Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3772/18.2T8FAR.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: ASSÉDIO
REQUISITOS
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
PERICULUM IN MORA
FUNÇÕES
Data do Acordão: 06/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. O objectivo do procedimento cautelar não se confunde com o fim último da acção judicial comum. Naquele apenas se pretende a adopção de providências adequadas a assegurar a efectividade do direito ameaçado – não a declaração definitiva e a imposição do direito lesado.
2. O assédio moral caracteriza-se pela ocorrência de comportamentos hostis, humilhantes ou vexatórios, pela reiteração de tais comportamentos e pelas consequências na saúde física e psíquica da vítima e sobre o seu emprego.
3. A condenação não pode ser genérica e abstracta, sem qualquer concretização dos actos que o condenado deverá deixar de praticar e deixando na incerteza sobre qual o exacto alcance do caso julgado.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Faro, D… propôs providência cautelar não especificada, com pedido de dispensa de audiência prévia, contra I… e, invocando assédio moral, pediu que fossem decretadas as seguintes providências:
1. “Seja reposto o regime de isenção de horário de trabalho à ora requerente, e pagos os valores mensais que lhe deixaram de ser pagos a partir de 26/9/2018 e repostos os referidos valores mensais, acrescido de juros desde a data de citação.
2. Seja declarado eticamente incompatível e não exigível o exercício da ora requerente das funções de Psicóloga na requerida, não exercendo a qualidade de Psicóloga na requerida.
3. A retoma plena pela ora requerente de todas as funções de Directora Técnica do Lar de Infância e Juventude e Creche e Jardim de Infância e elemento do Conselho Pedagógico do 1º ciclo e as demais funções que desempenhava antes.
4. Proporcionar à requerente as boas condições de trabalho a nível moral como o eram antes do dia em que a requerente terminou a relação amorosa com o Presidente desta requerida, parando o stalking e este de a perseguir e assediar, passando a ser tratada com respeito.
5. Ser declarado que a Requerida violou o consagrado nos artigos 115.º, 118.º, 126.º, 127.º, números 1, alíneas a) e c) e 2 e 129.º, número 1, alínea b) do C.T./2009 do Código do Trabalho nomeadamente o dever de ocupação efectiva da Requerente, porquanto em sede de acção principal ir-se-á demandar a aqui requerida numa indemnização nunca inferior a € 50.000,01 (cinquenta mil euros e um cêntimo) decorrente do assédio e stalking de que a aqui requerente está a ser vítima por parte da requerida, na pessoa do seu presidente.”

Indeferido o pedido de dispensa prévia do Requerido, este ofereceu a respectiva oposição, fundamentalmente impugnando a matéria alegada pela Requerente e concluindo pela improcedência da causa.
Realizada a audiência final, com produção da prova requerida pelas partes, a sentença julgou a providência parcialmente procedente e, em consequência, determinou que no desempenho da actividade:
a) o Requerido não exija à Requerente o exercício das funções de psicóloga;
b) o Requerido atribua à Requerente a totalidade das funções de directora técnica do Lar e Infância e da Creche de Faro/Jardim de Infância;
c) sem prejuízo do poder disciplinar que lhe assiste, o Requerido trate a Requerente com respeito, abstendo-se de praticar actos que a humilhem, intimidem e desestabilizem o ambiente de trabalho.

O Requerido apresenta-se a recorrer desta sentença, concluindo:
1. A recorrida foi admitida com a categoria profissional de psicóloga.
2. Em 2004, por aditamento ao contrato de trabalho passou a exercer funções, também, de directora técnica do Lar de Infância e Juventude do recorrente.
3. Desde há oito anos, a recorrida acumulou tais funções com as de directora técnica da Creche e Jardim de Infância do recorrente.
4. A recorrida continuou a exercer funções como psicóloga, pelo menos nas escalas que efectuava aos fins-de-semana.
5. O recorrente em 26.10.2018 redistribuiu as funções por forma a que a recorrida mantivesse a direcção técnica do Lar de Infância e Juventude, cessasse a direcção técnica da Creche e Jardim de Infância e passasse, também, a efectuar o acompanhamento psicológico dos utentes internados.
6. A recorrida sempre manteve a categoria profissional de psicóloga e sempre exerceu funções inerentes a tal categoria em maior ou menor grau, ao longo do tempo.
7. O exercício de funções de directora de Lar ou de Creche não constitui categoria profissional prevista no CCTV aplicável (entre a CNIS e a FNE, relativa às Instituições Particulares de Solidariedade Sociedade, cuja revisão global vem publicada no BTE 39/2017, página 1948, já que o requerido tem tal categoria e esse IRCT foi estendido pela portaria nº 289/2018), nem nesse CCTV existe categoria de Directora.
8. Mesmo que a recorrida tivesse a categoria de Directora era lícito ao recorrente mantê-la a exercer tais funções apenas no Lar Infância de Juventude e não na Creche.
9. Não foi diminuída a categoria profissional da recorrida, nem a sua remuneração, nem a sua carga horária e foram-lhe atribuídas funções, umas que já exercia e outras compatíveis com a sua categoria profissional e formação académica.
