Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
600/16.7T8TMR.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: CONTRATAÇÃO COLECTIVA
PRINCÍPIO DA FILIAÇÃO
SUSPENSÃO DO CONTRATO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
ENSINO
Data do Acordão: 10/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I – Face ao princípio da filiação, consagrado no artigo 496.º do CT, tendo em conta que a Autora é filiada no Sindicato dos Professores da Zona Centro e a Ré na União das Misericórdias, à relação de trabalho é aplicável o acordo colectivo de trabalho celebrado entre a Santa Casa da Misericórdia de Abrantes e Outras e a FNE – Federação Nacional dos Sindicatos da Educação, publicado no BTE n.º 47, de 22-12-2001, com as alterações publicadas no BTE n.º 3, de 22-01-2010;
II – Nos termos da cláusula 49.ª, n.º 2 do referido ACT, a educadora que exerça funções de direção e/ou coordenação técnica ou direção pedagógica, será remunerada pelo nível imediatamente superior ao correspondente ao nível máximo auferido pelas educadoras que coordenar;
III – Determina a suspensão do contrato de trabalho o impedimento temporário por facto respeitante ao trabalhador que não lhe seja imputável e se prolongue por mais de um mês, nomeadamente doença;
IV – Durante a suspensão do contrato de trabalho por doença mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho, mas não o direito à remuneração;
V – Por isso, constatando-se que quando a Autora iniciou as funções de directora uma educadora se encontrava de baixa, por doença, há mais de 30 dias – portanto, com o contrato de trabalho suspenso –, que se manteve durante parte do exercício das funções de directora pela Autora, vindo, logo de seguida, sem que retomasse a actividade na Ré e ainda durante o período de exercício de funções de direcção pela Autora, a reformar-se, para fixação da remuneração da mesma Autora nos termos da referida cláusula 49.ª, n.º 2, não pode atender-se ao nível salarial em que se encontrava essa outra trabalhadora.
VI – Não é de atribuir indemnização por danos não patrimoniais se da matéria de facto apenas resulta que, para além das funções de diretora, a Autora recebia as prestações dos alunos, entregava os recibos respectivos e preenchia as folhas de caixa, pois ainda que se admita que tais funções não se enquadravam na função de directora, das mesmas apenas terá resultado um acréscimo de trabalho e, porventura, algum sacrifício para a Autora.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 600/16.7T8TMR.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
BB (Autora/recorrida) intentou na Comarca de Santarém (Tomar – Inst. Central – 2.ª Secção do Trabalho – J2) a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra CC (Ré/recorrente), pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 81.703,34 (sendo € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais e € 76.703,34 de diferenças salariais), bem como as diferenças salariais a partir de Março de 2016, acrescidas dos respectivos juros moratórios, à taxa legal, desde a data dos respetivos vencimentos até integral e efetivo pagamento.
Alegou, para o efeito e muito em síntese, que foi admitida ao serviço da Ré em 01-09-1983, desempenhando desde 1 de Dezembro de 2011 as funções de “Directora” no estabelecimento designado “XX”, de que a Ré é proprietária.
Nesta última data auferia a retribuição mensal de € 1.553,51, passando também a Ré a pagar-lhe, por desempenhar as funções de “Directora” e sob a denominação de abonos, que mais tarde passou a designar-se de complemento de vencimento, a quantia mensal de € 155,35; e a partir de Abril de 2012 a Ré passou também a pagar-lhe a quantia mensal de € 100,00, sob a denominação de subsídio de alimentação, mas que segundo a Ré a informou era uma “forma disfarçada” de lhe pagar o devido pelo exercício das funções de Directora.
Contudo, a partir de Março de 2015 a Ré passou a pagar-lhe de retribuição a quantia de € 1.904,15, mas deixou de lhe pagar os referidos € 155,35 de complemento: e a partir de Abril de 2015 deixou de lhe pagar a quantia de € 100,00 que era paga sob a denominação de subsídio de alimentação; e em Agosto de 2015 aumentou-lhe a retribuição para o montante de € 2.054,42, que no mês de Outubro do mesmo ano baixou para € 1.792,79.
Acrescentou que de acordo com o ao Acordo Colectivo de Trabalho, outorgado entre a Ré e outros, e a Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros (publicado no BTE nº47 de 22 do 12 de 2011) a Autora, enquanto Directora tinha direito a remunerada pelo nível imediatamente superior ao nível máximo auferido pelos trabalhadores coordenados, que na altura era de € 3.048,93 e que, por ser mais favorável, deve fixado de acordo com as tabelas salariais previstas no contrato colectivo de trabalho entre os Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo e a FENPROF: dado, porém, não existir um nível superior, tinha a Autora direito a receber a referida retribuição de € 3.048,93.
Mais alegou que a partir de meados do ano de 2012, para além das funções de Directora, desempenhava também na Ré funções administrativas, sendo que tal situação, bem como não pagamento da retribuição devida, lhe têm causado preocupação, ansiedade e tristeza, levando à necessidade de recorrer a uma consulta de neurologia.
