Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA FERNANDA PALMA | ||
Descritores: | MEDIDA TUTELAR MEDIDA DE COAÇÃO IMPEDIMENTO | ||
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Data do Acordão: | 01/07/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I - Os princípios que informam a aplicação das medidas de coação em processo penal são substancialmente distintos daqueles que subjazem à aplicação das medidas cautelares em processo tutelar educativo. II - O juiz que aplicou ao menor medida cautelar de guarda em centro educativo na fase do inquérito não está impedido de intervir na fase jurisdicional do processo. III – No regime processual atinente ao julgamento em processo tutelar educativo, não estão previstas situações de impedimento. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 14/13.0TQFAR-A.E1 Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora Nos presentes autos de recurso em separado do Processo Tutelar Educativo (fase jurisdicional) nº 14/13.0TQFAR, do 2º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Faro, datado de 25-06-2013, a Mmª Juiz do 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Faro, proferiu o despacho que consta de fls. 48 a 51 dos presentes autos de recurso em separado, este do seguinte teor: “Os presentes autos foram distribuídos ao 2º Juízo deste Tribunal de Família e Menores de Faro. Contudo, foram remetidos ao 1º Juízo e apresentados à signatária, na sequência do despacho proferido a fls. 370 e 371 pela Exmª Srª Juíza Titular do 2º juízo, que se declarou impedida para os ulteriores termos do processo. Discorda-se frontalmente do entendimento que motivou o declarado impedimento. Estriba-se tal entendimento nos arts. 40º a) e 46º do Código Processo Penal, que perfilha serem aplicáveis por força do art. 128º da Lei Tutelar Educativa. O citado art. 40º a) do CPP reporta-se aos casos em que ao arguido foi aplicada a medida de coacção prisão preventiva prevista no art. 202º do CPP, impedindo o juiz que aplicou tal medida de coacção de intervir no julgamento. Ora, nem o menor do processo tutelar educativo pode ser equiparado ao arguido do processo penal, nem a medida cautelar de guarda se assemelha à medida de coacção prisão preventiva. Como é sabido, são bem distintas as finalidades da intervenção tutelar e consequente aplicação da medida tutelar (finalidade educativa – educação para o direito) e a aplicação da pena de prisão (função punitiva do Estado e ressocializadora do arguido). E por isso, a prisão preventiva não pode ser equiparada tecnicamente à guarda do menor em centro educativo, pese embora ambas impliquem a privação de liberdade (neste sentido, Tomé d`Almeida Ramião, in Lei Tutelar Educativa Anotada, Quid Juris, 2004, pág. 102). Tal resulta claramente do art. 2º da Lei Tutelar Educativa, nos termos do qual «as medidas tutelares educativas … visam a educação do menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade». E é reforçado designadamente no art. 7º da mesma lei, quando estabelece que «a medida tutelar educativa deve ser proporcionada à gravidade do facto e à necessidade de educação do menor para o direito manifestada na prática do facto e subsistente no momento da decisão». Quer dizer, as necessidades educativas – em que se traduz neste campo o interesse do menor - são a pedra de toque que deve sempre presidir à escolha, aplicação e duração das medidas tutelares (assentes em específicos programas e métodos pedagógicos). Aliás, a título de exemplo, refira-se que a diversidade da natureza e finalidades do processo tutelar educativo e do processo penal estão bem patentes na fundamentação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 3/2009 (publicado no DR nº 33, série I, de 17/2/2009), que uniformizando a jurisprudência, fixou o seguinte: «Não há lugar em processo tutelar educativo ao desconto do tempo de permanência do menor em centro educativo quando, sujeito a tal medida de medida cautelar de guarda, vem posteriormente a ser-lhe aplicada a medida tutelar de internamento». Por último, refira-se que o regime processual atinente ao julgamento em processo tutelar educativo