Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
736/08.8TBTVR-H.E1
Relator: FRANCISCO XAVIER
Descritores: HERANÇA INDIVISA
QUINHÃO
PENHORA
CÔNJUGE
CITAÇÃO
LEGITIMIDADE PASSIVA
Data do Acordão: 05/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - A alienação ou oneração do quinhão hereditário do qual faça parte um imóvel, embora respeite a bem próprio, carece do consentimento de ambos os cônjuges, quando entre eles não vigore o regime de separação de bens.
II - O cônjuge do executado que é titular do direito ao quinhão hereditário em herança objecto de penhora, da qual faz parte bem imóvel, deve ser citado para execução, gozando de legitimidade para deduzir oposição à execução e à penhora.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1. AA, cônjuge da executada BB, deduziu oposição à execução em que é exequente Novo Banco, SA., pedindo:
a) Julgar a presente oposição à execução procedente, por provada, e, em consequência, determinar a extinção da execução relativamente ao cônjuge do oponente e às restantes habilitadas, por ilegitimidade passiva do executado falecido;
b) Em qualquer caso julgar os presentes embargos procedentes por provados e, em consequência, extinguir totalmente a execução contra o falecido executado.
c) Suspender a presente execução e não prosseguir quanto à penhora da totalidade dos bens da herança do falecido executado.
d) Em qualquer caso julgar a presente oposição procedente por provada e, em consequência, extinguir totalmente a penhora contra o falecido executado.

2. Para tanto, invocou, além do mais, que é cônjuge da habilitada BB, a qual intervém nos autos por ter sido habilitada na qualidade de herdeira do executado seu pai, CC, e que o falecido executado CC, tal como a sua mulher, não apuseram a respectiva assinatura na livrança, que assim foi falsificada, tal como foi reconhecido nos embargos de executado instaurados pela executada DD, para onde remete.
Conclui, assim, que, por o falecido CC não ter prestado o aval nem tido qualquer intervenção na livrança, aquele é parte ilegítima na execução e, consequentemente, são parte ilegítima as habilitadas, onde se inclui o cônjuge do embargante, sendo a livrança inexequível quanto aos mesmos.

3. O embargado contestou, alegando que o embargante não é executado e ainda que tenha a qualidade de cônjuge da habilitada BB, não dispõe da faculdade de embargar, pelo que invoca a excepção dilatória da ilegitimidade com a consequente absolvição da instância do embargado.

4. Realizou-se a audiência prévia, onde as partes se pronunciaram quanto à matéria de excepção e quanto ao conhecimento imediato do mérito da causa, após o que veio a ser proferido saneador-sentença, no qual se concluiu pela improcedência da arguida excepção de ilegitimidade do embargante, julgando-se o embargante parte legítima e, conhecendo-se de mérito, decidiu-se “[j]ulgar procedentes os presentes embargos de executado e, consequentemente, declarar extinta a execução relativamente aos habilitados BB, EE e DD”.

5. Inconformado recorreu o exequente, sustentando a sua pretensão recursória nas seguintes conclusões:
1.ª O presente recurso vem interposto da douta sentença de 17/09/2022, na parte em que determinou a improcedência excepção de ilegitimidade arguida pelo Embargado, ora Recorrente, julgando, desta forma, o Embargante parte legítima.
2.ª Com o que o Embargado, ora Recorrente, não se conforma.
3.ª Com efeito, estamos diante de uma penhora sobre a herança aberta por óbito de CC.