Finalmente alegou que de Janeiro de 2009 a 30 de Novembro de 2011 – antes de desempenhar as funções de Directora – auferiu retribuição inferior à estipulada no instrumento de regulamentação colectiva aplicável.
Peticionou, por consequência, as diferenças salariais que entendeu serem-lhe devidas, assim como indemnização por danos não patrimoniais.
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Tendo-se procedido à audiência de partes e não se tendo logrado obter o acordo das mesmas, contestou a Ré, alegando, também muito em síntese, que à relação laboral é aplicável o acordo colectivo de trabalho (ACT) celebrado entre a Ré e Outros e a FNE (publicado nos BTE´s n.º 47, de 22-12-2001, e n.º 3, de 22-01-2010), e não o do sector particular e cooperativo invocado pela Autora.
Mais alegou que a Autora não exercia funções administrativas e que a trabalhadora/coordenada com quem (a Autora) se comparou para efeitos remuneratórios encontrava-se de baixa desde Outubro de 2011 até 15 de Fevereiro de 2012, data em que se reformou.
Pugnou, por consequência, pela improcedência da acção.
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Foi dispensada a audiência a que alude o artigo 62.º do CPT, fixado valor à causa (€ 81.703,341), elaborado despacho saneador stricto sensu, consignados os factos assentes e dispensada a fixação da base instrutória.
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No prosseguimento dos autos, procedeu-se a audiência de julgamento, respondeu-se à matéria de facto, e em 20-01-2017 foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, sendo a parte decisória do seguinte teor:
«Pelos fundamentos de direito e de facto supra mencionados, julga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno a CC a pagar a BB a quantia de € 15.662,86, acrescida dos respetivos juros à taxa legal, desde a data dos respetivos vencimentos de cada uma das quantias em dívida e até integral e efetivo pagamento, sendo, no mais, absolvida dos pedidos pela autora formulados.
Condena-se a autora e a ré no pagamento das custas, na proporção do decaimento, sendo 80,83% da responsabilidade da primeira e de € 19,17% da responsabilidade da segunda».
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Inconformada com o assim decidido, a Autora interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:
«1º O regime aplicável à Autora deverá ser o definido na “Informação Interna” da própria Ré, junta com a P.I. como Doc. Nº1, onde se estabelece que a convenção aplicável às partes é o C.C.T. celebrado entre a Associação de Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo e a FENPROF, in BTE, nº13, de 08/04/2009, com as alterações daí constantes, em virtude de o mesmo representar o regime mais favorável para a Autora.
2º A educadora DD deverá ser considerada como coordenada pela Autora, uma vez que o facto de estar de baixa médica não lhe podia retirar essa qualificação. Em consequência,
3º Deve o artigo 16 dos factos provados, constante da Sentença, ser alterado, passando a constar do mesmo que “o nível máximo auferido pelas educadoras coordenadas pela Autora, em 01/12/2011, era no valor de € 3.048,93 e era auferido pela coordenada DD”.
4º Deve o artigo 23 dos factos provados, constante da Sentença, ser alterado, passando a constar do mesmo que:
“23 – As educadoras coordenadas pela Autora eram as seguintes:
-DD, com o vencimento de € 3.048,93;
-EE, Bacharel, com o vencimento de € 2.437,00;
-FF, Bacharel, com o vencimento de € 1.566,70;
-GG, Licenciada, com o vencimento de € 1.553,51; e,
-HH, Licenciada, com o vencimento de € 1.553,51.”
5º Deve o artigo 24 dos factos provados, constante da Sentença, ser alterado, passando a constar do mesmo que “o vencimento mais alto devido a estas 5 educadoras era de € 3.048,93, que era o de DD”.
6º Deve o artigo 26 dos factos provados, constante da Sentença, ser alterado, passando a constar do mesmo que “A DD estava ao serviço da Ré em Dezembro de 2011, estando de baixa médica”.  
7º Devendo assim ser suprido o artigo 27 dos factos provados da Sentença.
8º As tarefas administrativas desempenhadas pela Autora acarretavam, para ela, um acréscimo de trabalho e, em consequência, uma situação constrangedora, tanto mais que provado ficou que, em consequência deste desagrado, a Autora informou várias vezes a Ré que as funções administrativas não lhe pertenciam nem tinha obrigação de as desempenhar, pelo que tinha ela direito à peticionada indemnização por danos morais.
9º A MMª Juiz, ao decidir em contrário, violou não só os normativos legais em que se fundamentou, como, em especial, o artigo 476º do Código do Trabalho.
Nestes termos e, invocando, ainda, o douto suprimento de V. Excias, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença e substituindo-se a mesma por douto acórdão, que reconheça o peticionado pela Autora, em conformidade com as antecedentes conclusões, como é de Direito e de JUSTIÇA».
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Não tendo a Ré apresentado contra-alegações, foi seguidamente o recurso admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata e efeito meramente devolutivo.
