Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
116/16.1T8OLH.E1
Relator: MARIA DOMINGAS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADMINISTRADOR COMERCIAL
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 03/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Uma das modalidades em que se concretiza a figura do abuso do direito é a do “venire contra factum proprium”, por violação do princípio da confiança, e que se pode basicamente delinear como sendo o caso de o direito ser exercido contra alguém que, com base em convincente conduta, positiva ou negativa, de quem o podia exercer, confiou em que tal exercício não ocorresse e programou em conformidade a sua actividade.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 116/16.1T8OLH.E1
Tribunal Judicial da comarca de Setúbal
Juízo do Comércio – Juiz 2

I. Relatório
(…) instaurou a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma única do processo comum, contra (…), a residir no Monte dos (…), em Grândola, pedindo a condenação do réu a pagar à Sociedade (…), SA montante indemnizatório a fixar em valor não inferior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros).
Alegou para tanto e em síntese, que é accionista da sociedade (…), SA, sendo o R. titular de acções ao portador representativas de 80% do capital social desta mesma sociedade, nela exercendo desde a data da constituição as funções de Presidente do Conselho de Administração.
Mais alegou que em violação dos seus deveres de administração o réu vem praticando, em seu exclusivo benefício, actos lesivos do interesse da sociedade, apropriando-se das rendas e produto da venda da cortiça extraída do prédio rústico denominado (…), que é o único activo da sociedade, imóvel que intentou já vender, tendo igualmente feito seu o sinal recebido do promitente-comprador. Os factos vindos de descrever fazem incorrer o R. em responsabilidade civil nos termos do art.º 72.º do CSC, com a consequente obrigação de indemnizar a (…), SA dos prejuízos sofridos, sendo a presente acção instaurada ao abrigo do preceituado no art.º 77.º do mesmo diploma legal.
*
Regularmente citado, o R. apresentou contestação, na qual explicou que o prédio denominado (…) foi destacado de um outro, apelidado de Monte dos (…), que adquiriu por herança, à semelhança do que antes ocorrera com o prédio denominado (…), este adquirido pela Sociedade Imobiliária (…), SA, de que o autor é também accionista. Ambos os prédios resultantes das referidas desanexações destinavam-se a ser afectados a um projecto turístico de grande envergadura, tendo sido acordado entre todos os accionistas que a exploração agrícola seria desenvolvida pelo contestante por intermédio da Sociedade Agrícola dos (…), Unipessoal, Lda., revertendo os resultados obtidos em seu proveito conforme vinha ocorrendo desde 1989, e até que fossem vendidos, altura em que o valor da venda seria repartido pelos accionistas como contrapartida dos investimentos realizados. Tal acordo de cavalheiros justifica o silêncio do autor e demais accionistas durante mais de 10 anos, motivando a presente acção o conhecimento de que a sociedade (…), SA – a qual nunca se dedicou à exploração agrícola – enfrenta dificuldades financeiras, actuando o demandante em claro abuso de direito e com a única intenção de obter para si ou para terceiro o controle da sociedade e, consequentemente, do seu valioso activo, o que lhe é vedado pelo disposto no n.º 5 do art.º 77.º do CSC.
Tendo impugnado quanto fora alegado pelo autor em suporte dos valores indemnizatórios reclamados, concluiu pela improcedência da acção, tendo ainda requerido que por aquele fosse prestada caução, conforme prevê o citado n.º 5 do art.º 77.º do CSC.
*
Foi requerida e admitida a intervenção principal provocada da sociedade (…), SA, na sequência do que (…) – que fora citada em representação da chamada – veio aos autos declarar que fazia seus os articulados do autor (cf. fls. 592).
Dispensada a realização da audiência prévia, prosseguiram os autos com enunciação dos temas da prova, sem reclamação das partes.
Realizou-se audiência de julgamento, no termo da qual foi proferida sentença que, na procedência da acção, condenou o R. “a pagar à Sociedade (…) – Sociedade Imobiliária, S.A. a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença referente à extracção de cortiça e rendas auferidas no âmbito de contrato(s) de arrendamento rural, do imóvel denominado …, (…), desde a constituição da sociedade até à propositura da presente acção, até ao limite máximo do pedido de € 1.000.000,00 (um milhão de euros)”.

Inconformado, apelou o R. e tendo desenvolvido em doutas alegações os fundamentos da discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões:
1.ª- Em sede de dispositivo, o Douto Tribunal a quo concluiu: “Pelo exposto, julgo a presente acção em que é autor (…) e interveniente principal (…) – Sociedade Imobiliária, S.A., procedente e, em consequência: Condeno o réu a pagar à Sociedade (…) – Sociedade Imobiliária, S.A. a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença referente à extracção de cortiça e rendas auferidas no âmbito de contrato(s) de arrendamento rural, do imóvel denominado …, (…), desde a constituição da sociedade até à propositura da presente acção, até ao limite máximo do pedido de € 1.000.000,00 (um milhão de euros)”.
2.ª O facto dado como provado sob o n.º 31 da Sentença: “O ora Réu, como sócio único da Sociedade Agrícola dos (…), Unipessoal, Lda. e ao mesmo tempo Presidente do Conselho de Administração da (…), Sociedade Imobiliária, SA, desviou as receitas recebidas da exploração do imóvel propriedade da sociedade Serrasul em seu proveito próprio, em detrimento da Sociedade (…)”, consiste numa mera conclusão e não num facto, pelo que deverá tal facto ser retirado da matéria de facto dada como provada.
3.ª Face à prova testemunhal produzida, conjugada com a documentação junta aos autos, devem ser dados como provados os factos julgados não provados sob as als. f), g), h)[1], j), k), l) e m).
4.ª O ora Recorrido litiga em manifesto abuso de direito, proibido pelo art.º 334.º do CC, na forma de venire contra factum proprium.
5.ª Havia um acordo – pelo menos tácito – entre os accionistas da sociedade (…), para que o Recorrente realizasse a exploração agrícola do Imóvel até à respectiva venda. Esta condição era, portanto, bem conhecida dos Accionistas Minoritários, os quais participaram na sociedade única e exclusivamente com vista à realização de um projecto turístico.
6.ª Não se concebe que desde a constituição da sociedade (…) só agora venha o Recorrido colocar em causa a exploração do Imóvel e solicitar uma indemnização pelos montantes associados com a mesma, porquanto tal prática já era bem conhecida do Recorrido desde a data da sua constituição.
7.ª O Recorrente adoptou, ao longo dos anos, uma conduta conciliável com o comportamento activo e omissivo do Recorrido (e do outro accionista minoritário), criando um conjunto de expectativas legítimas. A posição jurídica agora assumida pelo Recorrido é contrária àquela assumida anteriormente, i.e. de permissão e concordância, colocando em causa o equilíbrio jurídico-material nas relações entre Recorrente e Accionistas Minoritários.
8.ª O que o Recorrido pretende é, por caminhos ínvios, obter uma compensação às custas do Recorrente pelo insucesso do projecto imobiliário turístico idealizado pelos accionistas da sociedade (…). Ora, tal circunstância não é certamente atribuível ao Recorrente, sendo que, como accionista maioritário, foi quem mais perdeu com tal insucesso.
9.ª Não obstante a acção ter sido proposta em nome da sociedade (…), a má-fé inerente à actuação abusiva do Recorrido deve comunicar-se à sociedade (…), através da imputação subjectiva de conhecimentos, qualidades ou comportamentos juridicamente relevantes.
10.ª Porquanto, as únicas pessoas que beneficiariam da procedência da presente acção seriam o Recorrido e o outro accionista minoritário que, conjuntamente com o Recorrente, detêm a integralidade do capital social da sociedade (…), uma vez que a sociedade não tem quaisquer dívidas a terceiros. Tal benefício materializar-se-ia em sede de distribuição de lucros e/ou de liquidação.
11.ª De acordo com os critérios gerais para a fixação do valor – aplicáveis in casu –, fixados no artigo 297.º do CPC, o valor da causa corresponde à quantia certa em dinheiro que se pretende obter, a qual deverá equivaler ao montante concreto dos danos alegadamente sofridos, impendendo sobre o Recorrido o dever de indicação do valor da causa.
12.ª Nos termos do artigo 483.º do CC, a responsabilidade civil por factos ilícitos depende de uma actuação com dolo ou mera culpa, ilícita, que resulte em danos concretos, contando que exista nexo de causalidade entre a actuação e os danos, cabendo ao pretenso lesado provar os pressupostos constitutivos de tal responsabilidade, enquanto factos constitutivos do direito que alega, competindo-lhe o ónus de alegação e prova desses mesmos factos incluindo, obviamente, a extensão dos danos sofridos e o cálculo do valor monetário destes.
13.ª O ora Recorrido limitou-se, em sede de petição inicial, a requerer a condenação do R., ora Recorrente, a indemnizar directamente a sociedade (…) “em montante a fixar, mas nunca inferior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros)”, sem especificar o valor da causa, o qual se quer certo e determinado, e sem pedir qualquer tipo de prova, e.g. prova pericial ou inspecção judicial, que permitisse calcular a extensão e o valor dos danos alegados.
14.ª No presente caso não se esgotaram os meios processuais ao dispor do Recorrido para a determinação do montante dos danos por si alegados.
15.ª O Recorrido peticiona uma indemnização não inferior a EUR 1.000.000,00 (um milhão de euros), a qual corresponde, na sua óptica, essencialmente, ao montante das:
- Rendas recebidas decorrentes de contrato de arrendamento e exploração agrícola e outras receitas consequentes da exploração do Imóvel; e
- Receitas recebidas em resultado da venda da cortiça extraída do Imóvel.
16.ª Entende o ora Recorrente que a condenação imposta pelo Tribunal a quo não é passível de ser fixada com recurso à liquidação em execução de sentença, uma vez que os valores supra identificados poderiam ter sido quantificados – e provados – em sede de audiência de julgamento, mediante recurso, nomeadamente, à prova pericial ou inspecção judicial.
17.ª A admitir-se uma condenação nestes termos, premiar-se-ia a inércia processual do Recorrido, que lançou mão de um enquadramento factual vago, impreciso e inexacto, sem, desde logo, ter quantificado e provado os alegados danos, conforme lhe cabia à luz do princípio do dispositivo – princípio basilar do processo civil Português –, reflectido no artigo 5.º, n.º 1, do CPC, o que expressamente se rejeita.
18.ª Subsidiariamente, mas sem conceder, deve a Sentença ser, pelo menos, alterada de forma a, mantendo-se a decisão de condenação, fixar um limite superior muitíssimo mais reduzido ao valor da putativa indemnização devida pelo Recorrente e, cumulativamente, fixar critérios concretos para o respectivo apuramento, que, atendendo à parca matéria de facto provada a este propósito, os valores em causa nunca poderiam ser superiores a EUR 50.000,00.
19.ª No âmbito do procedimento cautelar n.º 809/15.0T8OLH, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Instância Central, Secção de Comércio, Juiz 2, foi proferida Sentença que decretou o arresto das acções do ora Recorrente, invocando o artigo 77.º do CSC “em indemnização pelos prejuízos a ela causados pelos gerentes ou administradores, indemnização essa que ingressará no património da sociedade, (…) visando a reparação desta pelos prejuízos sofridos e, reflexamente, de entre os accionistas (…)”, os quais participam da sociedade segundo a proporção do valor da sua participação no capital social.