4.ª Prevendo acerca da penhora em caso de comunhão ou compropriedade, prescreve o nº.1, do artº. 743º, do Cód. de Processo Civil – correspondente ao artº. 826º, do mesmo diploma, na redacção antecedente à Lei nº. 41/2013, de 26/06 -, que “sem prejuízo do disposto no nº. 4 do artigo 781º, na execução movida apenas contra algum ou alguns dos contitulares de património autónomo ou bem indiviso, não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fracção de qualquer deles, nem uma parte especificada do bem indiviso”
5.ª Por sua vez, estipulando acerca da penhora de direito a bens indivisos e de quotas em sociedades, refere o artº. 781º, nºs. 1 e 2 – correspondente ao artº. 862º, do mesmo diploma, na redacção antecedente à Lei nº. 41/2013, de 26/06 -, do mesmo diploma, que: “1 - Se a penhora tiver por objecto quinhão em património autónomo ou direito a bem indiviso não sujeito a registo, a diligência consiste unicamente na notificação do facto ao administrador dos bens, se o houver, e aos contitulares, com a expressa advertência de que o direito do executado fica à ordem do agente de execução, desde a data da primeira notificação efectuada. 2 - É lícito aos notificados fazer as declarações que entendam quanto ao direito do executado e ao modo de o tornar efectivo, podendo ainda os contitulares dizer se pretendem que a venda tenha por objecto todo o património ou a totalidade do bem”.
6.ª Relativamente às regras da sucessão, esta “abre-se no momento da morte do seu autor”, sendo então “chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham a necessária capacidade” – cf., artigos 2031º e 2032º, nº. 1, ambos do Cód. Civil.
7.ª Pelo acto de aceitação da herança, adquire-se “o domínio e posse dos bens (…), independentemente da sua apreensão material”, retroagindo-se os efeitos daquela “ao momento da abertura da sucessão” – cf., artº. 2050º, do Cód. Civil.
8.ª Todavia, só com a partilha “cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, sem prejuízo do disposto quanto a frutos” – cf., artº. 2119º, do mesmo diploma -, no que se traduz a retroactividade do acto de partilha.
9.ª Verifica-se, assim, que a herança ilíquida e indivisa constitui um património autónomo, sendo que com o acto de aceitação os herdeiros apenas assumem uma quota ideal e abstracta do todo hereditário, pois só com a partilha, ainda que com efeitos retractivos à abertura da herança, é que cada um dos herdeiros fica a conhecer e obtém a qualidade de sucessor dos concretos bens que lhe foram atribuídos.
10.ª Ou seja, aceite a herança, como universalidade de direito que é, o património hereditário, apesar de devidamente titulado, continua indiviso até ser feita a partilha. Pelo que, até á realização desta, cada um dos herdeiros apenas tem, na sua esfera jurídica individual, no seu património próprio, o direito a uma quota ou fracção ideal do conjunto (não o direito a uma parte específica ou concretizada dos bens que constituem o acervo hereditário)
11.ª Deste modo, só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário de determinado bem da herança.
12.ª Verifica-se, deste modo, obstar a lei a que se proceda à penhora de uma parte especificada de bem indiviso, o que é o caso da herança, conforme decorre dos transcritos artigos 743º, nº. 1 e 781º, nºs. 1 e 2, ambos do Cód. de Processo Civil.
13.ª Ora, de retorno ao caso concreto, constatamos que tendo a Executada BB herdado, do seu falecido pai, uma quota ideal e abstracta do todo hereditário, é esse todo, ou seja, o seu quinhão hereditário, a merecer a devida ponderação de penhora por parte do Exequente. Da forma, aliás, como se fez constar no auto de penhora de 06/07/2021.
14.ª Fixado o exposto, dispõe o artigo 786.º, n.º 1, do CPC, na redacção aplicável que, concluída a fase da penhora e apurada, pelo agente de execução, a situação registral dos bens, é citado para a execução o cônjuge do executado, quando a penhora tenha recaído sobre bens imóveis ou estabelecimento comercial que o executado não possa alienar livremente ou quando se verifiquem os casos previstos nos artigos 740.º, n.º 1 (penhora de bens comuns), 741.º (incidente de comunicabilidade da dívida, independentemente da anterior realização de qualquer penhora, suscitado pelo Exequente) e 742.º (incidente de comunicabilidade da dívida suscitado pelo executado), todos do CPC.
15.ª Situações que não se verificam in casu.