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Remetidos os autos a este tribunal, e aqui recebidos, neles a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, que não foi objecto de resposta, no qual concluiu pela improcedência do recurso.
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Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do CPC, com remessa de projecto de acórdão aos exmos. juízes desembargadores adjuntos, e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
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II. Objecto do recurso
Sabido como é que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso colocam-se à apreciação deste tribunal as questões, a saber:
1. se é aplicável à relação de trabalho o estabelecido no contrato colectivo de trabalho (CCT) celebrado entre a Associação de Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo e a FENPROF (publicado no BTE, nº13, de 08/04/2009, com as alterações daí constantes), por representar um regime mais favorável para a Autora aqui recorrente;
2. se deve alterar-se a matéria de facto;
3. se a trabalhadora/educadora da Ré DD era coordenada pela Autora;
4. saber se em função das tarefas administrativas desempenhadas pela Autora, e suas eventuais consequências, se justifica a fixação de uma indemnização por danos não patrimoniais.
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III. Factos
Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:
1. A Ré é proprietária do estabelecimento designado por “XX” existente na cidade de Abrantes, o qual mantém em funcionamento, prestando os cuidados próprios de Creche às crianças dos 3 meses aos 3 anos de idade, tanto na alimentação como na educação e presta também serviços de educação e alimentação às crianças em idade pré-escolar, dos 3 aos 6 anos de idade.
2. A Autora desempenhou neste estabelecimento as funções de diretora, desde 1 de Dezembro de 2011, tendo iniciado o seu trabalho neste estabelecimento há cerca de 32 anos, em 1/9/1983, sempre sob as ordens, direção e fiscalização da R..
3. Iniciou a sua atividade como auxiliar de ação educativa no dia 1 de setembro de 1983, passando depois a desempenhar as funções de educadora de infância a partir de 1 de setembro de 1999, após ter tirado o curso de educadora de infância, como bacharel, licenciando-se no mesmo ramo de educação de infância no ano de 2000.
4. Em dezembro de 2011 a autora auferia o salário de € 1.553,51 e a partir desta data a Ré passou a pagar-lhe a título de “Abono” por desempenhar as referidas funções de diretora a quantia de € 155,35, que mais tarde passou a designar-se nos recibos como complemento de vencimento, no Código 132 e passou a receber, no Código 002 dos Recibos, a título de “Subsídio de Alimentação”, a quantia mensal de € 100,00, a partir do mês de abril de 2012.
5. A Ré, a partir do mês de março de 2015, inclusive, passou a pagar à Autora o vencimento de € 1.904,15.
6. No mês de agosto de 2015, a Ré aumentou o salário da Autora para o montante de € 2.054,42.
7. No mês de outubro desse ano de 2015, a Ré alterou o vencimento base da Autora para o montante de € 1.792,79, que se tem mantido até hoje.
8. A Ré, na informação interna de 30 de janeiro de 2015, deixou expresso o seguinte:
“Assim a Sra. Educadora que exerça funções de direção e/ou coordenação técnica ou direção pedagógica, passará a auferir do nível imediatamente superior ao nível máximo auferido pelas senhoras educadoras que coordenar, sem direito a qualquer outra compensação pelo desempenho de tal cargo ou função”.
9. Antes de desempenhar as funções de diretora, e como simples educadora, a Autora auferiu desde janeiro de 2009 até 30 de novembro de 2011 o montante de € 1.553,5.1.
10. A DD esteve de baixa médica desde outubro de 2011 até 15 de fevereiro de 2012, data em que veio a reformar-se.
11. Actualmente a retribuição base da educadora FF é de € 1.773,82 e das educadoras GG e HH foi de €1.740,15 até 08/2016.
12. A partir do mês de março de 2015, inclusive, a Ré deixou de pagar à Autora os € 155,35 do complemento do vencimento.
13. E a partir de abril de 2015, inclusive, deixou de pagar também o subsídio de alimentação de € 100.
14. A Autora, desde que iniciou as suas funções de diretora, deixou de exercer funções docentes propriamente ditas, passando as suas funções a serem diretivas, isto é, de coordenação, de direção e de fiscalização e também administrativas.
15. A Ré é filiada na União das Misericórdias.
16. O nível máximo auferido pelas educadoras coordenadas pela autora, em 1/12/2011, era no valor de € 2.437,00 e era auferido pela coordenada EE (este facto é alterado infra).
17. A autora desempenhou até setembro de 2016 para a ré, como diretora, funções administrativas, sendo nessa data que cessou também as suas funções como diretora.
18. A partir de meados de 2012, a Ré retirou do estabelecimento uma administrativa que tratava do recebimento das prestações dos alunos e entregava os recibos respetivos.
19. Foi a Autora, às ordens da Ré, que passou a desempenhar essas funções administrativas, tendo inclusive nessas funções de proceder ao preenchimento de folhas de caixa.
20. A Ré, no seu comunicado de 30/01/2015, reconheceu que a autora receberá as receitas correspondentes às mensalidades dos alunos e outras receitas eventuais.
