Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2180/09.0TBEVR.E1
Relator: SÍLVIO SOUSA
Descritores: ARRESTO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Data do Acordão: 01/20/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário:
A providência de arresto apenas pode ser liminarmente indeferida quando for evidente que é inútil qualquer discussão posterior; o montante elevado do crédito, a falta de liquidez dos requeridos, a oneração parcial do património destes, com hipotecas para garantia de valores também elevados, a inactividade de um deles e o não pagamento, por parte deste, de uma dívida de montante muito inferior ao crédito constituem, uma vez provados, causa idónea para provocar justificado receio de perda da garantia patrimonial.
Decisão Texto Integral:
*

Apelação nº 2180/09.0 TBEVR.E1

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora:

Relatório

M............. - Sociedade Imobiliária, Lda., com sede na Rua ……………., intentou, no Tribunal Judicial de Évora, o presente procedimento cautelar de arresto contra S............ - Gestão e Exploração Imobiliária, S.A., sedeada na Rua………., e Luís Maria ............ e mulher, Maria Isabel ......................., moradores no Largo ………, solicitando a apreensão de determinados bens dos requeridos, articulando, para o efeito, factos que, em seu critério, conduzem ao deferimento da medida preventiva requerida, que, no entanto, foi, liminarmente, indeferida, a pretexto da não alegação de factos eventualmente conducentes à “ (…) existência de justificado receio da perda de garantia patrimonial (…)”.

Inconformada com a decisão, recorreu a requerente, culminando as suas alegações, com as seguintes conclusões:

- A requerente é detentora de um mais que provável crédito sobre os requeridos;

- O património dos requeridos encontra-se na sua quase totalidade onerado por hipotecas voluntárias;

- O valor do crédito da requerente é passível de ser comummente considerado como substancialmente elevado;

- O montante elevado do crédito é só por si razão de criar na requerente um justificado receio da perda das garantias;

- Devem considerar-se preenchidos os pressupostos legalmente exigidos para que se possa requerer o procedimento cautelar de arresto;

- O Tribunal a quo não deveria ter indeferido liminarmente o requerimento sem permitir a produção de prova;

- Assim, e face ao exposto, teremos de concluir que a sentença sob recurso, violou ente outros o preceito legal constante do nº 1 do artigo 406º. do Código de Processo Civil.

Nos termos expostos, deve ser conferido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que ordene o prosseguimento dos autos e subsequente produção de prova.


Face às conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso [1] , o objecto do recurso circunscreve-se à apreciação da seguinte questão: saber se, face aos factos alegados pela requerente, era ou não admissível o indeferimento liminar.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Fundamentação

A - Decisão recorrida
“(…)
A título meramente exemplificativo, pode considerar-se é justificado o receio da perda da garantia patrimonial quando o requerido pratique actos que se traduzem na venda ou ocultação do seu património, na oneração dos bens que poderiam servir de garantia, ou quando o requerido se ausenta para parte incerta, ou ainda quando há o risco de insolvência do devedor, o qual deverá decorrer não só da confrontação entre o activo e o passivo do devedor, mas sim da análise de outros factos concretos de que resulte objectivamente uma situação de incapacidade actual ou iminente para cumprir os compromissos por aquele assumidos.
Perante o enquadramento jurídico da questão, cumpre, então, averiguar se estão reunidos os pressupostos para que seja decretada a providência requerida.
Desde logo, se dirá que não.
De facto, face ao alegado, não pode deixar de se concluir que nada nos permite concluir pela existência de justificado receio da perda de garantia patrimonial, pois não alegaram os requerentes qualquer facto que exprima o receio que os requeridos dissipem o seu património. Com efeito, nenhum facto concreto é alegado pelos requerentes no sentido de que os requeridos se encontram a praticar ou se preparam para praticar actos de dissipação do seu património, pelo que importa concluir pela não verificação deste segundo requisito de que depende a procedência do presente procedimento cautelar e o decretamento da providência requerida.
Ora, face à ausência de prova, por parte dos requerentes, de actos de disposição patrimonial por parte do devedor, que em face do seu modo de agir, fariam qualquer credor temer perder a garantia do seu crédito, não se impedindo o devedor de continuar a dispor livremente do seu crédito, importa concluir pela não verificação de um dos requisitos de que depende a procedência do presente procedimento cautelar de arresto. A não verificação do apontado requisito é quanto baste para a improcedência da presente providência, o que se decide.
(…)”.

