Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
89/22.1GDABF.E1
Relator: NUNO GARCIA
Descritores: LEI Nº 37/2015 DE 5 DE MAIO
DECISÕES INSCRITAS
VIGÊNCIA NO REGISTO CRIMINAL
Data do Acordão: 01/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
Os critérios temporais relevantes para a cessação de vigência dos registos, consentâneos com o disposto no artigo 11.º da Lei n.º 37/2015 de 5 de maio, são:

O decurso do prazo estabelecido (5, 7 ou 10 anos) consoante os casos;

A inexistência de nova condenação;

A inexistência de nova condenação entre a data da extinção até ao quinto (7º ou 10º) ano posterior a essa data.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
RELATÓRIO

O arguido AA foi submetido a julgamento, no âmbito qual foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Face ao exposto, decide o Tribunal:

A. Condenar AA pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão.

B. Decretar, ao abrigo do art. 50.º, n.º 1 e 5, a suspensão da pena fixada em A) pelo período de 12 (doze) meses, suspensão condicionada à frequência da ação estruturada “Taxa Zero” ministrada por esta DGRSP com vista a promover competências reflexivas sobre a prática do crime condução de veículos em estado de embriaguez e do exercício de um comportamento rodoviário alternativo responsável.

C. CONDENAR o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 10 (dez) meses.”

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O arguido não se conformou com a referida condenação e recorreu da sentença, tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões:

“1 Uma vez que o arguido não foi ouvido em sede de audiência de julgamento, considera-se que não pode ser considerado provado que o arguido tenha agido com dolo ou negligência.

2. Atendendo aos factos dados como provados , na decisão ora recorrida , detecta-se que os mesmos não se mostram efectivamente suficientes para integrar todos os elementos do tipo de crime, pelo qual o arguido, ora recorrente foi condenado.

3. Um vez que estando nela devidamente descritos os factos integradores dos elementos objectivos do tipo de crime , o mesmo já não acontece relativamente a todos os elementos integradores dos seus elementos subjectivos .

4. Face a que da mesma não consta qualquer facto integrador do dolo ( em qualquer dos seus tipos : directo , necessário ou eventual ) ou da negligência, que permita apreender o modo de actuação do agente .

5. Embora este crime seja punido tanto a nível de dolo como de negligência , importa consignar, com rigor , na materia de facto dada como provada o elemento intelectual do dolo ou da negligência, o qual não se detecta na materia de facto dada como provada

6. Uma vez que da mesma não consta que o mesmo , arguido , sabia ser portador de uma taxa de alcoolémia igual ou superior a a 1,20g/l de Alcool no sangue , nem se admitiu ou não tal possibilidade ou a representou e se conformou ou não , com ela.

7.. Pelo exposto , é forçoso concluir que a materia de facto dada como provada , por não integrar todos os elementos subjectivos do tipo de crime , se mostra insuficiente para dela retirar a solução de direito da pratica pelo arguido do crime, mesmo atendendo às varias às varias solucões de direito plausíveis

8. O vício da insuficiência da matéria de facto para decisão , previsto na al.a) do n.2 do referido artigo 410.º , é o que decorre da omissão de pronuncia pelo tribunal , sobre os factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão , ou seja , a que decorre da circunstância do tribunal ; não ter dado como provado ou não como provado ou como não provados todos os factos que , sendo relevantes para a decisão da causa , tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultantes da discussão da causa.

9.. “ Neste sentido Ac. do STJ de 30/06/99, cit .In C.P.P. , anotado por Simas e Leal Henriques , vol .II, 2ª ed, pag. 759 .

10. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada , prevista na al.a ) do n.2 do art.º 410.º , determina a formação incorrecta de um juízo porque a conclusão ultrapassa a premissa

11. A matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito correcta legal e justa “ Ac .STJ de 20/05/98 in Col Juris , ano VI, tomo II, pag 200.

12. Contudo , detecta-se ainda que tal materia de facto em falta na sentença , ora recorrida , não constitui apenas um vicio de da mesma , uma vez que , já não constava da acusação deduzida nos autos pelo M.P.

13. Pelo que seguindo-se o Ac do STJ de Fixacão de jurisprudência n 1 /2015, que determina que ;

14. A falta de descrição , na acusação , dos elementos subjectivos do crime , nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento representação ou previsão de todas as circunstancias da factualidade típica , na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com sentido do correspondente desvalor , não pode ser integrada , em julgamento por recurso ao mecanismo previsto no art.358.º do . C.P.