16.ª Não estamos diante de bem imóvel ou estabelecimento comercial que não possa ser alienado livremente, nem diante de penhora de bens comuns do casal.
17.ª Trata-se, ao invés, de um bem próprio da Executada BB, atento, desde logo, o regime de bens instituído no seu casamento com o Embargante – a saber, comunhão de adquiridos; cfr. doc. 1 junto ao requerimento do ora Recorrente de 17/02/2022.
18.ª Como, por seu lado, também não estamos perante uma dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges, nos termos do art.º 1691.º, n.º 1 do CC, o que, de resto, sequer foi invocado, quer pelo Exequente, quer pela Executada.
19.ª Concluindo-se, assim, que o Embargante AA é aqui manifestamente parte ilegítima, seja processual, seja substantivamente.
20.ª Deve, em suma, e pelo exposto, ser substituído o excerto da douta sentença em crise por outro que declare a ilegitimidade do Embargante AA e absolva o Embargado da instância.
21.ª E consequentemente anule a decisão da matéria de facto e correspondente decisão de direito.
22.ª Ao assim não decidir, o tribunal a quo violou as disposições dos art.ºs 740.º, n.º 1, 741.º, 742.º, 743.º, n.º 1, 781.º, n.ºs 1 e 2 e 786.º do CPC e artº 1722º, n.º 1, al. b) e 2119.º do CC.

6. Contra-alegou o embargante pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

7. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, a questão essencial a decidir consiste em saber se o embargante é parte legítima nos embargos – o que passa por saber se o cônjuge da executada (habilitada), tinha que ser citado para a execução e se podia deduzir embargos, nos termos dos artigos 786º, n.º 1, alínea a), e 787º, do Código de Processo Civil –, com as legais consequências, caso se conclua em sentido negativo.
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III – Fundamentação
A) - Os Factos
A.1. Com relevância para apreciação da excepção de ilegitimidade activa foram considerados os seguintes factos:
1. A execução de que estes autos constituem um apenso foi instaurada por Banco Espírito Santo, S.A. contra:
-FF;
-CC;
-DD.
2. A execução funda-se em livrança alegadamente subscrita e avalizada pelos Executados.
3. O executado CC faleceu e por sentença proferida em 15/4/2021 no apenso B foram declaradas habilitadas “como herdeiras do executado CC, as requeridas DD, BB e de EE a fim de prosseguirem os termos da acção.”
4. Em 31-8-21 foi efectuada a seguinte penhora à ordem da execução:
“Penhora da herança aberta por óbito de CC, da qual são titulares as executadas. De acordo com a informação fiscal, a herança era constituída pelo direito a metade da fracção autónoma designada pelas letras ... do prédio urbano descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras (Freguesia de Oeiras e S. Julião da Barra) sob o n.º ...14... e inscrito no artigo matricial sob o n.º 3779 FF da União das Freguesias de Oeiras, S. Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, Concelho de Oeiras e pelo direito a metade da fracção autónoma designada pela letra ..., do prédio urbano descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra, (freguesia de Algueirão, Mem Martins) sob o n.º ...0... e inscrito sob o artigo matricial n.º .../H, da Freguesia de Algueirão, Mem Martins, Concelho de Sintra; porém esta última fracção foi alienada antes da penhora, motivo por que já não é atingida pela mesma.”- cfr. auto de penhora junto à execução.
5. Consta no auto de penhora acima referido, que o bem penhorado é da titularidade de DD, BB e de EE.
6. Na sequência da penhora acima referida, ente outros, em 10/9/2021 foi efectuada a citação de AA, enquanto cônjuge de BB, nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 786º e n.º 1 do art.º 787º do Código de Processo Civil e para em 20 dias deduzir oposição à execução e à penhora.
7. BB deduziu oposição à execução, que correu sob o apenso D e onde por decisão de 19/4/2016 foi liminarmente indeferida a petição de embargos com fundamento em “insuficiências claras” na exposição das alegações na petição, não supridas por falta de acatamento do convite ao aperfeiçoamento que lhe foi dirigido- vide apenso D.