10. Da matéria provada referente à direcção da Creche não consta qualquer expressão relativa a categoria profissional, mas só a funções em acumulação.
11. A nomeação para Secretário-geral de um trabalhador subordinado da recorrida não afecta a sua categoria profissional, a sua posição hierárquica ou a sua dignidade profissional, constituindo tal um direito da entidade patronal à organização do trabalho.
12. Não se justifica a medida de ordenar ao recorrente a não exigência de funções de psicóloga ou de impor que a recorrida se mantenha directora técnica, simultaneamente do Lar de Infância e Juventude e da Creche e Jardim de Infância.
13. As medidas tomadas pelo recorrente, quer individualmente, quer no seu conjunto destinam-se à melhor organização do trabalho, não tiveram qualquer objectivo de afectar a dignidade da recorrida ou intimidá-la ou criar qualquer ambiente hostil, humilhante ou desestabilizador, não constituindo assédio a que se refere o artigo 29º do Código do Trabalho.
14. Não se justifica o decretamento da medida a que se refere a c) da douta decisão recorrida e o recorrente sempre respeito os direitos da recorrida.
15. A decisão recorrida merece ser revogada e substituída por outra que absolva o recorrente do pedido.
16. Não se verificam os requisitos para o decretamento da providência cautelar, por não direito violado, nem qualquer perigo de violação de direitos da recorrida.
17. Foram violadas as disposições conjugadas dos artigos 362º do CPC e artº 29º, 118º nº 1 e 2 e 129º nº 1 b), c) e e) (a contrario sensu) do Código do Trabalho.

Respondendo, a Requerente pugnou pela manutenção do decidido, concluindo:
1. A recorrida foi admitida pela recorrente com a categoria profissional de psicóloga, mas em 2004 foi promovida à categoria de directora técnica do Lar de Infância e Juventude e há oito anos à categoria profissional de directora técnica da Creche e Jardim de Infância do recorrente.
2. O recorrente retirou a categoria profissional de directora técnica da Creche e Jardim de Infância em 26.10.2018 e de forma a desvirtuar a direcção técnica do Lar de Infância e Juventude, promoveu uma inferior hierárquica da recorrida de forma a ficar acima da recorrida e abaixo do presidente, o que equivale a uma redução da categoria profissional.
3. Reduziu esta, de novo à categoria de psicóloga para efectuar apenas o acompanhamento psicológico dos utentes.
4. Não era lícito ao recorrente retirar qualquer categoria profissional à recorrida, fosse referente ao Lar Infância de Juventude, fosse à Creche, retirando-lhe a categoria ou retirando-lhe conteúdo.
5. As decisões da aqui recorrente que foram dadas como provadas diminuíram a categoria profissional da recorrida, a sua remuneração, alteraram a sua carga horária e foram-lhe atribuídas funções, incompatíveis com a sua categoria profissional.
6. Da matéria dada como provada, referente à direcção da Creche quando se refere às funções que lhe foram retiradas tem a ver com o desvirtuar da categoria, porquanto um trabalhador não mantém uma categoria se todas as funções da mesma lhe são retiradas, pelo que ao retirar todas as funções retira-se a categoria profissional.
7. A nomeação para Secretário-Geral de um trabalhador subordinado da recorrida afecta a sua categoria profissional, a posição hierárquica e a sua dignidade profissional, estando disso interdita a entidade patronal nos termos do artº 129º nº 1 aliena e).
8. Pelo que só a decisão de ordenar ao recorrente a não exigência de funções de psicóloga e de impor que a recorrida se mantenha directora técnica, simultaneamente do Lar de Infância e Juventude e da Creche e Jardim de Infância é a única legal e justa.
9. Até porque as medidas tomadas pelo recorrente destinaram-se a afectar a dignidade da recorrida, a intimidá-la, a criar um ambiente hostil, humilhante e desestabilizador, constituindo assédio a que se refere o artigo 29º do Código do Trabalho.
10. São de manter todas as medidas da douta decisão recorrida e deve o recorrente ter respeito pela recorrida e pelos seus direitos, por se verificarem os requisitos para o decretamento da providência cautelar, pelos direitos desta, e haver perigo de violação de direitos e porque é isso que a lei expressa.
11. Não foram violadas as disposições conjugadas dos artigos 362º do CPC e artº 29º, 118º nº 1 e 2 e 129º nº 1 b), c) e e) (a contrario sensu) do Código do Trabalho.
12. Ao invés se o aqui recorrente está a recorrer em matéria de facto e queria que fossem dados como provados factos de forma diferente àquela em que o foram, deveria ter oferecido a transcrição das declarações ou, em alternativa os minutos dos depoimentos gravados e demais termos do artº 640º do CPC.
13. Ao não cumprir os requisitos do artº 640º, nomeadamente no seu nº 1, do CPC, deve o presente recurso na parte que pretendia que a matéria dada como provada fosse outra que não esta, deve ser liminarmente indeferido e nem sequer subir.

