Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1759/20.4T8PTM-A.E1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: IMPUGNAÇÃO
MATÉRIA DE DIREITO
RELAÇÃO JURÍDICA
ADMINISTRAÇÃO DE CONDOMÍNIO
LEGITIMIDADE
Data do Acordão: 06/30/2021
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Sumário:
I - O cominatório da falta de impugnação é referente a factos e não a conclusões jurídicas.
II – Se a apreciação do pedido em causa depende essencialmente dos mesmos factos e da interpretação e aplicação das mesmas normas legais justifica-se pela economia processual que tenha sido intentado um único processo.
III – Sendo a relação controvertida delineada pelos AA. relativa ao exercício do direito de informação dos condóminos e uma vez que esse dever é da empresa administradora a quem foi confiada a administração dos condomínios, seria esta que deveria estar em juízo por ser a competente para prestar os esclarecimentos, disponibilizando a informação pretendida, relativa às despesas, gastos etc. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam as juízas da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
1 - Relatório.

C…, empresário, casado, residente na Rua …, Viseu, proprietário da Fração Autónoma “…”, CPR 1 e P…, casado, gestor financeiro, residente na …, Suiça, proprietário da Fração Autónoma “…”, CPR 1 e da Fração Autónoma “…” do CPR 2, vieram deduzir providencia cautelar não especificada contra “M…, gerente da Sociedade Allwaysuccess- Administração de Condomínios e Serviços Conexos, Lda, a citar na Estrada da Rocha, Lotes 2/4/6 R/C Loja 2, Praia da Rocha, 8500-804 Portimão, na qualidade de Administrador do condomínio do Clube Praia da Rocha, Bloco 1 e Bloco 2, que exerce, como gerente, em nome da Allwaysuccess-Administração de Condomínios e Serviços Conexos, Lda”, peticionando:
• Impedir, desde já, que o Réu possa movimentar as contas bancárias do condomínio do Clube Praia da Rocha, Blocos 1 e 2, bem como quem estiver autorizado a fazê-lo, sem que as mesmas sejam assinadas por um dos três proprietários que se indicam.
Para o Bloco 1 indicam-se os proprietários:
1. C…, empresário, casado, residente na Rua …, Viseu, titular do C.C …, com o NIF. …, proprietário da Fração Autónoma “…” do Bloco 1;
2. M…, casada com…
Contas do Bloco 1, conhecidas:
- CC nº …- Crédito Agrícola;
- CR nº … c/ordem- Crédito Agrícola;
- CR nº …- Crédito Agrícola;
conta das piscinas:
Para o Bloco 2 indicam-se os proprietários:
1. P…
2. S…;
3. C…
Procedimento Cautelar (CPC2013) Contas do Bloco 2, conhecidas:
- Conta CC nº … – Crédito Agrícola;
- Conta CR nº …, conta à ordem – Crédito Agrícola;
- Conta CR nº …, fundo reserva – Crédito Agrícola;
• Que o Réu, M…, só possa abrir novas Contas, em nome do condomínio do Clube Praia da Rocha, em contitularidade com os proprietários indicados para cada um dos Blocos;
• Que, após a exoneração da administração, as contas possam ser movimentadas, por dois dos proprietários, aqui indicados, por Bloco, até que seja nomeada nova administração, para permitir que a gestão do condomínio decorra normalmente;
• Que os proprietários aqui indicados tenham acesso às contas correntes de cada proprietário, para poderem controlar os pagamentos efetuados, a fim de apurar a utilização das mesmas;
• Que o Réu seja condenado a disponibilizar, para consulta, a contabilidade do Condomínio;
• Para além destas contas, deverão ser consideradas todas as contas bancárias de que o condomínio do Clube Praia da Rocha B1 e B2 seja titular.
Citado o requerido e após contestação, foi proferido o seguinte despacho:
«Palavra aos AA. quanto à matéria de excepção da Oposição».
A audiência de julgamento iniciou-se a 04.12.20.
Em 17.12.20 os requerentes juntaram resposta à excepção.
Foi proferida decisão que julgou parcialmente procedente a providência cautelar e decidiu:
a) Que os requeridos Condomínios da Praia da Rocha I e II sejam condenados a disponibilizar, para consulta, a sua contabilidade aos aqui requerentes;
b) Absolver os requeridos do demais peticionado;
c) Absolver ambas as partes dos pedidos de litigância de má-fé;
Inconformados com esta decisão, o requerido recorreu, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):
“I - O requerido não se conforma com a sentença proferia na parte em que condenou “os requeridos” a disponibilizar, para consulta, a sua contabilidade aos requerentes e por isso vem dela interpor recurso.
II – O presente procedimento cautelar foi proposto exclusivamente contra o requerido M… (cf. art. 7.º n.º 1 e 2 da Portaria 280/2013), o qual não é administrador de condomínio, mas apenas gerente da sociedade administradora dos condomínios. Os condomínios dispõem de personalidade judiciária e devem ser representados através da sua administração de condomínio, no caso a sociedade “Allwaysuccess, Lda.” Ao não serem citados os condomínios, nem a sua administração de condomínio deve ser julgada parte ilegítima o requerido M…, e como tal absolvido da instância, tendo o tribunal violado o artigo 32.º do Cód. de Processo Civil.