21. A Autora informou insistentemente a Ré que as funções administrativas não lhe pertenciam, nem tinha obrigação de as desempenhar.
22. A Autora é sócia do Sindicato dos Professores da Zona Centro.
23. As educadoras coordenadas pela Autora eram as seguintes:
- EE, Bacharel, com o vencimento de € 2.437,00;
- FF, Bacharel, com o vencimento de € 1. 566,70;
- GG, Licenciada, com o vencimento de € 1.553,51; e,
- HH, Licenciada, com o vencimento de € 1.553,51 (este facto é alterado infra).
24. O vencimento mais alto devido a estas 4 educadoras pela tabela do setor particular e cooperativo era de € 2.437,00, que era o de EE.
25. Era a educadora, embora bacharel, que tinha mais antiguidade.
26. A DD, não estava ao serviço da Ré em Dezembro de 2011.
27. Nem veio a estar depois dessa data.
28. A educadora EE deixou de trabalhar para a Ré em agosto de 2013.
29. Desde outubro de 2013, até agosto de 2016, a autora foi a educadora com a remuneração mais elevada.
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Estes os factos dados como provados.
Constata-se que no facto n.º 16 se afirma que o máximo auferido pelas educadoras coordenadas pela autora, em 1/12/2011, era no valor de € 2.437,00 e era auferido pela coordenada EE; e no n.º 23 consta que as “educadoras coordenadas pela Autora”.
Ora, como resulta do já referido, sob II, uma das questões a decidir consiste em saber se a educadora DD era coordenada pela Autora.
Pois bem: os referidos factos respondem directamente a esta questão, pelo que constituindo a questão da “coordenação” pela Autora (um dos) thema decidendum da acção, envolvendo, por isso, uma questão de direito, não pode ser directamente resolvida através da matéria de facto.
Por isso, alteram-se os factos em causa, nos seguintes termos:
i. O facto n.º 16 passará a ter a seguinte redacção: «Em 01-12-2011, a educadora EE, que era coordenada pela Autora, auferia a retribuição mensal de € 2.437,00»;
ii. No facto n.º 23, onde consta «As educadoras coordenadas pela Autora eram as seguintes…», passará a constar «A Autora coordenava, pelo menos, as seguintes educadoras…»: isto de forma a permitir que, em sede de subsunção jurídica dos factos, se possa concluir se a educadora DD era ou não coordenada pela Autora.
Note-se que do facto n.º 16, ora alterado, conjugado com o n.º 23, também alterado, já resulta à evidência que a educadora EE era, entre as educadoras coordenadas aí referidas, a que auferia a retribuição superior.
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IV. Fundamentação
Delimitadas supra, sob o n.º II, as questões essenciais decidendas, é o momento de analisar e decidir, de per si, cada uma delas.
1. Quanto a saber se é aplicável à relação de trabalho o estabelecido no contrato colectivo de trabalho (CCT) celebrado entre a Associação de Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo e a FENPROF (publicado no BTE, nº13, de 08/04/2009, com as alterações daí constantes), na parte em que representa um regime mais favorável para a Autora/recorrente.
Sobre esta problemática, a sentença recorrida considerou, muito em síntese, que por força do princípio da filiação, consagrado no artigo 496.º do Código do Trabalho (CT), e tendo em conta que a Autora é filiada no Sindicato dos Professores da Zona Centro e a Ré na União das Misericórdias, à relação de trabalho é aplicável o acordo colectivo de trabalho celebrado entre a Santa Casa da Misericórdia de Abrantes e Outras e a FNE – Federação Nacional dos Sindicatos da Educação, publicado no BTE n.º 47, de 22-12-2001, com as alterações publicadas no BTE n.º 3, de 22-01-2010.
A Autora/recorrente não parece pôr em causa tal conclusão, tendo em conta o princípio da filiação: se bem interpretamos a argumentação da recorrente, o que ela sustenta é que tendo em conta o princípio do tratamento mais favorável, consagrado no artigo 476.º do Código do Trabalho, e a informação interna emitida pela Ré, lhe deve também ser aplicável o previsto no CCT celebrado entre a Associação de Estabelecimento de Ensino Particular e Cooperativo e a FENPROF, constante do BTE n.º 13, de 08-04-2009.
Vejamos.
Consta da matéria de facto (n.º 8) que em 30-01-2015 a Ré emitiu uma nota interna onde deixou expresso que [a]ssim a Sra. Educadora que exerça funções de direção e/ou coordenação técnica ou direção pedagógica, passará a auferir do nível imediatamente superior ao nível máximo auferido pelas senhoras educadoras que coordenar, sem direito a qualquer outra compensação pelo desempenho de tal cargo ou função”.
