Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
88/14.7T8SSB.E1
Relator: FILOMENA SOARES
Descritores: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
TEMPESTIVIDADE
CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 06/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Os fundamentos da não aceitação da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa constam do artigo 63º, nº 1, do RGCO, e são: recurso feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma.
II - Tais fundamentos são apreciados, objetivamente, com base nos elementos constantes dos autos, designadamente a decisão administrativa impugnada, o comprovativo da notificação da mesma ao arguido, o recurso de impugnação apresentado e o comprovativo da data de apresentação de tal recurso na autoridade administrativa.
III - Com todos esses elementos juntos aos autos, procede-se à contagem dos vinte dias previstos no artigo 59º, nº 3, do RGCO.
IV - Se o recorrente não teve conhecimento da decisão administrativa na data que consta do comprovativo da notificação da mesma, cabia-lhe alegar tal facto, em questão prévia ao recurso interposto, de forma a ilidir a presunção da notificação e a informar o tribunal desse mesmo facto.
V - O despacho previsto no artigo 63º do RGCO não está dependente da concessão de prévio contraditório.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I

[1] No âmbito do processo de contra-ordenação nº 1425/2013/PNAR, que correu termos no Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas de Lisboa e Vale do Tejo, por decisão administrativa, proferida em 13.08.2014, a arguida “ICI Ldª” foi condenada, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas da alínea e), do artigo 9º, da alínea b), do nº 1, do artigo 50º, da Resolução do Conselho de Ministros nº 141/2005, de 23.08, e das alíneas b) e f), do nº 2, do artigo 43º, do Decreto-Lei nº 142/2008, de 24.07, na coima de € 15 000,00 (quinze mil euros) [cf. fls. 46 a 50].

[2] Notificada da aludida decisão administrativa em 20.08.2014 [cfr. fls. 52], inconformada com a mesma, a arguida interpôs, em 24.09.2014, recurso de impugnação judicial [cfr. fls. 54 a 68 e 70].

[3] Remetidos os autos à Comarca de Setúbal, Sesimbra, Instância Local, Secção de Competência Genérica, J2, sob o nº 88/14.7 T8SSB, por despacho judicial proferido em 13.11.2014, foi decidido:
ICI Ldª foi condenada, por decisão do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, proferida em 13.08.2014 (fls. 46-50), na coima no valor de € 15.000,00.
A arguida foi notificada da decisão condenatória em 20.08.2014, por carta registada com aviso de recepção (fls. 52).
A arguida, representada por Advogado, veio impugnar judicialmente a decisão condenatória, apresentando o correspondente recurso na autoridade administrativa em 24.09.2014 (fls. 70).
De acordo com o artigo 59.º, n.º 1 e 3, do RGCO (DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, com alterações introduzidas pela Declaração de 06 de Janeiro, pelo DL n.º 356/89, de 17 de Outubro, pela Declaração de 31 de Outubro 1989, pelos DL n.º 244/95, de 14 de Setembro, e DL n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro), aplicável ex vi artigo 186.º, do Código da Estrada, a decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial, sendo o recurso feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido.
Consequentemente, sendo a impugnação judicial a via legalmente prevista para obstar a que a decisão administrativa se torne definitiva, a falta de interposição do competente recurso pelo arguido ou seu defensor, no prazo de 20 (vinte) dias úteis após o seu conhecimento pelo arguido, torna a decisão definitiva.
Esse prazo suspende-se aos sábados, domingos e feriados e o termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte – artigo 60.º, n.º 1 e 2, do mesmo diploma.
Tal prazo não tem natureza judicial, não lhe sendo, por isso, aplicável o regime previsto pelo artigo 145.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, nem a suspensão do seu decurso durante as férias judiciais.
No caso dos autos a arguida foi notificada da decisão condenatória em 20.08.2014 e impugnou judicialmente a decisão condenatória, apresentando o correspondente recurso na autoridade administrativa em 24.09.2014 (fls. 70), decorridos mais de 20 dias.
Em conformidade com o disposto no artigo 63.º, n.º 1, do RGCO, o juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma.
Pelo exposto, rejeito o recurso interposto pela arguida ICI Ldª, por extemporaneidade.
Custas pelo Recorrente, fixando a taxa de justiça em 2 UC - artigos 94º,n.º 3, e 8.º, n.º 9 do RCP e Tabela III Anexa.
Notifique e comunique à autoridade administrativa.” [cfr. fls. 73 e verso].

