Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
960/10.3GBLLE.E1
Relator: SÉRGIO CORVACHO
Descritores: PENA DE MULTA
SUBSTITUIÇÃO DA MULTA POR TRABALHO
PRESCRIÇÃO DAS PENAS
Data do Acordão: 02/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I – Tendo a pena de multa sido substituída por prestação de trabalho, o prazo da prescrição da pena interrompeu-se em cada uma das datas em que o condenado prestou trabalho.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I. Relatório
No processo abreviado nº 960/10.3GBLLE, que corre termos no Juízo Central Criminal de Loulé do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, em que é arguido E. pelo Exª Juiz titular dos autos foi proferido, em 20/ 7/17, um despacho do seguinte teor:

I. Da invocada prescrição da pena (Fls. 457 e 479)
O arguido veio invocar a prescrição da pena de multa que lhe foi aplicada nos presentes autos, atenta a data do Trânsito em julgado da sentença condenatória e o disposto no artigo 122.°, alínea d) do Código Penal.

Ouvido, o Ministério Público, nos termos e com os fundamentos aduzidos a 463 pronunciou-se no sentido de que tal prescrição se não verifica, promovendo que seja indeferido o requerido e declarado que a pena se não mostra ainda prescrita.

Cumpre apreciar e decidir.

O arguido, por sentença proferida nos presentes autos e transitada em julgado no dia 17.05.2012, foi condenado pela prática de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigo 181,°, n.º 1, do Código Penal e de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 348,°, n.ºs 1, alínea b) e 2 do Código penal, na pena única de 200 (duzentos) dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante de € 1,000,00 (mil euros).

Posteriormente, o arguido requereu a substituição dessa pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, o que foi deferido por despacho datado de 13.01.2015 /cfr. fls. 273 e ss e 309-310),

O arguido incumpriu o plano de execução elaborado pela DGRSP para cumprimentos das horas de trabalho a favor da comunidade, justificando as faltas designadamente por motivos de saúde relacionados com um dos filhos e a companheira, tendo apenas iniciado o cumprimento das horas de trabalho no dia 07.03.2016 e prestado até à data um total de 20 horas de trabalho a favor da comunidade.

Assim, entre os dias 07.03.2016 e 28.03.2016 o arguido prestou um total de 9 horas de trabalho a favor da comunidade e nos dias 26.09.2016, 27.09.2016 e 30.09.2016 prestou ainda um total de 11 horas de trabalho a favor da comunidade (cfr. fls. 382, 427 e 441).

O arguido encontra-se preso desde 30.01.2017. em cumprimento de uma pena de um ano e quatro meses de prisão á ordem de outro processo, tendo a DGRSP informado aos presentes autos autos da impossibilidade de o mesmo cumprir as horas de trabalho em falta do estabelecimento Prisional (cfr. fls. 418 e 451).

O prazo de prescrição da pena aplicada ao arguido é de 4 (quatro) anos, iniciando-se a sua contagem no dia do trânsito em julgado da decisão que tiver aplicado a pena, conforme resulta do disposto no artigo 122.°, n.ºs 1, alínea d) e 2 do Código Penal.

Dispõe o artigo 125.° do Código Penal, que a prescrição se suspende, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar; b) vigorar a declaração de contumácia; c) o condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade; ou d) perdurar a dilação do pagamento da multa, sendo que, após a cessação da causa de suspensão, a prescrição volta a correr a partir do dia da sua cessação.

Dispõe, ainda, o artigo 126.° do Código Penal, que a prescrição se interrompe com a sua execução - n.º 1, alínea a) - ou com a declaração de contumácia - n.º 1, alínea b) -, começando a correr novo prazo de prescrição depois de cada interrupção, acrescentando que a prescrição da pena tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição, acrescido de metade.