Produziu o Ministério Público o respectivo parecer.
O relator indeferiu o pedido de inutilidade superveniente da instância, formulado pelo Requerido, por ter despedido a trabalhadora já após a prolação da sentença recorrida, visto que tal decisão foi entretanto sujeita a impugnação judicial.
Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir.

A matéria de facto provada foi assim estabelecida na sentença recorrida:
1. O I… é uma instituição particular de solidariedade social que acolhe, educa e integra crianças e jovens encaminhados pela segurança social e/ou pela Comissão de protecção de crianças e jovens e inscritos por encarregados de educação.
2. Por acordo escrito, junto a fls. 92 vº e que aqui se reproduz, em 1 de Junho de 2003, a Requerente foi admitida pela Requerida ao seu serviço, atribuindo-lhe a categoria de Psicóloga, “ (…) para prestar a actividade decorrente das funções inerentes àquela categoria e que se encontram definidas na PRT para as instituições particulares de solidariedade social publicado no Boletim de trabalho e emprego (…)” mediante o pagamento da contrapartida mensal ilíquida de € 1.000,00, 35 horas semanais.
3. Por aditamento realizado em 3 de Fevereiro de 2004, junto a fls. 93 dos autos e que se reproduz, a Requerida atribuiu à Requerente a categoria de Directora Técnica do Lar de Infância e Juventude.
4. Desde há, pelo menos, 8 anos a Requerente passou a exercer, também, as funções de Directora Técnica da Creche e Jardim de Infância as quais cumulou, até 26 de Outubro de 2018, com as funções de Directora Técnica do Lar de Infância e Juventude.
5. Tem como seu superior hierárquico, A…, Presidente da Direcção do Requerido.
6. Em 2017 o Requerido emitiu um “Agradecimento pela dedicação e coordenação da todo o trabalho em prol das crianças como Directora Técnica” à ora Requerente.
7. Durante tempo não concretamente apurado e até Maio de 2018, Requerente e Presidente da Direcção do Requerido mantiveram uma relação amorosa.
8. No dia 8/5/2018, a Requerente, o Presidente da Direcção do Requerido e uma Psicóloga do I… foram ao Porto tendo em vista assistirem à Conferência “Adolescência, Respostas em Comunidade Terapêutica” na Fundação Dr. António Cupertino de Miranda no Porto, realizada pela ART – Associação de Respostas Terapêuticas.
9. Em período não concretamente apurado de Setembro de 2018, a A. esteve em situação de incapacidade temporária.
10. Por causa da mesma decorreu na segurança social processo de verificação de incapacidade temporária.
11. No regresso ao trabalho após a baixa médica a Requerente verificou que o seu gabinete tinha sido mudado de sítio.
12. No dia 26 de Setembro de 2018 a Direcção do Requerido remeteu à Requerente o escrito de fls. 16vº comunicando-lhe “(…) analisada a situação actual, deixou de se justificar a manutenção da isenção de horário de trabalho que tem vigorado na relação laboral estabelecida com esta instituição e V. Exa..
Assim sendo, logo que se apresente ao trabalho, o horário que deverá praticar é o seguinte:
Entrada às nove horas e saída às dezassete horas, de segunda a sexta-feira, com intervalo para almoço das treze às catorze horas.
Deverá ainda prestar trabalho rotativamente com as demais técnicas ao domingo, para as visitas dos familiares dos utentes, mediante compensação legal para o efeito.
Considerando o término da isenção de horário de trabalho, será retirada a quantia paga a mais devido a tal isenção, no valor mensal de 418,20 Euros. (…)”.
13. Desde Junho de 2014 que a Requerente recebia mensalmente o suplemento de isenção de horário.
14. Por decisão do Presidente da Direcção do Requerido que comunicou aos serviços administrativos que a Requerente a passaria a ter, sem deliberação da direcção.
15. No dia 23 de Outubro de 2018 o Requerido comunicou à Requerente que “(…) sendo a Dr.ª M…a Directora Pedagógica da Creche, e sendo ela quem supervisiona de perto o funcionamento de tal resposta social nas suas múltiplas facetas, será suficiente que as reuniões a realizar com os encarregados de educação dos respectivos utentes sejam feitas apenas na presença da Directora Pedagógica, motivo pelo qual fica V. Exa dispensada de estar presente nas reuniões da mencionada resposta social que, futuramente, venham a ocorrer com os encarregados de educação.(…)”.
16. No dia 29 de Outubro de 2018 foi comunicado à Requerente decisão da Direcção do Requerido, datada de 26 do mesmo mês, por força da qual esta decidiu manter a Direcção Técnica do Lar de Infância e Juventude atribuída à Requerente e atribuir a Direcção técnica da Creche de Faro e do pré-escolar/Jardim de Infância à educadora M….
17. Bem assim que “(…) considerando que essa resposta social e educativa diz respeito a internato, sendo pois a instituição o principal apoio de que beneficiam essas crianças e jovens os relatórios deverão ser semanais, devendo ser entregues até à 4ª feira da semana seguinte àquele a que respeitarem, possibilitando-se assim um controlo mais atempado por parte da direcção das actividades a cabo e dos resultados obtidos (…)”.