III – Ao ser dado como indiciado que o Condomínio Clube Praia da Rocha – Bloco 1, NIPC 902006142, e Condomínio Clube Praia da Rocha – Bloco 2, NIPC 901972363, são dois condomínios distintos, com órgãos próprios diferentes, com assembleias e administrações próprias; que o Condomínio Clube Praia da Rocha – Boco 1 é constituído por 310 frações autónomas e tem uma assembleia e administração próprias; que o Condomínio Clube Praia da Rocha – Bloco 2 é constituído por 317 frações autónomas e tem uma assembleia de administração próprias; que a apresentação do Relatório e Contas é feita em dois relatórios e em duas Assembleias, não serve como fundamento para justificar a coligação uma mera ligação entre os prédios, mas essa conexão deve estender-se às matérias que estão em discussão (contabilidade dos condomínios), o que não é caso relativamente às matérias ou assuntos que acima enunciados como sendo autónomas e distintas relativamente a cada condomínio.
IV – Ao admitir-se que essa ligação fosse suficiente significaria então autorizar que os condóminos de um condomínio possam consultar a contabilidade de um outro condomínio distinto (do qual não são comproprietários das áreas comuns), sem que exista qualquer direito ou interesse legitimo que o justifique.
V - O facto de uma sociedade desempenhar simultaneamente as funções de administradora de dois condomínios não se pode confundir que se trate de uma mesma administração. Cada um dos condóminos tem a sua própria administração que,por acaso, pode e é exercida pela mesma sociedade. A referida ligação entre os prédios contíguos, no que diz respeito às matérias que se tratam nos presentes autos, não têm qualquer implicação no sentido de permitir a coligação, com violação do artigo 36.º do Cód. de Processo Civil, pois estas matérias são completamente autónomas e distintas para cada um dos condomínios, e por essa razão não se pode tentar misturar os assuntos que dizem respeito a um dos condomínios com os assuntos de outro.
VI – Apesar de previamente notificados para exercer o contraditório sobre as exceções deduzidas na oposição ao procedimento cautelar os requerentes não se pronunciam atempadamente, nem o fazem espontaneamente no início da audiência, tem o efeito comunitário de se verificarem as exceções de ilegitimidade e em consequência ser o requerido absolvido da instância.
VII - A providência cautelar não se traduz num meio de prova em si mesma e não se destina a tentar alcançar provas, que podem nem sequer existir, para os factos alegados na ação principal. Para esses fins estão previstos na legislação processual os instrumentos e meios adequados. A finalidade de uma providência cautelar é apenas e tão só a tutela provisória em quaisquer situações de “periculum in mora” relativas ao direito controvertido. Visa acautelar o direito tutelado pelalei substantiva, deforma a esconjurar o perigo decorrente da insatisfação, em tempo útil, de tal direito ou interesse, mas desde que o requerente alegue e demonstre o receio fundado e concreto de lesão grave e dificilmente reparável do seu direito.
VIII - Analisada a matéria de facto dada como indiciada pelo tribunal “a quo” (cf. os pontos 8, 9, 10 e 21 a 24) da sua fundamentação não se alcança sobre o perigo na demora na ação principal, ou seja, qual o direito que os requerentes pretendes ver salvaguardado com a providência cautelar no específico aspeto que o tribunal “a quo” admitiu o pedido dos requerentes. Inclusive resulta que não há qualquer facto que justifique que seja decretada qualquer pedido dos requerentes.
IX- Não se vislumbra em que medida a disponibilização da contabilidade de ambos o condomínio permite aos requerentes salvaguardar um direito que não possa ser acautelado em tempo útil na ação principal. Resulta até dos factos indiciados que os requerentes inclusivamente já pagaram o condomínio. Ao decretar a providência de disponibilizar a contabilidade do condomínio sem se verificar o pressuposto do periculum in mora mostra-se violado o disposto no artigo 362.º do Cód. de Processo Civil.
X - Não se pode confundir o direito de informação com o direito de prestação de contas. Disponibilizar a contabilidade do condomínio consiste essencialmente numa prestação de contas.
XI – Ma é na assembleia de condóminos, enquanto órgão donde emana a vontade do condomínio, que devem ser prestadas contas da administração das partes comuns, cabendo ao administrador aí prestar informação completa, pormenorizada e exaustiva bem como apresentar toda a documentação pertinente.
XII - A lei é clara na afirmação de que a prestação de contas é anual e realizada perante a assembleia de condóminos, pelo que desde logo está afastada a possibilidade de apresentação de contas (ademais parcelares) a um condómino em exclusivo. Se, porventura com a pretensão de apresentação de contas parcelares se está a pensar em termos de contabilidade organizada e balancetes, haverá de ter em consideração que os condomínios não estão sujeitos a contabilidade organizada.
XIII - A análise em termos de contabilidade analítica da imputação individualizada das despesas do condomínio às diversas fracções, porque tal imputação, mais do que um juízo factual, é matéria do domínio do poder deliberativo da assembleia de condóminos, no momento da fixação da medida da contribuição de cada fracção para acudir aos encargos de conservação e fruição das partes comuns.
XIV - Prestar informação aos condóminos é, entre outros, um dever geral do administrador, em cujo âmbito se inscreve o dever, especificamente enunciado na alínea j) do art. 1436º do Código Civil, de prestar contas à assembleia. Esta obrigação do administrador, no que à prestação de contas respeita, tem como beneficiário, não cada um dos condóminos individualmente considerados, mas o corpo colectivo por todos eles formado, reunido em assembleia, cabendo à assembleia de condóminos, e não a cada um deles, a titularidade do correspondente direito.
XVI - Dos elementos constantes nos autos são reveladores de manifesta a má-fé processual dos requerentes, situação perfeitamente enquadrável e censurável nos termos do artigo 542.º do Cód. de Processo Civil, e consequente serem os requerentes condenados como litigantes de má-fé.”