[4] Inconformada com este despacho, a arguida interpôs o presente recurso, extraindo do corpo da motivação as seguintes conclusões:

A) O presente recurso vem interposto do despacho de rejeição do recurso interposto pela Arguida, ora Recorrente, da decisão de aplicação de coima proferida em 13 de agosto de 2014 pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, o qual foi proferido pelo Tribunal da Comarca de Setúbal (Sesimbra – Instância Local – Secção de Competência Genérica – Juízo 2) em 13 de novembro de 2014, no âmbito do processo 88/14.7T8SSB.
B) O despacho recorrido foi proferido ao abrigo do disposto no artigo 63.º do RGCO e teve como fundamento a (alegada) extemporaneidade do recurso interposto pela Arguida, tendo o Tribunal a quo assumido como pressuposto de facto da decisão de rejeição do recurso que a Arguida foi notificada da decisão condenatória em 20-08-2014.
C) O despacho recorrido está ferido de invalidade, na medida em que, previamente à sua emissão, o Tribunal a quo não deu oportunidade à Arguida para se pronunciar sobre a questão prévia referente à admissibilidade do recurso, em violação do direito de pronúncia (ou de audiência) da Arguida, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 61.º do Código Processo Penal, aplicável ex vi artigo 41.º do RGCO, assim como no artigo 50.º do RGCO e no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa.
D) O despacho recorrido fundamenta-se numa conclusão errada que, por sua vez, decorre de pressupostos de facto incorretos, uma vez que, ao contrário do que julgou o Tribunal a quo, a Arguida só tomou conhecimento da decisão de aplicação da coima no dia 27-08-2014.
E) O prazo para a interposição do recurso da decisão de aplicação da coima só terminou no dia 24-09-2014 – justamente o dia em que foi apresentado perante a entidade administrativa –, razão pela qual se deve concluir que o recurso foi apresentado pela Arguida dentro do prazo legal.
F) A presunção a que se refere o artigo 113.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 41.º do RGCO deve considerar-se ilidida e, nesse sentido, deve também concluir-se pela verificação de uma nulidade processual insanável, já que a notificação por via postal foi dirigida a um domicílio que não corresponde ao domicílio legal da Arguida.
G) O despacho recorrido deve ser anulado, por padecer de erro sobre os pressupostos de facto, e, por isso, deve o processo ser devolvido ao Tribunal a quo, para que este prossiga com os termos ulteriores do processo judicial, aceitando como atempado o recurso da decisão de aplicação de coima interposto pela Arguida.
NESTES TERMOS,
Requer-se a V. Exas. se dignem julgar procedente o presente recurso, e consequentemente, nos termos do disposto no artigo 75.º, n.º 2, alínea b), do RGCO, anular a decisão recorrida e devolver ao Tribunal a quo para a adopção dos ulteriores termos do processo
Mais se requer seja aceite a produção de prova relativamente aos factos concernentes à data da notificação à Arguida da decisão de aplicação de coima e, nesse sentido, sejam admitidos:
a) Os 3 (três) documentos que se juntam;
b) A inquirição da testemunha JLP, advogado, com domicílio profissional na Rua (…..).” [cfr. fls. 103 a 113].