18. Na mesma comunicação a Requerente impunha às directoras técnicas da Creche de Faro e do pré-escolar/jardim-de-infância, M…, e à Directora do 1.º Ciclo do Ensino Básico, A…, a realização mensal de relatórios sintéticos de actividades efectivamente desenvolvidas e resultados obtidos.
19. E informou a Requerente que “(…) deverá também fazer acompanhamento psicológico dos utentes internados LIJ(…)”.
20. O Requerido retirou, também, à Requerente funções no Conselho Pedagógico do 1.º ciclo que até aí vinha desempenhando.
21. O Requerido deu ordens por escrito à Requerente.
22. No dia 24 de Outubro de 2018 o presidente da direcção do Requerido solicitou à Segurança Social “parecer cerca do desempenho da Directora Técnica do I… e relacionamento da mesma com a vossa Unidade”, conforme e-mail de fls. 22 vº.
23. Em resposta a Segurança social remeteu o parecer de fls. 21 vº e 22 cujo teor se reproduz.
24. No dia 29 de Outubro de 2018 o presidente da direcção do Requerido remeteu o dito parecer à Requerente solicitando-lhe que, em cinco dias, dissesse o que tivesse por conveniente quanto ao mesmo.
25. No dia 29 de Outubro de 2018 o Requerido comunicou à Requerente a nomeação de Ma… para, pelo prazo de seis meses, exercer as funções de secretária geral da instituição, em acumulação com as funções que já desempenhava, cabendo-lhe “(…) a) Dirigir, exclusivamente na dependência da direcção, todos os seus serviços; B) Apoiar a direcção, preparando as questões que por ela devam ser decididas; C) Seguir junto das diversas coordenadoras a execução dos respectivos programas de acção, reunindo com as mesmas, para o efeito, sempre que necessário; D) Elaborar as actas das reuniões da direcção. (…)”.
26. Até àquela data integravam a equipa liderada pela Requerente C… como Técnica de Serviço Social e como psicóloga clinica, Dra. Ma….
27. No dia 30 de Outubro de 2018 a Requerente remeteu ao Requerido o e-mail de fls. 23 cujo teor se reproduz.
28. Em data que não se apurou o Requerido retirou à Requerente a autorização para estacionar dentro dos seus terrenos.
29. No dia 12-11-2018, a Requerente, às dez horas e vinte minutos saiu do seu gabinete para se dirigir ao seu carro onde ficaram esquecidos os seus óculos de trabalho.
30. Pelas 11 horas e 56 minutos, a requerente recebeu um e-mail do Presidente do Instituto, com o seguinte teor: “(…) verifica-se que, na data de hoje, entre as dez horas e vinte e dois minutos e as dez horas e quarenta e quatro minutos V. Exa saiu das instalações do Instituto sem que para tal estivesse autorizada e sem qualquer justificação.
Solicitamos que esse tipo de conduta não volte a ocorrer, por quanto a repetição da mesma dará lugar a faltas injustificadas, com as repercussões negativas que daí podem advir.(…) ir-se-á fazer o respectivo desconto na retribuição.
31. Em 21 de Novembro de 2018 o presidente da direcção do Requerido remeteu à Requerente o e-mail cujo teor consta de fls. 44 a 48 vº solicitando-lhe que se pronunciasse sobre os assuntos que nele se referiam.
32. A Requerente respondeu ao mesmo em 22 de Novembro de 2018 conforme consta de fls. 44.
33. Em 03 de Dezembro de 2018 o presidente da direcção do Requerido submeteu à apreciação daquele órgão a apreciação do exercício das funções da Requerente, conforme consta de fls. 83 a 91 tendo-se em tal reunião decidida, nos termos do disposto no art.352º do Código de Trabalho, a instauração de processo de inquérito à requerente e a suspensão da mesma do exercício do cargo de directora técnica, mantendo o cargo de psicóloga.
34. Por causa das descritas condutas do requerido a Requerente chora muitas vezes, sente-se deprimida, intranquila no exercício das suas funções e tem medo do que possa acontecer a seguir, designadamente de vir a ser despedida.
35. Em Outubro de 2018 foram diagnosticados à Requerente “ sintomas de depressão”.
36. Há pelo menos cinco anos que, ao domingo, o Requerido instituiu escala de serviço de modo a que esteja sempre presente na instituição uma trabalhadora licenciada na área de psicologia ou área social a fim de, aquando das visitas, poder contactar com as famílias dos educandos e avaliar o tipo de relacionamento entre ambos e a resolver problemas que as famílias pudessem suscitar.
37. A Requerente foi incluída na escala, tendo aceitado fazer parte dela.
38. Porém nos domingos em que estava escalada a Requerente não se deslocava à instituição, deixando instruções aos auxiliares de que estava disponível telefonicamente.