Não há contra-alegações.
Dispensados os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
São os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância:
1. O Réu, M…, é o único gerente da Allwaysuccess- Administração de Condomínios e Serviços Conexos, Lda, que foi reeleita para administrar o Condomínio Clube Praia da Rocha, por deliberação da Assembleia de Condóminos realizada no dia 22 de fevereiro de 2020, por um período de três anos.
2. O Réu não presta a alguns proprietários informação sobre os assuntos relacionados com a gestão.
3. O réu procedeu a pinturas dos corredores do Bloco 2 que não se sabe o quanto importaram e que não seriam efetuados se os requerentes tivessem possibilidade de controlar as despesas feitas pelo Sr. Administrador.
4. A Allwaysuccess, administradora do condomínio, tem o capital social de 6.000,00€1.
5. O réu gerente da Allwaysuccess é quem movimenta as contas, podendo as mesmas serem consultadas por J….
6. A Ata da Assembleia-geral realizada no dia 22/02/2020, para o Bloco 2, foi impugnada, no âmbito do processo nº 1053/20.0T8FAR deste Juízo Local Cível, onde foi declarada extinta a lide por inutilidade superveniente da mesma.
7. O Condomínio Clube Praia da Rocha – Bloco 1, NIPC 902006142, e Condomínio Clube Praia da Rocha – Bloco 2, NIPC 901972363, são dois condomínios distintos, com órgãos próprios diferentes, com assembleias e administrações próprias.
8. O valor da quota de condomínio a suportar pelo requerente C…, proprietário da fração autónoma designada pelas letras “…” é de € 653,58, e pelo requerente P…, proprietário das frações autónomas designadas pelas letras “…” e “…” é, respetivamente, de € 653,48 e € 571,41, tendo os mesmos já procedido ao pagamento das respetivas quotas de condomínio.
9. A receita proveniente das quotas de condomínio, incluindo as dos requerentes têm sido destinadas a pagar as despesas com as áreas e serviços comuns dos prédios, como a limpeza, segurança, manutenção de elevadores, etc.).
1 Alterado, nos termos do art.º5º nº2 b) do C.P.C., em decorrência da consulta da certidão permanente junta aos autos de tal sociedade, consignando-se que esta integrou a produção probatória, face à qual as partes se puderam pronunciar.
10. As contas da atual administração de condomínio relativamente ao período em que exerceu funções desde junho de 2019 foram apresentadas, discutidas e aprovada por larguíssima maioria nas assembleias de condóminos realizadas em 22-02-2020.
11. A sociedade Allwaysuccess, Lda. foi eleita para administrar os Condomínios Clube Praia da Rocha – Bloco 1, e foi também eleita para administrar o Condomínio Clube Praia da Rocha – Bloco 2.
12. O Condomínio Clube Praia da Rocha – Boco 1 é constituído por 310 frações autónomas e tem uma assembleia e administração próprias.
13. O Condomínio Clube Praia da Rocha – Bloco 2 é constituído por 317 frações autónomas e tem uma assembleia de administração próprias.
14. O requerente C… não esteve presente numa única assembleia de condóminos.
15. O requerente P… reside na Suíça e desloca-se a Portimão maioritariamente para passar férias.
16. A entrada para os dois Blocos é feita pela entrada principal do Bloco 1.
17. A apresentação do Relatório e Contas é feita em dois relatórios e em duas Assembleias.
18. Alguns proprietários só têm perceção de existência de duas Administrações aquando da marcação das Assembleias-gerais, já que essa existência não se manifesta no dia-a-dia do CPR, que é visto como um todo.
19. Os Requerentes e a generalidade dos proprietários do CPR, até março de 2020, pouco ou nada sabiam do seu historial.
20. Os requerentes propuseram uma acção para que lhes fosse reconhecido o direito de utilização das piscinas, com fundamento na Promessa Pública e pela figura do Usucapião
21. A administração de condomínio criou o plano de contingência, com sala pronta para o efeito, tem procedido à desinfestação das áreas comuns, delimitado as zonas de acesso para que não haja contágios, serviço de limpeza diária dos prédios, procedeu à reparação a cúpula do Condomínio do Bloco 2, cuja reparação estava a aguardar há anos, e por onde entrava água para o interior do prédio, apetrechou o prédio com dispensadores de álcool gel, cumprido com todas as medidas de segurança e recomendações das autoridades de saúde, os funcionários e fornecedores recebem a tempo e horas.
22. Os jardins estão agora arranjados e limpos o que não sucedia anteriormente, porque estavam em completo estado de abandono.
23. Garantiu a segurança dos prédios para evitar que situações como aquelas que acontecia no passado em que havia invasões no prédio e pessoas a pernoitar no seu interior, designadamente nas escadas.
24. Procedeu a uma limpeza geral do prédio que estava infestado de baratas, tem realizado regularmente o controlo de pragas, etc.
25. O Sr. Administrador, fechou todas as portas de segurança alegando que instalou um sistema de abertura automático, em caso de emergência.
26. O encerramento da conta bancária nº … do Crédito Agrícola foi efetuado em 14-10-2020, antes de o requerido ter sido notificado da presente providência cautelar.