[5] Admitido o recurso, [cfr. fls. 128], e notificados os devidos sujeitos processuais, apresentou articulado de resposta a Digna Magistrada do Ministério Público, concluindo nos seguintes termos:
1º A arguida “ICI LDª” foi condenada pela prática de uma contra-ordenação e apresentou a respectiva impugnação judicial; impugnação esta que foi rejeitada por extemporaneidade.
2º O despacho previsto no art. 63º RGCO não está dependente da concessão de prévio contraditório.
3º O art. 63º RGCO prevê que o juiz, obrigatória e oficiosamente, averigue se a impugnação judicial respeitou todos os pressupostos legais, sendo que, como este despacho tem a função de saneamento do processo, o mesmo é totalmente autónomo face aos sujeitos processuais.
4º A pronúncia do MP é totalmente inóqua para a prolação do despacho previsto no art. 63º RGCO.
5º É à recorrente que incumbia invocar os factos que determinassem a tempestividade da impugnação judicial apresentada.
6º O eventual conhecimento tardio da notificação por parte da arguida constitui uma verdadeira invocação de uma causa de justo impedimento da prática do acto dentro do prazo legal.
7º Não só a invocação do justo impedimento, para evitar o efeito extintivo do decurso do prazo, tem de ser feita logo que cesse a causa impeditiva, como cabe à parte alegar e provar a sua falta de culpa, isto é, a ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo (art. 140º CPC ex vi art. 4º CPP, por sua vez ex vi art. 41º, n.º 1 RGCO).
8º A arguida não alegou nenhum facto que possa integrar a figura do justo impedimento aquando da apresentação da sua impugnação judicial.
9º O direito ao recurso (art. 32º, n.os 1 e 10 CRP) é concedido a qualquer arguido em processo contra-ordenacional mas não a qualquer preço, exigindo-se sempre que sejam observados os diversos requisitos legalmente impostos.
10º O justo impedimento é consagrado na nossa lei, a título excepcional, por uma questão de justiça material, mas um sistema processual que não contivesse limites ao funcionamento do princípio do justo impedimento introduziria a mais completa anarquia na ordem processual.
11º Nem o art. 61º, n.º 1, al. b) CPP nem o art. 50º RGCO se aplicam ao momento processual em causa nos presentes autos (saneamento do processo com a prolação de despacho de admissão ou rejeição da impugnação judicial apresentada).
12º O exercício do direito de defesa (art. 32º, n.os 1 e 10 CRP) e do direito de audiência (art. 32º, n.º 10 CRP) por parte dos arguidos não pode implicar deslealdade processual, subtracção dos mesmos à acção da justiça nem violação do processo equitativo na sua vertente de ser proferida uma decisão final do processo em prazo razoável (art.os 6º, n.º 1 CEDH e 32º, n.o 2, 2ª parte CRP).
13º O facto da arguida apenas ter tido conhecimento tardio da notificação da decisão administrativa e a alegada nulidade da referida notificação são argumentos que não foram invocados em sede de impugnação judicial nem perante o Tribunal a quo.
14º Os recursos destinam-se a reapreciar questões incorrectamente julgadas e não a julgar questões novas.
15º O Tribunal recorrido contabilizou o prazo de interposição da impugnação judicial a partir da data da notificação, pelo que a impugnação judicial apresentada pela arguida é manifestamente extemporânea.
16º Pelo exposto, entendemos que o despacho recorrido não violou nenhuma norma legal (art. 61º, n.º 1, al. b) CPP e art. 50º RGCO) nem constitucional (art. 32º, n.º 10 CRP), não violou nenhum direito da arguida (direito de pronúncia ou audiência, direito de defesa e direito de recurso) nem incorreu em qualquer erro (erro sobre os pressupostos de facto e erro de julgamento), pelo que deve o recurso apresentado pela arguida ser julgado totalmente improcedente e, consequentemente, deve o despacho recorrido ser confirmado e mantido nos seus precisos termos, nomeadamente quanto à rejeição da impugnação judicial por extemporaneidade.
V. Ex.as, porém,
Decidirão, como sempre,
Como for de Justiça!” [cfr. fls. 146 a 160].

[6] Antes da remessa dos autos a este Tribunal da Relação de Évora, o Tribunal a quo, fazendo uso do preceituado no artigo 414º, nº 4, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 41º, do Regulamento Geral das Contra-Ordenações, sustentou o despacho recorrido, dizendo o seguinte:
“(…) Os fundamentos da não aceitação do recurso constam do artigo 63.º, n.º 1 do RGCO e são: recurso feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma.
Tais fundamentos são apreciados objectivamente com base nos elementos constantes dos autos, designadamente a decisão administrativa impugnada, o comprovativo da notificação da mesma à arguida, o recurso de impugnação apresentado e o comprovativo da data de apresentação de tal recurso na autoridade administrativa.
Com todos esses elementos juntos aos autos, como se verificou neste caso, procede-se à contagem dps vinte dias previsto no artigo 59.º, n.º 3 do RGCO.
Se a Recorrente não teve conhecimento da decisão administrativa na data que consta do comprovativo da notificação da mesma, cabia-lhe alegar tal facto em questão prévia ao recurso interposto de forma a ilidir a presunção da notificação e informar o tribunal de tal facto.
A Recorrente bem sabe (até porque está devidamente representada por mandatário) que não incumbe ao tribunal no despacho de admissão de recurso suscitar ao Recorrente que venha comprovar o momento em que foi notificado da decisão impugnada.
Tal facto deriva dos elementos dos autos, conforme referido. Aos sujeitos processuais e/ou partes do processo é que incumbe ilidir a presunção da notificação no momento devido.
Assim , considera-se inexistir qualquer violação do direito de audiência do Recorrente (ou do princípio do contraditório), considerando-se extemporânea a arguição da nulidade da notificação neste momento. (…)” [cfr. fls. 161 e verso].