está previsto nos arts. 116º e 117º da LTE, inexistindo qualquer previsão na mesma lei relativa a impedimentos do julgador, pelo que não cabe ao intérprete distinguir quando o legislador não o fez, sob pena de se desvirtuar os objectivos visados pela lei tutelar educativa, sendo ainda certo que, ao contrário do juiz do processo penal, o juiz do processo tutelar educativo não formula qualquer juízo de culpabilidade, carecendo assim de sentido o alegado impedimento. Do exposto, resulta para nós evidente que o juiz que aplicou ao menor a medida cautelar de guarda em centro educativo na fase do inquérito não está impedido de intervir na fase jurisdicional. Por ser este o entendimento da signatária, nunca se declarou impedida em casos idênticos, tendo sempre procedido ao julgamento dos processos que lhe são distribuídos relativos a menores aos quais aplicou a medida cautelar de guarda em centro educativo. Aliás, contactados diversos Tribunais de Família e Menores do país, (nomeadamente Portimão, Loures, Lisboa e Braga), constatamos que o entendimento que aqui perfilhamos é ali também generalizadamente sufragado. Pelos motivos expostos, a signatária declara-se incompetente para julgar os presentes autos. Devolva o processo ao 2º juízo, que deverá notificar todos os sujeitos processuais do presente despacho (incluindo o Ministério Público), apresentando o processo à Exmª Srª Juíza Titular daquele juízo.” Inconformado com o teor deste despacho, recorreu o Ministério Público, nos termos da sua motivação constante de fls. 4 a 8 dos presentes autos de recurso em separado, concluindo, na parte que interessa à decisão do presente recurso, da seguinte forma: - O despacho da Mmª Juíza do 1º Juízo, que se declarou incompetente, terá violado o disposto nos artigos 128º, nº 1 da LTM e 40º al. a) do CPP. - Parece-nos que, por essa razão, poderá ser revogado e substituído por outro onde se aceite a competência da Mmª Juíza do 1º Juízo. - Em qualquer caso, a competência caberá sempre a uma das Mmªs juízas – ou do 1º ou do 2º Juízo – pelo que se solicita ao Tribunal de recurso que, resolvida a questão, atribua a competência para a audiência a uma das Mmªs Juízes e respetivo Juízo. Neste Tribunal da Relação de Évora, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seu parecer. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir: Como o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelos recorrentes nas respectivas motivações de recurso, nos termos preceituados nos artigos 403º, nº 1 e 412º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal, podendo o Tribunal de recurso conhecer de quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida, cumprindo cingir-se, no entanto, ao objecto do recurso, e, ainda, dos vícios referidos no artigo 410º do referido Código de Processo Penal, - v. Ac. do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95 de 19 de Outubro - vejamos, pois, se assiste razão ao Ministério Público, ora recorrente, no que respeita às questões que suscitou nas conclusões do presente recurso, quais sejam, se a Mmª Juiz do 1º Juízo de Tribunal de família e Menores de Faro é competente, ou não, para intervir na fase jurisdicional do presente processo tutelar educativo, já que os autos lhe foram enviados, porquanto a Mmª Juiz do 2º Juízo do mesmo Tribunal teve intervenção no Processo durante a fase de inquérito, tendo aplicado à menor A a medida cautelar de guarda em Centro Educativo, e daí ter entendido que se encontrava impedida de intervir na fase jurisdicional do processo. Vejamos, então: O presente processo tutelar educativo foi distribuído ao 2º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Faro. Por ter tido intervenção na fase de inquérito do processo, e aplicado uma medida cautelar de guarda em Centro Educativo, artigo 57º c) da LTE, a Mmª Juiz desse 2º Juízo declarou-se impedida para intervir na fase jurisdicional do processo e ordenou a remessa dos autos ao 1º Juízo do mesmo Tribunal, onde a Mmª Juiz titular proferiu o despacho ora em apreciação. Com efeito, e como bem diz a Mmª Juiz a quo, o menor em processo tutelar educativo não