Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FRANCISCO MATOS | ||
Descritores: | LIVRANÇA PREENCHIMENTO ABUSIVO | ||
Data do Acordão: | 03/09/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | I- A lei admite a livrança em branco, necessário é que contenha, pelo menos, uma assinatura feita com a intenção de contrair uma obrigação cambiária. II - Se o acordo de preenchimento ficar por definir, isto é, se ele próprio for em branco, então é de presumir que o adquirente é autorizado a preencher a livrança segundo a relação subjacente e os costumes do tráfico. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. nº 1257/10.4TBOLH-A.E1 Olhão Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório. 1. Por apenso à execução para pagamento de quantia certa, em que é exequente (…) – Instituição Financeira de Crédito, S.A. e são executados (…) e (…), veio a executada opor-se à execução. Em síntese, alegou que o requerimento executivo é inepto por falta de indicação da causa de pedir, que a livrança dada à execução foi assinada em branco, sem a convenção de qualquer pacto de preenchimento e que a quantia aposta na livrança é superior ao montante das prestações do empréstimo que, à data do seu preenchimento, se encontravam em dívida. Conclui pedindo a extinção da execução ou, sem prescindir, a redução da quantia exequenda para € 3.527,57. Contestou a Exequente defendendo, em síntese, que constam da livrança os factos constitutivos da obrigação exequenda, que preencheu a livrança de acordo com a autorização expressa dos executados, apondo nela as prestações e demais quantias em dívida, à data do seu preenchimento, decorrentes do incumprimento pelos executados do contrato de mútuo com estes celebrado. Concluiu pela improcedência da oposição. A Executada respondeu à contestação e a Exequente requereu o desentranhamento da resposta. B) Encontrando-nos no domínio das relações imediatas, é lícito à executada/oponente, opor à exequente, todas as excepções de direito material, decorrentes ou fundadas na relação subjacente à emissão do título cambiário. C) Não resultando da matéria de facto apurada que a exequente tenha dado conhecimento aos executados das condições gerais e particulares inseridas no contrato de mútuo, ou que tenha sido entregue aos executados cópia do contrato de mútuo, ou ainda que a livrança em causa tenha sido tenha sido entregue pela Oponente à Exequente, para dar cumprimento ao contrato de mútuo, como resulta da resposta aos quesitos 1), 2), 3) e 4), terá que concluir-se que a exequente não deu cumprimento, como lhe competia, aos deveres de informação e comunicação ínsitos nos arts. 5º e 6º do DL 446/85 e cujo ónus da prova cabia exclusivamente à exequente. D) A violação daqueles deveres legais de informação e comunicação, implica que as referidas cláusulas gerais se tenham que considerar excluídas do contrato, de acordo com a sanção prevista no art. 8º al. a), b) e d) do regime geral das cláusulas contratuais gerais. C) Face ao exposto, teria que considerar-se excluída do contrato, a cláusula 10º das condições gerais, tudo se passando como se aquela não existisse, designadamente, resultando da sua exclusão, a inexistência, in casu, de qualquer pacto de preenchimento da livrança assinada em branco pela Oponente; D) Não havendo pacto ou autorização de preenchimento da livrança entregue em branco, a livrança em causa está incompleta, por falta dos requisitos previstos no art. 76º, dando consequentemente origem a um título nulo, ou não podendo ser considerada como título cambiário, pelo que, E) o preenchimento da livrança pela exequente, desalicerçado em qualquer pacto de preenchimento ou autorização da oponente, terá forçosamente que qualificar-se como abusivo, resultando assim ilidido o valor probatório do título que serve de base à presente execução. F) Face ao regime legal aplicável à relação subjacente à emissão do título executivo - Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais – não poderia o Mmº Juiz considerar que a cláusula geral 10º do contrato de mútuo, não havia sido objeto de adequada comunicação e informação à Oponente e, simultaneamente, invocar tal cláusula para fundamentar juridicamente a existência de pacto de preenchimento e consequente validade do título executivo. G) Ao considerar válido o título que serve de base à execução, com base num pretenso pacto de preenchimento, que se afigura não poder ser invocável na relação subjacente, o Mmº Juiz fez uma errada subsunção dos factos ao direito e errada interpretação e aplicação do direito, violando o disposto nos arts. 8º do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais e os arts. 75º, 77º e art 10º da LULL aplicável ex vi do art. 77º às livranças. Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o Mui Douto Suprimento de V. Exas, deverá a presente Apelação ser julgada procedente, revogando-se consequentemente a douta sentença recorrida, como é de lídima justiça.” Respondeu a Exequente defendendo a confirmação da decisão recorrida. Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. Vistas as conclusões da motivação do recurso, importa decidir: III. Fundamentação. 2.1. Se a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia. A sentença, de facto, não se pronunciou sobre esta questão importando agora averiguar se a mesma foi submetida a apreciação na 1ª instância e, assim, se se trata de questão de pronúncia obrigatória, como é próprio das questões cuja omissão de conhecimento determinam a nulidade da sentença. A Recorrente opôs-se à execução com fundamento na falta de indicação da causa de pedir, com a consequente ineptidão do requerimento executivo, na ausência de pacto de preenchimento da livrança, no preenchimento abusivo desta e na desconformidade entre a quantia exequenda e as prestações contratuais em dívida. A Exequente contestou e a Recorrente respondeu a esta contestação, suscitando então a questão da exclusão das cláusulas contratuais, referidas no contrato como “condições gerais”, porque inseridas em formulário posterior à assinatura dos contraentes e por violação dos deveres legais de comunicação e informação, designadamente a exclusão da cláusula 10ª que previa o livre preenchimento da livrança pela Exequente quanto às datas de emissão e vencimento, local de pagamento e montante do crédito. Na consideração que não havia suscitado qualquer excepção, a Exequente requereu o desentranhamento desta resposta e com razão. A oposição à execução foi deduzida em 25/11/2010 (cfr. fls. 61 dos autos) e nesta data encontrava-se em vigor o CPC de 1961, com as alterações resultantes do D.L. nº 38/2003, de 8/3, cujo artº 817º, nº 2, previa: “Se for recebida a oposição, o exequente é notificado para contestar, dentro do prazo de 20 dias, seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo sumário de declaração.” Tal como a lei anterior previa para os embargos à execução e a lei vigente prevê para a oposição à execução (cfr. artº 817º, nº 2, do CPC de 1961, na sua versão original e artº 732º, nº 2, do CPC vigente) o procedimento da oposição à execução apenas comporta como articulados o requerimento inicial do executado e a contestação do exequente e depois destes, a oposição segue os termos do processo sumário de declaração, sem mais articulados. Os fundamentos de defesa do executado devem, assim, ser expostos na petição de embargos sob pena de preclusão da sua dedução, uma vez que a lei não permite a existência de qualquer outro articulado para o efeito; trata-se da uma manifestação do princípio da eventualidade ou da preclusão que enforma a lei processual civil, visando obstar a que os litigantes deixem (…) de reserva os seus melhores argumentos, para só se saírem com eles quando crêem que o adversário já não tem a possibilidade de lhe contrapor uma réplica exauriente.”[3] Razão tinha, pois, a exequente em requerer o desentranhamento dum articulado que a lei não admite; não obstante, o requerimento da exequente não só não foi apreciado, como esta não suscitou, a propósito, qualquer nulidade e a questão da exclusão da cláusula 10ª do contrato, suscitada pela executada em articulado inadmissível, foi introduzida nos autos como objecto do litígio, como claramente resulta dos pontos 1) a 3) da base instrutória. Assim, e não podendo agora conhecer-se da nulidade que traduziu a prática de um ato que a lei não admite (a resposta à contestação), por não ser de conhecimento oficioso (artºs 201º, nº 1 e 202º, do CPC de 1961, vigente à data da omissão do acto), a nulidade mostra-se sanada, restando apreciar os efeitos que dela resultam para o procedimento. Não tendo a 1ª instância determinado o desentranhamento da resposta à contestação apresentada pela executada e havendo, pelo contrário, levado à base instrutória os factos relevantes para o conhecimento da questão suscitada neste articulado – a violação dos deveres de comunicação e informação das condições gerais e particulares anexas ao contrato de mútuo – tornou esta questão de conhecimento obrigatório nos autos; porque de duas uma, ou julgava o articulado inadmissível e não conhecia da questão nele suscitada, ou considerava admissível o articulado e conhecia da questão, o que não se afigura defensável é a ausência de pronuncia sobre a admissibilidade do articulado, a introdução no âmbito do litígio dos factos relevantes para o conhecimento da questão suscitada no articulado inadmissível e a final a omissão do conhecimento da questão, como é o caso. A recorrente tem razão, a sentença é nula por omissão de pronúncia. Assim, declara-se nula a sentença na parte em que omitiu o conhecimento da questão da exclusão do contrato das cláusulas contratuais gerais, dela se conhecendo agora no recurso (artº 665º, nº 1, do CPC).
