Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
264/08.1TBCTX.E1
Relator: ALEXANDRA MOURA SANTOS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DE ADVOGADO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 05/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: É manifestamente ilícito o comportamento da Ré/advogada, preenchendo os requisitos da obrigação de indemnizar, que aceitando patrocinar os AA. nessa qualidade, não instaurou qualquer acção judicial, fazendo crer aos AA., erroneamente, durante quase dez anos, através de vários expedientes, que já as havia proposto e que as mesmas aguardavam julgamento, deles tendo recebido quantias com essa finalidade.
Sumário da Relatora
Decisão Texto Integral: APEL. Nº 264/08.1TBCTX.E1 - 2ª SECÇÃO


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


(…) e (…) intentaram contra (…) e “(…) & ASSOCIADOS, RI”, a presente acção declarativa com processo ordinário, pedindo a condenação solidária dos RR.: (a) no pagamento a título de indemnização por danos patrimoniais, da quantia de € 26.120,00 e a título de indemnização por danos não patrimoniais na quantia de € 100.000,00, acrescidas dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, ou subsidiariamente, caso não exista condenação solidária da 1ª e da 2ª RR, ser a 1ª Ré (…), condenada na totalidade do pedido; (b) no pagamento de todos os danos futuros sofridos pelos AA., a liquidar em execução de sentença, ou subsidiariamente, caso não exista condenação solidária da 1ª e da 2ª RR, ser a 1ª Ré (…), condenada na totalidade do pedido.
Fundamentam na responsabilidade civil da 1ª Ré no âmbito do exercício da profissão de advogada.
As RR. contestaram nos termos de fls. 141 e segs., concluindo pela improcedência da acção e requereram a intervenção da seguradora “(…) Company (Europe), Lda.”, que foi admitida tendo apresentada a contestação de fls. 237 e segs., concluindo pela improcedência da acção.
Foi proferido despacho saneador que conhecendo oficiosamente da excepção dilatória da ilegitimidade da Ré sociedade para ser demandada nesta acção, absolveu-a da instância. Foram seleccionados os factos assentes e controvertidos, com organização da base instrutória que foi objecto de reclamação, indeferida nos termos de fls. 324/325.
A fls. 366 e segs. vieram os AA. apresentar um requerimento denominado “articulado superveniente” que foi objecto do despacho proferido em acta de audiência de julgamento, no qual se considerou “não consubstanciar verdadeiro e próprio articulado superveniente, pelo que, com excepção da parte em que suscita a já referida questão da litigância de má fé e requer a junção de documentos, nada mais cumpre apreciar”, e ordenou, com vista ao seu conhecimento o aditamento de novos artigos à base instrutória.
Realizada a audiência de julgamento o Tribunal respondeu à matéria de facto pela forma constante de fls. 640 e segs., proferindo, em seguida, a sentença de fls. 645 e segs. que julgando a acção parcialmente procedente por provada, decidiu:
1 – Condenar a Ré (…) a pagar à A. (…), a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 15.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4% contados desde a data desta decisão até integral pagamento;
2 – Condenar a Ré (…), por ter litigado de má-fé, em multa de 15 UC e em indemnização aos AA., para reembolso das despesas a que os obrigou, incluindo os honorários do respectivo mandatário, em montante a fixar após apresentação por parte daqueles últimos, em dez dias, a contar do trânsito em julgado desta decisão, das correspondentes verbas e da posterior audição da Ré, a este respeito, nos dez dias seguintes.
3 – Absolver a Ré (…) dos demais pedidos contra ela formulados nesta acção pelos AA.

Inconformada apelou a Ré alegando e formulando as seguintes conclusões:
1 – A douta sentença padece de nulidade, por omissão de pronúncia quanto à condenação em custas e à respectiva proporção de responsabilidade a imputar a cada uma das partes intervenientes.
2 – Violou a sentença com tal omissão o disposto nos artºs 659º, nº 4 e 446º, nº 2, do CPC, omissão que a lei sanciona com o vício da nulidade nos termos do disposto no artº 668º, nº 1, al. f), do CPC.
3 – Não se verificam no caso todos os pressupostos da responsabilidade civil, pelo que a douta sentença viola também o disposto nos artºs 483º e 798º do CPC.