B - Factos alegados pela requerente, na parte referente ao “justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito”
“(…)
36º.
Apurou-se relativamente à requerida S............ que para além da mesma não ter liquidez, existe uma acção com sentença transitada em julgado, em que a mesma foi condenada no pagamento da quantia de € 69.296,45 acrescida de juros de mora.
37º.
Teve a requerente conhecimento que até à presente data tal quantia não foi paga pela requerida.
38º.
Os únicos bens conhecidos da requerida S............ são: um imóvel denominado “Herdade da Fonte Boas das Vinhas”, sita na freguesia de Nossa Senhora de Machede, concelho de Évora, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o nº 73 (…),
39º.
Sobre o qual existe um ónus de hipoteca para garantia do valor de € 1.147.800,00 (…),
40º.
bem como o registo da acção em que a ora requerente involuntariamente se encontra envolvida, como acima ficou explicado (…),
41º.
E 1/3 do prédio urbano designado pela letra AM, sito na freguesia de São João, concelho de Abrantes, sob o número 540-AM, registado a favor da requerida S............, na proporção de 1/3 pela Ap. 18 de 2002/02/14 (…).
42º.
Apurou-se relativamente aos Requeridos Luís e Maria Isabel ............, que não têm qualquer liquidez, mas são detentores de património onerado na sua quase totalidade, mas susceptível de arresto, a saber:
43º.
1/3 indiviso da fracção autónoma designada pela letra “C” do prédio urbano constituído em propriedade horizontal na freguesia da Lapa, concelho de Lisboa, descrito na 4ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 82, registado a favor da requerida Maria Isabel ............ (…);
44º.
39,75/120 do prédio urbano sito na freguesia de Sousel, concelho de Sousel, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sousel sob o nº 653, registado a favor da Requerida Maria Isabel ............ (…);
45º.
39,75/120 do prédio urbano sito na freguesia de Sousel, concelho de Sousel, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sousel sob o nº 1656, a favor da requerida Maria Isabel ............ (…);
46º.
39,75/120 do prédio urbano sito na freguesia de Sousel, concelho de Sousel, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sousel sob o nº 1654, registado a favor da Requerida Maria Isabel ............ (…);
47º.
Um prédio misto sito na freguesia de Nossa Senhora de Machede, concelho de Évora, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o nº 158, registado a favor do Requerido Luís Manuel ............ (…);
48º.
Um prédio misto sito na freguesia de Nossa Senhora de Machede, concelho de Évora, descrito na Conservatória do Registo predial de Évora, sob o nº 532, registado a favor de Luís Manuel ............, onerado com duas hipotecas a favor do Banco Comercial Português, uma no valor de €1.777.250,00 (…) e outra para garantia do valor de € 141.416,00 (…);
49º.
Um prédio misto sito na freguesia de Nossa Senhora de Machede, concelho de Évora, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o número 418,registado a favor de Luís Maria ............, onerado com uma hipoteca a favor do Banco Comercial Português, no valor total de € 1.777.250,00 (…).
53º.
Os factos narrados neste requerimento inicial demonstram também o justificado receio da Requerente na perda desses direitos, na verdade a quantidade de ónus e montantes por estes garantidos, criam o justo receio de, não obstante a existência desse património, o mesmo não ser suficiente para garantir tantos encargos.
54º.
Assim, a Requerente tem receio, e receio justificado, de perder a garantia patrimonial do seu crédito,
55º.
Quer pelo facto de a Requerida estar praticamente inactiva,
56º.
quer como se demonstrou pelos avultados encargos que impendem sobre o referido património dos restantes Requeridos,
57º.
Quer ainda por se correr o sério risco de os requeridos poderem vir a perder o seu património.
58º.
O montante do crédito, porque manifestamente elevado, constitui per si facto que torna justo o receio de perda de garantia patrimonial (…)”.