Da referida nota interna consta ainda o seguinte: «A Mesa decidiu e aprovou que em situações que uma Srª. Educadora exerça funções de direção e ou coordenação técnica ou direção pedagógica de forma não temporária será remunerada nos termos do Acordo Colectivo de Trabalho (acordo que vincula as entidades aderentes e os seus empregados respetivos) outorgado entre a Santa Casa da Misericórdia de Abrantes e Outros e a FNE Federação Nacional dos Sindicatos de Educação e Outros, constante do Boletim do Trabalho e do Emprego n.º 47 de 22/12/2001 onde na cláusula 49 n.º 2 consta o seguinte:”2 – Nas situações de exercício de funções de direcção e ou coordenação técnica ou direção pedagógica não enquadradas na alínea anterior o trabalhador será remunerado pelo nível imediatamente superior ao correspondente ao nível máximo auferido pelos trabalhadores coordenados”.
Ora, da referida “informação interna” da Ré – saliente-se, datada de 30-01-2015 –, não se lobriga qual o fundamento para a Autora/recorrente concluir que naquela a referida Ré estabelece que a CCT aplicável é a celebrada entre a Associação de Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo e a FENPROF, publicada no BTE n.º 13, de 08-04-2009.
Será que a recorrente se quis referir às tabelas salariais previstas nesta última convenção?
Contudo, o que se extrai da informação interna são meras referências genéricas e conclusivas quanto às aludidas convenções colectivas, denotando até dúvidas sobre a sua aplicabilidade à Ré; mas de concreto apenas que no caso do exercício de funções de directora ou de coordenadora técnica a trabalhadora deve ser remunerada pelo nível imediatamente superior ao correspondente ao nível máximo auferido pelos trabalhadores coordenados, nos termos da cláusula 49.ª, n.º 2 do acordo entre a Ré e Outros e a FNE.
Não se afigura que perante as afirmações genéricas, e até dúbias, constantes da “informação interna” da Ré, se possa concluir – como o faz a recorrente – que a Ré reconhece e afirma ser aplicável à relação com a Autora o CCT entre as Associações do Ensino Particular e Cooperativo e a FENPROF.
Certamente perante essas dúvidas decorrentes da referida “informação interna” e a prova que estava a ser produzida, na audiência realizada em 21-10-2016 (fls. 109-110) a exma. julgadora a quo proferiu o seguinte despacho:
«Nos presentes autos discute-se, além do mais, se serão aplicáveis à relação de trabalho estabelecida entre Autora e Ré, em simultâneo, as duas convenções coletivas de trabalho melhor identificadas nos artigos 3º e 4º da contestação.
A aceitação pela Autora e Ré da aplicabilidade, em simultâneo das mencionadas convenções não está expressamente alegada e afigura-se ser matéria relevante para a correta decisão a proferir.
Assim e ao abrigo do disposto no artigo 72º, nº 1, do C.P.T., decido ampliar a B.I. da causa, a fim de ser dada resposta aos seguintes quesitos:
a) Autora e Ré acordaram que seria aplicável ao contrato de trabalho celebrado entre as mesmas e com respeito às específicas funções de direção a exercer pela primeira, em simultâneo, a Convenção Coletiva de Trabalho, publicada no B.T.E., nº 13 de 08/04/2009 outorgada pela Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a Fenprof e o artigo 49º do C.C. de Trabalho publicada no B.T.E., nº 47 de 22/12/2001?
b) Em resposta afirmativa ao indicado em a), a partir de que data acordaram as partes que passariam a estar vinculadas ao cumprimento do regime decorrente dos mencionados instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho?
Em face do ora exposto determino a notificação das partes para indicarem, querendo, a prova para ser produzida para permitir a resposta aos indicados quesitos».
E, após a produção da prova, o tribunal veio a responder “não provado” a tais quesitos, ancorando-se, além do mais, na seguinte fundamentação:
«A testemunha II [directora de recursos humanos da Ré], quanto à existência desse acordo, relatou factos que em conjunto com o seu depoimento anteriormente prestado nos permitiram concluir que esse acordo nunca existiu, esclarecendo que as educadoras eram pagas pela tabela da convenção do ensino particular e quando a autora passou a ser diretora, por votação, ficou acordado entre o Sr. Provedor e alguns elementos da mesa em remunerar a autora, pelo exercício desse cargo, com um acréscimo de 10% sobre o seu vencimento. Posteriormente foi decidido remunerar a autora com mais € 100,00 integrados no subsídio de alimentação. Mais esclareceu que até janeiro de 2015 não foi tido em conta a pessoa colocada no escalão superior mas depois numa reunião da Santa Casa com 2 advogados do sindicato foi proposto aplicar a cl. 49.º, n.º 2 da convenção da Misericórdia, tendo a ré passado a adotar esse critério. Assim, e do exposto resulta, que inexistiu acordo das partes para aplicação simultânea de ambas as CCT. Porquanto e necessariamente se deram como não provados esses factos».
Aliás, sintomático da inexistência do acordo em causa e de que a Ré não aplicava à Autora as tabelas salariais constantes do CCT entre a Associação dos Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo e a FENPROF está o facto da mesma Autora vir peticionar na acção esse pagamento…!