15. E em obediência ao mesmo , forçoso é concluir-se que, não podendo tal falta ser integrada em julgamento, impõe-se , em consequência , absolver o arguido da pratica do crime, uma vez que não se verificam todos os elementos do tipo do crime pelo qual foi acusado e condenado o arguido ; Recurso 297/14.9 GBABF.E1, datado de 29/11/2015.

16. Mais se verifica inconstitucionalidade material cometida pelo Douto Tribunal na interpretação efectuada ao artigo 370.º do CPP, em violação do artigo 32 n.1 e 5 da Constituição da Republica Portuguesa.

17. Tal violação do Douto Tribunal deriva da interpretação perfilhada no considerar que, relatório social, prevista no artigo 370.º do CPP é um meio de prova, susceptivel de integrar o elenco de factos dados como provados na sentença, a contrario: WWW.DGSI .PT; Tribunal da R. Lisboa Processo n. 454/19.1 PEAMD.L1-5, datado de 18/05/2021.

18. Por outro lado a lei 37/2015 é inequívoca ao determinar o cancelamento dos registos criminais por decurso de determinados prazos sobre as datas de extinção das penas.

19. O “ cancelamento dos registos “ significa que as sentenças canceladas se consideram extintas no plano juridico , não se lhes ligando quaisquer efeitos , designadamente , quanto a medida da pena .

20. O Registo Criminal do Arguido não deve ser considerado para fundamentação de sentença , boletim n.2 a 11, nos termos supra descritos, e artigo 118.º n. 1 al.d) do CP e artigo 118.º n.º al . C ) CP, e Lei 37/2015.

23. O aproveitamento judicial de informação que por falhas administrativas se mantenha no CRC é ilegal , e viola o principio constitucional da igualdade , artigo 13.º da CRP.

Termos em que,

Deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, com o que se fará JUSTIÇA!

Mais se requer, ao abrigo do disposto no art. 411º nº 4 do C.P.C., que as alegações a que haja lugar, sejam produzidas por escrito.”

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O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência do mesmo, tendo alegado com especial relevância o seguinte:

“O recorrente foi condenado:

No processo n.º 665/02.9… (trânsito em julgado em 6-01.2006), pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e um crime de desobediência, na pena única de 118 dias de multa à taxa diária de €15,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses e 15 dias.

A pena de multa foi extinta por prescrição no dia 6-10-2010.

A pena acessória foi extinta no dia 18-7-2006 (CRC junto a fls. 65-70). Segundo os critérios previstos na lei 37/2015, artigo 11.º 1. b) a inscrição desta condenação no registo criminal deveria ter cessado em 6-10-2015. Verifica-se, porém, que antes do decurso daquele prazo de 5 anos, foi condenado novamente em 9-6-2011 no processo 617/10.5…, o que impede a cessação da vigência da inscrição desta condenação do processo 665/02.9….

No processo n.º 617/10.5… por sentença de 9-6-2011, (trânsito em julgado em 20-09-2011) pela prática no dia 1-4-2010 de um crime de desobediência foi condenado na pena de 80 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses.

A pena de multa foi extinta no dia 24-4-2014.

A pena acessória foi extinta no dia 11-6-2012.

Segundo o critério previsto na Lei n.º 37/2015, artigo 11.º 1. b) a inscrição desta condenação no registo criminal deveria ter cessado a vigência em 24-4-2019.

Verifica-se, porém, que antes do decurso daquele prazo de 5 anos (de 24-4-2014 a 24-4-2019), foi condenado novamente em 2-6-2014 no processo 103/13.1…, o que impede a cessação da vigência da inscrição da condenação no processo 617/10.5….

No processo n.º 103/13.1… por sentença de 2-6-2014 (transitada em julgado em 14-7-2014) foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 110 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 7 meses.

A pena de multa foi extinta no dia 10-9-2015.

A pena acessória foi extinta no dia 21-2-2015.

Segundo o critério previsto na Lei n.º 37/2015, artigo 11.º 1. b) a inscrição desta condenação no registo criminal deveria ter cessado a vigência em 10-9-2020.

Verifica-se, porém, que antes do decurso daquele prazo de 5 anos (de 10-9-2015 a 10-9-2020), foi condenado novamente em 27-6-2016 no processo 91/15.0…, o que impede a cessação da vigência da inscrição da condenação no processo 103/13.1….