27. A citação do presente procedimento cautelar ocorreu 20-10-2020.
No mais se indiciou
28. A esposa de M…, Ma… dá diariamente ordens aos funcionários do Condomínio Praia da Rocha, gerindo o dia-a-dia deste, publicando Facebook imagens retiradas as câmaras de videovigilância do Condomínio Praia da Rocha, proibindo os funcionários de conversarem com os proprietários do Condomínio Praia da Rocha, decide a realização de festas e quem as dá nos espaços do Condomínio Praia da Rocha, colocou funcionários do Condomínio Praia da Rocha a cozinhar para a própria, a limpar apartamentos de proprietários e o seu, bem como, o gabinete de J…, dando instruções aos funcionários do condomínio sobre o que devem ou não dizer sobre o estado do condomínio, bem como, que devem transmitir que sem o administrador tudo voltará ao caos2.
29. O Réu e a sociedade que representa, a Allwaysuccess, atuam concertadamente com a Plataforma 8, com uso das contas bancárias, para a compra das quinze frações da Yellowtel.
30. Em 17-06-2020, por Pedro Neves e Alcino Henriques foi proposto à Yellowhotels um plano de aquisição das fracções não habitacionais, pela sociedade Mediação imobiliária Vertigem Lda e HTL, sendo que, durante o período de negociações ocorreria um comodato de tais fracções pelos proprietários3.
31. O requerente C… pretendia um acordo com a P8 para a aquisição das referidas piscinas e com tal fim pretendia, se necessário, afastar das negociações M… e a sua esposa4.
4.2. Factos Não Indiciados
2 Aditado, nos termos do art.º5º nº2 a) do C.P.C., em decorrência da produção probatória, nomeadamente, dos testemunhos de C…, bem como, das imagens (prints do Facebook) juntas em ref.ª36359786 e 3635992.
3 Aditado, nos termos do art.º5º nº2 a) do C.P.C., em decorrência da produção probatória, nomeadamente, dos testemunhos de C… e H…, confirmado pelo teor do email de 17-06-2020 junto em ref.ª37974171.
4 Aditado, nos termos do art.º5º nº2 a) do C.P.C., em decorrência da produção probatória, nomeadamente, os prints do Facebook juntos em contestação dos autos principais.
A. O Réu comporta-se de forma autoritária, como se o condomínio fosse sua propriedade, violando o Regulamento do condomínio, viola as normas de segurança, ao manter as portas fechadas, só podendo ser abertas pelo rececionista, faz obras clandestinas em partes comuns dos Blocos 1 e 2, isenta o maior proprietário do CPR de pagar as quotas de condomínio, refente às suas quinze frações, que nos últimos cinco anos importam em mais de € 600.000,00, tudo isto é feito à revelia dos condóminos.
B. Que em 29 actue na defesa dos interesses desta sociedade, que têm sócios comuns, que têm a mesma sede e que utilizam conjuntamente todos os meios do condomínio.
C. O Réu procedeu a pinturas dos corredores do Bloco 2, com cores que vieram desvalorizá-lo.
D. As dívidas de proprietários ao condomínio estavam contabilizadas na assembleia do dia 22/02/2020, em € 1.645.459,59, sendo que algumas foram saldadas em negociações, que não passaram pelos meios normais, em violação do decidido na assembleia.
E. O Réu para além dos processos de insolvência aqui referidos, teve no passado idênticos processos, que levaram à perda de todos os seus bens e que o forçaram a mudar a sua residência do Norte para o Sul, passando a fazer do Clube Praia da Rocha a sua casa, onde foi adquirindo novos apartamentos, que, contudo, não tem em seu nome, mas sim no nome de outros, que lhe outorgaram procurações irrevogáveis.
F. Antes de setembro de 2019, já era administrador do condomínio, o Réu, M…, adquiriu duas viaturas novas (Docs.1 e 2), estando ambas em nome da filha: Ford Fiesta, …-ZF-43, ano Carro: 25/09/2019, início do seguro: 27/09/2019 e Mitsubishi ASX, … XD-82, ano do carro: 27/02/2019, início do seguro: 11/03/2019.
G. As contas do condomínio são utilizadas não em proveito exclusivo do CPR, mas em proveito da gestão que mais se adeque aos interesses do requerido.
H. Ao longo dos anos, até 2018, o condomínio do CPR, por força dos contratos de exploração celebrados com a vendedora a Eurimobe-Administração de Investimentos Imobiliários, Lda e por impositivo legal, era administrado pelas sociedades que, sucessivamente, o foram explorando, como unidade hoteleira e de turismo, o que lhes dava poderes que nem as Assembleias tinham possibilidade de contestar, só lhes restando a via judicial.
I. No curto período que mediou entre a entrada da atual administração e a saída da Vanguardseason, a última sociedade que fez a exploração turística do CPR, cuja administradora foi a Srª D. V…, que, quando tomou posse, encontrou o condomínio sem um euro e começou a ser contestada pelo grupo que fundou a Allwaysuccess-Administração de Condomínios e Serviços Conexos, Lda e a Plataforma 8.
J. A actual administração arquitectou um plano que, através da criação de duas sociedades a Allwaysuccess e a Plataforma 8 se propuseram comprar as quinze frações da Yellowtel, tendo como objetivo, através da venda da Fração … aos proprietários, angariarem dinheiro suficiente para pagarem todas as frações e ainda ganhariam alguns milhões.
K. A Plataforma 8 foi criada pelos mesmos cinco sócios da Allwaysuccess, sendo o sexto e o sétimo sócio o Administrador, M… e o Advogado do condomínio e destas duas sociedades, o Sr. Dr. R…, que, atualmente, tem como seu testa de ferro na Plataforma 8, o seu sobrinho M….
L. Existem muitos condóminos que receiam fazer os pagamentos das quotas, receosos do destino que pode ser dado ao seu dinheiro, mesmo correndo o risco de serem acionados judicialmente.