39. Quando escalada ao domingo, a Requerente gozava a folga à segunda-feira.
40. Nos últimos três anos a Requerente deixou de programar com os auxiliares actividades para os educandos, deixou de, junto dos auxiliares, recolher informações sobre os educandos, de verificar nas residências dos educandos o estado de arrumação e higiene.
41. Nos últimos três anos são os auxiliares de educação quem propõem à direcção actividades para os educandos.
42. No relacionamento com a equipa técnica a Requerente tinha variações de humor, irritando-se e tornando-se amável quando chegavam pessoas que não faziam parte da equipa o que causava desconforto nas técnicas.
43. No dia 29 de Novembro de 2018 Ma… remeteu o e-mail de fls. 115 a 116, cujo teor se reproduz à Requerente.
44. Em resposta a Requerente remeteu àquela, com conhecimento ao Requerido, o e-mail de fls. 91vº a 92 cujo teor se dá por reproduzido.
45. Ma… é psicóloga exercendo funções para o Requerido há cerca de 10 anos.
46. Ma… ao receber o e-mail referido em 44 sentiu-se humilhada.
47. As câmaras de vigilância instaladas no edifício estão-no há vários anos, a pedido da Requerente, devido a assaltos que os educandos mais velhos fizeram à secretaria da instituição.
48. Por deliberação de 12 de Dezembro de 2018 o Requerido decidiu que todos os assuntos de natureza laboral que haja a tratar com a Requerente deixassem de ser tratados por A… e passassem a sê-lo por Pa…, secretária da direcção.
49. O Requerido comunicou à Requerente, antes da mesma entrar de baixa médica, da sua intenção de proceder à sua mudança de gabinete por considerar que o mesmo era mais apropriado para que os demais técnicos trabalhassem em espaço aberto.
50. Em 18 de Maio de 2010 a segurança social remeteu ao Requerido relatório de acompanhamento referindo “ (…) o quadro de pessoal não obedece ao estipulado no Guião Técnico para Lares de Crianças e Jovens (…) insuficiente afectação da Directora Técnica que deveria estar afecta na totalidade exclusivamente ao Lar.(…)”, solicitando-lhe apresentação de plano de melhorias.
51. Desde 2013 nos quadros de pessoal remetidos pelo Requerido à Segurança social constava que à Creche O Relógio – Polo Faro estava afecta uma directora Técnica/Pedagógica com a formação de Educadora de Infância, a exercer funções a 100%.
52. Mais informou o Requerido a segurança social que a Requerente estava afecta a 94,3% à direcção Técnica do Lar e Juventude e 5,7% à Creche o que aquela instituição considera aceitável.

Importa ainda, para melhor esclarecimento, expor os factos não provados:
a) A atribuição do suplemento de isenção de horário tenha sido motivada pelo exercício das funções de Directora Técnica.
b) A atribuição do suplemento de isenção de horário tenha sido motivada pelo facto da Requerente ter sentido necessidade de mais dinheiro por mês.
c) A relação amorosa vivida entre Requerente e Presidente da Requerida tenha durado mais de 14 anos.
d) O processo de averiguação da incapacidade temporária da Requerente tenha sido despoletado pelo Presidente da Direcção do Requerido.
e) Inexistisse razão para a mudança de gabinete.
f) A documentação que nele existia tivesse sido remexida e retirada dos locais onde estava arquivada, encontrando-se totalmente desorganizada.
g) Anteriormente a Requerente tivesse lugar de estacionamento privativo dentro das instalações do Requerido.
h) A… tenha ameaçado a requerente de despedimento por justa causa, caso não obedecesse às ordens que a partir desse momento lhe passariam a ser dadas por escrito.
i) Anteriormente nunca o Requerido tenha dado ordens por escrito à Requerente.
j) A Requerida tenha negado o acesso livre da Requerente a informações necessárias ao cumprimento das suas funções de directora técnica.
k) O Requerido tenha proibido a Requerente de assistir a reuniões com encarregados de educação dos utentes da creche.
l) Os relatórios semanais não tenham qualquer utilidade a não ser a de serem usados para procurar algo que possa dar azo a mais uma perseguição.
m) A… não se coíba, de dentro da instituição, mostrar que a aqui requerente é pessoa não grata.
n) Em virtude da imposição de relatórios semanais a Requerente seja alvo de chacota na instituição.
o) Nunca anteriormente tivessem sido feitos relatórios semanais na instituição.
p) O Presidente da direcção do Requerido tenha dito à Requerente que recebeu parecer permitindo a atribuição à mesma das funções de psicóloga.
q) O primeiro parecer que o requerido remeteu à Requerente relativo ao parecer da segurança social estivesse truncado.
r) A… tenha dado ordens a C… para não fazer nada do que a Requerente lhe pedisse, acatando apenas ordens do mesmo.
s) O requerido tenha conferido novas funções a Ma… sem consultar a Requerente.
t) A Requerente tenha sabido das novas funções de Ma… pela mesma em reunião de equipa.
u) Na sequência da alteração de funções de Ma…a Requerente tenha pedido informações ao Requerido.