20.ª Nesse sentido, os accionistas verão supridos quaisquer prejuízos que a sociedade tenha sofrido, em consequência da conduta ilegal de algum dos gerentes ou administradores da sociedade.
21.ª Na hipótese da Sentença do Tribunal a quo ser confirmada pelo douto Tribunal ad quem, incumbe sobre o Recorrente o pagamento de uma indemnização, no montante a fixar, à sociedade (…).
22.ª Tendo em conta que a sociedade (…) não tem quaisquer dívidas, o montante que o Recorrente tiver, hipoteticamente, de devolver a título indemnizatório, será, por via de distribuição de lucros ou em sede de liquidação, dividido da seguinte forma: 80% regressará ao Recorrente, sendo o valor remanescente de 20% dividido em duas parcelas iguais pelos Accionistas Minoritários.
23.ª Ora, recorrendo ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica, em sede de liquidação de sentença o Recorrente só deve ser condenado a devolver 20% dos danos a liquidar à sociedade (…); caso contrário, i.e. numa situação em que o ora Recorrente indemnizasse a sociedade pela quantia total a ser fixada em execução de sentença, operaria, posteriormente, uma compensação, pelo facto de o Recorrente deter 80% do capital social da sociedade.
24.ª A venda das acções representativas de 80% do capital social da sociedade (…) faria com que o respectivo comprador se tornasse accionista da sociedade através da satisfação de um crédito da mesma, i.e., seria a própria sociedade a financiar e suportar o custo da aquisição daquelas acções.
25.ª O artigo 322º, nº 1, do CSC proíbe a aquisição indirecta de acções próprias, visando impedir que seja o próprio património da sociedade anónima, cujas acções são adquiridas, a suportar ou garantir o respectivo custo de aquisição.
Com tais fundamentos requer a revogação da sentença recorrida.
Contra alegou o recorrido, pugnando pela manutenção do julgado.
*
Questões a decidir:
i. Do erro de julgamento no que respeita aos factos;
ii. Da responsabilidade do administrador e do abuso de direito;
iii. Da indevida remessa para posterior liquidação e da fixação do limite da indemnização, atendendo aos factos provados;
iv. Da violação do disposto no art.º 322.º, n.º 1, do CSC.
*
i. Impugnação da matéria de facto
O recorrente imputa à decisão erro no julgamento dos factos, pugnando pela eliminação do ponto 31 da sentença, por não conter um facto mas antes o enunciado de uma conclusão, pretendendo ainda que da prova por testemunhas – ainda que tenha indicado apenas o testemunho prestado por (…), nas passagens que identificou e transcreveu –, conjugada com a documentação junta aos autos resultaram demonstrados os factos constantes das als. f), g), i), j), k), l) e m), a saber:
f. A sociedade Agrícola dos (…), Lda. teve como fim proceder à exploração agrícola do imóvel “Monte dos (…)”, incluindo a exploração agrícola dos Imóveis “(…)” e “(…)”;
g. O contrato de cessão de exploração outorgado pelo réu com a Sociedade Agrícola dos (…), datado de 1 de Abril de 1998, visou manter a exploração de natureza agrícola, silvícola ou pecuária, na disponibilidade do Réu;
i. Foi acordado entre o Réu e os três accionistas que o único fim da participação dos accionistas, … (ora Autor), … e …, seria beneficiar do valor de 10% das vendas dos imóveis “(…)” e “(…)”, como contrapartida dos investimentos realizados;
j. Na sequência de tal acordo, os accionistas … (ora Autor), … e … abdicaram do valor da exploração de ambos os imóveis, de natureza agrícola, silvícola ou pecuária, durante o período compreendido entre a constituição de ambas as sociedades e a efectiva alienação dos Imóveis;
k. Todos os accionistas tinham conhecimento de que a exploração agrícola dos Imóveis “(…)” e “(…)” era feita pelo Réu, através da “Sociedade Agrícola dos (…), Unipessoal, Lda., NIPC (…), constituída para esse fim em 1989;
l. O que sucedia desde 1989 e continuaria até à data da venda dos Imóveis “(…)” e “(…)” (através das sociedades anónimas constituídas para o efeito);
m. Facto de que [o réu] deu conhecimento aos accionistas.

Começando a apreciação da impugnação pelo referido ponto 31., no qual se afirma que “O ora Réu, como sócio único da Sociedade Agrícola dos (…), Unipessoal, Lda. e ao mesmo tempo Presidente do Conselho de Administração da (…), Sociedade Imobiliária, SA, desviou as receitas recebidas da exploração do imóvel propriedade da sociedade (…) em seu proveito próprio, em detrimento da Sociedade (…)”, afigura-se ser de reconhecer razão ao recorrente. Vejamos:
Conforme o STJ vem persistentemente chamando a atenção “Muito embora o art.º 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art.º 607.º, n.º 4, do CPC devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos”[2].
Deverão assim ser eliminadas do elenco factual as expressões e asserções que não revistam natureza fáctica essencialmente quando esteja em causa matéria essencial à decisão a proferir, constituindo o “thema decidendum”[3]. Tal ocorre portanto “sempre que um ponto da matéria de facto comporte uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto do recurso ou da acção, comportando uma resposta ou componente de resposta àquelas questões”, caso em que deverá ser eliminado[4].
No caso que nos ocupa, reconhecendo-se embora que a noção de “desvio de receitas de uma sociedade em proveito próprio” reveste uma dimensão fáctica de fácil apreensão, trata-se, todavia, de afirmação que encerra indubitavelmente uma conclusão a qual é susceptível de decidir, por si só, o destino da acção. Com efeito, aquilo que se discute é precisamente saber se ocorreu um “desvio” das receitas da sociedade, com a carga de ilicitude que a palavra, naquele contexto, comporta, ou se antes, porventura, conforme o réu – que não nega, note-se, ter beneficiado das rendas e do produto da venda da cortiça – defende e sustenta, tais quantias não pertenciam à sociedade mercê do acordo de todos os accionistas.
Deste modo, porque os factos assentes em 29. e 30. reflectem já quanto de relevante a este respeito se apurou, determina-se a eliminação do aludido segmento do ponto 31., subsistindo apenas a 1.ª parte, com o seguinte conteúdo: “O ora réu é o sócio único da Sociedade Agrícola dos (…), Unipessoal, Lda. e ao mesmo tempo o Presidente do Conselho de Administração da (…), Sociedade Imobiliária, SA”.
Quanto aos demais factos que o apelante pretende que sejam considerados provados, apelou para tanto, a par do testemunho prestado por (…), aos “documentos juntos aos autos”; fê-lo, todavia, sem quaisquer preocupações de identificação e/ou localização de tais documentos, escusando-se ainda a explicitar em que medida o respectivo conteúdo, quando conjugado com a prova testemunhal invocada, importa a requerida modificação. A ausência de especificação dos documentos a ter em conta por este Tribunal traduz a inobservância por banda do impugnante do ónus da especificação, tal como surge consagrado na al. b) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, inviabilizando a reponderação da prova desta natureza, sem prejuízo naturalmente de poderem/deverem ser tidos em consideração os factos que se mostrem documentalmente comprovados, como impõem as disposições conjugadas dos art.ºs 607.º, n.º 4 e 663.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.
Atento o que vem de se expor cabe agora reapreciar o testemunho convocado pelo recorrente em abono da sua pretensão modificativa, em ordem a proferir decisão.
A identificada testemunha, filho do recorrente, prestou um longo depoimento sem que no entanto, impõe-se reconhecê-lo, tenha cedido à tentação de corroborar de modo gratuito e inconsistente a versão trazida aos autos pelo réu seu pai. Pelo contrário, depôs com grande consistência e preocupação de rigor, tendo tido sempre o cuidado de fazer a destrinça entre os factos de que tinha conhecimento directo e aqueles que assumia como verdadeiros por força do conhecimento de outros, que igualmente relatou, tendo merecido inteira credibilidade.
Da análise das declarações prestadas não subsistiu dúvida, resultando também da documentação constante dos autos, designadamente de fls. 80-81 e 195-196 – em linha, aliás, com os factos considerados assentes pela Mm.ª juíza – que os prédios denominados (…) e (…), este último aqui em causa, foram destacados de um outro, com centenas de hectares, denominado Monte dos (...), o qual havia sido herdado pelo aqui réu e toda a vida por este explorado, a partir de certa altura através da Sociedade Agrícola dos (…), Unipessoal, Lda. Tal facto foi referido pela testemunha e resultou confirmado desde logo pelas facturas juntas pelo próprio autor (docs. 7 e 8, a fls. 89 e 90), decorrendo também das regras da experiência ou modo como as coisas de ordinário ocorrem. Com efeito, que outra finalidade poderia ter sido visada com a constituição de uma sociedade agrícola, a partir de dado momento unipessoal, senão para prosseguir a exploração agrícola dos prédios pertença do seu único sócio, que sempre os explorara e disso fazia modo de vida?
Tal era portanto o estado de coisas aquando da constituição da sociedade (…), SA para a qual foi transferida pelo réu a propriedade do prédio rústico com o mesmo nome, destacado daquele, a fim de ser afectado a um projecto turístico de grande dimensão, sociedade da qual viriam a ser accionistas, para além do aqui réu, sócio maioritário mercê da aludida entrada em espécie, o aqui autor/apelado e também (…).
Em momento posterior, e com a expectativa de facilitar a aprovação e financiamento do projecto turístico, o réu procedeu à desanexação de uma outra parte do prédio mãe, dando origem ao prédio denominado (…), tendo sido constituída no ano de 2001 a sociedade com o mesmo nome, sendo inicialmente accionistas, para lá do réu, cuja entrada, em espécie, foi cumprida com a transmissão do prédio, também o réu, e ainda (…), esposa do referido (…), (…) e a testemunha (…), estes com participações diminutas, acções logo transmitidas ao agora apelante. Tais factos, corroborados pelos documentos de fls. 195-196, 208 a 221 e 226 a 230, 371 a 374, foram relatados de forma cristalina e consistente pela testemunha (…), que deles tinha conhecimento directo, dada a sua intervenção, quer ao nível de constituição da sociedade, quer das diligências efectuadas em ordem a desenvolver e fazer aprovar o projecto.
Mais confirmou de forma peremptória, e não resultou contrariado, antes pelo contrário, que sempre o réu continuou a explorar os imóveis através da referida sociedade agrícola, tal como ocorria antes das desanexações, não se afigurando especialmente relevante para este efeito determinar quando e se foi efectivamente formalizada a cessão de exploração do mediante o contrato discutido nos autos, tanto mais que o próprio réu admitiu na contestação que era ele quem explorava o prédio, ainda que por intermédio da sociedade agrícola dos (…), Lda. E a descrita situação era, ficámos plenamente convencidos, do conhecimento dos demais accionistas, incluindo o aqui autor. Com efeito, e embora pelas razões apontadas na sentença, que secundamos, as declarações de parte por este último prestadas não tivessem resultado em grande parte credíveis (a começar pela declaração de abertura que a Mm.ª juíza acertadamente refutou), não deixou de admitir saber que o réu vivia da exploração agrícola dos terrenos sua pertença, incluindo os denominados (…) e (…), que vieram a ser transmitidos para as sociedades entretanto constituídas. Também a accionista (…) disso tinha perfeito conhecimento, o que resulta incontornável do testemunho prestado pelo (…), uma vez que o casal que formava com o referido (…) pertencia ao círculo de amizades chegadas do réu, sendo amigos de infância (cedendo claramente ao hábito a testemunha referiu-se várias vezes ao marido desta accionista como “tio”, tratamento revelador da proximidade entre o casal, o réu e a respectiva família).