Acresce que, para além da inexistência do acordo quanto à aplicação do CCT invocado pela Autora, face ao princípio da filiação, e não se questionando a conclusão alcançada na 1.ª instância – no sentido de ser aplicável a acordo colectivo de trabalho celebrado entre a Santa Casa da Misericórdia de Abrantes e Outras e a FNE – Federação Nacional dos Sindicatos da Educação –, não se vê como se poderia harmonizar a aplicação, em simultâneo, do referido acordo colectivo de trabalho com o CCT invocado pela recorrente, mas este apenas na parte em que lhe fosse mais favorável: tal redundaria na violação do princípio da igualdade de tratamento, e até da liberdade sindical.
Por isso, é de concluir que terão que ser aplicadas as tabelas salariais correspondentes àquele acordo colectivo.
Improcedem, por consequência, as conclusões das alegações de recurso.
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2. Da impugnação da matéria de facto
Nas conclusões das alegações de recurso, a Autora/recorrente sustenta que devem ser alterados determinados factos.
Porém, da leitura das alegações não se extrai qualquer impugnação da matéria de facto.
Ora, como é consabido, as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos (artigo 627.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Estatui o artigo 639.º, n.º 1, deste compêndio legal, que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
E de acordo com o artigo 634.º, n.º 3, do mesmo diploma legal, nas conclusões da alegação pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso.
As normas em causa são aplicáveis aos recursos em processo laboral por força do que estabelece o artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.
Com as normas de interposição de recurso e apresentação de alegações visou o legislador criar um conjunto de regras de natureza prática, a observar pelos recorrentes, que permitam ao tribunal “ad quem” apreender, de forma clara, as razões práticas e jurídicas que levaram à impugnação, de modo a que o tribunal as possa facilmente apreender e apreciar.
Igual fim se visa com as conclusões, embora aqui com a apresentação de um quadro sintético que contenha um resumo das questões que o recorrente pretende ver reapreciadas, de forma a que o tribunal percepcione, rápida e facilmente, os fundamentos do recurso (por todos, veja-se acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-02-2006, Recurso n.º 4755/04, da 4.ª Secção).
Assim, e por um lado, se o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da minuta alegatória do recorrente, o tribunal superior não pode apreciar as questões que, não sendo de conhecimento oficioso, nelas não se mostrem vazadas; por outro, as conclusões devem conter-se no âmbito da decisão impugnada (neste sentido, por todos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-01-2006, Recurso n.º 35/05 - 4.ª Secção, com sumário disponível em www.stj.pt).
Por isso, não tendo a recorrente nas alegações, mas apenas nas conclusões, suscitado a impugnação da matéria de facto, tal constituiria, desde logo, fundamento para não se conhecer da impugnação.
Além disso, a lei processual civil, mais concretamente o seu artigo 640.º, impõe ónus à parte que impugna a matéria de facto, designadamente a indicação dos concretos meios probatórios que determinam resposta diversa da que foi dada pelo tribunal a quo.
No caso, não se vislumbra que tal tenha sido cumprido pela recorrente.
Acresce, finalmente, que o suscitado pela recorrente não configura, em rigor, uma questão de facto, mas sim uma questão de direito: como já se deixou afirmado – a propósito da alteração da matéria de facto operada oficiosamente por este tribunal – , uma das questões a decidir consiste em saber se a educadora DD era coordenada pela Autora: a resposta à mesma terá que ser dada em função da factualidade provada, e não ser dada directamente nesta; e face à factualidade provada – com a alteração operada por este tribunal – é possível responder a tal questão.
Improcedem, por consequência, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.
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3. Quanto a saber se a trabalhadora/educadora da Ré DD era coordenada pela Autora.
Recorde-se que nos termos da cláusula 49.ª, n.º 2 do ACT, aqui aplicável, entre a Santa Casa da Misericórdia de Abrantes e Outras e a FNE – Federação Nacional dos Sindicatos da Educação, a educadora que exerça funções de direção e/ou coordenação técnica ou direção pedagógica, passará a auferir do nível imediatamente superior ao nível máximo auferido pelas educadoras que coordenar.
Coloca-se então a questão de saber se a Autora/recorrente/coordenava a educadora DD.
Com vista à resolução da questão, atente-se na seguinte matéria de facto:
- a Autora desempenhou na Ré as funções de directora desde de 01-12-2011 até Setembro de 2016 (n.ºs 2 e 17);
- a DD esteve de baixa médica desde Outubro de 2011 até 15 de Fevereiro de 2012, data em que veio a reformar-se (n.º 10).
Note-se que tendo em conta a questão em apreço, em relação aos factos n.ºs 26 (“A DD, não estava ao serviço da Ré em Dezembro de 2011”) e 27 (“Nem veio a estar depois dessa data”), deverão ser interpretados no sentido de que essa trabalhadora no período em causa não prestou, efectivamente, trabalho à Ré.
Decorre do disposto no artigo 298.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que determina a suspensão do contrato de trabalho o impedimento temporário por facto respeitante ao trabalhador que não lhe seja imputável e se prolongue por mais de um mês, nomeadamente doença.
Tal significa, no caso em apreço, que anteriormente a Dezembro de 2011 o contrato de trabalho da educadora DD se encontrava suspenso.
