esse terceiro lhe tivesse oferecido menos dinheiro pelo uso da casa, aceitaria cedê-la na mesma.
Mais tendo declarado que, aquando da realização da busca ao aludido anexo (que o arguido acompanhou), os elementos da PSP lhe perguntam se queria abrir ou não a porta, tendo-o este feito “na boa-fé”, logo sentindo “ um cheiro insuportável a erva”, reiterando que nunca lá tinha visto nada, porque desde a data do acordo de cedência, nunca mais tinha ido ao interior do mesmo.
A atestá-lo, acrescenta que no local estava um cão que o arguido não reconheceu (nem o cão a ele), precisamente porque não era dele.
Mais declarando que os elementos que estiveram na busca domiciliária à sua residência, foram os mesmos que foram à outra casa (inclusivamente, o “B”), a quem disse que aquilo não era dele (razão pela qual não queria assinar o auto de busca).
Mas (segundo disse), o “B fez-lhe a cabeça” ao dizer-lhe que o que realmente era importante era a outra situação razão pela qual o arguido acabou por assinar o auto “para se livrar”.
Confrontado quanto aos vestígios lofoscópicos colhidos no interior de um armário que funcionava como estufa (e ao resultado pericial respectivo, que indica como pertença do arguido esse mesmo vestígio), referiu-nos o mesmo ser natural que existissem “impressões digitais” na medida em que, durante o tempo em que viveu com a companheira a quem pertencia o anexo, até ao seu falecimento (em 2004), o arguido ficava lá algumas vezes, tendo pertences seus no mesmo, tendo ido a essa casa várias vezes entre 2004 a 2008 (pelas apuradas razões) e já após a sua saída do estabelecimento prisional (a 10.01.2012) tê-lo feito também, só tendo deixado de aceder ao seu interior nos inícios de Junho de 2012, em razão do acordo celebrado com o referido F, acrescentando que nessa data o anexo em causa tinha armários.
Parte das declarações prestadas pelo arguido (quanto à referência que fez, de que o que estava no interior do anexo não era seu, à forma como facultou a entrada aos elementos policiais e à existência no local de um cão, que efectivamente não reagiu como se conhecesse o arguido) foram confirmadas pelo teor do depoimento prestado pela já referida testemunha C, que foi categórica ao referir que aquando da realização da busca à referida casa (na qual esta testemunha colaborou), o arguido facultou-lhes as chaves de ambos os cadeados, mais acrescentando que, quando abriram a porta do anexo e constataram a existência das plantas de cannabis, logo o arguido disse que aquilo não era dele e não se manifestou muito, acrescentando que não usava a casa, não sabia o que era aquilo e que desconhecia a origem do que ali estava (isto no início, porque depois não insistiu), tendo revelado maior apreensão do que aquando da busca realizada ao veículo (na qual indicou onde estava a droga e assumiu que era dele).
Confirmando que no pátio se encontrava um cão de grande porte (que ladrou quando entraram, mas não era agressivo) e que tendo o arguido entrado com eles, o cão não alterou muito a postura, tendo ficado junto aos pés dos polícias.
O que leva razoavelmente a presumir que o arguido efectivamente não acedesse ao interior do local (como por si afirmado) na medida em que, como é do conhecimento geral, um cão que vê o dono ou a pessoa que o alimenta, mostra de forma visível o seu entusiasmo e vai ter com ele (o que não se coaduna com a descrição da reacção do que à data ali se encontrava).
Mas se se atentar noutros pormenores, que de seguida serão referidos então as declarações prestadas pelo arguido neste particular resultam absolutamente convincentes.
E senão vejamos:
Retornando ao depoimento prestado pela testemunha indicada em último lugar (que foi objectivo e imparcial), refira-se que a mesma nos descreveu a configuração do próprio anexo, como constituindo um “L”, com espaços diferenciados, correspondentes aos estados diferenciados de gestação das plantas nele encontradas.