Por outro lado, tal como a testemunha destacou, a finalidade da constituição das sociedades, designadamente da (…), SA, era levar a cabo o projecto turístico, e foi esse mesmo objectivo que atraiu os investidores, caso do aqui autor, não tendo aquela sociedade, disso ficámos firmemente convencidos, qualquer apetência para a exploração agrícola dos terrenos. Esclarecedoramente, e apelando à terminologia saxónica, referiu tratar-se de “shelf company”, porquanto, tendo sido criada com um fim específico, não desenvolveu qualquer actividade, aguardando pelo momento em que seriam vendidos o imóvel e o projecto ou simplesmente as acções. Referiu complementarmente que por ter sido a sociedade (…), SA a constituída inicialmente todas as contratações necessárias ao desenvolvimento do projecto foram por esta última asseguradas, permanecendo a (…), SA inactiva.
Acresce, facto que não poderá ser desconsiderado, que o réu não tinha outro modo de vida, sendo perfeitamente natural ou seja, mais uma vez, conforme às regras da experiência, que ao transferir a propriedade dos imóveis reservasse para si a exploração dos mesmos nos precisos termos que vinha fazendo até então. Todavia, tendo sido directamente perguntado à testemunha se tinha existido acordo expresso dos accionistas nesse sentido, aludiu à existência de um acordo de cavalheiros, dada a informalidade com que tudo se passava, potenciada pelas relações estreitas de amizade entre o pai e o dito (…), que depois e estenderam ao aqui autor.
Apelou ainda à finalidade com que a sociedade foi constituída, limitada ao desenvolvimento do projecto turístico, a tanto se circunscrevendo as conversas entre accionistas nas diversas ocasiões em que se reuniram, sem que alguma vez tenha sido mencionada a venda da cortiça, para justificar a sua profunda convicção de que nenhum interesse tinham na exploração agrícola dos prédios, actividade para a qual a sociedade não se encontrava minimamente vocacionada. E só a circunstância do objectivo dos accionistas ser o desenvolvimento do projecto turístico e sua posterior venda com divisão dos lucros na proporção das participações de cada um justifica, conforme a testemunha também sublinhou, o decurso de mais de uma década sem que algum deles tenha alguma vez indagado dos rendimentos da exploração.
Face ao assim declarado, e reconhecendo a justeza do argumento, ficou o convencimento de que em relação à exploração agrícola dos prédios pelo réu, não tendo a questão sido formalmente colocada, estava assumido que a mesma se manteria nos moldes em que se vinha fazendo até então, assunção que surge reforçada pelo facto de ao longo do tempo nenhuma oposição ter sido deduzida pelos demais accionistas, apesar do conhecimento efectivo que tinham da situação. Tal actuação reforçou naturalmente o convencimento do réu nesse sentido irrelevando, a nosso ver, que a exploração se fizesse “através” da sociedade unipessoal que para esse efeito fora constituída em 1998.
Parece aqui oportuno referir que tendo resultado da prova produzida, designadamente dos documentos juntos pelo próprio autor e a que se fez referência, que era efectivamente “através” da Sociedade Agrícola dos (…), Lda. que o réu explorava os prédios, já não resultou provado de forma segura que o contrato de exploração juntos aos autos tenha sido celebrado e na data que dele consta.
A Mm.ª juíza descredibilizou no segmento sob apreciação o testemunho do referido (…) com o argumento de que as suas declarações, nesta parte, não foram corroboradas por nenhum outro meio de prova, não se mostrando ainda conformes às regras da experiência. Tal argumentação, contudo, e ressalvado o devido respeito, não a subscrevemos. Com efeito, tendo aquele prestado testemunho irrepreensível, não se vê razão para ter faltado à verdade neste particular, tanto mais que não afirmou ter conhecimento da existência de qualquer acordo formal no sentido favorável à versão do aqui réu; depois, é necessário não perder de vista que os prédios pertenciam ao ora recorrente, que os havia adquirido por herança e sempre os tinha explorado, sendo esse o seu modo de vida. Não é portanto crível que estivesse na disposição de abdicar da sua fonte de rendimento, para mais quando nenhuma remuneração lhe foi atribuída pelo exercício do cargo de presidente do CA da (…), SA sendo certo que para além de ter contribuído com os terrenos, afectou muito do seu tempo ao desenvolvimento do projecto turístico. Acresce ter ficado cabalmente esclarecido pelo testemunho daquele (…) que a sociedade nunca esteve vocacionada para a exploração agrícola, nem de resto tinha meios para tal, o que foi confirmado pela testemunha (…), contabilista das diversas sociedades e também membro da administração da (…), SA. Na verdade, por menos exigentes que fossem tais meios, conforme a Mm.ª juíza fez notar, a verdade é que os terrenos têm que ser limpos, são necessários máquinas e trabalhadores para o efeito, alguém tem que os contratar para o efeito, tal como é necessário negociar com os adquirentes da cortiça, não estando seguramente em causa, ao invés do que ficou consignado na sentença, uma actividade apenas geradora de lucros, tendo-se ainda como certo, conforme as aludidas testemunhas asseveraram, que a (…) SA nunca suportou qualquer custo relacionado com a exploração do prédio.
Daqui não decorre, contudo, e para tanto não foi produzida prova com consistência bastante, que os accionistas tenham acordado com o réu de forma expressa que este continuaria a exploração, fazendo seus os proventos respectivos, embora não tenha subsistido dúvida quanto ao facto de terem efectivo conhecimento de que era assim que as coisas se passavam sem nunca o terem questionado, inércia que se manteve por mais de uma década, o que se compreende quando se considere que o objectivo da sua participação era outro, não tendo estado no horizonte de nenhum dos investidores a exploração agrícola dos terrenos. E assim era porque na realidade e conforme a testemunha claramente explicou, a sociedade (…), SA, a despeito do seu objecto social mais abrangente, fora constituída com um propósito bem definido – participando a sociedade (…) do mesmo destino – que não contemplava a exploração agrícola dos terrenos, visando os accionistas as mais-valias que se perspectivavam chorudas (10 x o investimento, revelou a testemunha Tiago com a venda do projecto, circunstância esta que justifica a inércia verificada durante mais de uma década. Aliás, ficámos mesmo convencidos que tivesse o projecto vingado e a ninguém ocorreria indagar pelo produto da venda da cortiça. Claro que, decorridos mais de 10 anos sobre a data da constituição da sociedade e inviabilizado o grandioso projecto, confrontados os accionistas com a insolvência de uma das sociedades e com execução da parte restante do crédito para cuja satisfação responde o imóvel da sociedade ora chamada, bem se compreende que os dinheiros provenientes da exploração dos prédios tenham passado a ser equacionados e a assumirem relevância.

Face ao que vem de se expor, e na parcial procedência da impugnação, tem-se por assente que:
f. A sociedade Agrícola dos (…), Lda teve como fim proceder à exploração agrícola do prédio “Monte dos (…)”, incluindo a exploração agrícola dos imóveis “(…)” e “(…)” entretanto destacados daquele prédio.
i. Ao participarem nas sociedades (…), SA e (…) SA, os accionistas … (ora Autor), (…) e (…) pretendiam apenas participar no lucro das vendas dos imóveis “(…)” e “(…)” como contrapartida dos investimentos realizados e na proporção das suas participações.
k. Todos os accionistas tinham conhecimento de que a exploração agrícola dos imóveis “(…)” e “(…)” era feita pelo Réu desde data anterior à desanexação dos prédios (…) e (…) e assim continuou após a constituição das sociedades e transmissão para estas dos referidos prédios.
Tendo ainda resultado demonstrado, quer por via do testemunho a que nos vimos referindo, quer das declarações prestadas pelo autor, que durante mais de uma década nem este, nem os accionistas (…) e (…) reclamaram quaisquer valores ao réu, quer para si, quer para as sociedades (…), SA e (…), SA, e podendo tal facto assumir relevância para a decisão da causa, será o mesmo igualmente considerado.
Do mesmo modo, considerando os testemunhos convincentes do (…) e do (…), este naturalmente conhecedor dos elementos contabilísticos das sociedades, tem-se ainda por assente que:
“Com a constituição da “(…) – Sociedade Imobiliária, S.A.” os accionistas visavam prosseguir a aprovação de um projecto imobiliário turístico, com o intuito de posterior alienação, com repartição das mais-valias”;
“Nem os accionistas nem a (…) – Sociedade Imobiliária, S.A. despenderam qualquer quantia com a limpeza e conservação do imóvel”;
A “(…) – Sociedade Imobiliária, S.A.” nunca adquiriu uma máquina ou ferramenta agrícola, nunca teve quaisquer trabalhadores ao seu serviço, nunca teve qualquer relação comercial com outra sociedade agrícola”, eliminando-se as alíneas t), v e x).
*
II. Fundamentação
Com relevância para a boa decisão da causa, apuraram-se os seguintes factos:
1. Foi outorgada em 23 de Outubro de 2001, no Cartório Notarial de Vila de Rei, escritura pública de Contrato de Sociedade Anónima entre (…); (…); (…), (…) e (…), com a firma (…) – Sociedade Imobiliária, S.A., nos termos constantes de fls. 371 a 374, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, tendo o ora réu entrado com o valor de cento e cinquenta e um mil e setecentos euros, realizado em espécie com a transferência para a sociedade do prédio rústico denominado “(…)”, e os segundo e terceira outorgantes com dezanove mil euros em dinheiro; os quarto e quinto outorgantes com cento e cinquenta euros em dinheiro.
2. A sociedade (…) – Sociedade Imobiliária, S.A., tem sede na Praça da (…), 15, 1.º, Carvoeiro, Lagoa, Faro, com o NIPC (…), consta matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número, registada pela insc. 1 Ap. …/20011213, referente ao contrato de sociedade.
3. A sociedade (…) obriga-se pela assinatura de dois administradores, sendo sempre necessária a assinatura do presidente do Conselho de Administração ou pela assinatura do presidente do Conselho de Administração e de um ou mais mandatários.
4. Na data da constituição da sociedade foram nomeados membros do Conselho de administração: (…), com o cargo de presidente; (…), com o cargo de vogal; (…), com o cargo de vogal.
5. Consta registada pela inscrição 2., ap. 1 de 20100413, a designação de (…) como vogal, em substituição de (…), mantendo-se os demais membros do conselho de administração.