No processo n.º 91/15.0… por sentença de 27-6-2016 (transitada em julgado em 12-9-2016), pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições foi condenado na pena de 200 dias de multa.

A pena de multa foi extinta no dia 8-2-2019.

Segundo o critério previsto na Lei n.º 37/2015, artigo 11.º 1. b) a inscrição desta condenação no registo criminal só poderá vir a cessar no dia 8-2-2024 sem prejuízo de impedimento resultante da condenação neste processo 89/22.1… no dia 2-6-2023.

Assim, mantém-se a vigência da inscrição da condenação no processo 91/15.0….

No processo n.º 428/09.0… por sentença de 4-7-2012 (transitada em julgado em 11-07-2014) foi condenado pela prática de um crime de auxilio à imigração ilegal, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, suspensa por idêntico período.

Segundo o registo do CRC o período de suspensão decorreu até 11-9-2015 tendo sido extinta a pena em 11-9-2015.

Segundo o critério previsto na Lei n.º 37/2015, artigo 11.º 1. e) e n.º 3 a inscrição desta condenação no registo criminal só cessaria no dia 11-9-2020.

Verifica-se, porém, que antes do decurso daquele prazo de 5 anos (de 11-9-2015 a 11-9-2020) foi condenado novamente em 27-6-2016 no processo 91/15.0…, o que impede a cessação da vigência da inscrição da condenação no processo 428/09.0….

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Neste tribunal da relação, a Exmª P.G.A. emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e, cumprido que foi o disposto no artº 417º, nº 2, do C.P.P., não foi apresentada resposta.

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APRECIAÇÃO

Tendo em conta as conclusões do recurso, importa apreciar o seguinte:

- vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por a mesma não integrar “todos os elementos subjectivos do tipo de crime/falta da descrição dos mesmos na acusação”;

- inconstitucionalidade material da interpretação do artº 370º do C.P.P.;

- aplicação da lei 37/2015-antecedentes criminais.

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A decisão de facto contida na sentença recorrida é do seguinte teor:

“III.1. – DE FACTO:

3.1. – Factos Provados

3.1.1. - Com relevância para a decisão criminal, provaram-se os seguintes factos:

a) No dia 1 de novembro de 2022, pelas 1 h e 55 m, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula …, na Estrada …, em …, quando foi fiscalizado por militares da GNR.

b) Submetido ao teste de alcoolemia com o aparelho DRAGER, modelo 7110 MKIII P, com o n.º ARZL 0190, verificou-se que apresentava uma TAS de 3,08 g/l, à qual deduzido o erro máximo admissível corresponde a uma TAS de 2,834. Declarou pretender ser submetido a exame de contraprova, pelo que realizou teste com o aparelho DRAGER, modelo Alcotest 9510 PT, verificou-se que apresentava uma TAS de 2,96 g/l, à qual deduzido o erro máximo admissível corresponde a uma TAS de 2,723.

c) Bem sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei, pois sabia que estava influenciado pelo álcool apresentando uma TAS superior a 1,2 g/l e que não podia exercer

d) a condução de veículo automóvel com tal taxa de alcoolemia, visto que, previamente à condução havia ingerido bebidas alcoólicas.

e) O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Mais se apurou que:

f) Consta no relatório social elaborado pela DGRSP: «AA, de 58 anos de idade, vive com a mulher há … anos, tendo dessa união nascido dois filhos, atualmente com … e … anos. O agregado, constituído pelo arguido, a sua mulher e os dois filhos do casal, residem em casa própria, adquirida com recurso a empréstimo bancário. O relacionamento familiar é descrito como adequado e assente na confiança mútua. Licenciou-se em … e exerce … atualmente em … com a mulher. Trabalhou anteriormente num banco, tendo vindo para o Algarve há cerca de 30 anos. Foram referidos vários problemas de saúde, ligados sobretudo à idade do arguido. Não reconhece hábitos alcoólicos, afirmando manter um consumo moderado. Acresce que a sua situação de saúde lhe proíbe o consumo de álcool. Refere episódios de amnésia há vários anos, mencionando acompanhamento entretanto abandonado. Marcou agora consulta para o efeito. A situação económica é descrita como adequada, sendo referindo um rendimento global anual do trabalho do arguido e da sua mulher de cerca de 30.000 Euros. Refere bens imóveis próprios e rendimentos desses bens. (…) O arguido denotou compreender e aceitar a intervenção do sistema de justiça e mostrou vontade em manter de futuro um comportamento adequado».

