Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | RUI MACHADO E MOURA | ||
Descritores: | CRÉDITO BANCÁRIO DAÇÃO EM CUMPRIMENTO | ||
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Data do Acordão: | 04/29/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | - O Banco exequente não tem que receber a propriedade do imóvel em questão pelo valor da sua avaliação (pagando-se da quantia exequenda dentro das forças de tal avaliação), pois a figura da dação em cumprimento depende de assentimento expresso da sua parte, não estando aquele obrigado a aceitá-la – artigo 837.º do Código Civil. - E, se o devedor efectuar uma prestação diferente da devida, para que o credor obtenha mais facilmente, pela realização do valor dela, a satisfação do seu crédito, este só se extingue quando for satisfeito, e na medida respectiva – artigo 840.º, n.º 1, do Código Civil. - Com efeito, a proposta de dação em cumprimento consubstancia um acordo entre as partes, que qualquer uma delas pode livremente recusar, não advindo de tal recusa qualquer consequência (face a tal tomada de posição). - Além disso, a venda de bens não depende apenas da sua avaliação, mas de todo o processado envolvente, podendo vender-se no processo executivo por valor inferior ao da avaliação ou de mercado, dependendo das circunstâncias da venda e, podendo vir a pagar, ou não, a quantia exequenda. (Sumário do Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | P. 4832/14.4T8ENT-A.E2 Acordam no Tribunal da Relação de Évora: (…) e mulher (…) e ainda … (filha daqueles) instauraram embargos de executado - apensos A) e B) aos autos de execução principais - contra o exequente Novo Banco, S.A., pedindo ao tribunal que, recebidos os mesmos, e após ulterior tramitação, sejam julgados procedentes, por provados, e em consequência determinar-se a absolvição dos executados, da instância e do pedido, no que tange, respectivamente, ao primeiro e ao segundo mútuo, com base em ilegitimidade activa do exequente, a inexequibilidade dos títulos, o benefício de excussão prévia, e o pagamento integral ao banco exequente pela venda/adjudicação do imóvel. Devidamente citado para o efeito veio o exequente/embargado apresentar as suas contestações, impugnando a factualidade articulada pelos embargantes e respondendo às excepções por aqueles deduzidas. Por entender que os autos continham todos os elementos necessários para se conhecer imediatamente do mérito da causa veio o M.mo Juiz “a quo” a proferir saneador-sentença no qual decidiu julgar integralmente improcedentes, por não provados, os presentes embargos de executado propostos pelos executados/embargantes, absolvendo o exequente/embargado dos respectivos pedidos contra ele formulados. Inconformados com tal decisão dela apelaram os executados, aqui embargantes, para esta Relação que, por acórdão datado de 28/6/2017, anulou a sentença recorrida, uma vez que não tinha sido fixada na mesma qual a matéria de facto provada e não provada, sendo certo que tal omissão não permitia a sua sindicância por este Tribunal Superior. Voltaram, por isso, os autos à 1ª instância, onde veio a ser efectuada a audiência prévia e, posteriormente, foi realizada a audiência de julgamento. No decurso da mesma, na sequência da tentativa de conciliação das partes feita pelo Julgador “a quo”, pelo ilustre mandatário dos embargantes / executados foi dito que estes desistem das excepções/questões e/ou temas da prova, “à excepção da limitação da dívida exequenda ao valor da avaliação do imóvel penhorado” (efectuada pelo embargado/exequente), desistência que foi aceite pelo embargado/exequente, sendo que o M.mo Juiz “a quo” determinou – por decisão já transitada – que o processo prosseguisse os seus ulteriores termos apenas para apreciação da referida questão. Após a realização da audiência de julgamento veio a ser proferida sentença pelo M.mo Juiz “a quo”, a qual julgou integralmente improcedentes, por não provados, os embargos de executado propostos pelos executados / embargantes (apensos A) e B), absolvendo o exequente / embargado dos respectivos pedidos contra ele formulados. Novamente inconformados com tal decisão dela apelaram os executados, aqui embargantes, para esta Relação, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões: 1 - Os ora recorrentes (…), (…) e (…), em sede de oposição por embargos alegaram que a primeira, juntamente com o seu agora ex-marido, celebrou em 2006 com o então Banco (…), SA, dois mútuos para aquisição de uma moradia sita em (…), concelho de Coruche, inscrita na matriz sob ao número (…), e hipotecada ao banco mutuante, o qual a avaliou à data, em € 310.000,00. 