6. (…) é titular de acções ao portador representativas de 80% do capital social da Soc. (…), S.A., da qual foi Presidente do Conselho de Administração desde a data da constituição da mesma até ter sido judicialmente suspenso por decisão datada de 05/05/2015, proferida nos autos de processo n.º 457/15.5T8OLH, Juízo de Comércio, Juiz 2, Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Faro.
7. O ora A. é titular de acções ao portador representativas de 10% do capital social da Sociedade (…), S.A e o mesmo ocorre com (…), igualmente titular de acções ao portador, representativas de 10% do capital social da referida Sociedade, sendo Administradora da referida Sociedade (…), S.A.
8. A Soc. (…), S.A. tem por objecto social a "Compra e venda de prédios urbanos, rústicos, mistos ou lotes de terreno, administração, arrendamento ou exploração de bens próprios ou alheios, construção, urbanização e promoção de imóveis, aquisição, negociação e venda de participações em sociedade com o mesmo objecto social, bem como negócios directamente ligados ao objecto principal”.
9. A Sociedade (…), SA tem como único activo o prédio rústico "(…)", sito na freguesia e concelho de Grândola, descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o número (…) daquela freguesia e inscrito na matriz sob o artigo (…), Secção EE, com a área total de 275,915 hectares, sendo 167 hectares de montado de sobro.
10. Foi outorgado contrato de arrendamento rural entre a Sociedade Agrícola dos (…), Unipessoal, Lda., representada pelo ora réu, na qualidade de senhoria, e (…) na qualidade de arrendatário, datado de 25 de Setembro de 2012, do qual consta:
“A primeira contratante é legítima administradora dos seguintes prédios:
1. Prédio rústico denominado “(…)” com a área de 222,0500 localizado na freguesia e concelho de Grândola, inscrito na respectiva matriz cadastral sob o n.º 3106 da mencionada freguesia;
2. Prédio rústico denominado “(…)” com a área de 275,9157 hectares, localizado na freguesia e concelho de Grândola, inscrito na respectiva matriz cadastral sob o n.º (…) da secção EE e descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o n.º (…) da mencionada freguesia;
3. Prédio misto denominado “Perna (…) dos (…), com área de 15,2 hectares, localizado na freguesia e Concelho de Grândola, inscrito na respectiva matriz predial quanto à parte rústica sob o art.º. (…) da secção EE e quanto à parte urbana sob os artigos (…) e (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o n.º (…) da mencionada freguesia.
UM – Pelo presente contrato a primeira contratante dá de arrendamento ao segundo contratante, e este aceita, nas condições de uma regular utilização, os prédios melhor identificados sob os n.ºs 1 e 2 da cláusula primeira supra, e uma parcela de terreno com a área de 10,0000 hectares do prédio identificado sob o n.º 3 da mesma cláusula, destinados a culturas cerealíferas de sequeiro e regadio, pastagens melhoradas e pastoreio directo e estabulado em toda a área arrendada;
DOIS – O presente arrendamento abrange todas as dependências agrícolas nos mesmos existentes;
TRÊS – Fica expressamente excluído do presente contrato todo o rendimento da parte florestal;
Cláusula Terceira
O presente contrato tem a duração de 10 (dez) anos, com início em 01-10-2012 e termo em 30 de Setembro de 2022, renovável automática e sucessivamente por iguais períodos de tempo, se não for denunciado por qualquer das partes nos termos legais;
Cláusula quarta
UM - A renda global anual fixada é de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) (…); (documento 5 junto com a petição inicial)”.
11. (…), na qualidade de comprador, e Sociedade Agrícola dos (…), Unipessoal, Lda., na qualidade de vendedor, celebraram contrato de compra e venda de cortiça, datado de 25 de Junho de 2012, do qual consta:
“1. O Vendedor, na qualidade de legítimo proprietário da sua cortiça extracção em 2013 e extracção em 2015 da propriedade dos (…) e (…), freguesia de Grândola, Concelho de Grândola.
Vende aos compradores nas seguintes condições, aceites por ambas as partes:
a) Cortiça Amadia ao preço de catorze euros por arroba (15 kg);
b) Cortiça virgem e bocados e refugo ao preço de quatro euros por arroba (15 g);
c) A estes valores será acrescido IVA à taxa legalmente em vigor.
2. Compra da cortiça na árvore, a extracção e empilhação serão por conta dos compradores.
3. A pesagem da cortiça será feita em báscula com o desconto de 20% sobre o total do peso.
4. O pagamento da cortiça será efectuada da seguinte forma:
Dois cheques de 13.500,00 € (treze mil e quinhentos euros) como adiantamento (cópias dos cheques em anexo) com data de 25 de Junho de 2012.
Após extracção do ano de 2013 será feito o acerto do valor da mesma, assim como um adiantamento para a extracção de 2015 e o acordo de pagamento do restante valor (…) doc. 6 junto com a petição;
12. Foi emitida em 30-08-2002 factura pela Sociedade Agrícola dos (…), Lda., relativamente a (…) Iberica Del (…), S.A. referente a cortiça do ano de 2002, no valor de € 120.000,00 (doc. 7 da petição).
13. Foi emitida em 06-07-2004 factura pela Sociedade Agrícola dos (…), Lda., relativamente a (…) Iberica Del (…), S.A. referente a cortiça Amadia 2965 Arrobas (15 kg) – valor unitário de € 29,928, no valor de € 88.736,52 (doc. 8 da petição).
14. Foi proposta pela Sociedade (…) – Sociedade Imobiliária, S.A. e (…), Sociedade Imobiliária, S.A., acção declarativa de condenação contra (…) peticionando que seja decretado o despejo e condenado o réu a entregar às autoras os prédios arrendados livres e desocupados de pessoas e bens e a pagar as rendas vencidas e as que se vencerem até à restituição.
15. Constituíram fundamentos da acção referida no ponto anterior a ocupação excessiva com animais bovinos com prejuízo para o montado de sobro, bem como no subarrendamento não autorizado, assim como utilização do prédio “(…)” para fim diverso do estipulado no contrato;
16. Na referida acção foi alegado no artigo 34 da petição inicial que: “(...) a (…) é uma propriedade afecta essencialmente à produção de cortiça (…)”.
17. A Sociedade Agrícola dos (…), Unipessoal, Lda. tem sede na Praça da (…), 15, 1.º, Lagoa Carvoeiro, Lagoa, Faro e por objecto a exploração agrícola, pecuária, florestal, silvícola e hortícola de prédios rústicos próprios ou alheios, com o capital social de € 5.000,00, sendo gerente e sócio único … (doc. 10).
18. A Sociedade Agrícola dos (…) consta inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Grândola, pela insc. 1 – Ap. (…)/19890901, a constituição da sociedade e designação de membros de órgãos sociais (doc. 10 junto com a petição).
19. A Sociedade (…), Sociedade Imobiliária, S.A., com sede na Praça da (…), 15, 1.º, Lagoa Carvoeiro, Lagoa, Faro, tinha por objecto “compra e venda de prédios urbanos, rústicos, mistos e lotes de terreno, administração arrendamento ou exploração de bens próprios ou alheios, construção, urbanização e promoção de imóveis, aquisição, negociação e venda de participações em sociedades com o mesmo objecto social, bem como negócios directamente ligados ao objecto principal, podendo, ainda, dedicar-se a outras actividades comerciais ou industriais complementares ou afins destas”.
20. Tinha como membros do Conselho de Administração: (...), com o cargo de presidente, (...), com o cargo de vogal, e (...), com o cargo de vogal.
21. A sociedade (…) – Sociedade Imobiliária, S.A. foi declarada insolvente por sentença datada de 16 de Setembro de 2013, proferida no âmbito dos autos de processo 2560/13.7TBPTM, que correu termos no 1.º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão.
22. Por carta datada de 27 de Agosto de 2012, o autor dirigiu ao Conselho de Administração da sociedade da (…) – Sociedade Imobiliária, S.A. carta com o assunto: pedido de informações, onde solicitava informações relativamente à extracção de cortiça referente aos anos de 2000 a 2011, porquanto tais valores não apareciam reflectidos nas contas das sociedades, concedendo um prazo de 15 dias.
23. Na mesma data o autor dirigiu pedido de informações ao Conselho de Administração da (…) – Sociedade Imobiliária, S.A., nos termos e com o seguinte teor:
“(…) O requerente é titular de uma participação representativa de 10% do capital Social da Sociedade.
A (…) é proprietária de um imóvel, com uma área aproximada de 225 ha de montado de sobro.
Entre os anos de 2000 a 2011, a Sociedade tem vindo a proceder, ano após ano, com eventual excepção dos anos de 2001, 2003, 2005 e 2008, à extracção de cortiça do montado, tendo o Conselho de Administração da Sociedade procedido à respectiva venda e recebido o preço correspondente.
Não obstante, as contas da Sociedade, salvo qualquer lapso do requerente, não parecem reflectir a entrada do produto dessas vendas.
Na sequência do exposto, vem, na qualidade de accionista detentor de uma participação de 10 % no capital social, ao abrigo do disposto no art.º 291º do Código das Sociedades Comerciais, solicitar que a administração da Sociedade lhe preste as seguintes informações, relativamente a cada ano de extracção:
1. A identificação completa (pessoa singular ou colectiva) a quem foi vendida a cortiça extraída do montado;
2. As quantidades de cortiça vendidas.
3. A que preço foi vendida a cortiça extraído do montado;
4. As datas dos pagamentos dos preços.
5. Os meios de pagamentos dos preços (cheque, dinheiro, transferência bancária e outras).
6. As datas e as contas bancárias da sociedade em que foram creditados tais pagamentos.
Para além disto, constando que na presente data estará em curso e/ou perspectiva, a negociação da cortiça a extrair do montado nos próximos anos na modalidade das chamadas “operações de futuros”.
Sendo certo que o requerente vê com preocupação que sejam negociados contratos deste género, tendo receio que isso possa pôr em causa o futuro da empresa requer, ainda, que lhe sejam prestadas as seguintes informações:
7. Se está a ser negociada em preço unitário pré-fixado a venda da cortiça a extrair nos próximos anos;
8. Quem está a acompanhar essa negociação das chamadas “operações de futuros”;
9. Sendo esse o caso, qual o preço previsto para os negócios e quem seriam os compradores;
10. Quais as deliberações tomadas pelo conselho sobre este assunto:
11. Quais são as razões que levariam o Conselho a optar pela venda, desde já, da cortiça futura.
De acordo com o disposto no número 5 do artigo 291.º do Código das Sociedades Comerciais, as informações considerar-se-ão recusadas se não forem prestadas no prazo de quinze dias” (doc. 6 junto com a petição inicial).
24. Por carta datada de 12 de Setembro de 2012 foi oferecida resposta ao autor pela Sociedade (…), nos seguintes termos:
“(…) a (…) Sociedade Imobiliária, S.A. nunca retirou qualquer cortiça do imóvel em causa. Na verdade, foi outorgado um contrato há muitos anos atrás, anterior à constituição de qualquer uma das sociedades, sendo que o Sr. (…) cedeu a exploração da mesma a uma sociedade, sendo que como contrapartida esta sociedade tem por obrigação fazer a manutenção do prédio misto, nele se incluindo a parte urbana e a rústica, e como contrapartida a cortiça que é retirada da mesma, está incluída.