No concerne ao que se deva entender por execução da pena, designadamente para efeitos da interrupção da prescrição da pena de multa, é-o quer o cumprimento de parte dos dias de trabalho pelos quais a multa foi substituída, quer o pagamento voluntário ou coercivo de parte da multa aplicada (cfr. neste sentido e a titulo meramente exemplificativo o Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 2/2012, de 08.03.2012, publicado no DR - I Série de 12.04.2012 e o Acórdão do TRE de 25.10.2016, proferido no processo n.º 39/09.GBPTM, acessível in www.dgsi.pt).

Aplicando o que ficou dito ao caso em concreto, verifica-se que o prazo de prescrição da pena teve o seu início no dia 17.05.2012, sem que se tenha verificado qualquer causa de suspensão do prazo de prescrição, para além do período de dilação do pagamento da multa (ou seja, durante o prazo de 15 dias para pagamento voluntário da multa fixado pelo artigo 489.°, n.º 2, do Código de Processo Penal).

Todavia, verifica-se ainda que ocorreram sucessivas interrupções da prescrição da pena de multa decorrentes do cumprimento parcial das horas de prestação de trabalho a favor da comunidade pelas quais a pena de multa foi substituída, a última das quais com as horas de trabalho a favor da comunidade prestadas pelo arguido no dia 30.09.2016, começando então a correr novo prazo de prescrição de quatro anos cujo termo ainda não foi alcançado.

Acresce que o prazo máximo de prescrição da pena a que alude o artigo 126.°, n.º 3, do Código Penal (4 anos, acrescido de 2 anos e ressalvado o tempo da suspensão de 15 dias), que conforme referimos se iniciou no dia do trânsito em julgado da decisão que aplicou a pena de multa, também ainda se não mostra decorrido.

Pelo exposto e vistas as supra citadas normais legais importa concluir que a pena aplicada ao arguido ainda se não mostra prescrita e, consequentemente, indeferir o requerido.

Notifique».

Do despacho proferido o arguido E. interpôs recurso, devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões:

I – Nos termos das alegações formuladas, contrariamente ao Douto entendimento da Mm.ª Juiz a quo, não ocorreu qualquer causa de suspensão ou interrupção do prazo de prescrição da pena de multa aplicada ao recorrente - «o deferimento do requerimento da substituição do pagamento da pena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade não constitui causa de suspensão do decurso do prazo de prescrição da pena». Conforme resulta inequivocamente do exemplarmente Relatado no Ac TRC proferido em 23.05.2012 no processo n.º 1366/06.4PBAVR.C1 .

II – O despacho impugnado violou o disposto no artigo 125.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

III – O despacho impugnado violou o disposto no artigo 122.º n.º 1 al. d) do Código Penal e ainda por violação do artigo 1.º do mesmo código.

O recurso interposto foi admitido com subida imediata, em separado, e efeito devolutivo.

O MP respondeu à motivação do recorrente, pugnando pela manutenção do decidido, mas sem formular conclusões.

Pela Digna Procuradora-Geral Adjunta junto desta Relação foi emitido parecer sobre o recurso em presença, no sentido da sua improcedência.

O parecer emitido foi notificado ao arguido, a fim de se pronunciar, não tendo ele exercido o seu direito de resposta.

Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.

II. Fundamentação
Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra.

A sindicância da decisão recorrida, que transparece das conclusões do arguido recorrente, resume-se à pretensão de reversão do juízo de não prescrição que recaiu sobre a pena de multa em que foi condenado.

Sobre os prazos de prescrição das penas e o início da sua contagem dispõem os nºs 1 e 2 do art. 122º do CP:

1 - As penas prescrevem nos prazos seguintes:

a) Vinte anos, se forem superiores a dez anos de prisão;
b) Quinze anos, se forem iguais ou superiores a cinco anos de prisão;
c) Dez anos, se forem iguais ou superiores a dois anos de prisão;
d) Quatro anos, nos casos restantes.

2 - O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena.