4 – O valor indemnizatório arbitrado deveria ter tomado em consideração o bem jurídico violado, as decisões judiciais sobre danos não patrimoniais e arbitrar um montante que fosse proporcional à conduta, ao dano e ao bem jurídico em causa, que não deverá ser superior a € 2.500,00.
5 – A condenação como litigante de má-fé exige uma conduta de desrespeito pelo Tribunal e pela contraparte, que nunca ocorreu, sendo admissível o exercício do contraditório, não devendo o mesmo ser penalizado, mesmo que não obtenham reconhecimento os factos por si alegados.
6 – A lei processual que penaliza a litigância de má-fé, não estipula montantes para a multa, pelo que terá de haver recurso ao disposto no Regulamento das Custas Processuais, na versão trazida pela Lei 34/2008, de 26/02, que é a aplicável – cfr. artºs 27º, nº 5, da Lei 34/2008 e artº 8º da Lei 7/2012.
7 – Como o facto que determinou a condenação como litigante de má-fé ocorreu antes da entrada em vigor da Lei 7/2012, aplica-se o artº 27º, nº 1, do RCP, na versão da Lei 34/2008, pelo que a multa a aplicar terá de se situar entre 0,5 UC e 5 UC – cfr. artºs 27º, nº 1, do RCP na redacção da Lei 34/2008, artº 27º, nº 5, desta Lei e artº 8º, nº 2, da Lei 5/2012.
8 – Ao aplicar o montante de 15 UC, com fundamento no disposto no artº 27º, nº 3, do RCP, verifica-se a existência de erro de interpretação e violação da Lei, porquanto o Tribunal aplicou a versão do RCP introduzido pela Lei 7/2012, que aplicando-se aos processos pendentes, se aplica apenas aos actos ocorridos depois da sua entrada em vigor – cfr. artº 8º, nºs 1 e 2, da Lei 7/2012, de 13/02.
Os apelados contra-alegaram nos termos de fls. 692 e segs., concluindo pela confirmação da sentença recorrida.
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Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões da alegação da recorrente abrangendo apenas as questões aí contidas (artºs 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), verifica-se que são as seguintes as questões suscitadas:
- A relativa à nulidade da sentença nos termos do artº 668º, nº 1, al. f), do CPC.
- A relativa à condenação da recorrente no pagamento da indemnização a título de danos não patrimoniais.
- A relativa à condenação da recorrente como litigante de má-fé e multa aplicada.
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São os seguintes os factos que foram tidos por provados na 1ª instância:
1 – Em Setembro de 1997 a A. consultou a Ré no seu escritório, na qualidade de advogada (al. A) da M.A.).
2 – Os AA. entregaram à Ré em 16/10/1997 a quantia de Esc. 50.000$00, actualmente € 250,00 (al. B) da M.A.).
3 – A Ré não apresentou qualquer acção judicial em representação dos AA. contra a Câmara Municipal da Azambuja ou contra os proprietários do prédio sito na Rua dos (…), nº 3, em Azambuja (al. C) da M.A.).
4 – A interveniente Seguradora pela apólice nº (…) garante o risco decorrente de acção ou omissão dos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados no exercício da sua profissão (al. D) da M.A.).
5 – Na ocasião referida em 1), a 1ª Ré Srª Dr.ª (…) aceitou patrocinar os AA. em acções judiciais para ressarcimento dos prejuízos alegadamente provocados na habitação daqueles pelo escoamento das águas provenientes do edifício situado nas traseiras (resp. artºs 1º, 2º e 22º da B.I.).
6 – Na sequência do referido em 5) a 1ª Ré Sr.ª Drª (…) disse à A. (…) que já havia instaurado tais acções (resp. artº 3º da B.I.).
7 – A 1ª Ré Sr.ª Drª (…) quando confrontada pela A. (…) a respeito do andamento das ditas acções, respondia com evasivas e passou a evitar contactos, não atendendo o telefone (resp. artº 4º da B.I.).