g) O arguido foi condenado: Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 665/02.9… do ….º Juízo do Tribunal Judicial de …, transitada em julgado em 06.01.2006, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e um crime de desobediência, na pena única de 118 dias de multa à taxa diária de €15,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses e 15 dias; pena extinta por cumprimento. Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 617/10.5… do ….º Juízo do Tribunal Judicial de …, transitada em julgado em 20.09.2011, pela prática de um crime de desobediência, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €10,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses; pena extinta por cumprimento. Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 428/09.0… do Juízo Local Criminal de … – Juiz …, transitada em julgado em 11.07.2014, pela prática de um crime de auxilio à imigração ilegal, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, suspensa por idêntico período; pena extinta por cumprimento. Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 103/13.1… do Juízo Comp. Gen. de …, transitada em julgado em 14.07.2014, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 110 dias de multa à taxa diária de €6,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 7 meses; pena extinta por cumprimento. Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 91/15.0… do Juízo Local Criminal de … – Juiz …, transitada em julgado em 12.09.2016, pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de €10,00; pena extinta por cumprimento.

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3.2. – Factos Não Provados

Com interesse para a decisão da causa, não ficaram factos por provar.

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IV.1. – Fundamentação da Decisão Sobre a Matéria de Facto

A convicção do Tribunal em relação aos factos provados e não provados acima descritos fundou-se no conjunto da prova, apreciada criticamente, junta aos autos e a produzida em sede da audiência de julgamento, em especial no depoimento da militar da GNR, BB, ao qual prestou um depoimento isento e credível relativamente à factualidade constante na acusação, corroborando os factos descritos no Auto de notícia a fls. 4 a 5 dos presentes autos, não tendo dúvidas quer quanto à identificação do arguido como o condutor, como que este foi sujeito a uma fiscalização de rotina, tendo acusado uma TAS superior ao limite penalmente punível.

Valorou o Tribunal, igualmente, a prova documental, junta aos autos, nomeadamente talões a fls. 7 e 9, certificados de IPQ a fls. 8 e 10, porquanto resultou da análise dos autos que o arguido para além de ter sido sujeito ao teste de alcoolemia por exame de aparelho por ar expirado, requereu a sujeição a contraprova, a qual foi efetuada em outro aparelho por ar expirado. Ora perante estes dois resultados o tribunal valora o resultado que se afigura ser mais favorável ao arguido, qual seja, o da contraprova, cfr. os ditames do art. 127.º do CPP, valor este que, após dedução do erro máximo admissível (EMA) previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição - Portaria n.º 1556/2007, de 10 de dezembro -, resulta igual a 2,723 g/l.

Acresce que, da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, conjugada com as regras da experiencia comum, resulta que o arguido decidiu conduzir mesmo sabendo que havia ingerido bebidas alcoólicas em qualidade e quantidade suficiente para se encontrar em estado de embriaguez, e recorrendo ao critério do homem medio comum e considerando a TAS acusada, o arguido tinha consciência que a teria uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, ainda que desconhecesse o valor dessa taxa, tendo ainda assim decidido conduzir, mesmo sabendo que tal conduta é penalmente punida por lei.

Por fim, considerou o Tribunal o Relatório Social quanto às condições socioeconómicas do arguido e o Certificado de Registo Criminal, no que se refere à existência de antecedentes criminais.

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Quanto ao vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por a mesma não integrar “todos os elementos subjectivos do tipo de crime/falta da descrição dos mesmos na acusação”

Conforme resulta do disposto no artº 410º, nº 2, do C.P.P., os vícios aí referidos têm que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

Quanto ao vício da insuficiência para a decisão, da matéria de facto provada, como refere o Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol III, pp. 339, “É necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada. Antes de mais, é necessário que a insuficiência exista internamente, dentro da própria sentença ou acórdão. Para se verificar este fundamento, é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não tem nada a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida”.

Refira-se a este propósito o Ac. do S.T.J. de 7/1/99, procº nº 1055/99: “Ocorre vício de insuficiência da matéria de facto provada [artº 410º, nº 2, al. a), do C.P.P.] quando, da factualidade vertida na decisão de recurso, se colhe que faltam elementos que, podendo, e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição”.