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A.2. Quanto ao mérito da causa foram dados como provados os seguintes factos:
1. O Exequente é legítimo portador de uma livrança, onde foi aposto o valor de 42.362,87 euros e a data de vencimento de 22/08/2008 e onde consta a identificação como subscritor de “FF. livrança junta aos autos de execução.
2. No verso da livrança acima referida consta a menção “Avalistas: Faz bom aval ao subscritor”, seguida de três assinaturas ilegíveis.
3. A livrança acima referida não foi paga pelos executados.
4. Assim, o exequente instaurou a execução fundada naquela livrança, contra FF, CC e DD, alegando que os mesmos são subscritores e avalistas na referida livranças.
5. A executada DD deduziu oposição à execução, que correu termos sob o apenso A, onde foi proferida sentença julgando a oposição à execução procedente e determinando a extinção da execução relativamente à DD.
6. O executado FF deduziu oposição à execução, que correu termos sob o apenso D, onde foi proferida sentença julgando os embargos de executado procedentes e determinando a extinção da execução relativamente ao Executado FF; na fundamentação de facto dessa sentença consta como provado que o Executado FF não foi parte contratante do acordo que determinou a emissão da livrança exequenda.
7. O executado CC faleceu e por sentença proferida em 15/4/2021 no apenso B foram declaradas habilitadas “como herdeiras do executado CC, as requeridas DD, BB e de EE a fim de prosseguirem os termos da acção.”
8. A habilitada EE deduziu oposição à execução, que correu sob o apenso C e onde por decisão de 15/9/2015 foram rejeitados os embargos com fundamento na falta de pagamento da taxa de justiça-vide apenso C
9. A habilitada BB deduziu oposição à execução, que correu sob o apenso D e onde por decisão de 19/4/2016 foi liminarmente indeferida a petição de embargos com fundamento em “insuficiências claras” na exposição das alegações na petição, não supridas por falta de acatamento do convite ao aperfeiçoamento que lhe foi dirigido- vide apenso D.
10. A habilitada DD deduziu oposição à execução, que corre sob o apenso F e que se encontra pendente-vide apenso F.
11. Na livrança acima referida consta no verso uma assinatura atribuída a CC mas que não é da sua autoria.
12. Essa assinatura foi aposta por GG, o qual, com o seu punho, colocou no verso da livrança duas assinaturas como sendo de, respectivamente, CC e DD, conseguindo assim obter dois empréstimos.
13. Os factos acima referidos deram origem ao processo crime nº 27/98.0TATVR do Tribunal Judicial de Tavira e processo nº 373/08.7TATVR da Comarca de Tavira.
14. O falecido CC nunca assinou, fosse a que titulo fosse, nomeadamente como avalista, qualquer livrança em que o aqui exequente constasse como pessoa a quem ou à ordem de quem devesse ser paga.
15. O falecido CC não assinou a livrança acima referida em 1º, nem em 27/01/1997, nem em qualquer outra data;
16. Nem preencheu a respectiva data de vencimento com os dizeres 08/08/22;
17. Nem apôs nesse título qualquer menção, designadamente não escreveu “faz bom aval ao subscritor”.
18. O falecido CC nunca se deslocou a qualquer balcão do exequente para produzir essa assinatura.
19. As assinaturas que constam na livrança não foram feitas na presença de qualquer funcionário do exequente.
20. O falecido CC não conhecia sequer o suposto beneficiário (HH) a quem supostamente estaria a conceder o aval.
21. O falecido CC nunca viu sequer tal livrança.
22. Foi o referido GG que, com o seu punho, no verso da livrança, escreveu a expressão: “dou o meu aval ao subscritor” e, por baixo dessa frase, falsificou a assinatura da executada DD e a assinatura do falecido executado CC.