Durante a suspensão do contrato de trabalho mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho (n.º 1 do artigo 295.º, do Código do Trabalho).
Embora o dever de retribuir não pressuponha, necessariamente, a prestação efectiva de trabalho, mas sim a disponibilidade do trabalhador efectuar essa prestação, o certo é que no caso, face à doença da trabalhadora em causa, não só não existiu a prestação do trabalho, como também (não existiu) a disponibilidade para essa prestação.
Sendo objecto do contrato de trabalho a prestação (de facto) por parte do trabalhador, ou a disponibilidade para essa prestação, não se verificando a mesma, também não se verifica a contrapartida por essa disponibilidade, ou por essa prestação, rectius o pagamento da retribuição.
Como faz notar Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, pág. 500; embora no domínio do Código do Trabalho de 2003, o entendimento mantém-se actual), o «(…) conjunto do regime da suspensão do contrato de trabalho mostra que o legislador parte do “princípio” segundo o qual “não havendo trabalho não há salário”; os desvios a esse pressuposto traduzem-se sempre em normas expressas acerca de rendimentos aos quais o trabalhador atingido pela suspensão tem direito (…). Não havendo norma desse tipo, aplica-se a “regra” da suspensão do crédito retributivo.».
Também Menezes Cordeiro (Manual de Direito do Trabalho, Almedina, pág. 767) afirma (embora na vigência do Decreto-Lei n.º 398/83, de 2 de Novembro, a doutrina pode ser transposta para o caso em apreciação): «A suspensão do contrato de trabalho determina a não-prestação do trabalho e o não pagamento da retribuição. De resto, mantêm-se em vigor os deveres acessórios duma parte e da outra, os quais devem ser acatados sob pena de inobservância do contrato (…)».
Ora, o que assegura a cláusula em referência é que a directora/coordenadora seja remunerada pelo nível remuneratório imediatamente superior ao nível máximo “auferido” pelos trabalhadores coordenados: estando suspenso o contrato de trabalho da educadora DD durante período parcialmente coincidente com aquele que a Autora exerceu as funções de coordenadora, reformando-se logo de seguida e ainda no período em que a Autora exercia as funções em causa – ou seja, nunca exercendo essa educadora funções durante o período em que a Autora foi directora – não pode concluir-se que esta coordenasse aquela, ou, noutra perspectiva e tendo presente o dizer da cláusula, que nesse período aquela tenha “auferido” uma remuneração por um nível superior ao da Autora.
Não pode deixar de ter-se presente que o que estará em causa com tal cláusula é a dignificação – profissional e remuneratória – de quem exerce as funções de direcção em relação àqueles que coordena: assim se compreende que, como resulta do n.º 3 da mesma cláusula, cessando o exercício das funções de direcção – seja por iniciativa do trabalhador, seja do empregador –, aquele volte a ser remunerado pelo nível correspondente à sua situação na carreira profissional.
Daí que se no período de exercício das funções de directora pela Autora a educadora DD não exerceu qualquer actividade na Ré – pois o seu contrato de trabalho encontrava-se suspenso –, carece de fundamento que para efeitos de aplicação da cláusula 49.ª, n.º 2, seja chamado à colação o nível salarial de tal educadora.
Improcedem, por consequência, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.
E, atendendo a que a recorrente não põe em causa as concretas diferenças salariais apuradas na 1.ª instância tendo em conta a aplicação do ACT entre a Misericórdia de Abrantes e a FNE e que a educadora EE era a coordenada como nível remuneratório superior – uma vez que, como se concluiu, não pode atender-se ao nível remuneratório da educadora DD –, importa concluir que inexistem outras diferenças salariais a apurar.
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4. Dos danos não patrimoniais
Recorde-se que a Autora formulou o pedido de indemnização de € 5.000,00 por danos não patrimoniais.
Para tanto alegou, no essencial, que para além das funções de directora, a partir de meados de 2012 exerceu funções administrativas (recebimento das prestações dos alunos e entrega e preenchimento dos respectivos recibos), o que lhe exigiu “uma grande sacrifício e acréscimo de trabalho” e lhe causou “preocupação, ansiedade e tristeza, por pensar que a Ré nunca lhe irá pagar o que lhe deve”, “Situação que ultimamente a tem levado a consultas da área de neurologia”.
O tribunal a quo julgou improcedente tal pretensão da Autora, para o que desenvolveu a seguinte fundamentação:
«No que se refere agora ao pedido da autora de condenação da ré a pagar-lhe € 5.000,00 por danos morais por a ter constrangido a exercer funções que exorbitaram o cargo de diretora, o que lhe determinou um grande sacrifício e acréscimo de trabalho, bem como por não lhe pagar o vencimento devido pelo exercício desse cargo, o que lhe causou preocupação, ansiedade e tristeza, cumpre dizer-se que a autora não exerceu funções que exorbitaram o seu cargo e que justifiquem qualquer indemnização a seu favor, nem as suas diferenças com a ré com respeito à remuneração do cargo de diretora o justificam. E isto porque, as funções administrativas que exerceu foram as normais para o cargo de uma diretora de uma creche, que são as de receber os pais, receber as mensalidades, entregar os recibos, fazer uma folha de caixa e outorgar contratos, não justificando qualquer excesso de trabalho, sacrifício ou preocupação que exorbite o cargo. Por outro lado, não resultou provada preocupação, ansiedade e tristeza da autora por a ré não lhe pagar o vencimento que entende que lhe era devido.