O regime de suspensão da prescrição das penas é definido pelo art. 125º do CP:

1 - A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:

a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar;
b) Vigorar a declaração de contumácia;
c) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade; ou
d) Perdurar a dilação do pagamento da multa.

2 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.

Quanto à interrupção da prescrição, o art. 126º do CP estatui:

«
1 - A prescrição da pena e da medida de segurança interrompe-se:

a) Com a sua execução; ou
b) Com a declaração de contumácia.

2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.

3 - A prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade.

A pretensão recursiva assenta, de forma exclusiva, na tese jurídica, segundo a qual o deferimento de requerimento no sentido do cumprimento da pena de multa, mediante a prestação de dias de trabalho, não constitui causa de suspensão da prescrição, invocando em seu apoio um Acórdão da Relação de Coimbra, datado de 23/5/12, proferido no processo nº 1366/06.4PBAVR.C1 e relatado pelo Exº Desembargador Dr. Luís Teixeira (disponível em www.dgsi.pt).

Ora, salvo o respeito, os termos em que o recorrente fundamenta a sua pretensão enfermam de uma confusão, que não é correcta, entre as figuras da interrupção e da suspensão da prescrição.

A fundamentação do despacho recorrido, que transcrevemos no relatório do presente acórdão, não considerou qualquer causa de suspensão da prescrição, mas antes entendeu como causa interruptiva desta, nos termos da al. a) do nº 1 do art. 126º do CP, a prestação pelo arguido de horas de trabalho em substituição do pagamento da multa e não o simples deferimento de requerimento nesse sentido.

O despacho em crise orientou-se pela posição jurisprudencial consagrada no Acórdão desta Relação de Évora, proferido em 25/10/16, no processo nº 39/09.0GBPTM.E1 e relatado pelo Exº Desembargador Dr. Alberto Borges (disponível em www.dgsi.pt) , o qual, por sua vez, seguiu de perto a fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 2/2012 (publicado em DR, I série, de 12/4/2012), para fixação de jurisprudência, cujo decisório incidiu sobre uma questão distinta da agora em apreço.

Aliás, o próprio Acórdão da Relação de Coimbra, que o recorrente invoca em abono da sua pretensão, parece convergir, na sua fundamentação com a tese subjacente ao despacho recorrido e à jurisprudência em que se apoiou, segundo a qual a prestação pelo arguido de horas de trabalho favor da comunidade em vez do pagamento da multa integra o conceito de «execução» desta pena, quando refere (transcrição com diferente tipo de letra:

Segundo o regime analisado da substituição da multa por trabalho, existe, pois, uma equiparação desta prestação de trabalho a um verdadeiro cumprimento da pena de multa, de tal modo que a prestação de trabalho corresponderá a uma forma de pagamento da multa. E que a prestação parcial do trabalho significará igualmente um pagamento parcial dessa multa.

Se bem compreendemos, o arguido não questionou, na motivação d recurso «sub judice», os fundamentos factuais do despacho em crise, mormente a data do trânsito de julgado da sentença condenatória e aquelas em que ele prestou horas de trabalho a favor da comunidade.

Perante a irrelevância da argumentação jurídica em que se apoia a pretensão recursiva, teremos de concluir, em convergência com o despacho recorrido, que o decurso da prescrição se interrompeu em cada uma das datas em que o arguido prestou trabalho, tendo a última prestação ocorrido em 30/9/16.

O prazo de prescrição iniciado com a última interrupção ainda não atingiu o seu termo, o mesmo tendo sucedido com o prazo máximo previsto no nº 3 do art. 126º do CP, que se cifra, no caso concreto em 6 anos, mesmo sem se considerar qualquer período de suspensão.

Como tal, terá o recurso de improceder.

III. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.

Notifique.

Évora,20/2/18 (processado e revisto pelo relator)

(Sérgio Bruno Povoas Corvacho)

(João Manuel Monteiro Amaro)