Considerando a questão submetida a apreciação e decisão, importa chamar à colação os seguintes princípios:
“ … O arresto pode ser liminarmente indeferido quando o pedido seja manifestamente improcedente. Todavia deve reservar-se o indeferimento liminar por manifesta improcedência do pedido para quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente que se torne inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial” [2] .
Na eventualidade de uma deficiente alegação de factos tendentes a comprovarem o justo receio de perda de garantia, não se “(…) justifica o indeferimento liminar do procedimento cautelar de arresto, antes reclama o convite ao aperfeiçoamento da petição” [3] .
“Com o decretamento do arresto pretende-se (…) evitar que o direito de crédito fique insatisfeito por não se encontrarem no património do devedor bens suficientes para o respectivo pagamento” [4] .
Um dos pressupostos da procedência do arresto coincide, por isso, com o fundado receio de perda da garantia patrimonial [5] .
“No procedimento cautelar de arresto, integra o conceito de “justo receio de perda da garantia patrimonial” qualquer causa idónea a provocar num homem normal esse receio; pode tratar-se do receio de insolvência do devedor; ou do da ocultação, por parte deste, dos seus bens; ou do receio de que o devedor venda os seus bens, ou de qualquer outra actuação do devedor que levasse uma pessoa de são critério, colocada na posição do credor, a temer a perda da garantia patrimonial do seu crédito” [6] . Constitui ainda causa idónea para provocar o antes citado receio uma “actual ou iminente superioridade do passivo relativamente ao activo” [7] .

Relembrados os princípios conexionados com a questão subjudice, é altura de apreciar e decidir:
O Tribunal recorrido indeferiu, liminarmente, o presente procedimento cautelar de arresto, com fundamento na circunstância de a requerente M............. - Sociedade Imobiliária, Lda. não ter alegado qualquer facto concreto que aponte “no sentido de que os requeridos se encontram a praticar ou se preparam para praticar actos de dissipação do seu património”.
Todavia, não só a dissipação do património constitui causa idónea para provocar numa “pessoa de são critério, colocada na posição do credor” o fundado receio de perda da garantia patrimonial, como, aliás, reconhece o Tribunal recorrido.
Ora, se atentarmos no teor dos acima transcritos artigos do requerimento inicial, a requerente M............. - Sociedade Imobiliária, Lda. alicerçou a sua pretensão no montante do crédito - € 7.055.694,04 -, na falta de liquidez dos requeridos, na oneração parcial do património destes, nomeadamente, com hipotecas para garantia de valores de € 1.147.800,00, € 1.777.250,00 e € 141.416,00, na inactividade da requerida e no não pagamento por parte desta de uma dívida de € 69.296,45, factos que, sumariamente provados, poderão constituir causa idónea para provocar, num credor normal, um justo receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito.
Acresce ainda que nada obsta que o Tribunal recorrido, através da figura do aperfeiçoamento do requerimento inicial, complemente o rol dos factos antes inventariados.
Assim sendo, a pretensão da requerente M............. - Sociedade Imobiliária, Lda. não é manifestamente improcedente, o que equivale a dizer que o prosseguimento da presente providência cautelar tem razão de ser.
Inexistem, pois, motivos para, liminarmente, indeferir a providência de arresto requerida.
Em síntese [8] : a providência de arresto apenas pode ser liminarmente indeferida quando for evidente que é inútil qualquer discussão posterior; o montante elevado do crédito, a falta de liquidez dos requeridos, a oneração parcial do património destes, com hipotecas para garantia de valores também elevados, a inactividade de um deles e o não pagamento, por parte deste, de uma dívida de montante muito inferior ao crédito constituem, uma vez provados, causa idónea para provocar justificado receio de perda da garantia patrimonial.

Decisão
Pelo exposto, acordam nesta Relação, julgando o recurso procedente, revogar o despacho recorrido, devendo ser substituído por um outro que ordene o prosseguimento dos autos.
Custas pela parte vencida, a final.

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Évora, 20 de Janeiro de 2010
Sílvio José Teixeira de Sousa

Rui Machado e Moura

Maria da Conceição Ferreira




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[1] Artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684, nº3 e 690º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
[2] Acórdão da Relação de Lisboa de 21 de Maio de 2008, in wwww.dgsi.pt. e artigo 234º.- A, nº 1 do Código de Processo Civil (no mesmo sentido o acórdão desta mesma Relação de 2 de Julho de 2009, no mesmo sítio).
[3] Acórdãos da Relação de Lisboa de 28 de Outubro de 2008 e de 2 de Julho de 2009, in www.dgsi.pt. e artigos 265º., 266º. e 508º., nº 1, b) do Código de Processo Civil.
[4] Acórdãos da Relação de Évora de 20 de Setembro de 2007 e 4 de Maio de 2006, in www.dgsi.pt.
[5] Artigos 619º., nº 1 do Código Civil e 406º., nº 1 do Código de Processo Civil
[6] Acórdão da Relação do Porto de 16 de Junho de 2008, in www.dgsdi.pt.
[7] Acórdão da Relação de Coimbra de 30 de Junho de 2009, in www.dgsi.pt.
[8] Artigo 713º., nº 7 do Código de Processo Civil