v) A…, em tom de ameaça, tenha dito à Requerente que “se não se sentia afectada” pela assunção das funções de Secretária Geral da Direcção por parte da Dra. Ma…, “deveria sentir e se se sentia mal, que se mudasse.”
w) No novo gabinete da Requerente não exista impressora.
x) O Requerido tenha atribuído à Requerente uma impressora que não imprime.
y) O Requerido tenha mandado instalar duas câmaras de vigilância que vigiam a saída do novo gabinete da requerente.
z) A Requerente não possa ir ao WC sem que A… não saiba imediatamente.
aa) A Requerente tenha sido mudada de gabinete para poder ser vigiada por A….
bb) No final de 2017 o Requerido tenha apresentado um passivo de €1 038,308 com €30 033, de resultado operacional.
cc) Por isso a direcção do Requerido tenha delineado um plano de execução de equilíbrio orçamental.
dd) A direcção tenha determinado que se aferisse da qualidade dos serviços e da forma como cada trabalhador, designadamente os cargos de chefia, cumpria as suas tarefas.
ee) A Requerente não cumprisse, em média, mais de cinco horas de trabalho por dia.
ff) Por vezes a Requerente deixasse trabalhos de equipa a meio, alegando que tinha que dar consultas de psicologia numa clinica, fora do Requerido.
gg) A Requerente fosse mais diligente antes de beneficiar da isenção de horário.
hh) A requerente tenha deixado de contactar com os educandos.
ii) A Requerente tratasse os membros da equipa técnica de forma áspera, com sobranceria e desdém.
jj) O Requerido tenha retirado à Requerente as funções de Directora técnica da Creche tendo em vista evitar a rescisão do acordo com a segurança social.

APLICANDO O DIREITO
Do assédio laboral e dos requisitos do procedimento cautelar comum
O assédio moral ou mobbing, engloba comportamentos que isoladamente seriam lícitos e poderiam até parecer insignificantes, mas que ganham relevo distinto quando inseridos num determinado procedimento e reiterados ao longo do tempo. Como refere Júlio Gomes[1], «o principal mérito da figura consiste em que ela permite ampliar a tutela da vítima, ligando entre si factos e circunstâncias que, isoladamente considerados pareceriam de pouca monta, mas que devem ser reconduzidos a uma unidade, a um projecto ou procedimento».
Ainda de acordo com o ensinamento deste autor[2], aquilo que caracteriza o mobbing são três facetas: a prática de determinados comportamentos, a sua duração e as consequências destes. Em primeiro lugar, estão em causa comportamentos hostis, humilhantes ou vexatórios – revestindo o assédio uma polimorfia de comportamentos – e frequentemente ilícitos. Em segundo lugar, é a repetição de tais comportamentos hostis, que transforma um mero conflito pontual num assédio moral. Em terceiro lugar, as consequências de tais comportamentos sobre a saúde física e psíquica da vítima e sobre o seu emprego, conduzindo-a a um processo de exclusão profissional.
Júlio Gomes[3] adverte também «que nem todos os conflitos no local de trabalho são, obviamente, um mobbing, sendo, aliás, importante evitar que a expressão assédio se banalize. Nem sequer todas as modalidades de exercício arbitrário do poder de direcção são necessariamente um mobbing, quer porque lhes pode faltar um carácter repetitivo e assediante, quer porque não são realizados com tal intenção. (…) Em todo o caso, e como já se disse, o principal mérito da figura consiste em que ela permite ampliar a tutela da vítima, ligando entre si factos e circunstâncias que isoladamente considerados pareceriam de pouca monta, mas que devem ser reconduzidos a uma unidade, a um projecto ou procedimento, sendo que a eventual intenção do agressor pode relevar para explicar a fundamental unidade de um comportamento persecutório.»
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem afirmando que “não é toda e qualquer violação dos deveres da entidade empregadora em relação ao trabalhador que pode ser considerada assédio moral, exigindo-se que se verifique um objectivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, para que se tenha o mesmo por verificado. Mesmo que se possa retirar do art. 29.º do Código do Trabalho que o legislador parece prescindir do elemento intencional para a existência de assédio moral, exige-se que ocorram comportamentos da empresa que intensa e inequivocamente infrinjam os valores protegidos pela norma – respeito pela integridade psíquica e moral do trabalhador.”[4]
Quanto aos requisitos do procedimento cautelar comum, face ao disposto no art. 362.º n.º 1 do Código de Processo Civil, está em causa a adopção de uma providência conservatória ou antecipatória, concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado. Ou seja, o objectivo do procedimento cautelar não se confunde com o fim último da acção judicial comum. Naquele apenas se pretende a adopção de providências adequadas a assegurar a efectividade do direito ameaçado – não a declaração definitiva e a imposição do direito lesado. Nesta, o objectivo passa pelo conhecimento total do direito lesado, impondo a solução definitiva.
Como nota Abrantes Geraldes[5], «dada a natureza instrumental do procedimento cautelar e a sua dependência do resultado a alcançar através da acção principal, é óbvio que o efeito definitivo derivado do exercício do direito potestativo não pode ser obtido imediatamente através do procedimento cautelar.»