pode ser equiparado ao arguido em processo penal. A intervenção tutelar e as consequentes medidas tutelares educativas visam a educação do menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida da comunidade, devendo ser proporcionais à gravidade do facto e à necessidade de educação do menor para o direito manifestada na prática do mesmo facto e subsistente no momento da decisão – artigos 2º e 7º da LTE. Por seu lado, o artigo 193º do Código de Processo Penal, estabelece o princípio da adequação e proporcionalidade na aplicação das medidas de coacção e garantia patrimonial, segundo o qual, " as medidas de coacção e garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas". Estes princípios decorrem do direito fundamental à liberdade e segurança, do qual a prisão preventiva constitui uma excepção, constantes dos artigos 27º e 28º da nossa Lei Fundamental. Resultam, igualmente, do artigo 5º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do artigo 9º do Pacto Internacional para a protecção dos direitos civis e políticos. Em sede de medidas de coacção, cumpre ter em atenção, ainda, os seus requisitos gerais de aplicação, constantes do artigo 204º do CPP, segundo o qual nenhuma medida de coacção à excepção do TIR, pode ser aplicada se em concreto se não verificar: Fuga ou perigo de fuga; perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas. Ora, daqui se deduz que os princípios que informam a aplicação das medidas de coação em processo penal, são substancialmente distintos daqueles que informam a aplicação das medidas cautelares em processo tutelar educativo. É certo que tanto num caso como noutro se visa a defesa da sociedade e, se possível, a integração futura do infractor. Também em sede de processo tutelar educativo, o menor pode ver-se privado da sua liberdade. Porém, não está em causa no caso do processo tutelar educativo a reação cautelar contra um crime, já que o menor é inimputável, mas tão só contra as atitudes desviantes do mesmo, atitudes estas que, objetivamente consideradas, podem constituir delitos criminais. Mas apenas objetivamente consideradas, já que subjetivamente o não constituem. A razão de ser da LTE é a proteção e educação do menor, proteção esta que permitirá a sua integração social e a interiorização do desvalor das condutas desviantes em que tenha incorrido. E a análise em fase jurisdicional do comportamento desviante de um menor, bem como as medidas educativas que lhe podem ser aplicadas, têm esta finalidade, não se aproximando, em caso algum, das reações criminais - penas ou medidas de segurança. E daí que, como bem refere o despacho recorrido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 3/2009 (publicado no DR nº 33, série I, de 17/2/2009), que uniformizando a jurisprudência, fixou o seguinte: «Não há lugar em processo tutelar educativo ao desconto do tempo de permanência do menor em centro educativo quando, sujeito a tal medida de medida cautelar de guarda, vem posteriormente a ser-lhe aplicada a medida tutelar de internamento». Concorda-se, igualmente, como também aí se refere, que o “regime processual atinente ao julgamento em processo tutelar educativo está previsto nos arts. 116º e 117º da LTE, inexistindo qualquer previsão na mesma lei relativa a impedimentos do julgador, pelo que não cabe ao intérprete distinguir quando o legislador não o fez, sob pena de se desvirtuar os objectivos visados pela lei tutelar educativa, sendo ainda certo que, ao contrário do juiz do processo penal, o juiz do processo tutelar educativo não formula qualquer juízo de culpabilidade, carecendo assim de sentido o alegado impedimento.” Pelo exposto, entende-se que o despacho recorrido não violou o estabelecido nos artigos 128º, nº 1 da LTM e 40º al. a) do CPP, pelo que deverá ser mantido nos seus precisos termos, ficando solucionada, neste sentido, a questão suscitada perante este Tribunal da Relação. Assim, e pelo exposto, acordam os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento ao recurso, mantendo, na íntegra, o despacho recorrido. Sem tributação. Évora, 07.01.2014 Maria Fernanda Pereira Palma Maria Isabel Duarte |