Cumpre-nos informar que este contrato já existia (ano de 1998), em data anterior à constituição de qualquer uma das sociedades Anónimas de que V. Exa tem 10 % do capital social (doc. 17).
25. Foi proposta em 29 de Janeiro de 2013 pelo (…) Bank – Sucursal em Portugal, na qualidade de exequente, contra (…) – Sociedade Imobiliária, S.A., (…) – Sociedade Imobiliária, S.A., (…) e (…), na qualidade de executados, acção executiva para cobrança do valor de € 1.570.903,77 (cfr. doc. 18 junto com a petição inicial).
26. No âmbito dos autos de insolvência da Sociedade (…) – Sociedade Imobiliária, S.A., foi vendido o imóvel, propriedade da Sociedade (…), pelo preço de um milhão e duzentos e sessenta mil euros (doc. n.º 19 junto com a petição inicial);
27. Por escrito datado de 13 de Agosto de 2014, designado “Contrato Promessa de Compra e Venda” as sociedades (…) – Sociedade Imobiliária, S.A. e (…), Sociedade Imobiliária, S.A., na qualidade de promitentes vendedoras, declararam prometer vender à sociedade (…) – Gestão de Património, Lda, o prédio rústico (…), sito na freguesia e concelho de Grândola, descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o número (…)/20010808, a que corresponde o artigo matricial (…), com a área total de 275,9157 ha, que esta, na qualidade de promitente compradora declarou pretender comprar, pelo preço de € 1.300.000,00 relativamente ao imóvel denominado por (…), tendo sido entregue a título de sinal relativamente a tal imóvel a quantia de € 70.000,00, prevendo-se a caducidade do contrato caso não fossem cumpridas as condições ali elencadas, tudo conforme doc. 20 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
28. (…) procedeu em Outubro de 2014 ao depósito de rendas na Caixa Geral de Depósitos no valor de € 14.153,57, referentes aos prédios constantes dos artigos 36-EE-2-EE, identificando como senhorio a Sociedade Agrícola dos (…), Unipessoal, Lda., conforme documento n.º 21 junto com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
29. A Sociedade Agrícola dos (…) tem vindo a receber a renda referente ao imóvel pertença da Sociedade (…), S.A..
30. O dinheiro das vendas de cortiça tem vindo a ser recebido pelo ora Réu (…), através daquela sua Sociedade Agrícola Monte dos (…), Unipessoal, Lda..
31. O ora Réu é o sócio único da Sociedade Agrícola dos (…), Unipessoal, Lda. e, ao mesmo tempo, Presidente do Conselho de Administração da Sociedade (…) – Sociedade Imobiliária, SA.
32. Nos autos de processo n.º 457/15.5T8OLH, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, instância Central – Secção de Comércio, Juiz 2, foi pelo ora Autor instaurado procedimento cautelar não especificado de suspensão de cargo de gerente contra o ora réu, pedindo a suspensão do requerido do cargo de presidente do Conselho de Administração de (…), Sociedade Imobiliária, S.A.
33. Nos autos de processo n.º 457/15.5T8OLH, foi em 5 de Maio de 2015, decidido, sem audição do requerido:
“(…) Julgar procedente, por indiciariamente provado, o presente procedimento cautelar e consequentemente:
a) Determinar a suspensão de (…) da sua qualidade de presidente do Conselho de Administração da Sociedade “(…) – Sociedade Imobiliária, S.A.”;
b) Determinar que a vinculação da sociedade identificada em a), passa a ser obrigatória a assinatura conjunta dos restantes membros do Conselho de Administração;
c) Indeferir a requerida nomeação de (…), por falta de fundamento legal.
34. O ora A impugnou, por alegada falsidade, o contrato de cessão de exploração junto pelo ora réu no âmbito da oposição à providência cautelar supra referida, encontrando-se pendente processo criminal para apreciação de eventual falsificação do documento.
35. Nos autos de procedimento cautelar que correu termos sob o n.º 809/15.0T8OLH, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Instância Central, Secção de Comércio, Juiz 2, actualmente apenso A dos presentes autos, em que foi requerente o ora autor e requerido o ora réu, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, foi proferida decisão datada de 24-07-2015, onde se decidiu julgar:
“(…) o presente procedimento cautelar procedente, por provado, e, em conformidade, decreto o arresto das acções ao portador, de que o requerido é titular, representativas de 80% do capital social da Soc. (…) – Soc. Imobiliária, S.A., e da quota que o requerido detém na Soc. Agrícola dos (…), Unipessoal, devendo proceder ao competente registo do arresto da quota social na Conservatória do Registo Predial competente, e procedendo-se à apreensão material dos títulos ao portador.
Mais se consigna que o presente arresto se destina a garantir o pagamento do crédito eventualmente existente da Sociedade (…) – Soc. Imobiliária, S.A., sobre o requerido, a exercer pelo requerente nos termos do art.º. 77º do CSC, e não para garantia de qualquer crédito pessoal deste último, o que deverá ser considerado, designadamente, em caso de eventual convolação do presente arresto em penhora. (…)
Registe e notifique o requerido, após efectivação dos arresto (…)”.
36. No âmbito do referido procedimento cautelar foi proferida decisão final no dia 21-12-2015, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, com o seguinte dispositivo:
“(…) O Tribunal julga a presente oposição improcedente, por não provada, e, em consequência, decide manter a providência cautelar de arresto decretada”.
37. As decisões proferidas nos autos de providência cautelar n.º 809/15.0T8OLH transitaram em julgado.
38. Não existiu deliberação dos sócios nem parecer favorável do órgão de fiscalização da Soc. (…), SA, que conferisse poderes ao réu para celebrar os contratos de extracção de cortiça e dar de arrendamento o imóvel de que é proprietária aquela sociedade;
39. Não constam registadas contabilisticamente na Sociedade (…) quaisquer extracções de cortiça ou rendas recebidas referentes ao imóvel denominado (…).
40. O ora Réu era o único e legítimo proprietário do prédio misto sito no Monte dos (…), composto por áreas forrageiras, montado de sobro e casa de rés-do-chão para habitação com a área coberta de 786 m2 e com área de 531,9750 ha, anteriormente inscrito na matriz cadastral rústica sob o artigo (…), secção EE, EE1 (parte) e na matriz predial urbana sob o artigo (…), e descrito na Conservatória do registo Predial de Grândola sob o número (…), a seguir designado por “Monte dos (…)”, conforme documentos 1 e 2 juntos com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
41. O prédio supra identificado englobava, entre outra, as herdades designadas por “(…)” e por “(…)”.
42. A exploração agrícola do referido prédio foi sempre realizada pelo Réu, desde a aquisição, por herança, da respectiva propriedade.
43. Em 1989 o Réu constituiu a “Sociedade Agrícola dos (…), Unipessoal, Lda.”, NIPC (…).
43 a) A sociedade Agrícola dos (…), Lda. teve como fim proceder à exploração agrícola do prédio “Monte dos (…)”, incluindo a exploração agrícola dos imóveis “(…)” e “(…)” entretanto destacados daquele prédio.
43 b) Todos os accionistas tinham conhecimento de que a exploração agrícola dos imóveis “(…)” e “(…)” era feita pelo Réu desde data anterior à desanexação dos prédios (…) e (…) e assim continuou após a constituição das sociedades e transmissão para estas dos referidos prédios.
44. As sociedades (…) e (…) foram constituídas com o objectivo principal de realizar um projecto imobiliário turístico.
45. Inicialmente, o projecto turístico abrangeu exclusivamente o “(…)”.
46. Nesse sentido, o Réu efectuou diversas desanexações no imóvel designado por “Monte dos (…)”, originando diversos prédios distintos, nomeadamente os imóveis “(…)” e “(…)”.
47. Na prossecução do projecto turístico que pretendia desenvolver, o Réu aceitou que … (marido de …, que viria a ser accionista da sociedade “… – Sociedade Imobiliária, S.A.”) participasse como accionista investidor, comprando ao Réu 10% do capital social da sociedade “(…) – Sociedade Imobiliária S.A.”.
48. Tendo o referido (…) angariado um outro accionista investidor, o ora Autor.
49. Na sequência dessa angariação, o Autor comprou igualmente 10% do capital social da (…) – Sociedade Imobiliária S.A. ao Réu.
50. Nesse mesmo ano de 1999, de forma concertada entre os accionistas (Réu, Autor e …) foi apresentada a ideia do projecto turístico à CCDR Alentejo envolvendo apenas o “(…)”.
51. A então Arquitecta da CCDR Alentejo, Arqtª. (…), propôs a extensão do projecto ao Imóvel (…), propriedade do ora Réu.
52. Na expectativa de que a junção de ambas as propriedades (“Imóvel …” e “Imóvel …”) seria benéfica para a aprovação e financiamento do projecto turístico, foi, posteriormente, criada a sociedade “(…) – Sociedade Imobiliária, S.A.”, em 23 de Outubro de 2001 (Docs. n.ºs 3 e 22 juntos com a p.i.).
53. O Réu pretendeu realizar um projecto imobiliário turístico, abrangendo, inicialmente, apenas o “Imóvel …” e, posteriormente, o “Imóvel …”, com a anuência e conhecimento dos restantes accionistas (Doc. n.º 5).
54. Originando a constituição, primeiro da sociedade “(…) – Sociedade Imobiliária S.A.” e, posteriormente, da sociedade “(…) – Sociedade Imobiliária, S.A.”.
54 a) Com a constituição da “(…) – Sociedade Imobiliária, S.A.” os accionistas visavam prosseguir a aprovação de um projecto imobiliário turístico, com o intuito de posterior alienação, com repartição das mais-valias.
54 b) Ao participarem nas sociedades (…), SA e (…) SA os accionistas … (ora Autor), … e … pretendiam apenas participar no lucro das vendas dos imóveis “(…)” e “(…)” como contrapartida dos investimentos realizados e na proporção das suas participações.
55. O projecto turístico viria a ser aprovado, conforme parecer técnico favorável comunicado pelo Município de Grândola em Abril de 2010 (documento n.º 8 junto com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
56. Para garantir a execução do projecto, foi necessário recorrer ao crédito bancário.
57. Em 29.04.2010, o (…) Bank (Portugal), S.A. concedeu à sociedade “(…) – Sociedade Imobiliária S.A.” um empréstimo no montante de € 2.560.000,00;
58. Como garantia do pagamento desse empréstimo, entre outras, a sociedade “(…) – Sociedade Imobiliária, S.A.” constituiu uma hipoteca voluntária sobre o “Imóvel (…)”.
59. Desde a constituição da sociedade “(…) – Sociedade Imobiliária, S.A.” até 27.08.2012, os accionistas da sociedade “(…) – Sociedade Imobiliária, S.A.” nunca questionaram, quer o Autor, quer a própria sociedade, acerca do destino do produto da extracção da cortiça existente no imóvel “(…)”.
59 a) Durante mais de uma década nem o autor nem os accionistas (…) e (…) reclamaram quaisquer valores ao réu, quer para si, quer para as sociedades (…), SA e (…), SA.
60. As contas dos anos de 2001 a 2011 foram devidamente aprovadas, conforme acta constante do livro de actas sob o número dez, datada de 30-03-2012, onde participou apenas o réu.