[7] Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, alegando, em síntese, que à resposta apresentada na instância “(…) se adere, na íntegra, por se mostrar devidamente fundamentada, relativamente às questões suscitadas pelo arguido, analisando e contra-argumentando, de forma clara e precisa todos os argumentos apresentados, concordando-se, assim com os fundamentos constantes da decisão recorrida, tendo-se interpretado e aplicado correctamente os factos e o Direito, sendo certo que o alegado pelo recorrente não possui a virtualidade de abalar aquele despacho, que deverá ser mantido nos seus precisos termos. Na verdade, o Tribunal a quo decidiu de acordo com os elementos fornecidos pelos autos, uma vez que nada constava no processo no sentido de que a arguida não foi notificada na data indicada nos mesmos, tendo contabilizado o prazo de interposição da impugnação judicial, a partir da data dessa notificação, pelo que tal impugnação é manifestamente extemporânea. Assim, o despacho recorrido não violou nenhuma norma legal (artigo 61º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal e artigo 50º do RGCO), nem constitucional (artigo 32º, n.º 10 da CRP), nem incorreu em qualquer erro (erro sobre os pressupostos de facto e erro de julgamento) (…)”, concluindo, em consequência, que deverá ser negado provimento ao recurso interposto e mantido o despacho recorrido.

[8] Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, tendo a recorrente feito uso do direito de resposta, reafirmando, em suma, o argumentário anteriormente esgrimido e concluindo, como nas alegações de recurso, pela procedência do mesmo.

Efectuado o exame preliminar, foram colhidos os vistos legais.
Foi realizada a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II