8 – Em data não concretamente apurada, mas anterior à situação descrita em 9) a 1ª Ré Sr.ª Dr.ª (…) elaborou no seu escritório, para ser assinado pelos AA., um requerimento dirigido ao “proc. nº 373/98” do Tribunal Judicial do Cartaxo, com o seguinte teor: “(…) e esposa (…), AA. nos autos à margem referenciados, face ao tempo decorrido desde a propositura da presente acção sem que tenha sido designada data da audiência de julgamento e face aos prejuízos que daí advêm para os ora requerentes, pois as obras a efectuar na sua casa de habitação dependem da decisão em causa, requerem a Vexa que tal situação seja levada em conta” (resp. artº 5º da B.I.).
9 – Em 2006, a insistência da A. (…), a 1ª Ré Sr.ª Drª (…) entregou-lhe um escrito referente a uma “acção de condenação com processo ordinário” no qual constavam como AA. os aqui AA. e como RR. (…) e mulher (…), estes na qualidade de proprietários do edifício acima referido, escrito esse onde constava ainda a assinatura da referida Ré, mas sem que nele estivesse aposto carimbo de entrada no Tribunal (resp. artº 6º da B.I.).
10 – A Ré elaborou os documentos referidos em 8) e 9) com vista a criar nos AA. a convicção de que havia apresentado a acção contra as referidas pessoas (resp. artº 7º da B.I.).
11 – No dia 2/11/2006, a A. deslocou-se ao Tribunal do Cartaxo, onde descobriu o referido em 3) (resp. artº 8º da B.I.).
12 – Os AA. são donos da habitação sita na Rua (…), nºs 16, 18 e 20, em Azambuja composta de rés-do-chão e 1º andar (parte da resp. aos artºs 9º e 21º da B.I.).
13 – A habitação dos AA. está separada do edifício acima referido pela Travessa das (…), a qual, no seu ponto mais estreito, tem cerca de 1,25 metros de largura (parte da resp. aos artºs 9º e 21º da B.I.).
14 – As águas pluviais escorrem das varandas do edifício acima referido atingem o telhado e a parede exterior da habitação dos AA., existindo sinais de humidade no tecto e nas paredes interiores dessa habitação (resp. artº 10º da B.I.).
15 – Em 2002/2003, as juntas das manilhas subterrâneas dos esgotos municipais existentes nas proximidades da habitação dos AA., vazavam águas provenientes do interior do edifício acima referido (resp. ao artº 11º da B.I.).
16 – Existem sinais de humidades nas paredes interiores, posterior e lateral, da garagem da habitação dos AA. (resp. artº 12º da B.I.).
17 – Em virtude da situação referida em 14) e 16) e para eliminação da mesma, os AA. suportaram, com regularidade não concretamente apurada, com a realização de obras no interior da sua habitação, quantia também não apurada em concreto (resp. artºs 13º, 15º, 16º e 17º da B.I.).
18 – Após o referido em 2), os AA. entregaram à 1ª Ré Srª Drª (…), quantia não concretamente apurada (resp. artº 14º da B.I.).
19 – Na sequência do referido em 11) a A. (…) passou por um estado depressivo, sentindo tristeza, ansiedade, apatia e insónia (resp. artº 18º da B.I.).
20 – A varanda do 3º andar do prédio referido em 5) e cuja demolição os AA. pretendiam foi construída em 1983/1984 e tem 0,5 metros de largura (resp. artº 19º da B.I.).
21 – Aquando de tal construção existiam já duas varandas no mesmo prédio, uma ao nível do 1º e outra ao nível do 2º andares, com as mesmas dimensões da do 3º andar e com o mesmo alinhamento (resp. artº 20º da B.I.).
22 – Decorreram negociações sem êxito, com a 1ª Ré Srª Drª (…) para solução amigável do litígio dos autos (resp. artºs 24º e 25º da B.I.).

Estes os factos que por não terem sido impugnados se têm por definitivamente assentes.

A 1ª questão suscitada pelos recorrentes refere-se à invocada nulidade, por omissão de pronúncia quanto à condenação em custas e à respectiva proporção de responsabilidade a imputar a cada uma das partes intervenientes termos do artº 668º, nº 1, al. f), do CPC.