Mediante reprodução de fls. 261 e ss. (auto de busca e fotos de suporte) confirma o teor do mesmo e a sua assinatura, acrescentando que as fotos retratam o local em causa, tal como este foi encontrado, acrescentando que ali existiam vários armários, crendo que o armário de cultura (onde estava a estufa), seja que nelas está retratado em primeiro lugar.
Mais nos referindo esta testemunha que os espaços diferenciados a que se refere (retratados nas fotos), tinham o acesso fechado por um material que foi rasgado aquando da realização da busca, para permitir a locomoção no interior do espaço (com relevo, vejam-se as fotografias de fls. 275, 282 e 289).
O que nos leva a questionar (tendo em conta o trabalho que aquela forma de plantio requeria, a específica configuração daquele espaço e a forma como o acesso a cada um dos compartimentos se encontrava vedado), se a sua acessibilidade seria compatível com a limitação física do arguido (que não tem uma das pernas e se locomove com a ajuda de uma canadiana), parecendo-nos dever ser negativa, a resposta a dar a essa questão.
Depois porque, como resulta de leitura dos autos (exame lofoscópico de fls. 437 a 445) foi colhido outro vestígio lofoscópico (numa das lâmpadas que directamente incidia sobre as plantas), que nos termos do respectivo relatório pertence a terceiro (mais concretamente a H que - conclui-se dessa identificação - será indivíduo já resenhado pois que de outro modo, não se lograria obter a correspondência que ali se assinala).
Ora, perante tal vestígio e a concreta identificação de quem terá mexido numa lâmpada usada para criar o efeito de estufa sobre as plantas, o que faz a investigação?
Nada (pelo que o tribunal tenha conhecimento).
Não tendo essa pessoa sido ouvida, nem constando dos autos o registo da sua interpelação, a qualquer título.
Verificando-se neste particular, a mesma falha investigatória já oportunamente referida a propósito do anterior segmento fáctico, mas aqui de forma que salvo o devido respeito se dirá como sendo clamorosa, já que que fornecendo os autos elementos objectivos (os vestígios lofoscópicos) que apontam com clareza para a permanência de uma determinada pessoa concretamente identificada no interior do anexo, que terá tocado num dos objectos ali existentes e usados para criar o efeito de estufa nele construído, daí o investigador nada extrai.
Quase parecendo (sublinhe-se que nesta parte afirmamos uma aparência e não um facto), que a investigação foi conduzida de uma forma que trouxesse como único desfecho, a imputação ao arguido da autoria dos factos constantes da acusação, com total desinteresse perante todas as demais hipóteses que dele evidentemente, decorriam.
Finalmente;
Porque se apura que “as inúmeras deslocações feitas pelo arguido no seu veículo automóvel” ao dito local (a que se refere o artigo 4º da acusação), se consubstanciam ao cabo e ao resto, num único avistamento da viatura do arguido (tampouco do próprio) a qual, no dia 17 de Agosto de 2012, estava estacionada junto da passagem de nível sita na (…), próximo da aludida casa.
Como se extrai do depoimento prestado pela testemunha I (chefe da PSP esquadra de intervenção e intervenção policia, que conhece o arguido do desempenho funcional, já que fez uma informação nos presentes autos) a qual nos referiu que a dada altura, o B (trata-se da testemunha já referida “supra”) lhe disse que estava a decorrer uma investigação contra o arguido (trata-se da que está na origem da imputação penal ora em apreço).
Na posse dessa informação, a testemunha I, numa movimentação privada, viu o veículo do arguido junto da passagem de nível da (…), junto de umas casas aí existentes (em Agosto, ocorriam as festas de Tróia, para onde se dirigia esta testemunha).
Tendo falado com o colega B, este disse-lhe que era importante relatar esse facto no processo, o que a testemunha fez (trata-se da informação que faz folhas 125 dos autos, cujo teor confirmou após reprodução).