2 - Face ao que, defenderam os recorrentes que o património constituído pelo prédio em causa, devia ser objecto de contabilização mediante o seu valor da avaliação pelo banco, então para efeitos de concessão dos mútuos, para pagamento da dívida, sendo que o banco mutuante deve receber a propriedade do imóvel em questão pelo valor dessa avaliação, ou outro, se superior, pagando-se do montante em execução, dentro das forças de tal avaliação. 3 - De facto, em face do teor dos documentos 1 e 2 juntos aos autos pelos ora recorrentes, (…) e (…), em 09-09-2020 pelo requerimento refª. 36422001, verifica-se que a escritura materializada no documento 1, se destinou à contratação de um mútuo de cem mil euros para liquidação de compromissos financeiros, e para aquisição de equipamentos para a residência dos mutuários (!), enquanto a escritura materializada no documento 2, se destinou a contratar um mútuo de cento e quarenta e sete mil novecentos e cinquenta e quatro euros e vinte cêntimos, para liquidação de um empréstimo anteriormente contratado na Caixa Geral de Depósitos, SA. 4 - Os documentos, escrituras, em causa no parágrafo anterior não foram objecto de qualquer posição pelo exequente nos termos do artigo 415.º do CPC, nem de despacho, pelo que se consideram aceites para todos os efeitos legais. 5 - Tais documentos também não foram objecto de qualquer referência na sentença ora em recurso, pelo que não foram considerados, não obstante terem sido aceites nos autos. 6 - Se o imóvel dado de garantia, eventualmente não cumpre o desiderato na totalidade, tal ónus deve recair sobre o banco mutuante, a título do risco do negócio a que se dedica. 7 - Pois na perspectiva dos mutuantes, que não têm qualquer intervenção na avaliação do imóvel, o valor determinado pela mesma é da responsabilidade do banco e, fazendo fé no mesmo ( valor ) como garantia para eles próprios, aceitam contratar os mútuos pelos valores que solicitaram, ou que foram induzidos a solicitar, num tempo de “vacas gordas” em que os bancos tinham como objectivos principais, a quaisquer custos – para os clientes – cativar clientes para as suas carteiras, e colocar dinheiro em circulação, “desunhando-se” entre si verdadeiramente, numa guerra muitas vezes sem moral e sem respeitar parâmetros como as taxas de esforço dos serviços das dívidas resultantes de tais mútuos. 8 - Ainda que o entendimento geral vá no sentido de que o banco não é obrigado a receber o imóvel por dação em cumprimento, ou a fazer-se pagar pela sua aquisição e posterior venda, defendemos o entendimento contrário de que nada o impede de receber, nem o tribunal pode abdicar de o determinar, atento o propósito de garantia de tal imóvel, da sua avaliação e da constituição de hipoteca sobre o mesmo. 9 - Salvo o devido respeito por opinião diversa, assim se devia ter decidido na sentença. E nesse sentido ora se requer, pois atento quanto se deixou já alegado nos parágrafos anteriores, a propósito, o banco é um agente económico, actuando na economia de mercado, assumindo o risco próprio do seu negócio, tal qual os demais agentes económicos nas diferentes áreas de actividade económica. 10 - A não se entender assim, o ónus do risco inerente ao negócio, impende sempre sobre os mutuários, os quais sempre decidem de acordo com a avaliação que os bancos fazem dos imóveis dados de garantia, para além da avaliação que os mesmos fazem da taxa de esforço do serviço da dívida. 11 - A questão a que se vem a aludir está presente nos autos desde o seu inicio, fazendo parte dos temas de prova, para além do seu melhor esclarecimento pelos recorrentes (…) e (…), apresentado em 09-09-2020 pelo requerimento refª. 36422001. Requerimento que surge na sequência do incumprimento pelo exequente/embargado, do determinado por duas vezes pelo Mm.º Juiz, no sentido de juntar aos autos o relatório de avaliação, conforme se retira da acta da audiência de discussão e julgamento (continuação) de 15 de julho de 2020, "Na sequência do douto despacho, proferido pelo Mm.º Juiz, na audiência do passado dia 03 de Março de 2020, requer-se que o Banco seja notificado para, em prazo razoável, juntar aos autos o relatório de avaliação relativo à escritura inicial de 04/07/2006"(…) “Despacho: Estando a testemunha (…) regularmente notificada, sem que tenha comparecido em Tribunal, nem apresentado qualquer justificação, condeno a mesma em multa no valor de 1 (uma) U.C., caso não justifique no prazo legal o motivo da sua ausência-artigo 27.º RCP. Notifique a exequente para, em 10 (dez) dias, juntar o documento em falta tal como já havia sido ordenado.” 