Ora, conforme se verifica dos autos, na sequência do despacho da ora relatora de fls. 717 que determinou a sua remessa à 1ª instância, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 670º, nºs 1 e 5, do CPC, foi ali proferido o seguinte despacho: “Analisada a sentença impugnada, verifica-se que, efectivamente, a mesma é omissa quanto à condenação dos responsáveis pelas custas processuais, omissão que importa a nulidade da sentença e que cumpre suprir, através da prolação de decisão quanto a custas.
Assim, considerando a procedência parcial da acção, condenam-se os AA. e a Ré na proporção da respectiva sucumbência (cfr. artºs 446º, nº 1 e 2, actualmente artº 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C.)”.
Tal decisão não foi objecto de impugnação (artº 670º, nº 4, do CPC), mostrando-se assim suprido o invocado vício.

Quanto à condenação da recorrente no pagamento da indemnização a título de danos não patrimoniais.
Tendo a recorrente sido condenada no pagamento de uma indemnização aos AA. a título de indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 15.000,00, pretende a recorrente, por um lado, que não se verificam no caso todos os pressupostos da responsabilidade civil e, por outro, que o montante arbitrado é excessivo, defendendo que o valor indemnizatório não deverá ser superior a € 2.500,00.
Fundamenta, no essencial, no facto de “a decisão da recorrente de não interpor as acções pretendidas pelos AA. não configurar a prática de qualquer acto ilícito porquanto é uma questão técnica e, em face da situação de facto existente, não existe em termos jurídicos viabilidade de procedência das mesmas”.
Não tem, porém, a recorrente qualquer razão, pelos fundamentos constantes da sentença recorrida que bem analisou a questão relativa à responsabilidade civil do advogado decorrente do exercício da sua profissão, para concluir, in casu, que em face da factualidade tida por provada, se mostram verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil da recorrente.
Sabido que o dever de indemnizar pressupõe, de um modo geral a verificação dos requisitos: a) ilicitude do facto; b) a culpa sob a forma de dolo ou negligência do autor do facto; c) o dano; e d) o nexo de causalidade entre o facto e dano, cumpre apreciar se, in casu, em face da factualidade tida por prova se verifica ou não requisito da ilicitude do facto.
Permitimo-nos a este respeito invocar a sentença recorrida, que, como se referiu, bem analisou a questão em apreço, afigurando-se despiciendo aqui produzir quaisquer outros considerandos.
Assim, após ponderar sobre os deveres do advogado, decorrentes do seu estatuto (ao tempo artºs 76º, 78º e 83º do DL 84/84, de 16/03), obrigações do mandatário no mandato comum elencados no artº 1161º do C.C., e sobre a natureza da responsabilidade do advogado, diz-se ali o seguinte: “No caso sub judice está em jogo, atentos os factos provados, uma hipótese de responsabilidade civil contratual, pois que é inequívoco que a Ré, em Setembro de 1997, aceitou patrocinar os AA. em acções judiciais para o ressarcimento dos prejuízos alegadamente provocados na habitação daqueles pelo escoamento das águas provenientes do edifício situado nas traseiras.
É pacífico que o advogado goza de discricionariedade técnica na orientação a dar aos casos que lhe são confiados, pressupondo a lei que o mesmo tem competência para tal que lhe é dada pela sua presumida preparação técnico-jurídica, sendo certo que, além do mais, tem sempre a possibilidade e o dever de recusar o seu patrocínio quando por qualquer motivo, não se julgue apto a assumi-lo.
Cumpridos à partida os deveres supra aludidos, é um dado assente que as opções que o advogado possa erigir como adequadas no exercício do seu múnus, perante o caso concreto, não poderão responsabilizá-lo, desde que o tenha feito conscientemente de harmonia com o que lhe é exigível, atenta a legislação aplicável e com a ponderação da jurisprudência e doutrina a eles atinente.
Como pode ler-se no Ac. do STJ de 10/03/2011, proc. 9195/03.OTVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, especificamente a propósito da responsabilidade civil de mandatário judicial, só poderá falar-se dessa responsabilidade “quando o mandatário judicial, obrigado a agir conscienciosamente na senda do objectivo alcançado, o deixe soçobrar por falta de empenhamento, traduzido v.g. em deficiência no estudo e acompanhamento dos respectivos termos processuais, ocorrência muitas vezes fundamental ao êxito de um pleito, desde logo considerando a natureza peremptória da maior parte deles e o “princípio da preclusão processual”. O facto culposo terá assim que decorrer da falta de diligência na abordagem da questão a tratar. E, para além disso, tem de ser passível de censura, integrar um erro profissional indesculpável”.
