Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2983/16.0T8LLE-A.E1
Relator: VÍTOR SEQUINHO
Descritores: ROL DE TESTEMUNHAS
ADITAMENTO
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. O prazo de 20 dias estabelecido pelo artigo 598.º, n.º 2, do CPC, para o aditamento ou a alteração do rol de testemunhas, tem por referência a data inicialmente designada para a realização da audiência final ou da primeira sessão desta.
2. Tal possibilidade de aditamento ou alteração do rol de testemunhas não existe na hipótese de o tribunal ad quem determinar que o tribunal a quo reabra a audiência final com a finalidade de produção de determinado(s) meio(s) de prova e ampliação da matéria de facto.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2983/16.0T8LLE-A.E1

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(…), Lda. interpôs recurso de apelação de despacho, proferido na acção declarativa sob a forma de processo comum por si proposta contra (…) e (…), que não admitiu um aditamento ao seu rol de testemunhas.

As conclusões do recurso são as seguintes:

I – O acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20 de Dezembro de 2018 ordenou a reabertura da audiência de julgamento, identificando concretas diligências probatórias que o Tribunal a quo deveria seguir e eventualmente outras que este mesmo Tribunal entendesse necessárias à boa decisão da causa.

II – Não determinou que não fossem permitidas outras diligências probatórias requeridas pelas partes, designadamente o aditamento ao rol de testemunhas ora em causa e do contexto do acórdão deve até retirar-se a interpretação de que, no caso, devem ser admitidas todas as provas legalmente possíveis.

III – É que a recorrente alegou como causa de pedir da acção o seu direito de propriedade sobre a “loja número seis, que é a do rés-do-chão, traseiro centro e cave, para comércio, indústria ou escritório, do prédio sito na Rua (…), Bloco B, freguesia de Quarteira, Concelho de Loulé, sujeito ao regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…)”, adquirido por usucapião fundado na posse contínua, titulada, pública pacífica e de boa fé, desde 11 de Agosto de 1989.

IV – Como a douta sentença então recorrida julgou não provados os factos que integram a aquisição do direito por aquisição, o recorrente pediu no recurso a alteração da decisão de facto sobre os mesmos e o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre as conclusões a isso atinentes, forçosamente terá de entender-se que a matéria relativa à posse da recorrente e respectivas características deverá ocorrer no âmbito da audiência cuja reabertura foi ordenada.

V – Ora, se fosse para, na audiência reaberta, apenas se terem em conta o resultado da perícia e do exame dos documentos camarários e os factos daí resultantes, e não também para o reapreço de todos os factos, designadamente relativos à usucapião, naturalmente à luz da prova produzida e a produzir, nenhuma utilidade se aproveitaria do acórdão para que a causa tivesse uma boa decisão.

VI – O disposto no artigo 598º, nºs. 2 e 3, permite que, mesmo nos casos de reabertura da audiência, seja admissível o aditamento ao rol de testemunhas, desde que a parte contrária possa usar da mesma faculdade. É o que resulta da ratio de tal norma e é sustentado pela doutrina e jurisprudência, à luz do princípio da verdade material imanente ao actual Código de Processo Civil.

VII – O douto despacho recorrido interpretou e aplicou erradamente, quer o que consta do douto Acórdão do Tribunal da Relação que ordenou a reabertura da audiência, quer a regra do artigo 598º, nº 2, do Código de Processo Civil.

Os recorridos não apresentaram contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.


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Questão a resolver: saber se, na sequência do acórdão proferido por esta Relação em 20.12.2018, era admissível, às partes, procederem ao aditamento dos seus róis de testemunhas.

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Factos relevantes para a decisão do recurso:

1 – Da fundamentação do acórdão proferido por esta Relação em 20.12.2018 consta o seguinte:

“Suscita-se uma questão prévia: a deficiência da decisão sobre a matéria de facto e a necessidade de ampliar esta última de forma a incluir factos instrumentais resultantes da instrução da causa.