61. O Autor e a accionista (…) alhearam-se desde sempre do destino da (…) – Sociedade Imobiliária, S.A., assumindo o papel de meros investidores;
62. O Imóvel “(…)” estava avaliado em cerca de € 1.300.000,00 (um milhão e trezentos mil euros).
63. O Autor e a accionista (…) investiram € 19.000,00 (dezanove mil euros) que aliás nunca chegaram a pagar, pois tal montante – tal como o aumento de capital – foi disponibilizado pela sociedade “(…) – Sociedade Imobiliária, S.A.”, e não pelos referidos accionistas.
64. Em 13.08.2014 o Réu instaurou, através da (…), S.A., a acção de despejo já referida.
65. Na sequência da referida acção judicial, as rendas referentes aos anos agrícolas de 2014 e seguintes em curso foram depositadas pelo arrendatário na Caixa Geral de Depósitos, S.A..
66. Na sequência da crise financeira e económica mundial surgida em finais de 2008, o projecto imobiliário e turístico levado a cabo pelas sociedades “(…) – Sociedade Imobiliária, S.A.” e “(…) – Sociedade Imobiliária, S.A.” deixou de ser viável por falta de investidores, nomeadamente com a desistência do investidor “(…) – Investimentos Imobiliários, S.A.”.
67. A falta de liquidez das citadas sociedades originou o incumprimento do pagamento do empréstimo concedido pelo (…) Bank e subsequente propositura de acção executiva.
68. Pelo produto da venda do imóvel, propriedade da Sociedade (…), em 26.06.2015 o (…) Bank recebeu a quantia de € 1.170.825,15, permanecendo em dívida o valor de € 629.288,88, conforme documento 15 junto com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
69. Para evitar o risco da concretização de penhoras e vendas judiciais, o ora Réu diligenciou pela venda do imóvel “(…)”, por forma liquidar integralmente a dívida contraída junto do (…) Bank, revertendo o remanescente para a (…) – Sociedade Imobiliária, S.A. e, por maioria de razão, para os respectivos accionistas (Autor incluído).
70. Nesse sentido, o ora Requerido contratou os serviços da sociedade imobiliária “(…)”.
71. No âmbito do contrato de mediação imobiliária celebrado com a imobiliária “(…)” o requerido logrou angariar um interessado na aquisição do imóvel, nos termos constantes do documento 20 junto com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
72. O (…) Bank cedeu o seu crédito ao Sr. (…), conforme documento número 19 junto com a contestação, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
73. A “(…) – Sociedade Imobiliária, S.A.” possui exclusivamente o CAE Principal 68100-RS (“Compra e Venda de Bens Imobiliários”), nunca assumindo qualquer CAE ligado ao sector agrícola.
73 a) Nem os accionistas nem a (…) – Sociedade Imobiliária, S.A. despenderam qualquer quantia com a limpeza e conservação do imóvel.
73 b) A “(…) – Sociedade Imobiliária, S.A.” nunca adquiriu uma máquina ou ferramenta agrícola, nunca teve quaisquer trabalhadores ao seu serviço, nunca teve qualquer relação comercial com outra sociedade agrícola”.
74. A accionista (…) requereu a insolvência da sociedade “(…) – Sociedade Imobiliária, S.A.”, tendo sido tal acção julgada improcedente.
*
Factos não provados
Não se provaram os factos seguintes com relevo para a boa decisão da causa:
a. A arroba da cortiça, desde o ano 2000 até ao presente, tem andado a ser vendida, na árvore, ao preço médio de € 30,00 (trinta euros) e, na pilha, a € 35,00 (trinta e cinco euros).
b. No ano de 2016 o preço da arroba de cortiça, na árvore, a valores de mercado, será, € 35,00 (trinta e cinco euros) e, na pilha, a € 40,00 (quarenta euros).
c. Só em 16 de Setembro de 2013 (a data da insolvência decretada da Soc. …) é que o ora Autor – até então mais no estrangeiro do que no País – tomou conhecimento, por via judicial, que desde 1999 a 2013, a cortiça dos sobreditos prédios rústicos andava a ser vendida em nome de Sociedade Unipessoal do ora Réu, a Sociedade Agrícola dos (…), Unipessoal, Lda..
d. Nessa mesma ocasião o ora Autor tomou conhecimento de que em 25 de Setembro de 2012 o ora Réu (…) havia celebrado o contrato de arrendamento rural com o referenciado (…).
e. Nessa mesma ocasião o ora Autor, através do mencionado processo falimentar, tomou conhecimento do contrato de 25 de Junho de 2012, no qual o ora Réu fez constar que a referida sua Soc. Agrícola dos (…), Unipessoal, Lda. era "a legítima proprietária de tal cortiça”.
f. eliminada.
g. O contrato de cessão de exploração outorgado pelo réu com a Sociedade Agrícola dos (…) datado de 1 de Abril de 1998 visou manter a exploração de natureza agrícola, silvícola ou pecuária, na disponibilidade do Réu.
h. O Réu comprou as demais acções da sociedade “(…) – Sociedade Imobiliária S.A.”, tendo-se tornado o único accionista.
i. eliminada.
j. Na sequência de tal acordo, os accionistas … (ora Autor), … e … tenham abdicado expressamente do valor da exploração de ambos os imóveis, de natureza agrícola, silvícola ou pecuária, durante o período compreendido entre a constituição de ambas as sociedades e a efectiva alienação dos Imóveis.
k. Todos os accionistas tinham conhecimento de que a exploração agrícola dos Imóveis “(…)” e “(…)” era feita através da “Sociedade Agrícola dos (…), Unipessoal, Lda., NIPC (…), constituída para esse fim em 1989 (cfr. Doc. n.º 10 junto com a p.i.).
l. Foi expressamente acordado que tal exploração se prolongaria até à data da venda dos Imóveis “(…)” e “(…)” (através das sociedades anónimas constituídas para o efeito).
m. Facto de que o réu deu conhecimento aos accionistas.
n. Eliminado.
o. A integralidade dos proveitos resultantes da exploração do Imóvel (…) e do Imóvel (…) constituíam precisamente a remuneração do Réu.
p. Visava-se, com o aludido “acordo de cavalheiros”, por um lado, compensar a gigantesca diferença entre o investimento efectuado pelo Réu (com a “entrega” dos imóveis “…” e “…”) comparativamente com os investimentos efectuados pelos restantes accionistas.
q. Com este acordo visava-se, igualmente, garantir a subsistência do ora Réu, já que, ao contrário dos outros accionistas, não possuía outras fontes de rendimento relevantes, e
r. Finalmente, para ocorrer quer aos encargos gerados pelos próprios terrenos (como, por exemplo, a sua limpeza), quer aos encargos resultantes da constituição e manutenção das sociedades (como por exemplo, as obrigações fiscais, os serviços prestados às sociedades, entre outros).
s. Todos estes encargos foram, ao longo dos anos, sempre suportados exclusivamente pelo ora Réu, nomeadamente através da Sociedade Agrícola dos (…), Unipessoal, Lda.,
t. Eliminada.
u. Como era a Sociedade Agrícola dos (…), Unipessoal, Lda. que realizava a exploração agrícola do imóvel, era esta sociedade que suportava os custos com os meios humanos e materiais.
v. Eliminada.
w. A “(…) – Sociedade Imobiliária, S.A.” não tinha, sequer, actividade “aberta” nas Finanças.
x. Eliminada.
y. O CAE da sociedade (…) era do conhecimento dos accionistas e da Administração, naturalmente que, por maioria de razão, era do conhecimento da sociedade “(…) – Sociedade Imobiliária, S.A.”.
z. No âmbito do contrato de arrendamento celebrado em 2012 ficou acordado que quando fosse necessário, nomeadamente perante uma alienação dos imóveis, o arrendatário procederia à devolução imediata do imóvel ou dos imóveis.
aa. Sucede que, quando o Réu solicitou a devolução do locado, o arrendatário, recusou-se a fazê-lo, escudando-se no conteúdo do contrato de arrendamento celebrado.
bb. Na sequência da sua suspensão, o Réu encontra-se impedido de solucionar juridicamente o diferendo relativo às rendas depositadas pelo arrendatário do imóvel.
cc. Os restantes accionistas, descontentes por não reaverem o seu investimento na sociedade “(…) – Sociedade Imobiliária, S.A.” decidiram mover uma perseguição jurídica ao Réu, no intuito de o deixarem na miséria.
dd. Primeiro através da accionista (…), requerendo a insolvência da sociedade “(…) – Sociedade Imobiliária, S.A.” (em que o ora Autor foi testemunha), sem que lograssem qualquer êxito (Doc. n.º 17).
ee. Depois, através do procedimento cautelar de suspensão do ora Réu (cfr. Doc. n.º 1 junto com a p.i.).
ff. Finalmente, através do arresto das suas acções na “(…) – Sociedade Imobiliária, S.A.” e da sua quota na “Sociedade Agrícola dos (…), Unipessoal, Lda.”, que precede a presente acção.
gg. O objectivo, preconizado pelo Sr. (…), em adquirir o imóvel “(…)”, conta com o apoio dos restantes accionistas (incluindo o próprio Autor), por forma a prejudicar os interesses do Réu e da própria sociedade “(…) – Sociedade Imobiliária, S.A.”.
hh. O valor da extracção de cortiça “na árvore” não ultrapassa o valor de € 14,00/€ 15,00.
ii. Os valores da cortiça extraída correspondem às facturas que foram efectivamente emitidas e reportam-se à cortiça extraída de vários prédios, nomeadamente do imóvel “(…) de Cima”, do imóvel “Monte dos (…)”, do imóvel “(…)/(…)” e do próprio imóvel “(…)”.
jj. Com efeito, o referido imóvel tem unicamente cinco tiragens de cortiça, em cada ciclo de nove anos, sendo duas delas muito pequenas (no máximo 1500 arrobas).
*
De Direito
Da responsabilidade civil do réu administrador
Com a presente demanda pretende o autor, na qualidade de acionista da sociedade (…), SA, obter a condenação do réu, presidente do Conselho de Administração, a indemnizar a sociedade por danos provocados, acusando-o de se ter apropriado de valores que à mesma pertenciam decorrentes da exploração do imóvel que constitui o seu único activo.
A acção assim interposta ao abrigo do disposto no art.º 77.º do CSC[5], tal como se explicitou na sentença apelada, é de caracterizar como acção social “ut singuli” porquanto, apesar de movida por um dos sócios ou accionistas, destina-se a efectivar a responsabilidade civil do administrador perante a sociedade. Nas acções desta natureza o autor não pretende fazer valer direitos próprios, mas antes direitos da sociedade, em favor de quem reverterá a indemnização que eventualmente venha a ser arbitrada, nisto se distinguindo das acções singulares.
Concluiu-se na decisão recorrida que o réu, tendo alegado em sua defesa a existência de um acordo com os demais accionistas, não logrou provar quanto alegara, assim subsistindo o carácter ilícito e culposo da sua actuação. Deste modo, tendo-se apurado que com a sua conduta provocou danos na esfera jurídica da sociedade administrada, foi meramente consequente a sua condenação no pagamento de uma indemnização, a liquidar.