Ora, da análise e ponderação dos factos provados resulta que não poderá negar-se que o comportamento da Ré é in casu ilícito e passível de censura. A sua atitude, traduzida essencialmente na falta de instauração de qualquer acção judicial, fazendo crer aos AA., erroneamente, durante quase dez anos, através de vários expedientes, que já as havia proposto e que as mesmas aguardavam julgamento, daqueles tendo recebido quantias com essa finalidade, nunca pode ser enquadrada dentro do exercício da profissão de advogado, mas consubstancia grave violação dos deveres a seu cargo, mormente pela reiteração do comportamento adoptado, que não sendo, como não é, puramente omissivo, evidenciando mesmo um dolo particularmente intenso, torna absolutamente irrelevante a consideração do argumento da discricionariedade técnica, aduzido na contestação.”
É de facto assim.
Surpreende é a insistência da recorrente no argumento, para afastar a ilicitude do seu comportamento, de que a decisão de não interpor as acções judiciais pretendidas pelos AA. é uma questão técnica e na inviabilidade de procedência das mesmas (o que não é susceptível de avaliação nestes autos), fazendo tábua rasa da factualidade provada relativa ao seu comportamento realçado no trecho citado da sentença recorrida.
Na verdade, que dizer do comportamento da recorrente ao aceitar o patrocínio, receber dinheiro dos AA., nesse âmbito (pontos 2 e 18 dos f.p.), não propor qualquer acção, mentir aos AA., dizendo que já havia instaurado tais acções (ponto 6 dos f.p.) e quando confrontada pela A. a respeito do andamento das mesmas, responder com evasivas, passando a evitar contactos, não atendendo o telefone (ponto 7 do f.p.), assim enganando os AA. ao longo tempo, chegando ao ponto de forjar requerimentos destinados a um processo inexistente (pontos 8 e 9 dos f.p.) com vista a criar nos AA. a convicção de que havia apresentado a acção contra as referidas pessoas (ponto 10 dos f.p.), tendo sido os AA. que em 2/11/2006 acabaram por descobrir a situação de engano em que se encontravam (ponto 11 dos f.p.), senão, como refere a sentença recorrida, tratar-se de um comportamento que evidencia um dolo particularmente intenso?
É manifestamente ilícito e altamente censurável o comportamento da recorrente, preenchendo os requisitos da obrigação de indemnizar.
Improcede pois, quanto a esta questão a alegação da recorrente.

Quanto ao montante da indemnização arbitrado a título de danos não patrimoniais defende a recorrente que “deveria ter tomado em consideração o bem jurídico violado, as decisões judiciais sobre danos não patrimoniais e arbitrar um montante que fosse proporcional à conduta, ao dano e ao bem jurídico em causa, que não deverá ser superior a € 2.500,00.”.
Com efeito, conforme resulta do artº 496º, nº 1, do CC “Na afixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
Ora, conforme resulta da factualidade provada, a recorrente, aceitou patrocinar os AA. para a propositura de acções que nunca chegou a propor, enganando-os ao longo de cerca de dez anos com a conduta acima descrita, o que fez com que a A. passasse por um estado depressivo, sentindo tristeza, ansiedade, apatia e insónia (ponto 19 dos f.p.).
Trata-se efectivamente de uma situação que justifica plenamente a atribuição de uma indemnização, a este título à A. mulher, pois não estamos perante meros incómodos ou contrariedades.
Na sentença recorrida o Exmo Juiz “tendo em conta a gravidade da conduta; a produção de depressão na A. mulher através da violação contratual assinalada por desinteresse pelo seu destino e agravada pelo logro, engano e ocultação; o prolongamento no tempo da conduta ilícita; o surgimento da intervenção no quadro de uma relação jurídica necessariamente remunerada; a importância social e económica da intervenção omitida; a elevada responsabilidade e tecnicidade inerente ao múnus profissional do lesante, que afastam o controlo e seguimento apertado e próximo, pelo mandante, tudo ponderado, parece equilibrado e justo compensar os danos em presença, fixando a indemnização na quantia de € 15.000,00 (…)”.