Como bem se observou na Relação de Guimarães, “o procedimento cautelar não se confunde, quanto à sua natureza, regras e objecto, com a acção adequada a reconhecer um direito, a prevenir/reparar a sua violação ou a realizá-lo coercivamente. Naquele, não podem ser formulados, apreciados e decididos pedidos próprios de uma acção declarativa.”[6]
Outro dos requisitos gerais do procedimento cautelar comum consiste no fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável – periculum in mora. A propósito deste requisito, Abrantes Geraldes[7] também nota o seguinte: «Tal como ocorre com a generalidade das providências, o receio tanto pode manifestar-se antes de proposta a acção, como na sua pendência. Em qualquer das situações pode o autor solicitar a adopção da medida que julgue mais adequada a acautelar o efeito útil que através do processo principal pretenda ver reconhecido ou satisfeito. Mas não é toda e qualquer consequência que previsivelmente ocorra antes de uma decisão definitiva que justifica o decretamento de uma medida provisória com reflexos imediatos na esfera jurídica da contra-parte. Só lesões graves e dificilmente reparáveis têm a virtualidade de permitir ao tribunal, mediante iniciativa do interessado, a tomada de uma decisão que o coloque a coberto da previsível lesão.»
Por seu turno, o art. 368.º n.º 1 do Código de Processo Civil prescreve que a providência será decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.
Considerou-se na decisão recorrida que, tendo a categoria profissional da Requerente sido alterada para a de Directora Técnica, conforme aditamento ao seu contrato de trabalho de 1 de Junho de 2004, não poderia o Requerido impor-lhe o exercício das funções de psicóloga, porquanto estas não seriam afins ou funcionalmente ligadas com aquela categoria.
Já se apontou que a investidura de trabalhadores em cargos de direcção e chefia constitui projecção do poder directivo pertencente ao empregador e envolve o exercício dum mandato implícito, pelo que a nomeação para um desses cargos não confere qualquer direito ou expectativa jurídica de manutenção do desempenho dos mesmos.[8]
A decisão recorrida tem dificuldade em definir qual a categoria profissional da Requerente e quais as suas funções essenciais ou distintivas, porquanto nos autos não foi estabelecido o descritivo funcional das tarefas por ela desempenhadas e nos instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis – nomeadamente, no PRT referido no contrato de trabalho, publicado no BTE 15/1996, quer no CCT celebrado entre a CNIS e a FEPCES, publicado no BTE 39/2017 e objecto da Portaria de Extensão 289/2018, de 25 de Outubro – apesar de estar definida a categoria profissional de “Psicólogo”, não vem definida qualquer outra com a designação de “Director Técnico”.
Daí que a decisão recorrida procure definir esta eventual categoria profissional – e utilizamos o termo “eventual”, porquanto o que está em causa é o mero exercício de um mandato do poder directivo do empregador – com recurso aos arts. 3.º e 4.º do DL 2/86, de 2 de Janeiro, que aprovou “os princípios básicos a que devem obedecer os lares, com suporte em entidades públicas ou privadas, como forma de resposta social dirigida aos menores transitória ou definitivamente desinseridos do meio familiar.”
No entanto, para além de ali se consagrar a obrigação da direcção técnica realizar o “acompanhamento sistemático de cada criança”, haverá a notar que esse acompanhamento é também realizado na área da psicologia, pelo que não se pode concluir pela incompatibilidade entre as funções de direcção técnica e as tarefas funcionais do psicólogo.
Reforça esta conclusão a circunstância da Requerente desempenhar tarefas relacionadas com a sua área de formação já há vários anos, nomeadamente nas escalas de domingo – cfr. o ponto 36 dos factos provados – realizando o acompanhamento psicológico dos utentes internados no lar de infância e juventude, justamente submetidos à sua direcção técnica.
Por outro lado, haverá a notar que o decretamento da providência constante da al. a) do dispositivo da sentença – não ser exigido à Requerente o exercício de funções de psicóloga – ultrapassa a natureza instrumental do procedimento cautelar e confunde-se com o fim último da acção judicial comum, local onde se procederá à declaração definitiva e imposição do direito lesado.
Não se vislumbrando, ainda, em que medida ocorre fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável no exercício pela Requerente daquelas funções de acompanhamento psicológico – periculum in mora – procede nesta parte o recurso.
Entendeu-se, ainda, decretar a atribuição da totalidade das funções de directora técnica do Lar de Infância e Juventude e da Creche de Faro/Jardim de Infância.
Quanto à creche/jardim-de-infância, a decisão entendeu que ocorria impedimento injustificado à prestação efectiva de trabalho, proibido pelo art. 129.º n.º 1 al. b) do Código do Trabalho.
Porém, desconhece-se qual o enquadramento contratual da acumulação de funções na direcção das duas valências – o lar e a creche/jardim-de-infância – sabendo-se apenas que esse facto ocorria há, pelo menos, oito anos. Mas sabe-se que a segurança social exigia a afectação na totalidade de uma pessoa à direcção técnica do lar, e que a Requerente estava afecta a 94,3% à direcção técnica do lar e 5,7% à creche.