12 - Ou seja, a atitude de omissão, neste caso, foi premiadora do exequente, que boicotando a determinação judicial, não se viu prejudicado por factos que provados poderiam ter validado a posição dos agora recorrentes. 13 - Salvo o devido respeito por opinião contrária, o Mm.º Juiz ao decidir sem ter em conta o sobredito requerimento apresentado em 09-09-2020, refª. 36422001, violou desde logo princípios fundamentais do processo civil, designadamente, o princípio da igualdade das partes, ao colocar o exequente como beneficiário da sua reincidente omissão de junção de documentos, determinada por despachos judiciais, os princípios da livre apreciação das provas, e da aquisição processual, com corolário nos artigos 662.º e 413.º do CPC, uma vez que os documentos juntos com o requerimento acima referido, não foram impugnados pelo exequente. Também o princípio da imediação. 14 - O Mm.º Juiz ao violar os artigos 662.º e 413.º do CPC, decidiu quanto a nós, mediante uma deficiente avaliação das provas, a qual, avaliação, determinou o sentido da sentença absolutória do embargado, o qual ao não ser penalizado pela sua reincidente omissão de colaboração, se viu absolvido com manifesto e injusto prejuízo dos ora recorrentes. 15 - Face ao alegado, deve a sentença ora em crise, ser revogada, determinando-se a procedência dos embargos deduzidos, ou caso assim se não entenda, determinar que baixando os autos à 1ª instância se determine que o embargado junte aos autos os documentos que omitiu, boicotando a descoberta da verdade material, nos autos. 16 - Assim se fazendo, Excelentíssimos Juízes Desembargadores, a devida Justiça. Pelo exequente/embargado não foram apresentadas contra alegações de recurso. Atenta a não complexidade da questão a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos. Cumpre apreciar e decidir: Como se sabe, é pelas conclusões com que os recorrentes rematam a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2]. Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável aos recorrentes (artigo 635.º, n.º 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo artigo 635.º) [3] [4]. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação dos recorrentes, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso. No caso em apreço – face à desistência (dos pedidos) efectuada pelos executados em audiência de julgamento (devidamente homologada pelo Julgador “a quo” por decisão já transitada) – emerge das conclusões da alegação de recurso por eles apresentadas que o objecto do mesmo está circunscrito, tão somente, à apreciação da questão de saber se a dívida exequenda deve ser limitada pelo valor da avaliação do imóvel penhorado efectuada pelo Banco exequente (devendo este receber a propriedade do imóvel penhorado pelo valor dessa avaliação, pagando-se do montante em execução pelo referido valor). Antes de nos pronunciarmos sobre a questão supra referida importa ter presente qual a factualidade que foi dada como provada no tribunal “a quo” e que, de imediato, passamos a transcrever: 1) Servem de base à presente execução dois contratos de mútuo com hipoteca, o primeiro dos quais celebrado em 17/06/2011, no montante de 21.220 euros e o segundo, datado de 22/03/2013, no montante de 21.900 euros, entre o Banco e (…), que os outorgou em seu nome pessoal, na qualidade de mutuária e, ainda como procuradora dos embargantes (…) e mulher (…), na qualidade de fiadores, conforme documentos 1 e 2 juntos com o requerimento executivo, aqui dados por reproduzidos. 2) Para garantia dos indicados contratos, os embargantes (…) e mulher (…), além de se terem constituído fiadores, com renúncia ao benefício da excussão prévia, constituíram, a favor do Banco, hipotecas sobre o imóvel penhorado nos autos de execução principal. 3) O (…) Banco, S.A., avaliou internamente em 28/04/2011 o prédio penhorado, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ferreira do Zêzere com o n.º (…), em 81.915 euros. 4) O (…) Banco, S.A., avaliou internamente em 06/12/2012 o prédio penhorado, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ferreira do Zêzere com o n.º (…), em 78.090 euros. 5) Requerimento executivo. 6) Processo n.