23. Tendo sido o referido GG que entregou a referida livrança no balcão da aqui exequente em Tavira.
24. O que fez sem a presença e sem o consentimento dos executados sem que estes tenham alguma vez ido ao banco exequente.
25. E sem que as assinaturas dos executados tivessem sido reconhecidas.
26. Os executados nunca tiveram conhecimento deste aval falsificado até ao momento em que receberam o contacto do exequente.
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B) – O Direito
1. Como se disse, o objecto do recurso consiste em saber se o embargante, cônjuge
da executada (habilitada) BB tem legitimidade para deduzir embargos, o que passa por saber se tinha que ser citado para a execução, nos termos dos artigos 786º, n.º 1, alínea a), e 787º, do Código de Processo Civil, tendo sido esta a única questão que o embargado invocou na contestação e no recurso [só em caso de procedência da excepção é que se terão que tirar consequências quanto à decisão de mérito].
Na sentença, tendo em conta a factualidade acima referida, de onde resulta ter sido penhorado nos autos “o direito à herança por óbito de CC”, de que são titulares as habilitadas DD, BB e EE, que “naquela herança se integram bens imóveis” e que o regime de bens do casamento do embargante e da executada habilitada BB, era o da comunhão de adquiridos (facto este que não é controvertido), concluiu-se que, mesmo estando em causa bens próprios da executada, era necessário o consentimento do cônjuge para a sua alienação (cf. artigo 1682º-A do Código Civil), havendo lugar à citação do cônjuge do executado, nos termos do artigo 786º, n.º 1º, alínea a) do Código de Processo Civil, o qual podia deduzir embargos, em face do disposto no artigo 787º, n.º 1, do mesmo código.
O Embargado/recorrente discorda, no essencial, salientando que nos autos não foi penhorado qualquer imóvel, mas o direito à herança ilíquida e indivisa, que constitui um património autónomo, detendo os herdeiros uma quota ideal e abstracta do todo hereditário, pois só com a partilha, ainda que com efeitos retroactivos à abertura da sucessão, é que cada um dos herdeiros fica a conhecer os bens que lhe foram atribuídos. Assim, entende que não há lugar à citação do cônjuge do executado, nos termos do artigo 786º, n.º 1º, alínea a) do Código de Processo Civil.
Vejamos:

2. Em face do disposto no artigo 786º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil, concluída a fase da penhora e apurada, pelo agente de execução, a situação registral dos bens, são citados para a execução: “a) O cônjuge do executado, quando a penhora tenha recaído sobre bens imóveis ou estabelecimento comercial que o executado não possa alienar livremente, ou quando se verifique o caso previsto no n.º 1 do artigo 740.º; (…)”.
A obrigatoriedade de citação do cônjuge do executado, prevista na 1ª parte da norma, decorre da necessidade de a venda ou adjudicação só poder realizar-se, recaindo a penhora sobre certa categoria de bens, com o consentimento daquele cônjuge, nos termos do artigo 1682º-A do Código Civil, por estar em causa a possibilidade de alienação de bens que só por ambos podem ser alienados.
É verdade que, no caso em apreço, não foram directamente penhorados bens imóveis, pois foi penhorado o direito à herança, ilíquida e indivisa, integrada por bens imóveis, aberta por óbito de CC, de que são titulares as executadas, habilitadas como herdeiras do falecido executado, a qual é efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 781º do Código de Processo Civil, onde se estipula que: “Se a penhora tiver por objecto quinhão em património autónomo ou direito a bem indiviso não sujeito a registo, a diligência consiste unicamente na notificação do facto ao administrador dos bens, se o houver, e aos contitulares, com a expressa advertência de que o direito do executado fica à ordem do agente de execução, desde a data da primeira notificação efectuada”.