O tribunal a quo julgou provado que “Nunca a autora ou os réus questionaram ou por qualquer forma se opuseram à posse que cada qual faz do espaço físico da loja que respectivamente ocupam, apenas discordando quanto à identificação da fracção autónoma a que corresponde cada espaço físico e loja no título constitutivo da propriedade horizontal e no registo predial” (ponto 5). Daqui se depreende que o tribunal a quo adquiriu a convicção de que a recorrente ocupa uma fracção/loja e os recorridos ocupam outra fracção/loja, integrantes de um mesmo edifício. Porém, tal facto não consta do elenco dos factos provados. E deveria constar, pois foi alegado pela ora recorrente e é essencial para enquadrar toda a restante matéria de facto relevante para a decisão da causa, nomeadamente aquela que consta do referido ponto 5 e os factos instrumentais que em seguida referiremos.

A questão central deste processo consiste em saber qual é a letra correspondente a cada uma das referidas fracções/lojas. Por outras palavras, em saber quem ocupa a fracção/loja D e quem ocupa a fracção/loja F, sendo certo que ambas as partes afirmam ocupar esta última.

Sendo estes os termos do litígio, era essencial que o tribunal a quo indicasse, nos factos provados, qual é a fracção/loja ocupada pela recorrente e qual é a fracção/loja ocupada pelos recorridos. Não, obviamente, através da referência a letras, pois é isso que está em discussão, mas através da localização de cada uma dessas fracções/lojas no edifício, nomeadamente especificando se se situam na parte da frente, na parte traseira ou em alguma das partes laterais deste último e quais são as fracções/lojas contíguas a cada uma delas. Trata-se de um facto instrumental que resultou da instrução da causa – nomeadamente, foi referido pelo recorrido (...) no seu depoimento de parte e pela testemunha (...) – e, por isso, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, al. a), do CPC, devia ter sido considerado. Discutindo-se que letra cabe a cada fracção/loja, é importante situá-las no edifício.

Outro aspecto que poderá revelar-se fundamental para a justa composição do litígio é a área efectiva de cada uma das fracções/lojas em questão. De acordo com o título constitutivo da propriedade horizontal, a fracção/loja D tem 143,40 m2 e a fracção/loja F tem 99,20 m2. Trata-se, pois, de espaços bastante diferentes entre si. Logo, é incompreensível que esta matéria não tenha sido devidamente esclarecida no tribunal a quo para, através dela, se apurar qual das partes ocupa a fracção/loja D e qual ocupa a fracção/loja F. Trata-se de um facto instrumental que, como referimos, poderá assumir grande relevância para a resolução da questão de saber quem ocupa cada uma das fracções/lojas em questão e acerca do qual se pronunciaram, quer o recorrido (…), quer a testemunha (…). Logo, o tribunal a quo deverá proceder à ampliação da matéria de facto de forma a que a mesma contemple as áreas efectivas das fracções/lojas em questão.

Sem o esclarecimento das questões que enunciámos, é prematuro concluir, como se concluiu na sentença recorrida, ser impossível apurar qual é a fracção/loja D e qual é a fracção/loja F. O tribunal a quo podia e devia, nos termos do artigo 411.º do CPC, ter ido mais longe na prática das diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, esclarecendo devidamente as referidas questões, nomeadamente ordenando a realização de uma perícia com vista a apurar as áreas das fracções/lojas ocupadas por recorrente e recorridos, meio de prova este que, no caso dos autos, se mostra indispensável. Mais, em face do conteúdo das “certidões” de fls. 398-400, o tribunal a quo também devia ter solicitado, à Câmara Municipal de Loulé, os documentos ali invocados como suporte das conclusões ali vertidas, para poder chegar às suas próprias conclusões.