M. Os proprietários querem pagar mas, em face de tudo o que acabaram por saber sobre a administração, têm receio de o fazer, por recearem que os pagamentos sejam desviados das contas do condomínio e, também, porque muitas dessas dívidas são da responsabilidade das empresas que utilizaram os apartamentos, para a exploração hoteleira e turística.
N. O proprietário J… viu através de embargos de executado, reconhecido o direito de não pagar as quotas e despesas de condomínio, durante o período em que o seu apartamento se encontrava cedido para a exploração turística e, entretanto, continuam a ser-lhe exigidos pagamentos, contados desde 2012.
O. É do conhecimento geral que tem burlado alguns proprietários, usando os apartamentos para alojamento local e não lhes pagando o devido pela utilização.
P. O proprietário J… tinha uma dívida em cobrança de 29.408,28€ que foi reduzida para 12.000,00€ dívida que era da responsabilidade das sociedades que tiveram os apartamentos em exploração, como já se encontra decidido em processos e só sendo exigíveis as dívidas dos últimos cinco anos.
Q. Todo o produto da recuperação levado a cabo pelas administrações do Condomínio Clube Praia da Rocha – Bloco 1 e Condomínio Clube Praia da Rocha – Bloco 2, é lançado nas contas dos respetivos condomínios e depositado nas respetivas contas bancárias, tendo os condomínios as contas em dia.
R. Não existem dívidas a funcionários, entidades oficiais, fornecedores e prestadores de serviços.
S. Quem representou o condómino em causa votou favoravelmente as deliberações que depois tentou pôr em crise, tendo entanto, o condómino decidido pagar a dívida.
T. J… é condómino e proprietário de dois apartamentos que, para além de ser rigoroso e meticuloso, dispõe de formação profissional adequada, tendo sido diretor de uma das maiores empresas petrolíferas do mundo.
U. M… e S… não são condóminos.
V. Aonde está claramente referido – CLUBE PRAIA DA ROCHA - não havendo outra referência que o identifique.
W. De facto, desde o seu início que os dois Blocos tiveram uma Administração conjunta, sendo impossível que fosse feita por administrações diferentes, porque tudo é feito em comum: o acesso às piscinas e às outras partes sociais do Clube, as instalações do condomínio, os trabalhadores, tudo é comum, com exceção da apresentação do Relatório e Contas, que é feita em dois relatórios e em duas Assembleias, porque não seria realizável uma Assembleia-geral, em que participassem mais de seiscentos condóminos.
X. As partes comuns – como são as entradas e corredores – são de utilização comum aos dois Blocos, entrando-se pela entrada principal do Bloco 1, aonde está referenciada, em letras grandes, REPETE-SE, a identificação do CLUBE PRAIA DA ROCHA, seguindo-se para o Bloco 2, por um corredor coberto, ao lado das piscinas, entroncando no corredor e nas galerias que vêm da entrada principal deste Bloco 2, até aos elevadores e às saídas de emergência, que são as entradas e saídas para o Bloco 2, tal como consta das plantas anexas ao seu titulo constitutivo.
Y. Que em 19 o tenha sido por não terem informação - com exceção do Requerido e de alguns dos proprietários que constituíram a Allwaysuccess e a Plataforma 8 – só conhecendo o que dizia respeito ao seu titulo de propriedade e ao pagamento das despesas de condomínio.
Z. O Requerido e o seu Ilustre Mandatário são profundos conhecedores do CPR, no caso do Requerido porque há vários anos lá tem habitação permanente - desde que, por contingências da vida, foi declarado insolvente o que o levou a recomeçar no algarve - e onde presta serviços de obras, que vão da construção civil à prestação de serviços elétricos, bem como a administração de apartamentos, no regime de alojamento local, para além de a sua esposa intermediar, a nível da empresa aonde trabalha (a Vila Lusa) e a nível pessoal, a venda de apartamentos.
AA. A partir do momento em que os proprietários tiveram acesso aos e-mails, de todos eles, foi possível trocarem informações, que os levaram a concluir que os seus direitos estavam a ser violados, apercebendo-se de que não era infundada a convicção dos primeiros proprietários, quando referiam que tinham adquirido o direito de utilizarem as piscinas, sem, contudo apresentarem provas documentais que o confirmassem, até que tiveram acesso ao processo de promoção de vendas das frações do empreendimento, que especificava todas as suas características, a tipologia de todos os apartamentos, o mobiliário de cada um, as plantas, os contratos de exploração e tudo o que dizia respeito ao empreendimento, salientando que ofereciam aos clientes (neste caso, os compradores) o uso das partes sociais do Clube, nas quais se incluíam as piscinas, que eram o chamariz para levaram os proprietários a comprarem as frações.
BB. Que em 20 seja porque a partir de 2018, os proprietários passaram a ser impedidos de utilizar as piscinas.
CC. Os sócios que fundaram a Allwaysuccess terem fundado a Plataforma 8, com o objetivo de comprarem as piscinas para as venderem aos proprietários, propondo-se comprá-las com o dinheiro que estes, previamente lhes entregassem.
DD. Quando a Allwaysuccess foi constituída, para assumir a administração do CPR, esta referia que o seu mandato seria exercido até à realização da Assembleia-geral que fosse marcada para a eleições de uma nova administração, com a promessa de que seriam convidadas três firmas para apresentarem propostas, o que não veio a acontecer, porque não foi aberta nenhuma consulta.
EE. Alguns dos sócios fundadores, quando se aperceberam de que os objetivos da Allwaysuccess passaram a ser diferentes daqueles que tinham sido invocados para constituir a sociedade, acabaram por se afastar, por não querem pactuar com os interesses que os norteavam, que eram os de, através da Plataforma 8, comprarem as piscinas e as outras frações, para as venderem aos proprietários.