Alega o recorrente que na matéria de facto não consta qualquer referência ao dolo ou negligência, não podendo, assim, concluir-se pela prática do crime de condução em estado de embriaguez. Mais: alega o recorrente que pelo facto de não ter estado presente no julgamento não pode considerar-se que o mesmo actuou com dolo ou negligência e que essa “falta” já vem da acusação.

Não tem o recorrente qualquer razão:

Consta na sentença recorrida como provado que:

c) Bem sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei, pois sabia que estava influenciado pelo álcool apresentando uma TAS superior a 1,2 g/l e que não podia exercer

d) a condução de veículo automóvel com tal taxa de alcoolemia, visto que, previamente à condução havia ingerido bebidas alcoólicas.

e) O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Como facilmente se vê, “está lá tudo”, incluindo a consciência da ilicitude, para quem entende que a mesma também faz parte do dolo.

E está também o dolo directo, abrangido pela palavra “deliberadamente”, no sentido de que o arguido quis conduzir depois de ter ingerido álcool.

Na fundamentação de facto explica-se:

“Acresce que, da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, conjugada com as regras da experiencia comum, resulta que o arguido decidiu conduzir mesmo sabendo que havia ingerido bebidas alcoólicas em qualidade e quantidade suficiente para se encontrar em estado de embriaguez, e recorrendo ao critério do homem medio comum e considerando a TAS acusada, o arguido tinha consciência que a teria uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, ainda que desconhecesse o valor dessa taxa, tendo ainda assim decidido conduzir, mesmo sabendo que tal conduta é penalmente punida por lei.”

Nada falta, tal como nada faltava na acusação, sendo que a sentença reproduz “ipis verbis” o que constava na acusação.

O recorrente nem sequer alega o que é que em concreto faltará, desprezando completamente o que acima se referiu como tendo sido considerado provado. Se o que está provado não chega, o que é que falta?

A alegação de que o tribunal não pode dar como provado se o arguido actuou com dolo ou negligência porque o mesmo não esteve presente no julgamento é, como é bom de ver, inócua.

O tribunal explicou porque é que, mesmo sem a presença (melhor dito, sem o seu depoimento), considerou provada a referida matéria.

Nada mais há, pois, a dizer quanto a isso, atenta a evidência da falta de razão do recorrente.

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- inconstitucionalidade material da interpretação do artº 370º do C.P.P.

Não se compreende o alegado pelo recorrente quanto a esta questão. Refere que: “Tal violação do Douto Tribunal deriva da interpretação perfilhada no considerar que, relatório social, prevista no artigo 370.º do CPP é um meio de prova, susceptivel de integrar o elenco de factos dados como provados na sentença”.

Os preceitos constitucionais violados seriam os nºs 1 e 5 do artº 32º.

O recorrente não explicita em que termos concretos ocorreria a violação daqueles preceitos legais, isto é, porque é que ocorreu violação dos seus direitos de defesa, incluindo o recurso, (nº 1 do artº 32º da C.R.P.) e violação da estrutura acusatória e/ou do princípio do contraditório (nº 5 do referido artº 32º).

O que se considerou provado foi que consta no relatório social o que lá se refere. É uma evidência. A sentença recorrida dá como provado que o relatório diz o que diz.

Mas na fundamentação de facto refere-se que se considerou o relatório social relativamente às condições socio-económicas do arguido.

É certo que a redacção mais adequada seria não dar como provado que o relatório social diz o que diz, mas sim considerar provadas (ou não) as circunstâncias nele referidas.

Mas trata-se de uma “insignificância” de linguagem que em nada põe em causa os direitos do arguido ou a estrutura acusatória do processo criminal.

O acórdão da relação de Lisboa de 18/5/2021 invocado pelo recorrente não tem qualquer relação directa com o pretendido pelo mesmo ou com qualquer “aproximação” a inconstitucionalidades. No caso desse acórdão, tal como aqui, o que resulta é que o tribunal recorrido deu como provadas as condições pessoais do arguido com base no relatório social, o que foi mantido pela decisão proferida em recurso.

Não ocorreu, assim, qualquer interpretação do artº 370º do C.P.P. que contrarie o artº 32º, nºs 1 e 5, da C.R.P..

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aplicação da lei 37/2015 de 5 de Maio/antecedentes criminais

O recorrente não alega nada de concreto quanto a eventual violação da referida Lei.

Afinal, quais são as condenações que não deveriam constar no C.R.C. por terem sido ultrapassados os prazos previstos na referida legislação? Nada de concreto o recorrente alega quanto a isso.