º 4.832/14.4T8ENT e respetivos apensos. Apreciando, de imediato, a questão suscitada pelos embargantes, aqui apelantes – saber se a dívida exequenda deve ser limitada pelo valor da avaliação do imóvel penhorado efectuada pelo Banco exequente (devendo este receber a propriedade do imóvel penhorado pelo valor dessa avaliação, pagando-se do montante em execução pelo referido valor) – haverá, desde já, que referir a tal propósito que os documentos 1 e 2 que os recorrentes juntaram aos autos com o requerimento de 9/9/2020, bem como o documento que pretendiam que o Banco exequente juntasse aos autos (cfr. pontos 3 e 11 a 14 das conclusões de recurso) dizem respeito a dois contratos de mútuos e à avaliação de um imóvel que são completamente distintos dos dois contratos de mútuo e ao imóvel penhorado que, na realidade, estão em causa na execução principal (que tem estes processos A) e B) como apensos). Assim sendo, tais documentos (relativos a mútuos e eventuais avaliações de imóvel diversos dos que estão identificados nestes autos) não têm qualquer relevância probatória nos presentes embargos, pelo que a sua inserção neste processo se revela totalmente inócua e inútil para a justa composição do litígio. Por outro lado, aquilo que os embargantes sustentam, pela presente via recursiva, é que o Banco exequente se pague da dívida que os embargantes têm para com ele “ficando” com a propriedade do imóvel penhorado na execução principal, mas “aceitando” tal imóvel pelo valor da avaliação que aquele efectuou em 2011 e 2012 (cfr. pontos 3 e 4 dos factos provados). Ora, salvo o devido respeito, esta pretensão dos recorrentes não tem sustentabilidade legal, uma vez que o Banco exequente tem sempre de ser ressarcido do financiamento que faz, pois o mesmo vende dinheiro e não vende imóveis, sendo certo que o risco da desvalorização do imóvel corre por conta do devedor (pois é ele quem levou a casa ao Banco) e não por quem financia a compra. Com efeito, a avaliação feita pelo Banco exequente tem apenas a função de "auxiliar" a escolha do devedor, no que respeita ao imóvel a hipotecar, pois aquando da avaliação a escolha já está feita. Além disso, o objectivo de tal avaliação circunscreveu-se a fundamentar a análise de risco a efectuar pela recorrido (Banco exequente), não sendo susceptível de ter criado qualquer confiança nos recorrentes (devedores) de que o imóvel hipotecado (e agora penhorado) seria sempre vendido pelo valor constante da dita avaliação. Acresce que, também o artigo 796.º, n.º 1, do Código Civil estipula que, nos contratos que constituam ou transfiram um direito real sobre certa coisa, a deterioração desta corre por conta do seu adquirente. Por outro lado, sempre se dirá que os contratos devem ser pontualmente cumpridos (cfr. artigo 406.º, n.º 1, do Código Civil) e a hipoteca é uma garantia real, regulada designadamente nos artigos 686.º e seguintes do Código Civil, que confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, podendo ter por objecto, além do mais, prédios rústicos e urbanos. Ora, esse pagamento faz-se, naturalmente, em caso de incumprimento contratual, com a venda ou adjudicação do bem, na acção executiva instaurada pelo credor. O regime legal, tanto no plano substantivo como processual, a esse respeito visa uma tutela equilibrada das posições jurídicas do credor e do devedor, estando expressamente previsto na lei que a execução pode prosseguir com a penhora de outros bens, para além daqueles sobre que incida hipoteca, quando se reconheça a insuficiência daqueles para integral pagamento da quantia exequenda. Por isso, estipula ainda o n.º 1 do artigo 752.º do C.P.C. que executando-se dívida com garantia real que onere bens pertencentes ao devedor, a penhora inicia-se pelos bens sobre que incida a garantia e só pode recair noutros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução. Na execução a que estes autos estão apensos todo o processado acima descrito se mostra conforme com tais regras de direito substantivo e processual aplicáveis, sendo que também nada indicia, sequer, que o Banco exequente levou os executados a acreditar que a adjudicação do imóvel penhorado sempre seria feita pelo valor constante da avaliação bancária. Assim sendo, o Banco exequente não tem que receber a propriedade do imóvel em questão pelo valor da sua avaliação (pagando-se da quantia exequenda dentro das forças de tal avaliação), pois a figura da dação em cumprimento depende de assentimento expresso da sua parte, não estando aquele obrigado a aceitá-la – cfr. artigo 837.º do Cód. Civil. E, se o devedor efectuar uma prestação diferente da devida, para que o credor obtenha mais facilmente, pela realização do valor dela, a satisfação do seu crédito, este só se extingue quando for satisfeito, e na medida respectiva – cfr. artigo 840.º, n.