Por seu turno B referiu que no processo anterior (trata-se do que levou ao desfecho condenatório do arguido e lhe demandou a privação de liberdade entre 18.09.2009 a 10.01.2012) souberam que a casa da (…) era usada pelo arguido.
Havendo nos presentes uma comunicação, segundo a qual o arguido tinha lá estado em Agosto de 2012 (trata-se da que foi feita pela testemunha anterior, a sugestão de B).
Com isto se concluindo que no âmbito dos presentes autos, jamais o arguido foi visto no local em causa, sendo que o único “elo de ligação” entre o mesmo e o arguido se confinou, antes da busca ali realizada, a informações colhidas no âmbito de investigação anterior, não comprovadas na presente.
E após a sua realização, na posse pelo arguido dos referidos cadeados e chaves e nas impressões lofoscópicas (que não eram únicas).
Como e de que forma se extrapola de tão evanescente informação, para os factos constantes da acusação nesta parte (artigo 4º desta peça, já citado), é algo que verdadeiramente, transcende a nossa compreensão.
E desse modo, coadunando tudo o que de relevo se referiu a propósito dos factos respeitantes ao anexo do (…), perante prova tão falha, o tribunal não poderia deixar de responder senão do modo como o fez:
Dando como não provada a autoria do arguido na sua prática.
*
O alicerçamento da nossa convicção fundou-se ainda da análise conjugada (para além de todos os demais que “supra” foram referidos) dos Exames toxicológicos cujas cópias fazem fls. 470, 480, 481 – originais das últimas duas folhas nestas outras números 530/531).
*
Quanto à situação pessoal e condição económica do arguido, o fundou a sua convicção no teor das declarações prestadas pelo próprio, em cotejo com o seu relatório social, junto aos autos a fls. 633 e ss. “supra” parcialmente transcrito.
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Quanto aos antecedentes criminais do arguido:
A nossa convicção alicerçou-se na análise do seu CRC, junto aos autos a fls. 611 e ss, bem como na análise da certidão do processo n.º 25/08.8PESTB de fls. 308 a 338, da qual outrossim nos socorremos, quanto aos factos respeitantes à questão da reincidência, para o respectivo apuramento.


3. O Direito
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[2], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[3].
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões essenciais que importa decidir são as seguintes:
- erro de julgamento quanto aos factos descritos nas als. d), e), f) e g) dos não provados e pontos 54., 55., 56., 57., 58. e 59. dos provados;
- subsunção jurídica dos factos em função da alteração proposta;
- medida da pena.


3.1. O recorrente insurge-se contra a forma como foi decidida a matéria de facto, quanto aos pontos objecto de impugnação acima discriminados, apontando como provas que, em seu entender, impunham decisão diversa as declarações prestadas pelo arguido e os depoimentos prestados pelas testemunhas B e C, ( nas passagens que transcreve na motivação do recurso ), o mandado de busca e apreensão de fls. 260, o auto de busca e apreensão de fls. 261-264, os fotogramas de fls. 271-291 e 298, o relatório de inspecção lofoscópica de fls. 436 e o relatório de exame pericial de fls. 438-444. Em concreto, o recorrente considera que foram desvalorizados dois elementos essenciais que com segurança permitem estabelecer a ligação do arguido com a actividade que se desenvolvia no anexo da casa da (…), a saber, a duradoura disponibilidade daquela casa por parte do arguido, que tinha em seu poder as chaves que permitiam o acesso aos seus diversos espaços, e a presença de uma impressão digital, que o exame lofoscópico concluiu pertencer-lhe, na face interior de um armário/guarda-fatos existente no anexo dessa casa, que na altura já se encontrava integralmente forrado e apetrechado para funcionar, como efectivamente funcionava, como estufa ou incubadora para o crescimento de plantas de cannabis. E sustenta que a versão dada pelo arguido, ao garantir que havia cedido o anexo da casa da (…) a um terceiro ( o que só em julgamento referiu ), que a partir de então não mais acedeu ao seu interior e que desconhecia a utilização que lhe era dada, é intrinsecamente inconsistente e irrazoável, opondo-se às regras da lógica, da experiência comum e da normalidade da vida a valoração que dela foi feita no sentido de lhe ter sido reconhecida inteira credibilidade.