Dissente o réu condenado, insistindo nesta via de recurso que o autor litiga em claro abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, face à existência de um acordo, pelo menos tácito, entre todos os accionistas no sentido da exploração agrícola do prédio transmitido à sociedade continuar a ser efectuada pelo recorrente conforme vinha acontecendo e até que o imóvel fosse vendido, o que justifica a inércia daqueles durante mais de uma década, sustentando ainda que com a presente acção, e a pretexto de defender os interesses da sociedade, o apelado pretende na verdade ser indevidamente compensado pela frustração do projecto.
Dispõe o art.º 72.º que “1. Os gerentes ou administradores respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por actos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provaram que procederam sem culpa”.
A responsabilidade civil dos administradores para com a sociedade pressupõe, sem especialidade, a verificação de um comportamento ilícito e culposo, a existência de um dano e que entre aquela conduta e o dano interceda o necessário nexo causal. Todavia, e como resulta da parte final do preceito vindo de transcrever, a lei consagra, no domínio societário, uma presunção de culpa que favorece a sociedade.
Não relevando para o caso os deveres estatutários a que também alude o preceito em causa, dentre os deveres legais é possível distinguir os deveres legais específicos, ou seja, aqueles que decorrem, de uma forma imediata e concretizada, da lei, e os deveres legais gerais, que se revelam de modo relativamente indeterminado, muitas vezes em cláusulas gerais[6].
Os deveres que resultam de forma específica e imediata da lei societária (e não só) impõem ao administrador um determinado comportamento ou proíbem uma determinada actuação concreta (como ocorre por exemplo com a imposição de não celebrar actos e negócios jurídicos que desrespeitem o intuito lucrativo da sociedade cf. art.º 6.º, n.ºs 1 a 3)[7], não admitindo discricionariedade na acção da administração. Já os deveres gerais de conduta consagrados no art.º 64.º, nomeadamente o dever de lealdade, “representam padrões abstractos de comportamento que conformam, caso a caso, como normação da conduta devida, a atuação dos administradores e gerentes no exercício das suas funções”, resultando da sua concretização “deveres mais circunscritos que (…) recortam o espaço de (i)licitude da conduta dos administradores” [8].
Segundo o dever de lealdade “os administradores, no exercício das suas funções, devem considerar e intentar em exclusivo o interesse da sociedade, com a correspectiva obrigação de omitirem comportamentos que visem a realização de outros interesses, próprios e/ou alheios. Conduta desleal é aquela que promove ou potencia, de forma directa ou indirecta, situações de benefício, vantagem ou proveito próprio dos administradores ou de terceiros, por si influenciados ou dominados (nomeadamente outra sociedade ou familiares) em prejuízo da sua consideração pelo conjunto de interesses diversos atinentes à sociedade, neles englobando-se desde logo os interesses comuns dos sócios enquanto tais, e também dos trabalhadores e demais stakeholders relacionados com a sociedade”[9].
A violação de um dever legal – específico ou geral – constitui um comportamento ilícito, maneira que, verificados que estejam os demais pressupostos, o administrador incorre em responsabilidade civil, ficando obrigado a indemnizar a sociedade pelos danos causados.
No caso vertente, conforme decorre da matéria de facto apurada, o ora apelante, no contexto que a mesma factualidade reflecte, transmitiu para a sociedade interveniente o prédio denominado (…), desanexado de um outro que havia herdado e cuja exploração agrícola constituía o seu modo de vida, actividade que desde o ano de 1998 prosseguia através da Sociedade Agrícola dos (…), Unipessoal, Lda. de que era o único sócio e gerente. Mais se apurou que a despeito da transmissão do imóvel este continuou a ser explorado como até então, vindo posteriormente a ser objecto de contrato de arrendamento celebrado com um terceiro, revertendo as rendas e, bem assim, o produto da extracção e venda da cortiça em proveito da dita sociedade e, por intermédio desta, do recorrente.
Não tendo resultado assente nos autos, dada a ausência de prova consistente em ordem a permitir concluir pela genuinidade do documento cuja cópia consta de fls. 203 v.º-204, que o réu celebrou o contrato ali formalizado com a Sociedade Agrícola dos (…)[10], permanecendo desconhecidos os contornos do acordo entre ambos celebrado e que legitimava a exploração por esta última do imóvel denominado (…), não se afigura possível sustentar a transmissão da posição jurídica daquele para a sociedade adquirente, nem de resto o recorrente argumenta nesse sentido.
Afastada a possibilidade de justificar a exploração por banda da sociedade terceira ao abrigo do aludido contrato e vistos os factos apurados na sua objectividade, pareceria legítimo considerar, tal como se considerou na sentença recorrida, que o réu se apropriou indevidamente de rendimentos da sociedade (…), SA, violando os seus deveres de administrador, mais precisamente o dever de lealdade com o recorte acima desenhado, postergando os interesses da sociedade administrada e fazendo prevalecer o seu próprio interesse e da sociedade de que era o único sócio e gerente.
Invocou todavia o réu em seu defesa, como se viu, a existência de um acordo entre todos os accionistas – que no limite admite ter sido tacitamente celebrado – nos termos do qual teria sido autorizado a continuar a exploração dos prédios, cumprindo agora determinar se à luz dos factos apurados e mercê das alterações introduzidas, é possível concluir pela celebração de tal acordo.
Prima facie, impõe-se referir que a existência do descrito convénio a ser, conforme o apelante o denomina, um acordo de cavalheiros, não lhe aproveitaria, uma vez que, conforme é sabido, os acordos desta natureza, baseados na palavra (e na honra) de quem neles intervinha, não assumiam relevância jurídica[11]. Por assim ser, considerar que aquele que exercia o seu direito em violação da palavra dada incorria em abuso de direito seria conferir ao acordo de cavalheiros uma eficácia que a lei não lhe reconhece.
Diferentemente se passariam as coisas se, ao invés, estivéssemos perante um acordo susceptível de ser reconduzido à categoria dos acordos parassociais[12], com eventual valia para afastar a ilicitude da conduta. Sabendo-se que o tribunal é livre na indagação, interpretação e aplicação do direito, nada obsta a que se qualifique diversamente acordo que se conclua ter sido celebrado (cf. art.º 5.º, n.º 3, do CPC), questão que cumpre previamente resolver.
Os acordos parassociais não estão sujeitos a qualquer formalidade, podendo portanto ser verbalmente celebrados (art.º 219.º do CC). A declaração negocial, por seu turno, pode ser expressa ou tácita: é expressa quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação de vontade; é tácita quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelem (cfr. art.º 218.º do mesmo diploma legal).
Percorrido o acervo factual apurado, e tal como o apelante reconhece, não se detecta que tenha sido emitida pelos restantes accionistas, e designadamente pelo aqui autor, qualquer declaração negocial expressa no sentido pretendido.
Quanto à declaração tácita, será constituída por um “comportamento do qual se deduza com toda a probabilidade a expressão ou a comunicação de algo, embora esse comportamento não tenha sido finalisticamente dirigido à expressão ou à comunicação daquele conteúdo” (P. Pais de Vasconcelos, “Teoria Geral do Direito Civil”, 2.ª ed., 298, citado no aresto do STJ de 24 de Maio de 2007, processo 07A988, acessível em www.dgsi.pt).
Ainda segundo o mesmo acórdão “(…) A determinação do comportamento concludente, que deve ser visto como elemento objectivo da declaração tácita, faz-se, tal como na declaração expressa, por via interpretativa.
Na determinação da concludência do comportamento em ordem a apurar o respectivo sentido, nomeadamente enquanto declaração negocial que dele deva deduzir-se com toda a probabilidade, é entendimento geralmente aceite que «a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução, no sentido do auto-regulamento tacitamente expresso seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade», devendo ser «aferida por um critério prático», «baseada numa conduta suficientemente significativa» e que não deixe «nenhum fundamento razoável para duvidar do significado que dos factos se depreende» (AA. ob. e loc. cits.; RUI DE ALARCÃO, “A Confirmação dos Negócios Anuláveis”, I, 192; Ac. STJ de 16/01/07 – Proc. n.º 4386/06-1 e de 04/11/04, Proc. 05A1247-ITIJ)”.
Na mesma linha, afirma-se no acórdão de 9/7/2014, proferido no processo 99709/11.0YIPRT.L1S1, também acessível em www.dgsi.pt, “Para haver declaração tácita «basta que o declarante haja praticado factos dos quais se possa deduzir, com segurança, a vontade provável de ele emitir certa declaração».
Os factos de que a vontade se deduz são os factos concludentes ou significativos, «no sentido de se poder afirmar que, segundo os usos da vida, há toda a probabilidade de que o sujeito tenha querido, realmente, o negócio jurídico cuja realização deles se infere».
Na declaração tácita, entre os factos concludentes e a declaração há um nexo de presunção, juridicamente lógico-dedutivo. A declaração não é formada pelos factos concludentes, deduz-se deles".
Esta presunção, na declaração tácita propriamente dita (excluindo a declaração presumida e a declaração ficta), é judicial, sendo-lhe aplicável todo o respectivo regime legal: "cabe ao juiz apurar se, de certo comportamento, se pode deduzir, de modo indirecto, mas com toda a probabilidade, certa vontade negocial".
Tendo presentes tais ensinamentos e vistos os factos assentes, não se vê que deles resulte a prática, pelo aqui autor e pelos demais accionistas, de qualquer acto que possa ser interpretado no sentido de que exteriorizaram uma vontade concordante com a continuação da exploração agrícola do prédio pelo réu, renunciando a sociedade aos proventos daí resultantes. É certo que se apurou que tal situação era do conhecimento dos restantes accionistas e que se prolongou por mais de uma década sem que estes tivessem suscitado a este respeito qualquer questão mas a inércia não pode, em nosso entender, ser valorada como expressão de uma vontade em determinado sentido, sob pena de se estar a atribuir valor declarativo ao silêncio fora dos casos previstos no art.º 218.º. Dito de outro modo, não foram apurados factos que revelem, com toda a probabilidade – factos concludentes ou significativos – que os accionistas acordaram com o réu que este continuaria a explorar o prédio em seu proveito e em detrimento do sociedade até que o imóvel fosse vendido, o que nos dispensa de analisar se eventual acordo neste sentido podia ser validado e oposto à sociedade.
*
Do abuso de direito
Questão diferente é saber se, como defende o recorrente, o autor actua em abuso de direito, abuso comunicável à sociedade interveniente por força da imputação a esta do estado subjectivo de má-fé dos seus accionistas.
Em tese geral, como sabido, a doutrina do abuso do direito tem a função de “obstar a injustiças clamorosas a que poderia levar, na espécie, a aplicação de determinações abstractas da lei a um caso concreto”[13].
Nos termos do art.º 344.º, o exercício de um direito é ilegítimo quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico destes. O abuso, sendo um instituto puramente objectivo, não depende da culpa do agente nem da verificação de qualquer elemento específico subjectivo; surgindo como concretização da boa-fé, apresenta-se afinal como uma “constelação de situações típicas em que o Direito, por exigência do sistema, entende deter uma actuação que, em princípio, se apresentaria como legítima”[14]. “Dizer que, no exercício dos direitos, se deve respeitar a boa-fé, equivale a exprimir a ideia de que, nesse exercício, se devem observar os vectores fundamentais do próprio sistema que atribui os direitos em causa”[15].