º 1, do Código Civil. Com efeito, a proposta de dação em cumprimento consubstancia um acordo entre as partes, que qualquer uma delas pode livremente recusar, não advindo de tal recusa qualquer consequência (face a tal tomada de posição). Além disso, a venda de bens não depende apenas da sua avaliação, mas de todo o processado envolvente, podendo vender-se no processo executivo por valor inferior ao da avaliação ou de mercado, dependendo das circunstâncias da venda e, podendo vir a pagar, ou não, a quantia exequenda. E, a tal propósito, sempre se poderá colocar a questão de saber se uma eventual adjudicação do imóvel penhorado ao Banco exequente, ainda que por valor inferior ao que consta da avaliação feita por aquele, constitui ou não abuso de direito por parte do exequente. Ora, a resposta a tal questão não poderá deixar de ser negativa, como se pode constatar do Ac. da R.L. de 11/10/2012, disponível in www.dgsi.pt, onde, a dado passo, é afirmado que a pretensão da exequente de prosseguir a execução depois de lhe ter sido entregue o imóvel hipotecado, que não cobriu a dívida exequenda, com o fim de obter a satisfação da parte do empréstimo não coberto, não configura, sem mais, um abuso de direito. Em sentido idêntico, pode ver-se o Ac. da R.L. de 12/12/2013, também disponível in www.dgsi.pt, no qual se concluiu que a pretensão do exequente de prosseguir a execução depois de lhe ter sido adjudicado o imóvel hipotecado, no âmbito de venda judicial por propostas em carta fechada, por preço inferior à dívida exequenda, com a finalidade de obter a satisfação do restante crédito, não configura, por si só, abuso de direito. O prosseguimento da execução nas condições descritas não configurará, em princípio, enriquecimento sem causa. A verificação de um e de outro terá de resultar sempre em função da análise das circunstâncias do caso concreto. Por último, veja-se ainda o Ac. desta Relação de 5/2/2014, também disponível in www.dgsi.pt, no qual se afirmou que, tendo a entrega, pelos réus ao Banco autor, do imóvel adquirido com recurso ao crédito, sido efectuada através de escritura pública denominada “dação em cumprimento” na qual se declarou expressamente que tal dação apenas visava o “cumprimento parcial das responsabilidades anteriormente assumidas” e tendo os réus ali reconhecido que continuavam devedores de determinadas quantias, não constitui abuso de direito ou enriquecimento sem causa, o facto de o Banco vir exigir dos réus o pagamento de tais quantias. É para o efeito irrelevante o facto de o valor do imóvel, aceite naquela escritura, por ambas as partes, como sendo o valor do imóvel, poder ser inferior ao valor da avaliação feita aquando da concessão do crédito, na medida em que, para além de estar em causa um valor expressamente aceite pelos réus, a primeira avaliação pode ter sido feito de forma incorrecta e nada impedia que o valor do imóvel se tivesse desvalorizado entretanto, mormente pelo seu uso, sendo certo que, conforme é público e notório, mercê da crise financeira e do imobiliário, os imóveis têm vindo a ser objecto de acentuada desvalorização. Assim sendo, atentas as razões e fundamentos supra elencados, forçoso é concluir que o Banco exequente não tem que aceitar o imóvel penhorado como forma de pagamento da dívida exequenda, pelo valor constante da avaliação por aquele efectuada em 2011 e 2012. Nestes termos, dado que o recurso em análise não versa outras questões, entendemos que a sentença recorrida não merece qualquer censura ou reparo, sendo, por isso, de manter inteiramente. Em consequência, improcedem, “in totum”, as conclusões de recurso formuladas pelos executados, aqui apelantes, não tendo sido violados os preceitos legais por eles indicados. Por fim, atento o estipulado no n.º 7 do artigo 663.º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário: (…) Decisão: Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto pelos executados, aqui embargantes, confirmando-se inteiramente a sentença proferida pelo Julgador “a quo”. Custas pela executados/embargantes (sem prejuízo do apoio judiciário de que sejam beneficiários). Évora, 29 de Abril de 2021 Rui Machado e Moura Eduarda Branquinho Mário Canelas Brás __________________________________________________ [1] Cfr., neste sentido, Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363. [2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, n.º 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ n.º 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ n.º 486, p. 279). [3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso). [4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), Castro Mendes (in “Direito Processual Civil”, 3.º, p. 65) e Rodrigues Bastos (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3.º, 1972, pp. 286 e 299). |