Atenta a factualidade provada afigura-se-nos justa e adequada a indemnização fixada, sendo que a jurisprudência invocada pela recorrente a título comparativo, ou não tem aplicação ou não tem por base os graves pressupostos apurados no caso sub judice (atente-se, por exemplo, no citado Ac. do STJ de 29/04/2010, neste âmbito, onde apenas se provou que “o comportamento do R. provocou ao A. «um desconforto geral», e mesmo assim foi fixado a esse título o montante de € 2.000,00.”)
Improcedem, pois, também quanto a esta questão as conclusões da alegação a recorrente, nada havendo a censurar quanto ao montante da indemnização arbitrado.

Quanto à litigância de má-fé.
Pretende a recorrente que a sua actuação não se traduziu numa conduta de desrespeito pelo Tribunal ou pela contraparte, sendo admissível o exercício do contraditório, não devendo o mesmo ser penalizado, mesmo que não obtenham reconhecimento os factos por si alegados.
Em face da factualidade descrita foi a presente acção julgada improcedente e a Ré condenada como litigante de má-fé na multa de 5.000 Euros.
Insurge-se o R. contra esta condenação porquanto do seu comportamento não se vislumbra que tenha actuado com dolo nem com culpa grave que possa merecer qualquer censura nos termos do artº 456º do CPC sendo que o facto de a tese que defende no exercício do seu direito de defesa, não ter merecido acolhimento do tribunal, tal facto não significa que a recorrente tenha litigado com dolo ou culpa.

A revisão operada no C.P.C. em 1995 veio modificar o regime do instituto da litigância de má-fé, essencialmente no que ao elemento subjectivo da norma sancionadora se refere (artº 456º, hoje artº 542º que mantém a mesma redacção).
Com efeito, a alteração legislativa veio modificar o regime anterior que considerava ser a litigância maliciosa exclusivamente aplicável à situação de dolo material ou instrumental, passando a abarcar também as situações de litigância gravemente negligente ou culposa.
Assim, nos termos do artº 456º nº 2 do C.P.C., considera-se litigante de má-fé quem com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça, ou protelar sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Conforme se refere no Relatório do D.L.329-A/95 de 12/12 que veio modificar o regime do instituto da litigância de má-fé, “Como reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagram-se expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos...”.
Porém, não basta que a parte não veja acolhida a sua pretensão ou versão dos factos para se concluir, só por si pela falsidade ou desconformidade do alegado com a verdade.
Como escreveu o Prof. Alberto dos Reis “A simples proposição da acção ou contestação, embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a incerteza da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar podem levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem e a impugnar uma obrigação que devessem cumprir; é preciso que o autor faça um pedido a que conscientemente sabe não ter direito, e que o réu contradiga uma obrigação que conscientemente sabe que deve cumprir” (CPC Anotado, vol. II, pág. 263).
Pelo facto de a parte não provar determinados factos por si alegados não significa, só por si, a falsidade ou desconformidade do alegado com a verdade, mas apenas que não logrou convencer o tribunal dessa posição.
A falta de razão não significa sempre má-fé, a não ser que a parte dela tenha consciência e, apesar disso formule pretensão ou deduza oposição em juízo (cfr. Ac. R.P. de 05/12/2005, in www.dgsi.pt).
Assim, só quando o processo fornece elementos de prova seguros de que a parte actuou com a consciência de não ter razão é que deve ser censurada como litigante de má-fé.
E, in casu, resultou, na verdade, provado que a Ré actuou com tal consciência.
Como se refere na sentença recorrida “Do enquadramento e ensinamentos jurídicos que antecedem, no confronto com a factualidade e dinâmica processual apuradas, a conclusão só pode ser no sentido de que a Ré litigou de má-fé ao impugnar parte da factualidade articulada na petição inicial, essencial para a pretensão indemnizatória dos AA., factualidade essa que sabia, porém, corresponder à realidade, sujeitando-os, assim, a uma decisão injusta, mormente por via do risco inerente à actividade probatória que passou a recair sobre aqueles, à luz das regras do ónus da prova.