Os poderes cognitivos deste Tribunal ad quem confinam-se à matéria de direito, nos termos prevenidos no artigo 75º, nº 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27.10 e actualizado pelo Decreto-Lei nº 356/89, de 17.10, pelo Decreto-Lei nº 244/95, de 14.09 e pela Lei nº 109/2001, de 24.12 e doravante designado por R.G.C.O.), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as previstas no artigo 410º, nº 2, do aludido diploma, as cominadas como nulidade da sentença (cfr. artigo 379º, nºs 1 e 2, do mesmo Código) e as nulidades que não devam considerar-se sanadas (cfr. artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1, do Código de Processo Penal), [a este propósito v.g. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19.10.1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28.12.1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.06.1998, in B.M.J. nº 478, pág. 242, de 03.02.1999, in B.M.J. nº 484, pág. 271 e de 12.09.2007, proferido no processo nº 07P2583, acessível em www.dgsi.pt e bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82], sendo sabido que o âmbito do recurso – seu objecto e poderes de cognição – afere-se e delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação - cfr. artigos 403º, nº 1 e 412º, nºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Penal, aplicáveis ex vi do disposto no artigo 74º, nº 4, do R.G.C.O..
Porque assim, se o recorrente, como in casu sucede, não retoma nas conclusões da respectiva motivação todas as questões que desenvolveu no corpo da motivação, porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso, o Tribunal ad quem só conhecerá das questões que constam das conclusões.
Por outro lado, ao requerer a este Tribunal ad quem que seja admitida a junção de três documentos juntos com a peça recursiva e inquirida uma testemunha, olvida a recorrente que nos termos prevenidos no artigo 410º, nº 1, do Código de Processo Penal, “(…) o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.”. Por outras palavras, como se lê no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04.03.2015, proferido no processo nº 1400/14.4 TBPRD.P1 e disponível in www.dgsi.pt/jtrp, “(…) No âmbito do recurso contra-ordenacional, o tribunal da relação funciona como tribunal de revista e apenas conhece da matéria de direito – art.75.º, n.º1 do RGCO [Regime Geral das Contra-Ordenações].
Os recursos ordinários, enquanto remédios jurídicos, são meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não meios para obter decisões novas, pelo que não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido. (É este o entendimento unânime da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça [v, entre outros, Ac.STJ de 30/10/2003, Proc. n.º 3281/03 - 5.ª, Ac.STJ de 27/05/2004, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 209, Ac.STJ de 20/07/2006, Proc. n.º 2316/06 - 3.ª, Ac.STJ de 02/05/2007, Proc. n.º 1238/07 - 3.ª, Ac.STJ de 10-10-2007, Proc. n.º 3634/07 - 3.ª, Ac.STJ de 29-04-2009,Proc.n.º 607/09-3.ª, Ac.STJ de 07-07-2009, Proc.n.º1145/05.6TAMAI.C1.S1-3.ªe Ac.do STJ de 15/9/2010, proc.nº 322/05.4TAEVR.E1.S1, 3ª]).
A este propósito o Ac.STJ de 25/3/2010, [Processo n.º76/10.2YRLSB.S1, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral] de forma bem elucidativa, refere que os recursos «despistam erros in judicando, ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados (quanto à questão de facto), ou com referência à regra de direito respeitante à prova, ou à questão controvertida (quanto à questão de direito) que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. Assim, o julgamento do recurso não é o da causa, mas sim do concreto recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa. Não pode, pois, o Tribunal Superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre.» (…)”.
No caso em apreço, estamos perante recurso contra-ordenacional em que ao Tribunal da Relação cabe a apreciação da decisão recorrida que rejeitou por extemporaneidade o recurso de impugnação judicial apresentado pela recorrente e sem que, naquela sede, tenha a mesma suscitado à apreciação do Tribunal a quo a questão da presunção legal iuris tantum a que alude o artigo 113º, nº 2, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 41º, do R.G.C.O. e respectiva ilisão.
Vale o exposto por se afirmar que, ressalvado sempre o devido respeito pelo esforço argumentativo da recorrente, esta descuida que este Tribunal ad quem, visando apenas a reapreciação de questões colocadas anteriormente perante o Tribunal de primeira instância e não a apreciação de outras novas, não pode conhecer da enunciada questão que não foi presente ao Tribunal de que se recorre.
Porque assim, afigura-se-nos impertinente não só a pretendida inquirição de testemunha, como a requerida junção de documentos. Acresce que, quanto a esta, de harmonia com o disposto no artigo 165º, nº 1, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 41º, do R.G.C.O., a prova por documentos deverá surgir no processo até ao encerramento da audiência de julgamento em primeira instância, sendo certo que in casu, atentando na tramitação e fase processual dos autos, não só não foram presentes na fase administrativa do processo, como não foram exibidos ou juntos com o recurso de impugnação judicial, apenas tendo sido apresentados com a peça recursiva que ora se aprecia os três documentos cuja junção se requer. Ora, é perfeitamente descabida e extemporânea a apresentação em sede de peça recursiva de documentos e/ou pareceres que não foram apresentados em momento anterior à prolação do despacho ou decisão proferidos em primeira instância, olvidando, por um lado, que “A decisão recorrida há-de ser apreciada apenas em função dos factos materiais que foram apurados na 1ª instância e não de prova posteriormente introduzida nos autos” e, por outro, repete-se, que “a missão do tribunal de recurso é a de apreciar se uma questão decidida pelo tribunal de que se recorre foi bem ou mal decidida e extrair daí as consequências atinentes; o tribunal de recurso não pode pronunciar-se sobre questão nova, salvo se isso for cometido oficiosamente pela lei.” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08.09.2010, proferido no processo 87/02.1 TAACN.C2, e bem assim do mesmo Tribunal de 30.04.2014, proferido no processo 2317/07.4 TAAVR.C1, disponíveis em www.dgsi.pt/jtrc e ainda v.g., Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22.10.2008, proferido no processo 08P2832, disponível em www.dgsi.pt/jstj. e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22.10.2013, proferido no processo 221/12.3 TBTMR-A.C1, disponível no primeiro lugar citado.
Ante o que se deixa expendido, a junção de tais documentos não só não é consentida por este Tribunal ad quem, como o seu teor não poderá ser, nem será, considerado, impondo-se o seu desentranhamento e restituição à recorrente.
Postos estes considerandos, vistas as conclusões do recurso em apreço, verificamos que a única questão aportada ao conhecimento desta instância é a seguinte:
(i) - Se o Tribunal a quo incorreu em erro de direito, porquanto rejeitou, por extemporâneo, o recurso de impugnação judicial apresentado pela arguida, nos termos prevenidos no artigo 63º, nº 1, do R.G.C.O..
III