Tendo sido devidamente cumpridos os ónus de especificação exigidos pelos nºs 3 e 4 do art. 412º do C.P.P., e tendo presente que “o Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si”[4] e que a decisão da matéria de facto só pode ser alterada nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância ( ou seja, quando a “impõem”, e já não quando apenas a “permitem” ), vejamos se assiste razão ao recorrente nas objecções que apresenta em relação à resposta que o tribunal recorrido deu ao acervo factual alvo de impugnação.
Refira-se, desde logo, que não é certo que o arguido só em julgamento tenha apresentado a aludida versão da cedência do anexo da casa da (…) a um terceiro. Na verdade, o arguido, embora tenha admitido que sempre cuidou da casa e do anexo, referindo que haviam pertencido a uma rapariga com quem viveu e falecida em 2004, tendo em seu poder as respectivas chaves, sempre se demarcou da utilização que estava a ser dada a esse anexo, seja em termos de participação na mesma, seja quanto ao próprio conhecimento do que lá se passava. Também o afirmou em julgamento, dizendo que foi abordado, em Junho de 2013, por um indivíduo que conhecia dos tempos em que tinham estado em Angola e que identificou por nome ( F ) e morada para que lhe guardasse placas de haxixe, a troca da compensação de 1 em cada 5. E que, depois de aceitar essa proposta, o mesmo disse-lhe que tinha homens a trabalhar para ele e andava à procura de um armazém para guardar material de trabalho, pedindo-lhe que cedesse o aludido anexo para aí guardar materiais de construção em troca de 80 € por mês. Tendo também acordado a pretendida cedência, entregou ao F as chaves do anexo, conservando duplicados em seu poder, não tendo a partir de então tornado a entrar naquele local, embora passasse algumas vezes pela casa, verificando pelo seu exterior que estava tudo em ordem e chegando mesmo a entrar no respectivo pátio. Referiu, ainda, que na data em que foi detido, quando aguardavam a chegada de cães para se efectuar a busca à sua residência, o F, com o qual nesse dia tinha combinado, por telefone, encontrar-se ao meio dia, apareceu nas imediações daquele local, tendo sido abordado pela testemunha B, chefe da PSP que interveio na busca, que o identificou e o mandou afastar-se do local. Afirmou nada ter mencionado àquela testemunha a respeito da dita cedência, dado que a mesma antes, quando lhe tinha dito que o haxixe não era só seu e lhe tinha sido dado a guardar por um terceiro, lhe havia respondido “isso tu explicas em tribunal”. Posteriormente, já depois de detido, foi contactado por um advogado, Dr. (…), que se ofereceu para o representar, dizendo que as despesas da sua representação seriam suportadas pelo F. Poucos dias depois, o mesmo advogado voltou a contactá-lo, dizendo-lhe que não devia prestar novas declarações sem que ele estivesse presente e que estivesse descansava que o “safava” na condição de não envolver o F no processo. Como não tivesse aceite essa condição, o referido advogado veio a renunciar à procuração que antes lhe havia passado. [Curiosamente, o tal F foi ouvido durante o inquérito, como testemunha, aparentemente apenas para esclarecer a razão pela qual tinha procurado o arguido naquela data, tendo estado presente nesse acto o referido advogado ( cfr. fls. 430 )].