Nos termos do artigo 496.º, n.º 1 do CC, deve haver lugar a indemnização se existirem danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
In casu, ainda que a ré não tenha aplicado o acordo coletivo à relação laboral que estabeleceu com a autora, o que era o comportamento devido, violando, por isso, ilicitamente, direitos da autora (artigo 483.º, n.º 1 do CC), daí já não resultou que tenha sido comprovada a existência de danos não patrimoniais que devam ser indemnizados à autora.
Assim, e nesta parte, indefere-se o requerido».
Rebela-se a Autora contra tal entendimento, sustentando que «[a]s tarefas administrativas desempenhadas pela Autora acarretavam, para ela, um acréscimo de trabalho e, em consequência, uma situação constrangedora, tanto mais que provado ficou que, em consequência deste desagrado, a Autora informou várias vezes a Ré que as funções administrativas não lhe pertenciam nem tinha obrigação de as desempenhar, pelo que tinha ela direito à peticionada indemnização por danos morais» (n.º 8 das conclusões).
O que está, pois, em causa no recurso para fundamentar a indemnização é, apenas, o exercício de funções administrativas pela Autora, enquanto directora.
Adiante-se que se entende que, também nesta matéria, a 1.ª instância decidiu com acerto.
Expliquemos porquê.
De acordo com a matéria de facto:
- a Autora iniciou as funções de directora em 01-12-2011 (n.º 2);
- desde que iniciou as funções de directora, deixou de exercer funções docentes propriamente ditas, passando as suas funções a serem directivas, isto é, de coordenação, de direcção e de fiscalização e também administrativas (n.º 14);
- a partir de meados de 2012, a Ré retirou do estabelecimento uma administrativa que tratava do recebimento das prestações dos alunos e entregava os recibos respetivos (n.º 18);
- foi a Autora, às ordens da Ré, que passou a desempenhar essas funções administrativas, tendo inclusive nessas funções de proceder ao preenchimento de folhas de caixa (n.º 19);
- a Autora informou insistentemente a Ré que as funções administrativas não lhe pertenciam, nem tinha obrigação de as desempenhar (n.º 21).
Desta matéria de facto, que não foi impugnada, designadamente do seu n.º 14, decorre desde logo que as funções directivas compreendiam a coordenação, direcção, fiscalização e também administrativas (diremos àquelas funcionalmente ligadas).
E o trabalhador deverá exercer as funções correspondentes à actividade para que foi contratado (n.º 1 do artigo 118.º do Código do Trabalho).
É certo que poder-se-á questionar se o recebimento das prestações dos alunos, entrega dos recibos respectivos e preenchimento das folhas de caixa se incluiriam nas referidas tarefas administrativas de uma directora.
Seja como for, embora a Autora tenha informado insistentemente a Ré que as funções em causa não lhe pertenciam, nem tinha “obrigação” de as desempenhar, da factualidade apurada nada resulta que permita concluir, ou sequer indiciar, que o exercício de tais funções lhe provocou danos que justifiquem indemnização.
Não pode olvidar-se que a Autora alegou que o exercício dessas funções lhe causou “um grande sacrifício e acréscimo de trabalho”, “[s]ituação que ultimamente a tem levado a consultas da área de neurologia”.
De acordo com as regras da experiência comum é aceitável que o exercício das referidas funções administrativas por parte da Autora lhe tenham acarretado acréscimo de trabalho, e até algum sacrifício: contudo, sem quaisquer elementos concretos (por exemplo, número de alunos de quem recebia as prestações e a quem entregava os recibos, tempo despendido, etc.) já não é possível concluir que tal envolvesse para ela um grande sacrifício.
E do exercício de tais funções também não resultam apuradas quais consequências negativas na saúde da Autora, maxime as alegadas consultas de neurologia.
Ora, para que se verifique indemnização por danos não patrimoniais é necessário, além do mais, que estes mereçam a tutela do direito (n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil).
Face ao que deixou referido, tendo em conta a factualidade, não se lobriga que o eventual acréscimo do trabalho e algum sacrifício pelo exercício daquelas específicas funções administrativas justifiquem indemnização por danos não patrimoniais.
Improcedem, por consequência, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.
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5. Vencida no recurso, deverá a Autora/recorrente ser condenada no pagamento das custas respectivas (artigos 527.º do CPC).

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto por BB, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
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Évora, 12 de Outubro de 2017
João Luís Nunes (relator)
Paula do Paço
Moisés Pereira da Silva
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[1] Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Paula do Paço, (2) Moisés Silva.