FF. O Requerido e a sociedade de que é sócio, abusando da boa-fé dos proprietários propuseram que o mandato fosse de três anos, alegando que seria mais vantajoso para o condomínio, quando o seu objetivo era o de preparar as melhores condições para concluírem o negócio.de compra das frações da Yellowtel, que previam realizar nesse prazo.
GG. Tudo foi programado com o objetivo de, através da Allwaysuccess, controlarem a administração do CPR, para facilitar à Plataforma 8 a compra das piscinas e das restantes partes privadas, propriedade da Yellowtel, porque uma das contrapartidas prometida pela Plataforma 8, para a conclusão do negócio, era a de se responsabilizarem pelas dividas que a Yellowtel tivesse para com o condomínio do CPR, como consta do nº 2 da Cláusula 5ª do CPCV.
HH. Essa programação passou por, na atribuição de quotas segundo a permilagem, na Assembleia do dia 22/02/2020, não terem incluído frações da Yellowtel e, no que dizia respeito à fração das piscinas (Fração F, Bloco 1), terem referido que essa fração não pagaria quotas, por serem de uso comum.
II. Os sócios da Plataforma 8 começaram a tentar impedir-lhes o acesso pela entrada principal do CPR e a de circularem pelos corredores e galerias de acesso ao Bloco 2, invocando que aquele espaço era privado e que as entradas eram por umas portas laterais, que os requerentes consideram como sendo as saídas de emergência.
JJ. A administração de condomínio procedeu ao carregamento de 18 extintores, que foram descarregados propositadamente, as remodelações dos elevadores prometida pelas anteriores administrações serão feitas em breve, tem as contas em dia, melhorou as condições dos colaboradores dos condomínios, por exemplo as funcionárias administrativas nem casa de banho com água tinham, agora estão num espaço com todas as condições.
KK. O mesmo sucede relativamente à manutenção, desde logo os grupos hidropressores que foram arranjados, uma vez que estavam em estado critico, existe análise e controlo da água do prédio para evitar risco de contaminação da água dos depósitos, como já sucedeu no passado.
LL. Tem sido feita a manutenção dos sistemas de saneamento, devido aos entupimentos que por vezes sucedem nas condutas.
MM. Procedeu à realização de seguro de ambos os condomínios, o que nem sequer existia quando foi eleita administradora dos condomínios.
NN. Os requerentes sabem que as áreas que denominam de áreas sociais, não são área comuns, e sempre foram exploradas por empresas que exerciam a administração dos prédios, cuja receita revertia para essas mesmas empresas e não para os condomínios ou para os condóminos.
OO. Os requerentes diligenciaram junto de agências imobiliárias para mediar o negócio de compra das mesmas frações cuja compra e venda se opõe.
PP. Enquanto foram as empresas de gestão hoteleira a gerir estes espaços, nunca houve problemas de acessibilidades, ao contrário da realidade atual, em que estas frações foram adquiridas pela Plataforma 8 e que os seus sócios estão a proibir os proprietários de acessos a esta Entrada/Saída do Bloco 2, assim como se intitulam donos da receção onde se encontra o Posto de Segurança.
QQ. Os promitentes compradores (condóminos) que pretendem adquirir as piscinas celebraram contratos promessa com a sociedade promitente vendedora e deram autorização e ordem expressa à administração de condomínio para proceder à entrega do pagamento/sinal que efetuaram através da referida conta titulada pelo Condomínio Clube Praia da Rocha – Bloco 1 para cumprimento do contrato promessa.
RR. Aquela conta bancária serviu apenas para que a administração de condomínio ficasse como depositária dos valores que fossem entregues pelos interessados na compra das piscinas (que não é o caso dos requerentes), tal como sucede com vários contratos promessa de compra e venda, por exemplo em que as imobiliárias ficam como depositárias do sinal.
SS. O dinheiro daquela conta bancária não é do condomínio, mas apenas dos promitentes compradores que ali depositaram o sinal e princípio de pagamento das piscinas.
Contrato esse que se destina à compra de uma fração autónoma, no caso à referida fração “F”.
TT. Já antes e depois do encerramento da conta os promitentes compradores passaram a entregar o sinal para a conta bancária indicada pela sociedade promitente vendedora.”

2 – Objecto do recurso.

Questões a decidir, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações, nos termos do artigo 635.º, n.º 4 do CPC:
1.ª Questão - Saber se há efeito cominatório quanto à verificação das excepções.
2.ª Questão – Saber se há ilegitimidade ativa.
3.ª Questão – Saber se há ilegitimidade passiva.

3 - Análise do recurso.

1.ª Questão- Saber se há efeito cominatório quanto à verificação das excepções.
O recurso tem por objecto a parte da sentença em que os requeridos Condomínios da Praia da Rocha I e II foram condenados a disponibilizar, para consulta, a sua contabilidade aos aqui requerentes.
Alega o recorrente que “[a]pós a oposição, foi ordenado: «Palavra aos AA. quanto à matéria de excepção da oposição» e só durante a audiência de julgamento foi apresentada resposta com a posição dos requerentes quanto às invocadas excepções” e conclui que “Apesar de previamente notificados para exercer o contraditório sobre as exceções deduzidas na oposição ao procedimento cautelar os requerentes não se pronunciam atempadamente, nem o fazem espontaneamente no início da audiência, tem o efeito cominatório de se verificarem as exceções de ilegitimidade e em consequência ser o requerido absolvido da instância”.