Vejamos então.
Dispõe o artigo 59º, do R.G.C.O., sob o título “Forma e prazo”, que:
1. A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial.
2. O recurso de impugnação poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor.
3. O recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões.”.
Por outro lado, estatui o artigo 60º, do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Contagem do prazo para impugnação”, que:
1. O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados.
2. O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.”.
E, nos termos prevenidos no artigo 63º, do citado diploma legal, sob o título “Não aceitação do recurso”:
1. O juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma.
2. Deste despacho há recurso que sobe imediatamente.
Dos legalmente enunciados motivos de rejeição do recurso de impugnação judicial [legalidade, forma (por escrito e motivado com alegações e conclusões) e legitimidade] apenas o relativo à tempestividade do recurso de impugnação judicial nos importa.
Na senda de entendimento jurisprudencial que se nos afigura maioritário e com particular relevo do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 2/94, de 10.03.1994, publicado no D.R. nº 106/94, Iª Série – A, de 07.05.1994, o prazo de 20 (vinte) dias a que alude o transcrito nº 3, do artigo 59º, do R.G.C.O., não tem natureza judicial, outrossim, natureza administrativa, pelo que não lhe são aplicáveis as regras privativas dos prazos judiciais, designadamente as relativas à suspensão do respectivo cômputo em período de férias judicias [cfr. artigos 104º, do Código de Processo Penal e 138º, do Código de Processo Civil] e as relativas à possibilidade da prática extemporânea do acto, nos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, mediante o pagamento de uma multa processual [cfr. artigos 107º e 107º-A, do Código de Processo Penal e 139º, do Código de Processo Civil]. O cômputo do prazo em referência pauta-se, pois, pelas regras específicas dos supra mencionados artigos do Regulamento Geral das Contra-Ordenações e bem assim do artigo 279º, do Código Civil e 71º a 73º, do (velho) Código de Procedimento Administrativo e 86º a 88º, do Código de Procedimento Administrativo aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 07.01. A este propósito v.g. Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 08.05.2007, proferido no processo nº 606/07-3, de 10.05.2011, proferido no processo nº 2419/10.0 TASTB.E1 e de 06.01.2015, proferido no processo nº 10/14.0 T8LAG.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt/jtre.
No tocante à forma e regime que devem assumir as notificações em processo de contra-ordenação deverá atentar-se no preceituado nos artigos 46º, nº 2 e 47º, do R.G.C.O. e bem assim no mecanismo previsto no Código de Processo Penal, designadamente no estatuído no artigo 113º, daquele diploma legal, aplicável ex vi do artigo 41º, do R.G.C.O..
Postos estes perfunctórios considerandos, retornando ao processo, reclama a recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de direito ao considerar, na decisão recorrida, que a decisão administrativa proferida, em 13.08.2014, pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas de Lisboa e Vale do Tejo, lhe foi notificada no dia 20.08.2014, quando, em seu entender, dela só tomou conhecimento em 27.08.2014, já que a notificação por via postal registada, que lhe foi efectuada foi dirigida a um domicílio que não corresponde ao domicílio legal da arguida recorrente.
Da compulsa dos autos não podemos deixar de manifestar estranheza perante este argumentário posto que, se é certo que no auto de notícia se consignou que a arguida “ICI Ldª” tem “sede na Rua (....) 12 – 503, [sublinhado nosso], 1600 Lisboa” [cfr. fls. 5 dos autos], não é menos certo que ao longo de toda a fase administrativa do processo de contra-ordenação em referência a arguida foi sempre notificada no nº 12, (....), (....), [sublinhado nosso], da Rua (....), em Lisboa. Foi com consideração desta morada que foi notificada nos termos e para os efeitos prevenidos no artigo 50º, do R.G.C.O., por via postal registada, expedida em 07.11.2013 e recebida em 08.11.2013 [cfr. fls. 25 e 26] e se pronunciou em 29.11.2013, em requerimento onde, além do mais, afirma “tendo sido notificada para responder à matéria que consta do auto de notícia” [cfr. fls. 18 a 20] e voltou a ser notificada, para os mesmos fins, por via postal registada, expedida pela entidade administrativa em 03.12.2013 e recebida pela arguida em 04.12.2013 [cfr. fls. 33 e 34], pronunciando-se, de novo, em requerimento datado de 27.12.2013, onde se lê, além do mais, “tendo sido notificada para proceder” [cfr. fls. 36]. Foi também com consideração da aludida morada – Rua (....), nº 12, (....), andar (....), em Lisboa – que foi notificada da decisão administrativa proferida, por via postal registada, expedida em 19.08.2014 e recebida pela arguida em 20.08.2014 [cfr. fls. 52 e 53] e apresentou datado e remetido em 24.09.2014 e entrado no respectivo departamento do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas de Lisboa e Vale do Tejo em 25.09.2014, recurso de impugnação judicial da decisão administrativa [cfr. fls. 54 a 68 e 70] sem que em momento algum e/ou em lado algum daquele articulado e dos anteriormente apresentados, tenha alegado ou invocado que a sede da arguida tinha localização diversa daquela em que sempre foi notificada e, ademais, na decorrência das notificações assim efectuadas, exerceu, de facto, os correlativos direitos.