Um recurso não se pode limitar a dizer que uma determinada lei foi violada. É preciso dar cumprimento ao disposto no artº 412º, nº 2, do C.P.P..

Seja como for, e porque na resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público consta de forma completa e clara a descrição do passado criminal do arguido, aqui se reproduz o que aí consta de modo a concluir-se que não ocorreu qualquer violação de qualquer preceito legal ou constitucional (designadamente do artº 13º da C.R.P.), nem ocorreu qualquer “falha administrativa”.

Assim:

“O recorrente foi condenado:

No processo n.º 665/02.9… (trânsito em julgado em 6-01.2006), pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e um crime de desobediência, na pena única de 118 dias de multa à taxa diária de €15,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses e 15 dias.

A pena de multa foi extinta por prescrição no dia 6-10-2010.

A pena acessória foi extinta no dia 18-7-2006 (CRC junto a fls. 65-70). Segundo os critérios previstos na lei 37/2015, artigo 11.º 1. b) a inscrição desta condenação no registo criminal deveria ter cessado em 6-10-2015. Verifica-se, porém, que antes do decurso daquele prazo de 5 anos, foi condenado novamente em 9-6-2011 no processo 617/10.5…, o que impede a cessação da vigência da inscrição desta condenação do processo 665/02.9….

No processo n.º 617/10.5… por sentença de 9-6-2011, (trânsito em julgado em 20-09-2011) pela prática no dia 1-4-2010 de um crime de desobediência foi condenado na pena de 80 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses.

A pena de multa foi extinta no dia 24-4-2014.

A pena acessória foi extinta no dia 11-6-2012.

Segundo o critério previsto na Lei n.º 37/2015, artigo 11.º 1. b) a inscrição desta condenação no registo criminal deveria ter cessado a vigência em 24-4-2019.

Verifica-se, porém, que antes do decurso daquele prazo de 5 anos (de 24-4-2014 a 24-4-2019), foi condenado novamente em 2-6-2014 no processo 103/13.1…, o que impede a cessação da vigência da inscrição da condenação no processo 617/10.5….

No processo n.º 103/13.1… por sentença de 2-6-2014 (transitada em julgado em 14-7-2014) foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 110 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 7 meses.

A pena de multa foi extinta no dia 10-9-2015.

A pena acessória foi extinta no dia 21-2-2015.

Segundo o critério previsto na Lei n.º 37/2015, artigo 11.º 1. b) a inscrição desta condenação no registo criminal deveria ter cessado a vigência em 10-9-2020.

Verifica-se, porém, que antes do decurso daquele prazo de 5 anos (de 10-9-2015 a 10-9-2020), foi condenado novamente em 27-6-2016 no processo 91/15.0…, o que impede a cessação da vigência da inscrição da condenação no processo 103/13.1….

No processo n.º 91/15.0… por sentença de 27-6-2016 (transitada em julgado em 12-9-2016), pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições foi condenado na pena de 200 dias de multa.

A pena de multa foi extinta no dia 8-2-2019.

Segundo o critério previsto na Lei n.º 37/2015, artigo 11.º 1. b) a inscrição desta condenação no registo criminal só poderá vir a cessar no dia 8-2-2024 sem prejuízo de impedimento resultante da condenação neste processo 89/22.1… no dia 2-6-2023.

Assim, mantém-se a vigência da inscrição da condenação no processo 91/15.0….

No processo n.º 428/09.0… por sentença de 4-7-2012 (transitada em julgado em 11-07-2014) foi condenado pela prática de um crime de auxilio à imigração ilegal, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, suspensa por idêntico período.

Segundo o registo do CRC o período de suspensão decorreu até 11-9-2015 tendo sido extinta a pena em 11-9-2015.

Segundo o critério previsto na Lei n.º 37/2015, artigo 11.º 1. e) e n.º 3 a inscrição desta condenação no registo criminal só cessaria no dia 11-9-2020.

Verifica-se, porém, que antes do decurso daquele prazo de 5 anos (de 11-9-2015 a 11-9-2020) foi condenado novamente em 27-6-2016 no processo 91/15.0…, o que impede a cessação da vigência da inscrição da condenação no processo 428/09.0…”

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DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes em julgar o recurso improcedente.

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Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.

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Évora, 9 de Janeiro de 2024

Nuno Garcia

António Condesso

Maria Margarida Bacelar