Quid juris?
Importa desde logo referir que o cominatório da falta de impugnação é referente a factos e não a conclusões jurídicas.
Nesta medida, no caso concreto é despiciendo analisar a problemática em causa, pois as excepções invocadas – ilegitimidade activa e passiva – correspondem à interpretação da posição das partes que devem estar em juízo, sem que tais posições dependam de qualquer facto controvertido, ou seja, a situação factual a ter em conta é pacífica, sendo que a divergência incide apenas em argumentos jurídicos.
Com efeito, é pacífica a qualidade de gerente de M…, da Sociedade Allwaysuccess- Administração de Condomínios e Serviços Conexos, Lda, sociedade que administra o condomínio do Clube Praia da Rocha, Bloco 1 e Bloco 2 e é pacífica a qualidade de condóminos dos AA.
Em suma:
No caso dos autos, é inútil discutir a problemática doutrinal e jurisprudencial relativa às consequências da omissão de impugnação da matéria de excepção em caso de inadmissibilidade legal de réplica, pois não há factos controvertidos subjacentes à apreciação das excepções.

2.ª Questão - Saber se há ilegitimidade ativa.

Por outro lado, invoca o recorrente a ilegitimidade dos requerentes, por inexistir qualquer fundamento para a coligação, defendendo que para a qual não basta uma mera ligação entre os prédios, mas é necessário uma conexão relativa às matérias que estão em discussão (contabilidade dos condomínios), o que não é caso relativamente às matérias ou assuntos que acima enunciados como sendo autónomas e distintas relativamente a cada condomínio, pois o facto de uma sociedade desempenhar simultaneamente as funções de administradora de dois condomínios não se pode confundir que se trate de uma mesma administração. Cada um dos condóminos tem a sua própria administração que, por acaso, pode e é exercida pela mesma sociedade.
Diz ainda que, ao admitir-se que essa ligação fosse suficiente, significaria então autorizar os condóminos de um condomínio a consultar a contabilidade de um outro condomínio distinto (do qual não são comproprietários das áreas comuns), sem que exista qualquer direito ou interesse legitimo que o justifique.
Vejamos:
Nos termos do artigo 36.º do Código de Processo Civil:
1 - É permitida a coligação de autores contra um ou vários réus e é permitido a um autor demandar conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes, quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência.
2 - É igualmente lícita a coligação quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas.
3 - É admitida a coligação quando os pedidos deduzidos contra os vários réus se baseiam na invocação da obrigação cartular, quanto a uns, e da respetiva relação subjacente, quanto a outros.
Como diz Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. 1.º, página 99 e Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, página 146: «a coligação traduz-se praticamente na cumulação de várias ações conexas visto que os autores se juntaram, não para fazer valer a mesma pretensão ou para formularem um pedido único, mas para fazerem valer, cada um deles, uma pretensão distinta e diferenciada».
E Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. 1.º, página 180: «Com a coligação pretende a lei que da congregação de esforços dos vários interessados se alcance a melhor solução da questão de direito suscitada, se obtenha a máxima eficiência do contraditório, e a uniformidade de decisão quando se suscitem idênticas questões, além da economia processual e do prestígio do tribunal que não poderá deixar de ser afetado por soluções divergentes quanto a iguais pressupostos».
Trata-se, assim, de interpor um só processo judicial, ainda que se formulem pretensões distintas e diferenciadas para cada um deles por razões de economia processual.
Ora, no caso dos autos, verificamos que a apreciação do pedido em causa depende essencialmente dos mesmos factos e da interpretação e aplicação das mesmas normas legais.
E nem se diga que se trata de autorizar a informação relativa a um condomínio alheio, pois o que os AA pedem e o que se defere é, obviamente, a obtenção de informação relativa ao seu condomínio.
Desta forma, parece-nos justificada pela economia processual que tenha sido intentado um único processo, improcedendo também aqui o recurso.

3.ª Questão – Saber se há ilegitimidade passiva.

Importa antes de mais referir o seguinte:
A decisão recorrida decretou a providência contra os Condomínios da Praia da Rocha I e II, os quais não foram demandados e não intervieram no processo.
Daqui decorre que os Condomínios foram direta e efetivamente prejudicados pela decisão proferida, com total ausência de contraditório.
A decisão recorrida, ao decretar a providência, decidiu à revelia dos interessados, que vieram a ser afetados pela decisão sem terem tido a oportunidade de intervir no processo.
Tal decisão viola o direito a um processo equitativo, previsto na parte final do n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, norma que estatui que todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão mediante processo equitativo.
O princípio do contraditório, por seu turno, constitui um dos princípios fundamentais do processo civil e encontra-se consagrado no artigo 3.º do CPC, preceito que dispõe o seguinte:
1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2 - Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
4 - Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.
Com relevo para os presentes autos, extrai-se deste preceito que não pode o tribunal resolver o conflito de interesses subjacente à ação sem que os interessados sejam chamados para deduzir oposição, devendo o contraditório ser mantido ao longo de todo o processo, só nos casos excecionais previstos na lei podendo ser tomadas providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
Isto por um lado.
Por outro lado e em termos lógicos como questão anterior, cremos que o recorrente tem razão quando invoca a sua ilegitimidade e pede que, como parte ilegítima na ação, seja o mesmo ser absolvido da instância.
Para tal alega que os requerentes não demandaram a sociedade “Allwaysuccess – Administração de Condomínio e Serviços Conexos, Lda”, que não foi demandada, nem foi citada, nem teve qualquer intervenção processual no procedimento cautelar e que só foi demandado M… no formulário da plataforma “Citius”.
