Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2882/20.0T8STR.E1
Relator: JAIME PESTANA
Descritores: SUPRIMENTO JUDICIAL
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
Data do Acordão: 10/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Em processo especial de acompanhamento de maior não se pode cumular, logo, o pedido de suprimento para alienação de prédio do mesmo.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2882/20.0T8STR.E1 – 2.ª secção

Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

(…) e mulher, (…) vieram intentar a presente acção especial de acompanhamento de maior relativamente a (…), viúva, nascida em 07/07/1938, residente na Rua (…), Casais de (…), (…), Santarém, e com dedução de incidente de suprimento da autorização do beneficiário.

Alegaram, para tanto e em síntese, que o requerente é filho da requerida, a qual padece de doença neurodegenerativa, necessitando de auxílio nas actividades básicas da vida diária, encontrando-se acamada.

Concluíram peticionando a aplicação à requerida de medida de acompanhamento de representação geral, com administração de bens, designadamente pensão de reforma e de sobrevivência do marido falecido.

Para acompanhante indicaram a requerente, e a convite do tribunal, para compor o Conselho de Família indicaram a neta (…) e a indicada acompanhante.

Foi citado o Ministério Público perante a impossibilidade de a requerida receber a citação, o qual não contestou.

Procedeu-se à audição pessoal da requerida e exame pericial.

O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser aplicada à requerida a medida de representação geral, nomeando-se como acompanhante o seu filho, ora requerente.

Foi indeferido, por manifesta improcedência, o pedido dos requerentes de autorização para a venda de prédio e abate de veículo, em nome e representação da requerida.

Foi proferida sentença que julgou a acção procedente, por provada e, em consequência:

1) Julgou parcialmente procedente, por parcialmente provado, o presente pedido de suprimento de autorização e, em consequência, autorizou o requerente (…) a prosseguir com a acção de acompanhamento de maior relativa à beneficiária, conferindo-lhe legitimidade activa para o efeito, mas não à aqui requerente;

2) Decretou o acompanhamento da maior (…);

3) Fixou o início da incapacidade da requerida a partir de Dezembro de 2010;

4) Para acompanhante da maior nomeou (…), a quem se conferiu poderes de representação geral, com administração total dos seus bens e substituição para movimentação de contas bancárias e assuntos institucionais, designadamente no que respeita às pensões de reforma e sobrevivência da requerida, e ainda substituição no consentimento para prestação de cuidados médicos;

5) Ficou ainda vedado à maior o exercício dos direitos pessoais de casar, perfilhar, adoptar, testar, votar, bem como de se deslocar ao estrangeiro e fixar domicílio ou residência sem autorização do acompanhante e, bem assim, de celebrar negócios da vida corrente;

6) Para constituírem o Conselho de Família designou-se (…) para o cargo de protutora e (…) para o cargo de vogal;

7) Consignou-se que a maior não dispõe de testamento vital nem outorgou procuração para cuidados de saúde – artigo 900.º, n.º 3, do NCPC.

Inconformados com o segmento da decisão que indeferiu a autorização para a venda de prédio urbano a abate de veículo em nome da requerida, recorreram os requerentes tendo concluído nos seguintes termos:

1.ª – O processo especial de maior acompanhado, apesar da aplicação subsidiária do regime dos processos de jurisdição voluntária, não deixa de ser um processo contencioso;

2.ª – Aos processos especiais são aplicáveis as regras próprias e as gerais ou comuns e, em tudo que não esteja previsto numas e noutras, as do processo declarativo comum;

3.ª – Pelo que, aos requerentes ora apelantes era lícito a cumulação de pedidos no requerimento inicial que ajuizaram;

4.ª – O que se encontra previsto no artigo 37.º, do CPC, já que à forma processual em apreço, este normativo é também aplicável;

5.ª – Contudo, do elenco das medidas de acompanhamento, dentre as quais o tribunal se pode mover, encontra-se a de autorização prévia para a prática de ato, o que está, designadamente previsto no artigo 145.º, n.º 2, alínea d), do Código Civil;

6.ª – Sem se olvidar o poder do juiz de escolher a medida de acompanhamento dentre aquelas previstas pelo legislador, n.º 2, do artigo 145.º, do Código Civil;

7.ª – Contudo, o mesmo terá de fundamentar porque escolhe umas e não outras, mormente aquelas que lhe são pedidas pelos requerentes;

8.ª – Essa escolha, não sendo discricionária, mas revelada por factos extraídos dos próprios autos;

9.ª – Não será, por conseguinte, por razões de definitividade da decisão final que fixa as medidas e o determina o acompanhamento, que possam obstar a que entre elas se determine a requerida pelos apelantes;

10.ª – Porquanto, esta é uma das que se encontra prevista no elenco normativo e a que o tribunal se tem que mover, apesar de se estar perante uma norma aberta a outro tipo de medidas não previstas pelo legislador.

O Exmo. Magistrado do Ministério Público apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir.

O Tribunal recorrido julgou provada a seguinte matéria de facto:

A) (…) nasceu em 07/07/1938 e é viúva.

B) Tem um filho, aqui requerente, casado com a requerente (…).

C) Está institucionalizada desde 20/12/2010.

D) Pelo menos desde Dezembro de 2010 que a requerida padece de Síndrome Demencial, actualmente em fase avançada.

E) A requerida não fala, olhando atentamente durante um curto período de tempo, após o que desvia o olhar.

F) Não consegue interagir com terceiros.

G) Está dependente de terceiros para todas as actividades da vida diária, tais como alimentação, higiene, vestir-se e toma de medicação.

H) Não anda, apenas sendo levantada para o cadeirão.

I) Está desorientada no tempo e no espaço.

J) Tal situação clínica apresenta carácter permanente, crónico e irreversível.

K) A requerida não dispõe de testamento vital, nem outorgou procuração para cuidados de saúde.

Inexistem factos não provados que revelem interesse para a apreciação da causa.

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso (artigo 639.º do Código de Processo Civil).

Discute-se a questão de saber se, na presente acção com processo especial de acompanhamento de maior, se pode cumular o pedido de autorização para a pratica de actos relativamente aos quais a lei exija prévio controlo judicial.

Os ora recorrentes pediram o acompanhamento de maior, relativamente à mãe do requerente e cumularam tal pedido com um outro de autorização para a venda de prédio urbano e abate de veículo, em nome e representação da requerida.

A decisão recorrida indeferiu liminarmente o pedido de autorização essencialmente com fundamento em que tal pedido de autorização pressupõe que esteja decretado o acompanhamento de maior.

A argumentação dos recorrentes assenta essencialmente na norma do artigo 145.º, n.º 2, alínea d), do Código Civil, que prevê como uma das medidas de acompanhamento a decretar, precisamente a autorização para a prática de determinado acto.

Ora, em face do disposto nos artigos 555.º, n.º 1 e 37.º do Código Civil, não é liquido que, in casu, a cumulação de pedido seja admissível, porquanto aos pedidos em causa correspondem diversas tramitações processuais e, mesmo que se sustente que tais procedimentos não são manifestamente incompatíveis, não foram alegados factos essenciais para a apreciação do pedido de autorização da prática de acto de disposição do património da requerida.

Acresce que para a apreciação do pedido de autorização sempre seria necessário realizar outras diligências de prova, designadamente a avaliação do bem que se pretende alienar, o que, de certo modo, comprometeria o carácter urgente da presente acção.

Por todo o exposto, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.

Custas a cargo dos recorrentes.

Évora, 28 de Outubro de 2021

Jaime de Castro Pestana

Paulo de Brito Amaral

Maria Rosa Barroso