E, como se sabe, a herança ilíquida e indivisa constitui um património autónomo, sendo que com o acto de aceitação os herdeiros apenas assumem uma quota ideal e abstracta do todo hereditário, pois só com a partilha, ainda que com efeitos retroactivos à abertura da herança, é que cada um dos herdeiros fica a conhecer e obtém a qualidade de sucessor dos concretos bens que lhe foram atribuídos [cfr., entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/06/1993 (proc. n.º 003587), disponível como os demais citados em www.dgsi.pt, bem como o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21/04/2009 (proc. n.º 09A0635), em cujo sumário se destaca: “IV – A comunhão hereditária, geralmente entendida como universalidade jurídica não se confunde com a compropriedade, uma vez que os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa. V- Da aceitação sucessória apenas decorre directamente para cada um dos chamados o direito a uma quota hereditária. VI- Os herdeiros são titulares apenas de um direito à herança, universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito ficará a pertencer, se só a alguns ou a um, sendo os demais compensados em tornas. VII – Enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão nenhum dos herdeiros tem “direitos sobre bens certos e determinados”, nem “um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um “. VIII – Até à partilha, os herdeiros são titulares, tão somente, do direito a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar. IX – Só depois da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança”].
Porém, integrando a herança bens imóveis, e não vigorando entre os cônjuges o regime da separação de bens, a alienação ou adjudicação do quinhão hereditário, carece do consentimento de ambos os cônjuges, nos termos do n.º 1 do artigo 1682-A do Código Civil, que se entende ser aqui aplicável, pois, não obstante não terem sido penhorados directamente bens imóveis, a alienação de quinhões hereditários, integrando a herança bens imóveis, implica a alienação de direito que integra estes bens.
Por conseguinte, justifica-se a citação do cônjuge do executado, nos termos previstos no artigo 786º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil o qual, em face do estatuto que lhe é conferido pelo artigo 787º, n.º 1, do mesmo código, “… é admitido a deduzir no prazo de 20 dias, oposição à penhora e a exercer, nas fases posteriores à sua citação, todos os direitos que a lei processual civil confere ao executado, podendo cumular eventuais fundamentos de oposição à execução”.
Neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28/01/2014 (proc. n.º 722/09.0TBSTS-C.P1), com referência a idênticos preceitos do anterior Código de Processo Civil, onde se concluiu que:
«I - A alienação ou oneração do quinhão hereditário do qual faça parte um imóvel, embora respeite a bem próprio, carece do consentimento de ambos os cônjuges, quando entre eles não vigore o regime de separação de bens, nos termos do art. 1682º-A do CC.
II - O cônjuge do executado que é titular do direito ao quinhão hereditário do qual faz parte o imóvel penhorado, deverá ser citado ao abrigo da al. a), do nº3 do art. 864º do CPC.
III - Uma vez citado para os efeitos previstos na 1ª parte do art. 864º-A do CPC, goza o mesmo de legitimidade para deduzir oposição à execução e à penhora.»
Deste modo, conclui-se pela necessidade da citação do cônjuge da executada, nos termos do artigo 786º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, o qual, atento o estatuto processual conferido pelo n.º 1 do artigo 787º, do mesmo código, tem legitimidade para deduzir embargos à execução.

3. Quanto ao mérito da causa, propriamente dito, decidiu-se no saneador-sentença julgar procedentes os embargos e, consequentemente, declarou-se extinta a execução, relativamente às habilitadas, por o embargante ter demonstrado que a assinatura aposta por baixo do aval não era da autoria do falecido CC, não existindo qualquer obrigação que determine o pagamento pelo falecido executado ou pelos seus sucessores da quantia a que respeita a livrança apresentada à execução.
Nessa medida, diz-se na sentença: “… não dispõe a exequente de titulo executivo quanto a CC e respectivos sucessores, sendo certo que quanto aos co-executados FF e DD foi extinta a execução por procedência dos embargos de executado que deduziram (onde de igual modo se entendeu que aqueles executados não se tinham obrigado na livrança).”
Assim, e não tendo a decisão de mérito sido impugnada, improcede a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
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IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo do Apelante.
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Évora, 25 de Maio de 2023
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
Florbela Moreira Lança
(documento com assinatura electrónica)