2.2. Se deve ser excluída do contrato de mútuo a clausula 10º do contrato, por violação dos deveres de comunicação e informação. As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo D.L. nº 446/85, de 25/10, sucessivamente alterado pelos Decs.- Leis nº 220/95, de 31/8, 249/99, de 7/7 e 323/2001, de 17/12 (cfr. artº 1º, do diploma em referência e a que pertencerão os demais artºs indicados sem qualquer menção de origem). São cláusulas contratuais gerais, “(…) as cláusulas elaboradas, sem prévia negociação individual, como elementos de um projeto de contrato de adesão, destinadas a tornar-se vinculativas quando proponentes ou destinatários indeterminados se limitem a subscrever ou aceitar esse projeto”[4] As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las (artº 5º nº 1), o contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique (artº 6º, nº 1), consideram-se excluídas dos contratos singulares, as cláusulas que não tenham sido comunicadas, bem como as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo [als. a) e b) do artº 8º] e o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais (artº 5º, nº 3). Porque elaborada, sem prévia negociação individual, como elementos de um projecto de contrato de adesão, destinada a tornar-se vinculativa quando aceite pelos mutuários (cfr. doc. de fls. 73 e 74), a cláusula 10ª das condições gerais do contrato – “os Mutuário(s) obriga(m)-se a entregar à (…), a título de garantia, uma livrança não integralmente preenchida, mas devidamente subscrita pelo(s) Mutuário(s) e assinada pelo(s) Avalista(s), que poderá ser livremente preenchida pela (…), designadamente no que se refere às datas de emissão e vencimento, local de pagamento, pelo valor correspondente aos créditos de que em cada momento a (…) seja titular por força do presente contrato ou de encargos e despesas dele decorrentes. A (…) poderá também descontar essa livrança e utilizar o seu produto para cobrança dos seus créditos. (…)” – é uma cláusula contratual geral. 2.3. Se o preenchimento da livrança pela exequente é abusivo, por ausência de pacto de preenchimento. Tal não significa, porém, como defende, que inexista pacto de preenchimento e menos ainda que se mostre abusivo o preenchimento da livrança pela executada. A questão, aliás, tal como colocada, apresenta uma inicial dificuldade; resultando o preenchimento abusivo da livrança da desconformidade entre o que nela consta e o que nela devia constar, não é configurável quando, como é o caso, apenas se demonstra um dos pressupostos, ou seja, o que nela consta e, assim, caso não existisse pacto para o uso da livrança, como defende a Recorrente, não vemos como defender o abuso. Deixando, porém, as razões lógicas e indo às razões jurídicas, tanto quanto possível, uma vez que a lógica não é estranha ao direito e muito menos à sentença que o declara [artº 615º, nº 1, al. d), do CPC], a livrança é um título formal, um escrito, para valer como livrança, deverá conter os requisitos enumerados no artº 75º e 76º da LU. Mas a lei admite a livrança em branco, ou seja, a livrança a que faltem requisitos essenciais, necessário é que contenha, pelo menos, uma assinatura feita com a intenção de contrair uma obrigação cambiária. O pacto de preenchimento é o ato pelo qual as partes ajustam os termos da obrigação cambiária, designadamente, no caso da livrança, as que se reportam à fixação do seu montante, época do pagamento, lugar de pagamento ou a data e lugar onde é passada (artº 75º, da LU). Preenchida a letra ou a livrança com inobservância do acordo de preenchimento, o preenchimento diz-se abusivo e constitui uma excepção oponível, designadamente, ao seu primeiro adquirente. “Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido falta grave” (artº 10º, aplicável às livranças ex vi do artº 77º, ambos da LU). O portador aqui em vista é um terceiro que recebe a livrança já preenchida ou um terceiro que preenche a livrança de boa fé que recebeu por endosso e reclama o seu pagamento, quanto a estes não é oponível a excepção do preenchimento abusivo, mas já o será ao primeiro adquirente que preencheu a livrança ou ao terceiro que preencheu a livrança que recebeu por tradição ou sucessão “mortis causa”[7]. |