O surgimento do F junto à residência do arguido momentos antes de a busca se iniciar também foi confirmado pelas testemunhas testemunha G - que interveio nessa busca e mencionou que aquele indivíduo apareceu perto da casa, que até falou com o B e foi identificado para posteriormente lhe serem tomadas declarações, mas que tal não terá sucedido por razões de doença - e B – que também referiu que o F queria falar com o arguido, que queria subir e que disso o impediu, tendo-o identificado para ser ouvido mais tarde como testemunha, e que o arguido depois disse que a droga seria daquele indivíduo, mas este já não estava no local, tendo mais tarde iniciado um inquérito em relação a ele.
Sendo esta a única prova que foi produzida com interesse para a questão da cedência, certo é que, embora as declarações do arguido neste particular não tenham obtido qualquer outra confirmação, também não se mostram decisivamente infirmadas, nem sequer pela apontada inconsistência decorrente da inexplicada necessidade de o F se servir da casa do arguido para guardar haxixe quando este facultou àquele a utilização do referido anexo. Posto perante a mesma, o arguido limitou-se a responder que só aquele o poderia explicar, mas também se pode contra-argumentar que quem quer guardar haxixe e materiais de trabalho – na versão do arguido - ou fazer plantações de cannabis – como se constatou ter sido a real utilização dada ao anexo – pode ter razões para não ter tudo no mesmo local. Quer a guarda de materiais ou a tal plantação não seriam viáveis na residência do arguido; já o ( alegado ) dono do haxixe pode ter querido que este fosse guardado por alguém a quem tivesse melhor acesso. Seja como for, a versão da cedência não se apresenta, intrinsecamente, como carecida de plausibilidade em termos de se impor o seu afastamento. Quiçá teria sido mais acertado fazer funcionar o princípio in dubio pro reo, considerando que não se fez nem prova da mesma, nem prova em contrário, mas enfim, nessa parte pensamos que a convicção formada pelo tribunal, sendo possível e tendo suficiente suporte probatório, não pode ser censurada.
Outro tanto já não se dirá no que concerne à total desresponsabilização do recorrente, seja em termos de participação, seja em termos de conhecimento, quanto à utilização que estava a ser dada ao anexo, que pode verificar-se mesmo tendo havido a referida cedência. Neste particular, o tribunal recorrido desvalorizou o facto de uma das impressões digitais encontradas no referido anexo, que foi recolhida na “face interior de armário de cultura “canabis” corresponder ao dedo médio da mão esquerda do arguido, conforme concluído no exame lofoscópico a fls. 438-443, aceitando a explicação que por ele foi dada no sentido de era natural que ali existissem impressões digitais já que aquando da cedência existiam armários no anexo e ele frequentava o local, tanto durante o tempo que viveu com a sua companheira ( em 2004 ) como naquele que mediou entre a sua saída do estabelecimento prisional ( em 10/1/12 ) e a data em que fez a cedência, tendo tido pertences seus nesse anexo.
Do depoimento prestado pela testemunha C resulta que o armário em questão é aquele cuja fotografia se encontra a fls. 278, em tudo semelhante a um guarda-fatos, que, na altura da busca, estava a funcionar como incubadora, verificando-se que pelo menos o respectivo fundo e as paredes laterais se encontrava cobertas por plásticos brancos. Mas de nenhum dos elementos constantes dos autos se retira exactamente em que parte desse armário foi colhida aquela impressão digital, vindo apenas referido que a mesma estava no seu interior. Ora, pensamos que as ilações a retirar da presença desse vestígio podem ser diferentes consoante o mesmo se encontrasse nos ditos plásticos ou simplesmente numa das paredes interiores do armário, pois neste segundo caso ainda se poderá aceitar como possível a explicação dada pelo arguido e acolhida pelo tribunal recorrido, o que já não sucederá no primeiro na medida em que não é normal que os armários estejam revestidos com plásticos como aqueles que são visíveis na fotografia assim como também é manifesto que os mesmos lá foram colocados precisamente para ajudar a criar o clima propício à incubação das plantas.