Note-se, em jeito de apontamento, que no instrumento de procuração que juntou com o recurso de impugnação judicial da decisão administrativa, constante de fls. 69, é indicada como sede da arguida mandante a “Rua (....), n.º (….), (....), (….), [sublinhado nosso], (….), Lisboa”, isto é, é indicado andar do prédio sito no nº (…), (….), da Rua (....), em Lisboa, que não corresponde nem ao constante do auto de notícia, e que a recorrente reclama agora como sendo aquele em que tem a sua sede legal, nem àquele em que efectivamente foi notificada ao longo de todo o processo e exerceu o seu direito de pronúncia e de resposta.
Em verdade, do excurso dos autos, tal alegação por banda da recorrente só surgiu quando confrontada com o teor da decisão recorrida e dela interpôs o recurso que ora se aprecia e, por conseguinte, em sede da peça recursiva em apreço. Ora, como bem se salienta no despacho de sustentação proferido pelo Tribunal a quo e referido em “I, [6]” do presente aresto, “Se a Recorrente não teve conhecimento da decisão administrativa na data que consta do comprovativo da notificação da mesma, cabia-lhe alegar tal facto em questão prévia ao recurso interposto de forma a ilidir a presunção da notificação e informar o tribunal de tal facto”, o que nunca fez, nem perante a entidade administrativa, nem perante a entidade judiciária. Acresce que a ilisão da presunção iuris tantum a que alude o artigo 113º, nº 2, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 41º, do R.G.C.O., só pode se havida como fundada se o sujeito processual que a invoca provar que a notificação não foi efectuada ou que ocorreu em data posterior à presumida, por razão que não lhe é imputável, [sublinhado nosso], “não podendo essa ilisão ser efectuada pelo critério da leitura da peça processual, critério que não encontra qualquer apoio no texto da lei.” – v.g. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17.06.2014, proferido no processo nº 405/09.1 TMCBR.C1, disponível em www.dgsi.pt/jtrc.
Alega ainda a recorrente que a decisão recorrida padece de invalidade na medida em que não lhe foi dada oportunidade para se pronunciar sobre a questão prévia referente à admissibilidade do recurso em violação do disposto nos artigos 61º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal, 50º, do R.G.C.O. e 32º, nº 10, da Constituição da República Portuguesa.
Ressalvado sempre o devido respeito pelo esforço argumentativo da recorrente, uma vez mais, mal se compreende esta alegação.
Como bem realça a Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal a quo, no seu articulado de resposta, “É facto que é concedido aos arguidos um amplo direito de defesa (art. 32º, n.os 1 e 10 CRP), mas este direito, bem como os demais direitos concedidos aos arguidos (como seja o direito de audiência – art. 32º, n.º 10 CRP) não é concedido de modo a que os arguidos, a coberto do mesmo e para além do que necessitam para se defender adequadamente, protelem indefinidamente o andamento do processo e, com isso, se subtraiam à acção da justiça. Como paradigmaticamente defendem Jorge Miranda e Rui Medeiros, “(…) há-de ser perante as circunstâncias concretas de cada caso que se hão-de estabelecer os concretos conteúdos dos direitos de defesa, no quadro dos princípios estabelecidos por lei. Todas as garantias de defesa não são as garantias que a lei formalmente concede, mas, no quadro dessas garantias e dos princípios estabelecidos pela Constituição e pelas leis, todos os meios que em concreto se mostrem necessários para que o arguido se faça ouvir pelo juiz sobre as provas e razões que apresenta em ordem a defender-se da acusação [no caso, da decisão administrativa proferida] que lhe é movida. O preceito [art. 32º, n.º 1 CRP] deve ser interpretado à luz do denominado processo equitativo, na designação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos ou do due process of law, na fórmula da jurisprudência norte-americana, envolvendo como aspectos fundamentais a consideração do arguido, como sujeito processual a quem devem ser asseguradas todas as possibilidades de contrariar a acusação, a independência e imparcialidade do juiz ou tribunal e a lealdade do procedimento.” (in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, pág. 354). Ademais, o exercício do direito de defesa por parte dos arguidos não pode implicar deslealdade processual, subtracção dos mesmos à acção da justiça nem violação do processo equitativo na sua vertente de ser proferida uma decisão final do processo em prazo razoável (art.os 6º, n.º 1 CEDH e 32º, n.º 2, 2ª parte CRP)”.