Em consequência de todo o exposto, a sentença recorrida deverá ser anulada, reabrindo-se a audiência final – com salvaguarda da prova já produzida – para que o tribunal a quo ordene a realização de uma perícia com vista a apurar as áreas efectivas das fracções/lojas ocupadas por recorrente e recorridos, solicite, à Câmara Municipal de Loulé, os documentos invocados nas “certidões” de fls. 398-400 como suporte das conclusões nelas vertidas e, eventualmente, em face dos resultados dessas diligências probatórias, pratique as diligências complementares que considere necessárias para o cabal esclarecimento dos factos controvertidos. Na sentença a proferir, deverão ser especificados os factos acima mencionados, ampliando-se, nesses termos, a matéria de facto. Fica, assim, prejudicada a apreciação das questões acima enunciadas.”

2 – O dispositivo do acórdão referido em 1 é o seguinte:

“Acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente, anulando a sentença recorrida e ordenando a reabertura da audiência final – salvaguardando-se a prova já produzida – para que o tribunal a quo: 1) Ordene a realização de uma perícia com vista a apurar as áreas efectivas das fracções/lojas ocupadas por recorrente e recorridos; 2) Solicite, à Câmara Municipal de Loulé, os documentos invocados nas “certidões” de fls. 398-400 como suporte das conclusões nelas vertidas; 3) Eventualmente, em face dos resultados dessas diligências probatórias, pratique as diligências complementares que considere necessárias para o cabal esclarecimento dos factos controvertidos. Na sentença a proferir, deverá ser ampliada a matéria de facto nos termos acima expostos.”

3 – Após a baixa do processo ao Tribunal Judicial da Comarca de Faro, a recorrente requereu “o aditamento das seguintes testemunhas, ao abrigo do disposto no art. 598.º, n.º 2, do CPC, que se compromete a apresentar:

1 – (…) e

2 – Dr. (…)”.

4 – O requerimento referido em 3 foi indeferido através do despacho recorrido.


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A recorrente invoca dois argumentos em abono da sua tese:

1 – Devidamente interpretado, o acórdão desta Relação de 20.12.2018, não só não vedou a prática de diligências probatórias requeridas pelas partes, como, mais que isso, inculca que o tribunal a quo deveria admitir todas as provas legalmente possíveis;

2 – O artigo 598.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, permite o aditamento ao rol de testemunhas mesmo nos casos de reabertura da audiência.

Analisemos cada um destes argumentos.

1.º argumento:

O acórdão proferido por esta Relação em 20.12.2018 anulou a sentença recorrida e ordenou a reabertura da audiência final com finalidades bem definidas: realização de uma perícia com vista a apurar as áreas efectivas das fracções/lojas ocupadas por recorrente e recorridos, obtenção de determinados documentos e ampliação da matéria de facto por forma a incluir os factos da ocupação, por cada uma das partes, de uma das fracções cuja identificação se encontra em discussão, a localização de cada uma dessas fracções no edifício e a área efectiva de cada uma dessas mesmas fracções. Admitiu-se, no mesmo acórdão, a possibilidade de o tribunal a quo, em face dos resultados das duas diligências probatórias cuja realização foi ordenada, levar a cabo as diligências complementares que considerasse necessárias para o cabal esclarecimento dos factos controvertidos.

Carece, pois, de fundamento o argumento da recorrente que vimos analisando. Aquilo que resulta do acórdão de 20.12.2018 é precisamente o contrário daquilo que a recorrente afirma. Pretendeu-se claramente circunscrever as finalidades da reabertura da audiência àquilo que é descrito no acórdão, com a consequente exclusão da possibilidade de reabertura da discussão sobre outras matérias e de apresentação de novos meios de prova pelas partes.

A omissão de pronúncia, no acórdão de 20.12.2018, sobre a questão referida nas conclusões III e IV, de modo algum significa que se tenha pretendido que a matéria relativa à posse da recorrente e às respectivas características fosse reapreciada no âmbito da audiência cuja reabertura foi ordenada. O acórdão refere expressamente que, devido ao decidido sobre a questão prévia que se suscitava, ficava “prejudicada a apreciação das questões acima enunciadas”, entre as quais figurava a referida nas conclusões III e IV. Portanto, nesta fase processual, é ao tribunal ad quem que caberá o conhecimento dessa questão, sindicando, por via de recurso, a decisão do tribunal a quo, e não, a este último, reapreciar aquilo que ele próprio anteriormente decidiu.