Mais concretamente, a Ré quis levar o tribunal a formar uma convicção errada da realidade por si conhecida no tocante à falta da instauração das acções judiciais que aceitou patrocinar em representação dos AA. e aos motivos concretos dessa atitude, factos estes constitutivos do direito dos AA., afirmando na contestação que nunca os induzira nem os manteve em erro, provando-se, porém, precisamente o contrário.”
É efectivamente o caso do constante, designadamente, dos artºs 34º, 73º, 78º, 79º, 85º, 89º, 90º, 95º, 113º e 115º da contestação apresentada pela recorrente.
Ora, os factos provados relativos a tal matéria são do seu conhecimento pessoal, tendo assim de se reconhecer que a recorrente alegou factos que sabia não serem verdadeiros, conduta que, aliás, embora cautelosamente, mantém em sede de recurso.
Um dos deveres que vincula as partes é o da verdade, não lhes sendo legítimo afirmar, de forma consciente ou gravemente culposa, factos que não sejam verdadeiros, ou negar factos que sabe que são verdadeiros ou em relação aos quais lhe era exigível esse conhecimento.
E como refere António Abrantes Geraldes “Temas Judiciários”, Vol. I, pág. 324 “ ... tratando-se de factos pessoais, a alegação do contrário daquilo que acaba por provar-se em tribunal é demonstrativo de conduta dolosa ou gravemente negligente, por isso merecedora de um efeito acessório, com a múltipla função de punir o infractor, prevenir a repetição (pela parte ou pelo seu advogado) de conduta semelhante, exercer a pedagogia geral, colaborar na redução da excessiva litigiosidade artificial, repor o respeito devido à instituição judiciária e impor o cumprimento futuro dos princípios da verdade e da boa fé processual.”
Pelo exposto, terá de se concluir que, in casu, não se verifica apenas uma decisão desfavorável por falta ou insuficiência de prova sobre os factos por si alegados relativamente à matéria em causa no exercício do contraditório, como pretende a Ré apelante. Resultou provada a consciência da falta de verdade daqueles factos.
Perante tal prova, a presente situação não oferece dúvidas sobre a actuação maliciosa da recorrente, e assim plenamente justificada a sua condenação como litigante de má-fé.

Quanto ao montante da multa.
Por fim, pretende a recorrente que “Ao aplicar o montante de 15 UC, com fundamento no disposto no artº 27º nº 3 do RCP, verifica-se a existência de erro de interpretação e violação da Lei, porquanto o Tribunal aplicou a versão do RCP introduzido pela Lei 7/2012, que aplicando-se aos processos pendentes, se aplica apenas aos actos ocorridos depois da sua entrada em vigor – cfr. artº 8º, nºs 1 e 2, da Lei 7/2012, de 13/02”.
Efectivamente, conforme se verifica da sentença recorrida decidiu o Exmo Juiz que “No que concerne à multa, tendo em consideração o grau de ilicitude e a intensidade do dolo evidenciados no comportamento em causa, e recorrendo ainda a juízos de equidade, adequação e proporcionalidade, afigura-se justa a condenação da Ré na multa de 15 UC (artº 27º, nº 3, do R.C.P.)”
E dispõe este normativo que “Nos casos de condenação por litigância de má-fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC”.
Trata-se de disposição introduzida pela Lei 7/2012, de 13/02 que procedeu à alteração ao Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL 34/2008, de 26/02 que previa no seu artº 27º sobre “Multas” que “Sempre que na lei processual for prevista a condenação em multa ou penalidade de alguma das partes ou outros intervenientes sem que se indique o respectivo montante, este pode ser fixado numa quantia entre 0,5 UC e 5 UC” (nº 1), sendo que “nos casos excepcionalmente graves, salvo se for outra a disposição legal, a multa ou penalidade pode ascender a uma quantia máxima de 10 UC” (nº 2).
E efectivamente, como refere a recorrente, o R.C.P. na redacção que lhe é dada pela Lei 7/2012, de 13/02, é aplicável a todos os processos iniciados após a sua entrada em vigor, sendo que aos processos pendentes “só se aplica aos actos praticados a partir da sua entrada em vigor (…)” (artº 8º nºs 1 e 2).