Porque assim, não só a decisão recorrida, proferida ao abrigo do disposto no artigo 63º, do R.G.C.O., não constitui decisão sobre a qual a arguida devesse ter sido previamente ouvida, nos termos prevenidos no artigo 61º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 41º, do R.G.C.O., como não constitui, como pretende a recorrente, decisão surpresa reprimida nos termos do estatuído no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil [recordando-se o texto legal respectivo que assim diz: “O juiz deve observar e fazer cumprir (…) o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”]. A decisão recorrida é tão só e apenas a decorrência lógica e legal da peça processual, o recurso de impugnação judicial da decisão administrativa, apresentado pela arguida e cujos requisitos ou pressupostos de legalidade, legitimidade, forma e tempestividade para recorrer devem ser aferidos prius por quem tal acto pretende praticar, por quem tal direito pretende exercer, in casu a arguida e recorrente. Aliás, não se olvide que, apresentados os autos de processo de contra-ordenação ao juiz, este, em sede de despacho liminar, apenas pode proferir um de dois despachos: (i) aceitar o recurso ou (ii) recusar o recurso e, neste caso, o artigo 63º, nº 1, do R.G.C.O. apenas permite a rejeição do recurso quando tenha sido interposto fora de prazo e/ou sem respeito pelas exigências de forma, não sendo, por conseguinte, legítimo em sede de despacho liminar o juiz proceder a qualquer ponderação sobre as questões de forma ou de fundo suscitadas pelo recorrente e, com base nelas, rejeitar liminarmente o recurso. Recebidos os autos no Tribunal em razão do recurso de impugnação judicial da decisão administrativa – cfr. artigo 62º, do R.G.C.O. – foi lavrado, oficiosamente, termo de “vista” ao Digno Magistrado do Ministério Público dando-se-lhe do mesmo conhecimento e oportunidade para se pronunciar, já que dele não tinha conhecimento e passou a ter, assim se cumprindo, e bem, o contraditório. Naquele termo processual o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu pronúncia no sentido, por um lado, ser seu entendimento que o recurso apresentado era extemporâneo e, por outro, assim não sendo entendido, oferecendo os meios de prova a produzir no tempo e espaço próprios [cfr. fls 72 dos autos].
Será que a recorrente ao afirmar que o seu direito de audiência foi preterido e violado o contraditório pretenderia ser notificada do seu próprio recurso de impugnação judicial para sobre ele se pronunciar ? Cremos que não ! É que diferente entendimento conduziria, necessariamente, ao protelamento da decisão a proferir em violação do processo equitativo a que alude o artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa. Se o direito de audiência e o contraditório a que alude o nº 10, do citado artigo 32º, fossem exercidos como a recorrente os parece configurar nunca seria possível decidir.
Em face de tudo o que se deixa exposto, vistos os autos e o disposto nos artigos 53º, nº 3 e 60º, do R.G.C.O. e 113º, nº 2, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 41º, do primeiro diploma legal citado, [não se esquecendo a supra afirmada natureza administrativa do prazo em causa e que a presunção legal constante do nº 2, do artigo 113º, do Código de Processo Penal foi estabelecida unicamente em favor do notificando], diferentemente do afirmado pelo Tribunal a quo, que considerou a arguida notificada da decisão administrativa no dia 20.08.2014, data em que assinou o aviso de recepção, a recorrente presume-se notificada da decisão administrativa proferida pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas de Lisboa e Vale do Tejo em 22.08.2014 (sexta-feira e o terceiro dia útil posterior ao do envio da carta postal registada em 19.08.2014), iniciando-se o prazo de 20 (vinte) dias para recorrer no dia 25.08.2014 (segunda-feira seguinte) atingindo impreterivelmente o termo respectivo em 19.09.2014. O recurso de impugnação judicial da decisão administrativa foi apresentado pela recorrente em 24.09.2014.
É, pois, extemporâneo.
Em consequência, forçoso é concluir que bem andou o Tribunal a quo ao rejeitar, como rejeitou, por extemporaneidade, o recurso de impugnação judicial apresentado pela arguida, não se descortinando nele ou no processo invalidade cujo conhecimento se impusesse a este Tribunal ad quem.
IV

A improcedência do recurso acarreta a condenação da arguida recorrente em custas, com a taxa de justiça referenciada à respectiva condição económico-financeira e à complexidade do processo, de acordo com o disposto no artigo 93º, nº 3, do R.G.C.O..
V

Decisão
Nestes termos, acordam em:
A) – Negar provimento ao recurso interposto pela arguida “ICI Ldª” e, consequentemente, manter a decisão recorrida;
B) – Condenar a recorrente nas custas, com taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) unidades de conta.
C) – Determinar, após trânsito do presente aresto, o desentranhamento e restituição à recorrente dos três documentos apresentados com a peça recursiva (que constituem fls. 114 a 126 dos presentes autos).

[Texto processado e integralmente revisto pela relatora (cfr. artigo 94º, nº 2, do Código de Processo Penal)]

Évora, 16-06-2015

Maria Filomena Valido Viegas de Paula Soares

Fernando Paiva Gomes Monteiro Pina