A motivação da decisão de facto não fornece, pois, explicação adequada e suficiente para a desconsideração daquele vestígio como elemento de prova. E não o faz porque a investigação que foi feita em julgamento, no que concerne a factos instrumentais relevantes, decisivos mesmo, para a prova dos factos principais, não foi esgotante. Impunha-se, como resulta do que se referiu, apurar o local exacto de onde foi retirada a impressão digital pertencente ao arguido, para depois se poderem retirar as pertinentes ilações.
Além deste, foi ainda descurada a investigação a respeito de outro facto instrumental com relevo para a descoberta da verdade. Como resulta das declarações do arguido, este não fazia uma utilização da casa e do anexo da (…) que tornasse necessário o fornecimento de energia eléctrica àqueles locais, tendo também afirmado que não fez contrato de fornecimento nem nunca pagou contas de electricidade, embora lá fosse admitindo que antes da cedência havia lá electricidade, apesar de dela nunca se ter servido. No entanto, a utilização dada ao anexo tornava-a imprescindível e as fotografias comprovam que, efectivamente, o anexo estava dotado de abastecimento de energia eléctrica e até de quadro eléctrico ( cfr. fls. 277 ). Não se compreende, pois, a razão pelo qual o tribunal – que se espraiou em críticas, algumas merecidas, outras nem tanto[5], a respeito dos défices da investigação na fase de inquérito - não desenvolveu quaisquer diligências no sentido de apurar de que forma era feito esse abastecimento, em particular se existia contrato de fornecimento com algum operador, quem era o respectivo titular, quem pagava as contas relativas aos consumos e porque razão o fazia – mormente porque o dispêndio não devia ser insignificante dada a natureza e as inerentes exigências da plantação em causa. Como devia de ter feito, oficiosamente, em respeito pelo princípio da investigação ( art. 340º do C.P.P. ), sendo que os resultados dessa diligência, tal como da outra que foi referida, poderiam prestar um significativo contributo para a aferição da verosimilhança das declarações que o arguido prestou, depois de este com eles ser confrontado.
Em decorrência, na falta destes elementos que reputamos de relevo para a decisão da causa, não podemos sindicar a decisão da matéria de facto, configurando a omissão investigatória a nulidade prevenida na al. d) do nº 2 do art. 120º do C.P.P. que deve ser reparada com a reabertura da audiência e a efectuação das diligências apontadas, bem como de quaisquer outras que na sua sequência se venham a considerar de interesse para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, após o que deverá ser proferido novo acórdão que decida em conformidade com o que se vier a apurar.
Com o que ficam, para já, prejudicadas as demais questões suscitadas no recurso.


4. Decisão
Por todo o exposto, e ainda que por fundamentos distintos, julgam o recurso procedente, na parte em que dele conhecem, e declaram verificada a nulidade da al. d) do nº 2 do art. 120º do C.P.P., determinando que seja reaberta a audiência para que se efectuem as diligências omitidas, tudo de acordo com o que acima foi indicado.
Sem tributação.

Évora, 18 de Fevereiro de 2014

Maria Leonor Esteves
António João Latas

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[1] Para além de outros aos quais não dada resposta e que para aqui não se revestem de interesse.
[2] ( cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[3] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[4] cfr. Ac. RC de 3/10/00, CJ., ano 2000, t. IV, pág. 28
[5] Nomeadamente quando afirma que a pessoa a quem pertencem as impressões digitais encontradas numa das lâmpadas que incidia sobre as plantas não foi ouvida nos autos, pois H foi interrogado como arguido, não tendo prestado declarações ( cfr. fls. 446-447 ), tendo sido proferido despacho de arquivamento quanto a ele ( cfr. fls. 482-484 ). E também quando afirma que, não obstante as indicações dadas pelo arguido, não foi feita qualquer investigação sobre o terceiro por ele referido, pois F foi inquirido como testemunha durante o inquérito ( cfr. fls. 430-431 ).