Uma das modalidades em que se concretiza a figura é a do “venire contra factum proprium”, por violação do princípio da confiança, e que se pode basicamente delinear como sendo o caso de o direito ser exercido contra alguém que, com base em convincente conduta, positiva ou negativa de quem o podia exercer, confiou em que tal exercício não ocorresse e programou em conformidade a sua actividade. Dir-se-á, nessa hipótese, que o titular do direito opera o seu exercício no confronto de outrem depois de a este fazer crer, por palavras ou actos, que o não exerceria, ou seja, depois de gerar uma situação objectiva de confiança em que ele não seria exercido.
Parte-se, pois, da noção básica de que os comportamentos (assertivos ou até omissivos) e as declarações podem vincular, quer porque envolvem uma responsabilização pela pretensão de verdade que lhes é imanente, quer pelos efeitos que podem ter sobre a conduta dos outros que acreditam em tais declarações e/ou comportamentos, conformando a sua conduta na base dessa radical confiança. E o direito confere relevância de facto a esta auto-vinculação geradora de expectativas, através precisamente da tutela da confiança.
Para que se desencadeie o efeito jurídico próprio do instituto da tutela da confiança através da proibição do venire contra factum proprium é necessária a verificação de vários pressupostos: em primeiro lugar, para que a conduta em causa se possa considerar causal em relação à criação da confiança, é preciso que ela, directa ou indirectamente, revele a intenção do agente de se considerar vinculado a determinada atitude no futuro, sendo ainda necessário que a contraparte, com base na confiança criada, assuma disposições e faça planos, ou seja, faça um investimento na confiança, pois só então surge a necessidade da tutela do direito; depois, a confiança da contraparte só merece protecção jurídica quando a mesma esteja de boa-fé e tenha agido com o cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico[16].
Revertendo ao caso que nos ocupa, e remetendo para os factos vertidos nos pontos 40 até final, afigura-se lícito concluir, segundo presunção judiciária autorizada, que o réu, a despeito da transmissão dos imóveis (…) e (…) para cada uma das sociedades homónimas, não teve intenção de cessar a exploração agrícola que neles vinha fazendo, antes pretendeu reservá-la para si durante o desenvolvimento do projecto, ainda que se admita que à data ninguém previa que o mesmo demorasse quase uma década até à sua conclusão e se saldasse por um fracasso. E esta convicção do réu surge justificada quando se considere que a sociedade …, SA (à semelhança da …, SA) fora constituída com a finalidade de promover o projecto turístico a implementar naqueles prédios, não tendo a menor vocação para a exploração agrícola, actividade que, de resto, e a despeito da latitude do seu objecto social, nunca desenvolveu, estando o interesse dos accionistas exclusivamente centrado no desenvolvimento do projecto turístico: o objectivo era desenvolver o projecto e proceder à venda respectiva com divisão dos lucros obtidos – que se previam altamente compensadores – na proporção das suas participações.
No assinalado contexto, e tendo o réu prosseguido na exploração agrícola do terreno como até então durante mais de 10 anos sem que tivesse sido questionado quanto ao destino dos dinheiros da cortiça ou outros quaisquer proventos resultantes de tal actividade, programando a sua vida em conformidade, a actuação do autor, ao vir agora reclamar, ainda que em nome da (…), SA, uma indemnização pelos danos daí decorrentes, constitui uma violação da confiança criada no sentido de que a sociedade não aspirava a tais rendimentos e não os iria reclamar, tanto mais que nenhum investimento efectuou ao longo dos anos visando o aproveitamento agrícola do imóvel.
Por outro lado, facto que não poderá ser desconsiderado, resulta da matéria assente em 68 e 69 que, embora onerado por hipoteca voluntária que garante o remanescente do crédito antes titulado pelo (…) Bank, o prédio pertencente à (…) é suficiente para o satisfazer, perspectivando-se um saldo a favor da sociedade “e, por maioria de razão, dos respectivos accionistas (autor incluído)”, daqui decorrendo que, tal como o apelante alegou, esta sociedade não tem dívidas[17]. Se assim é, e tal como de resto o próprio autor reconheceu na petição (cf. art.º 55.º), a ser reconhecido o direito da sociedade à indemnização aqui peticionada, resultaria “reflexamente beneficiado” uma vez que, frustrado o objectivo visado com a constituição da sociedade (cf. ponto 66) e seguindo-se naturalmente a sua liquidação, o produto há-de ser dividido pelos accionistas na proporção das suas participações. Ora, a verdade é que, tendo o réu entrado para a sociedade com um imóvel avaliado em € 1.300.000,00, resultou apurado que os demais accionistas, entre os quais o aqui autor, nenhum investimento realizaram na (…), SA já que nem sequer a entrada no capital inicial foi por eles assegurada (cfr. ponto 63), irrelevando para este efeito que tenham investido na sociedade (…), SA e que esse investimento se tenha perdido. Vale isto por dizer que, em violação do disposto no art.º 994.º do CC, as perdas da (…), SA acabam por ser suportadas exclusivamente pelo aqui réu.
Quanto vem de se expor evidencia, em nosso entender, que o autor actua em flagrante abuso porquanto, a pretexto de exercer um direito da sociedade, o único interesse que aqui pretende acautelar é, na verdade, o seu (e eventualmente da outra accionista minoritária) –o que justifica a desconsideração da chamada – e à custa do aqui réu, reclamando uma indemnização depois de, mediante convincente conduta, ter criado neste a convicção justificada de que os rendimentos provenientes da exploração agrícola lhe pertenciam.
Atento o exposto, e procedendo este fundamento do recurso, impõe-se revogar a sentença recorrida, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo apelante (cf. art.º 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2, pertencendo ambos os preceitos ao CPC).
*
III Decisão
Acordam os juízes da 2.ª secção cível do tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso, revogando a sentença recorrida e absolvendo em conformidade o réu dos pedidos contra si formulados.
Custas nesta e na 1.ª instância a cargo do recorrente e da chamada.
*
Évora, 28 de Março de 2019
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho Santos
José Manuel Barata
__________________________________________________
[1] É manifesto o lapso, de resto logo detectado pelo apelado, na menção à al. h), uma vez que está antes em causa o facto enunciado sob a al. i).
[2] Do recente acórdão do STJ de 28/9/2017, processo 809/10.7 TBLMG.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[3] Cfr. Acórdãos do STJ de 12 de Março de 2014, processo n.º 590/12, e de 29 de Abril de 2015, processo 306/12.6TTCVL.C1.S1, acessíveis em www.stj.pt.
[4] Do aresto do STJ 14 de Maio de 2014, processo 60/07.6TTVRL.P1.S1 proferido ainda no domínio de vigência do n.º 4 do art.º 646.º do CPC, sendo certo que a solução não poderá actualmente ser outra. Neste sentido, expressamente, acórdão do TRP de 07/10/2013, p. 488/08.1TBVPA.P1, assim sumariado “Na vigência do Código de Processo Civil anterior, mas igualmente após 1.09.2013, ocasião em que passou a vigorar a Lei 41/2003, de 26 de Junho (NCPC) a matéria de facto à qual há que aplicar o direito tem de cingir-se a verdadeiros factos e não a questões de direito ou meros juízos conclusivos. Neste sentido, a revogação do artigo 646º, n.º 4, do anterior CPC, não significa que o princípio nele estabelecido haja sido alterado”.
[5] Diploma a que se pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem.
[6] Distinção feita por J. M. Coutinho de Abreu/Maria Elisabete Ramos in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, vol. I, anotação ao art.º 72.º, pág. 898.
[7] Código das Sociedades Comerciais em Comentário, vol. I, Ricardo Costa, comentário ao art.º 64.º, pág. 768.
[8] Idem, págs. 767/768.
[9] Ibidem.
[10] Caso estivesse assente nos autos a celebração de tal contrato e a qualificar-se o mesmo como de arrendamento rural (cfr. art.º 1.º do DL 385/88 então em vigor), impunha-se concluir que a transmissão para a Sociedade (…), SA, atento o que então dispunha o art.º 22.º do DL do mesmo diploma, ainda vigente à data, não perturbava a sua subsistência pelo prazo estipulado.
[11] Assim, Prof. Oliveira Ascensão, “Direito Comercial – Sociedades Comerciais”, vol. IV, 2000, p. 292.
[12] A referida categoria de acordos vem prevista no art.º 17.º, aqui se dispondo que “Os acordos parassociais celebrados entre todos ou entre alguns sócios pelos quais estes, nessa qualidade, se obrigam a uma conduta não proibida por lei, têm efeitos entre os intervenientes, mas com base neles não podem ser impugnados actos da sociedade ou dos sócios para com a sociedade”.
Numa outra e mais abrangente formulação “são contratos celebrados por todos ou por alguns dos sócios de uma sociedade, nessa qualidade, que visam salvaguardar interesses das partes sobre assuntos respeitantes à vida societária, nas várias relações que se estabelecem entre eles e a sociedade, os órgãos sociais ou terceiros” (Helena Catarina Silva Morais, “Acordos parassociais Restrições em matéria de administração das sociedades”, págs. 16-17. São “acordos autónomos relativamente ao pacto social, uma vez que vinculam individual e pessoalmente as partes que os celebram, sem afectar a sociedade. Por outro lado, diferem de outros contratos celebrados pelas partes porque têm, necessariamente, elementos de conexão com a vida societária” (ibidem). Ainda nos casos em que estamos perante contratos parassociais que podemos designar de atípicos, correspondendo a um alargamento do sentido literal do preceito, o mesmo será aplicável por via analógica.
Ora, a aplicação do princípio da eficácia relativa consagrado no n.º 1 do art.º 17.º teria como consequência a inoponibilidade à sociedade interveniente do acordo invocado, ainda que se viesse a reconhecer ter sido celebrado com aquele conteúdo. Sucede, porém, que em nosso entender, estando em causa um acordo celebrado com intervenção de todos os accionistas razões não existem para que não produzisse os seus efeitos em relação à sociedade por força de uma operação de desconsideração de personalidade jurídica societária (posições defendidas por Graça Trigo e Carneiro da Frada conforme dá nota Carolina Cunha, Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, vol. I, comentário ao art.º 17.º, pág. 317), sem entrar aqui em considerações sobre as limitações ao seu conteúdo, designadamente as decorrentes do interesse social.
[13] Prof. Manuel de Andrade, in Teoria Geral das Obrigações, Coimbra, 1958, a págs. 63, 64.
[14] Na síntese do Prof. Menezes Cordeiro, “Do abuso do direito: estado das questões e perspectiva”, ROA 2005, ano 65, vol. II, acessível on line.
[15] Idem.
[16] cfr., obra citada, a págs. 416 a 419, e desenvolvidamente sobre o abuso de direito nesta modalidade o AUJ de 5/7/2016, processo 7523-F/1992.E1-A.S1-A, no DR, Iª Série, 208, de 28/10/2016.
[17] Facto também confirmado pela testemunha (…).