Neste quadro, não se pode afirmar que o Requerido tenha obstado à prestação efectiva de trabalho por parte da Requerente, porquanto esta manteve a esmagadora maioria das suas funções, continuando com a direcção técnica do lar, onde as suas aptidões profissionais na área da psicologia são mais relevantes no acompanhamento das crianças e jovens internados.
Entendeu, ainda, a decisão recorrida condenar na atribuição à Requerente da totalidade das funções de directora técnica do Lar de Infância e Juventude, no pressuposto que a nomeação da Ma… para secretária geral da instituição, passando a “dirigir, exclusivamente na dependência da direcção, todos os seus serviços”, equivalia, na prática, à atribuição a esta trabalhadora das funções que anteriormente estavam atribuídas à Requerente, e ainda que deixou de dirigir e passou a dirigida, o que equivaleria a mudança para categoria inferior.
Mais uma vez se anota que os autos não demonstram quais as funções ou tarefas que assim foram retiradas à Requerente. Ignora-se em absoluto quais as tarefas que a Ma… passou a desempenhar e que anteriormente eram desempenhadas pela Requerente, anotando-se, de todo o modo, que a Requerente manteve a direcção técnica do lar de infância e juventude. E igualmente se ignora se a Requerente passou a estar hierarquicamente submetida à Marta Martins, sendo obrigada a cumprir as ordens e instruções por esta emitidas.
O que os autos revelam, tão só, é uma redistribuição dos poderes de direcção do empregador, que os trabalhadores exercem por mandato deste.
Apontando que, também aqui, ocorre a já apontada desadequação entre a natureza instrumental do procedimento cautelar e o fim último da acção judicial comum, e ainda que não se vislumbra o requisito de periculum in mora, igualmente nesta parte procede o recurso.
Finalmente, entendeu a decisão recorrida determinar que, sem prejuízo do poder disciplinar que lhe assiste, o Requerido tratasse a Requerente com respeito, abstendo-se de praticar actos que a humilhem, intimidem e desestabilizem o ambiente de trabalho.
A questão aqui é que a condenação é genérica e abstracta, utilizando praticamente a mesma formulação do art. 29.º n.º 2 do Código do Trabalho, não concretizando quais os actos que o Requerido deverá deixar de praticar e deixando na incerteza sobre qual o exacto alcance do caso julgado.
Se é certo que o art. 556.º n.º 1 do Código de Processo Civil admite a formulação de pedidos genéricos, nomeadamente “quando não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito”, também não é menos certo que se impõe a concretização do pedido através da liquidação – n.º 2. Por outro lado, o art. 609.º n.º 2 do mesmo diploma admite a condenação genérica “se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade”, caso em que se condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.
Nenhum destes requisitos ocorre no caso dos autos, sendo certo, de todo o modo, que os autos não são inequívocos quanto a uma atitude de desrespeito pela integridade psíquica e moral da Requerente, que continuou a manter a direcção técnica da principal valência do Requerido, o Lar de Infância e Juventude, demonstrando que, pelo menos até à instauração do procedimento disciplinar, se entendia que a trabalhadora reunia as competências técnicas para o exercício desse cargo de elevada responsabilidade.
Logo, sem prejuízo do melhor apuramento dos factos e realizar nos autos principais e à necessária concretização dos actos que eventualmente se enquadram no art. 29.º do Código do Trabalho, e que conferem direito a indemnização – n.º 4 da norma – também nesta parte procede o recurso, quer pela ilegalidade da condenação genérica e abstracta, quer pela desadequação da providência requerida à natureza do procedimento cautelar comum.

DECISÃO
Destarte, concede-se provimento ao recurso e revoga-se a decisão recorrida, com improcedência total da providência cautelar.
Custas pela Requerente.
Évora, 12 de Junho de 2019
Mário Branco Coelho (relator)
Paula do Paço
Emília Ramos Costa
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[1] In Direito do Trabalho, Relações Individuais de Trabalho, vol. I, Coimbra Editora, 2007, pág. 426.
[2] Loc. cit., págs. 428 a 430.
[3] Desta vez em “Algumas observações sobre o mobbing nas relações de trabalho subordinado”, e-book do CEJ “O Assédio no Trabalho”, Setembro de 2014, págs. 120 e 121.
[4] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.05.2018 (Proc. 532/11.5TTSTR.E1.S1), publicado em www.dgsi.pt, confirmando o aresto desta Relação de Évora de 13.07.2017, igualmente publicado na mesma base de dados e em que o relator foi o mesmo do presente.
[5] In Temas da Reforma do Processo Civil, vol. III, Coimbra, 1998, pág. 77.
[6] Em Acórdão de 21.09.2017 (Proc. 1483/17.5T8BCL.G1), disponível em www.dgsi.pt.
[7] Loc. cit., pág. 83.
[8] Neste sentido se pronunciou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.04.1999 (Proc. 98S360), publicado em www.dgsi.pt.