Assim sendo, resulta que ao caso é aplicável o artº 27º do R.C.P. aprovado pelo DL 34/2008, de 26/02 que previa a fixação duma quantia entre 0,5 UC e 5 UC, conforme supra referido.
Como já se referiu, o comportamento malicioso da recorrente evidenciou um elevado grau de ilicitude e dolo intenso, merecedor da aplicação de um correctivo exemplar.
E, nesta medida, sempre se dirá que o valor fixado na douta sentença ao abrigo do R.C.P. vigente de 15 UC, atendendo à moldura abstracta fixada no artº 27º, nº 3, entre 2 UC e 100 UC, sempre pecaria, a nosso ver, por defeito.
Assim sendo, atendendo à situação excepcionalmente grave, tal como os autos a configuram, justifica-se a aplicação da norma excepcional do nº 2 do artº 27º que eleva a multa a aplicar nesses casos até uma quantia máxima de 10 UC.
E nessa medida ponderados todos os elementos supra referidos, entende-se adequada a condenação da recorrente na quantia máxima de 10 UC.
Impõe-se, pois, nesta parte, revogar a sentença recorrida, condenando-se a recorrente em conformidade.
Assim e em conclusão:
- É manifestamente ilícito o comportamento da Ré/advogada, preenchendo os requisitos da obrigação de indemnizar, que aceitando patrocinar os AA. nessa qualidade, não instaurou qualquer acção judicial, fazendo crer aos AA., erroneamente, durante quase dez anos, através de vários expedientes, que já as havia proposto e que as mesmas aguardavam julgamento, deles tendo recebido quantias com essa finalidade, situação que fez com que a A. passasse por um estado depressivo, sentindo tristeza, ansiedade, apatia e insónia.
- Tendo em conta a gravidade da conduta; a produção de depressão na A. mulher através da violação contratual assinalada por desinteresse pelo seu destino e agravada pelo logro, engano e ocultação; o prolongamento no tempo da conduta ilícita; o surgimento da intervenção no quadro de uma relação jurídica necessariamente remunerada; a importância social e económica da intervenção omitida; a elevada responsabilidade e tecnicidade inerente ao múnus profissional do lesante que afastam o controlo e seguimento apertado e próximo pelo mandante, tudo ponderado, afigura-se justo e adequado compensar os danos em presença, no montante indemnizatório fixado de € 15.000,00.
- Ao impugnar parte da factualidade articulada na petição inicial, essencial para a pretensão indemnizatória dos AA., querendo levar o tribunal a formar uma convicção errada da realidade por si conhecida no tocante à falta da instauração das acções judiciais que aceitou patrocinar em representação dos AA. e aos motivos concretos dessa atitude, factos estes constitutivos do direito dos AA., afirmando na contestação que nunca os induzira nem os manteve em erro, provando-se, porém, precisamente o contrário, actuou a Ré com manifesta má fé, verificando-se a situação prevista no artº 456º, nº 1, als. a) e b), do CPC.
- Quanto à multa, ponderadas todas as circunstâncias a atender, designadamente, tendo em consideração o elevado grau de ilicitude e a intensidade do dolo evidenciados no comportamento em causa, configurando-se uma situação de excepcional gravidade justifica-se a aplicação da norma excepcional do nº 2 do artº 27º do RCP, aprovado pelo DL 34/2008, de 26/02 (aplicável in casu) com a aplicação da multa de 10 UC.

DECISÃO
Nesta conformidade acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso da recorrente parcialmente procedente e, consequentemente, decidem:
- Revogar a sentença recorrida na parte em que condena a recorrente no pagamento da multa de 15 UC por litigância de má, fixando-se o valor da multa em 10 (dez) UC.
- No mais, confirmar integralmente a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, pois os recorridos nenhum proveito retiram do vencimento do recurso, nesta parte. (artº 527º, ex artº 446º do CPC).
Évora, 14 de Maio de 2015
Maria Alexandra de Moura Santos
António Manuel Ribeiro Cardoso
Acácio Luís Jesus das Neves