A conclusão vertida na conclusão V é errada. A utilidade da reabertura da audiência com as finalidades nele definidas encontra-se demonstrada na fundamentação do acórdão de 20.12.2018, acima transcrita. Mais, o resultado das diligências de prova cuja realização foi ordenada, que deverá ter tradução na matéria de facto mediante a ampliação desta, poderá, mesmo, vir a revelar-se fundamental para a decisão da causa.

Improcede, pois, o primeiro argumento da recorrente.

2.º argumento:

O artigo 598.º, n.º 2, do CPC, estabelece que o rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de 5 dias. O n.º 3 do mesmo artigo, também invocado pela recorrente, dispõe que incumbe às partes a apresentação das testemunhas indicadas em consequência do aditamento ou da alteração ao rol previsto no n.º 2.

Doutrina e jurisprudência divergem sobre a interpretação do n.º 2, concretamente sobre o significado de “data em que se realize a audiência final”. Paulo Pimenta sustenta que “A antecedência de 20 dias deve ter-se como reportada à data inicialmente designada para a realização da audiência final (ou da primeira sessão desta), isto é, independentemente de haver adiamento ou de haver mais do que uma sessão”[1]. Concordamos com este entendimento. Interpretação mais permissiva estimularia actuações processuais das partes destinadas a provocar o adiamento da audiência final ou o prolongamento desta por mais de uma sessão com a finalidade de tornar admissível um aditamento ou uma alteração do rol de testemunhas que já deixara de o ser devido ao decurso do prazo que tinha por referência a data inicialmente designada para a realização daquela audiência. Ora, interpretações que estimulem a chicana processual são, por princípio, de afastar.[2]

Independentemente da posição que se assuma acerca da questão acabada de enunciar, isto é, ainda que se admita o aditamento ou a alteração do rol de testemunhas até 20 dias antes da data para a qual a audiência final tenha sido adiada ou da data agendada para a última sessão da audiência final que se prolongue por vários dias, temos como seguro que o regime do artigo 598.º, n.º 2, do CPC, não é aplicável à hipótese de, na sequência de recurso interposto da sentença, o tribunal ad quem anular esta última e ordenar a reabertura da audiência final com um objectivo que tem de ser definido com rigor, como a produção de determinado(s) meio(s) de prova e a ampliação da matéria de facto de forma a contemplar determinado(s) facto(s). A possibilidade de as partes aditarem ou alterarem o seu rol de testemunhas em tais circunstâncias contenderia com a finalidade da reabertura da audiência final, que é o tribunal a quo proceder a uma alteração “cirúrgica” da decisão anteriormente proferida, envolvendo a prática de actos bem determinados com vista a completar a actividade processual já desenvolvida, que fica salvaguardada, e não reabrir a discussão sobre a totalidade do objecto do processo, como a recorrente demonstra pretender ao afirmar, nomeadamente, que o deliberado por esta Relação “implica que o tribunal a quo deva apreciar toda a matéria de facto relevante para a boa decisão da causa, incluindo pois a relativa à usucapião, sem prejuízo da prova já produzida, mas sem coarctar à recorrente a possibilidade de apresentar aditamento de prova, designadamente testemunhal”. É isto que resulta do artigo 662.º, n.º 3, alínea c), do CPC.

Portanto, também improcede o segundo argumento da recorrente.

Concluindo:

O despacho recorrido não merece censura, devendo o recurso ser julgado improcedente.


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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se o despacho recorrido.

Custas pela recorrente.

Notifique.


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Sumário: (…)

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Évora, 17 de Dezembro de 2020

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

Mário Rodrigues da Silva

José Manuel Barata




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[1] Processo Civil Declarativo, 2.ª edição, p. 327, nota 750.

[2] Consulte-se, também, sobre esta matéria, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, p. 705, anotações 5 e 6 ao artigo 598.º.