Vejamos:
Em primeiro lugar importa referir que a sentença considerou o seguinte: “No tocante à ilegitimidade passiva, igualmente nos parece claro que os requerentes indicam expressamente que os sujeitos passivos são os Condomínios da Praia da Rocha I e II, representados pela Allwaysucess cujo gerente é M…” (E acabou por condenar os Condomínios da Praia da Rocha I e II a disponibilizar, para consulta, a sua contabilidade aos aqui requerentes).
O recorrente discorda dessa análise e na sua contestação, como agora no recurso invoca que não deve ser ele demandado - como gerente -mas sim a sociedade administradora pelo que é parte ilegítima.
Cumpre decidir:
Quanto ao conceito de legitimidade, enquanto pressuposto processual, dispõe o art. 30º, do CPC, que:
1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.
2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
Como refere Castro Mendes, in “Direito Processual Civil”, Vol. II, págs. 187 e 192. “a legitimidade é uma posição de autor e réu, em relação ao objecto do processo, qualidade que justifica que possa aquele autor, ou aquele réu, ocupar-se em juízo desse objeto do processo.” (...) Assim, a legitimidade da parte depende da titularidade, por esta, dum dos interesses em litígio”.
Ou como refere Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, 2ª edição, Vol. I, pág. 41: “a questão da legitimidade é simplesmente uma questão de posição quanto à relação jurídica substancial. As partes são legítimas quando ocupam na relação jurídica controvertida uma posição tal que têm interesse em que sobre ela recaia uma sentença que defina o direito.”
Importa analisar a questão de saber quem foi demandado na acção e quem deve ser demandado na acção, quanto ao pedido em causa: a condenação a disponibilizar, para consulta, a contabilidade do condomínio.
Da análise da petição inicial resulta que na parte passiva consta o seguinte:
“contra: “M…, gerente da Sociedade Allwaysuccess - Administração de Condomínios e Serviços Conexos, Lda, a citar na Estrada da Rocha, Lotes 2/4/6 R/C Loja 2, Praia da Rocha, 8500-804 Portimão, na qualidade de Administrador do condomínio do Clube Praia da Rocha, Bloco 1 e Bloco 2, que exerce, como gerente, em nome da Allwaysuccess - Administração de Condomínios e Serviços Conexos, Lda”.
Desta fórmula apenas resulta com segurança que a acção é posta contra “M…”, mas não resulta que se pretende demandar a sociedade Allwaysuccess - Administração de Condomínios e Serviços Conexos, Lda” ou os próprios condomínios.
Ou seja, temos que concluir como diz o recorrente que a acção foi proposta exclusivamente contra ele.
Sabemos que quem é administradora do condomínio é a sociedade sendo o recorrente apenas gerente dessa sociedade.
A legitimidade processual, constituindo uma posição do réu em relação ao objecto do processo, afere-se em face da relação jurídica controvertida, tal como o autor a desenhou.
No caso em apreço, os autores configuram a relação controvertida pretendendo acionar o dever de informação dos condóminos.
Sendo esse dever da empresa administradora a quem foi confiada a administração dos condominíos, seria esta que deveria estar em juízo por ser a competente para prestar os esclarecimentos, disponibilizando a informação pretendida, relativa ás despesas, gastos etc.
Assim, não é o recorrente que é sujeito desta relação controvertida pelo que é parte ilegítima na ação, nos termos dos arts. 30º do CPC.
A legitimidade constitui um pressuposto processual de cuja verificação depende que o tribunal conheça do mérito da causa, e profira, acerca dos pedidos deduzidos, uma decisão de fundo.
Daí que, em conformidade com o afirmado e o disposto nos arts. do C.Proc.Civil, deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância, nos termos do art. 278º nº 1 al. d) do CPC.
Os pedidos deduzidos não podem proceder contra o M… e não podem ser decididos sem a presença na acção da empresa administradora dos condomínios, pelo que a ausência na lide dessa empresa impõe a improcedência do peticionado, indeferindo-se a providência requerida.
Tanto basta para proceder o recurso.

4 - Dispositivo.

Pelo exposto, acordam as juízas da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso e consequentemente julgar o réu parte ilegítima e absolvê-lo da instância e porque não está nos autos quem asseguraria a legitimidade passiva revogar-se a decisão proferida.
Custas pelos requerentes.
Évora, 30.06.2021
Elisabete Valente
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
VOTO DE VENCIDA
Voto vencida pela seguinte ordem de razões:
1 – O recorrente M… não foi condenado no dispositivo da sentença sob recurso.
2 - O tribunal a quo condenou os Condomínios da Praia da Rocha I e II, resultando bem explícito da sentença que o tribunal a quo considerou que o recorrente não tinha qualquer responsabilidade na demanda.
3 – Pelo que o recurso foi interposto por quem não tinha interesse em agir para efeitos de recurso e não podia ser admitido.
4 –Não devendo o recurso ser admitido, o tribunal de segunda instância não pode conhecer do recurso.
5 - Ainda que o Tribunal da Relação constate uma nulidade da sentença recorrida, por condenação de pessoa jurídica que não interveio na ação, subsiste impedido de conhecer um recurso interposto por uma outra pessoa (singular) que tinha sido absolvida pelo tribunal recorrido.
6 – Adianta-se que se o recurso pudesse ser conhecido, a nulidade decorrente de eventual excesso de pronúncia teria de ser conhecida antes da apreciação do fundo. Cristina Maria Xavier Machado Dá Mesquita