Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1449/23.6T8STB-C.E1
Relator: CRISTINA DÁ MESQUITA
Descritores: PLANO DE RECUPERAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
EXEQUIBILIDADE
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Não deverá homologar-se se os elementos constantes do Plano não permitirem, de forma suficientemente credível, sustentar as previsões nele avançadas relativas aos rendimentos gerados através das actividades previstas no seu objeto social e concluir pela exequibilidade do Plano de Insolvência, isto é, pela susceptibilidade de através do desenvolvimento das actividades que constituem o seu objeto social, conseguir gerar rendimentos que lhe permitam não apenas pagar aos credores da insolvente, como também se viabilizar financeira e economicamente.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1449/23.6T8STB-C.E1
(2.ª Secção)

Relatora: Cristina Dá Mesquita
Adjuntos: Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
Mário João Canelas Brás

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
I.1.
(…) – Emp. Trabalho (…), Lda., insolvente, interpôs recurso da sentença proferida pelo Juízo de Comércio de Setúbal, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, o qual recusou a homologação do plano de recuperação apresentado pela apelante.

A sentença recorrida, no segmento para o que ora releva, tem o seguinte teor:

«(…)
Cumpre, pois, apreciar o plano apresentado a fim de aferir se o mesmo deve considerar-se manifestamente inexequível.
Temos assim no ponto 3 (página 5 do plano) o elenco dos principais parceiros e a forma como evoluiu a faturação da insolvente ao longo dos anos.
Argumenta a devedora, que poderá exercer atividade de prestação de serviços de recrutamento e seleção de candidatos para emprego.
Sucede que, conforme resulta do sítio do Instituto do Emprego e Formação Profissional, estas devem prestar caução a favor do IEFP, conforme informação disponível em https://www.iefp.pt/agencias-privadas-colocacao.
Consta do ponto 7 do Plano apresentado (página 8 e 9) que:
Atendendo ao facto de a empresa se encontrar com o Alvará suspenso, e até que se reúnam condições para entregar a garantia bancária exigida, a empresa vai desenvolver a atividade de recrutamento e seleção, enquanto atividade de prestação de serviços, para a qual está vocacionada e tem experiência adquirida. A previsão de faturação mensal é de € 3.000,00 a partir de junho de 2023.
Prevemos ainda retomar a atividade de prestação de serviços relacionados com atividades profissionais a partir de junho de 2023, com a colocação média mensal de 26 pessoas, para as profissões de Operários não especializados, Mecânicos, Soldadores, Serralheiros, Engenharia e Administrativos, e uma duplicação nos meses de agosto e dezembro, para resolução de férias em períodos tipicamente usados pelos colaboradores e necessária reposição de mão-de-obra.
O recebimento será efetuado à semana, o que permite contribuir para o problema de tesouraria.”
Acrescenta ainda: “A empresa não pretende realizar investimentos em ativos fixos tangíveis e não prevê a possibilidade de aumento do financiamento bancário”.
No ponto 8 do plano verifica-se que, o mesmo, assenta no recrutamento de pessoal para substituição de períodos de ausências sazonais dos trabalhadores, em agosto e dezembro, colocando o foco nos trabalhadores cedidos, atividade para a qual não dispõe, atualmente, de alvará e, não prevendo o aumento de financiamento bancário, não poderá reverter a situação de suspensão do seu alvará, não resultando do plano de que forma poderá reverter tal situação e prestar a caução/garantia bancária imprescindível à recuperação do alvará e exercício das suas funções.
Verifica-se ainda que, o plano apresentado não considera, quanto aos operários não especializados, sequer, o salário mínimo nacional, pelo que, os encargos previstos no ponto 8.b) serão, necessariamente, de valor superior ao elencado.
De igual modo, os encargos com pessoal interno previstos na alínea c) do ponto 8, se apresenta irreal atendendo ao facto de considerar valores salariais de € 705,00, que se mostram desatualizados face ao salário mínimo que, atualmente, se cifra já em € 760,00, desde o início do ano de 2023.
Na alínea d) do ponto 8 refere que a empresa não carece de investimentos.
Ora, sucede que, refere não ter acesso a crédito e ter, por essa razão, o seu alvará suspenso, situação confirmada no requerimento de resposta apresentado pela insolvente ao pedido de não homologação do credor (…) Banco, S.A.. Porém na alínea e) do ponto 8, sob o título Financiamento, pode ler-se que: “A empresa tem em curso 2 linhas de crédito, na modalidade de conta corrente caucionada e uma garantia prestada ao IEFP, fundamental para a manutenção do Alvará que permite a realização da atividade operacional”.
Esta informação apresenta-se contraditória com a anterior.
Refere ainda, no ponto 9, que existe a necessidade de renovação da garantia bancária no
montante de € 89.608,75.
Tem vindo a ser entendido que o juiz pode recusar a homologação do plano a final, caso conclua que o mesmo se mostra inexequível, em conformidade com as disposições conjugadas dos artigos 207.º, n.º 1, alínea c) e 215.º do CIRE.
Neste sentido vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26/02/2019, processo n.º 3601/17.4T8LRA-C.C1, onde se decidiu que:
I – O n.º 1 do artigo 216.º do CIRE não exige como condição da recusa de homologação do plano a solicitação dos interessados que a oposição desses interessados ao plano, antes da sua aprovação, seja fundamentada por eles nalguma das situações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 desse preceito.
II - A oposição ao plano antes da sua aprovação é mera condição de legitimidade para o interessado solicitar a não homologação.
III - A recusa de homologação do plano ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE pressupõe que o requerente alegue e prove os factos indispensáveis à formulação do
juízo de que a situação dele ao abrigo do plano é menos favorável do que a que interviria na ausência de plano.
IV - A circunstância de o juiz admitir a proposta do plano de insolvência não impede que, após a aprovação de tal proposta, recuse oficiosamente a homologação do plano com fundamento em falta de credibilidade ou viabilidade.”
Em face dos factos supra analisados, cremos que a suspensão do alvará e inexistência de financiamento por entidades bancárias, que permita a prestação de garantia bancária no valor de mais de € 89.000,00 (cuja forma de ultrapassar, não consta do plano), assim como a ausência de atividade declarada em sede de assembleia de aprovação do plano pela funcionária administrativa da insolvente, e bem assim, a circunstância de o plano de recuperação assentar na atividade principal da insolvente que é de empresa de trabalho temporário, para a qual não dispõe de licença ativa, impõe concluir que o plano apresentado é manifestamente inexequível.
Na verdade, a insolvente ao apresentar resposta, não juntou qualquer documento, fatura, contrato ou outro que infirmasse a declaração consignada, em Assembleia de aprovação do plano, por funcionária administrativa, no sentido de que, desde a declaração de insolvência a devedora, ora insolvente, nenhuma atividade exerce.
Em suma, considerando:
1. a suspensão do alvará para exercício de atividade de empresa de trabalho temporário, atividade em que se funda o plano de recuperação apresentado e aprovado;
2. o facto de ser essencial a prestação de garantia bancária no valor de mais de € 89.000,00, não constando do plano qualquer medida que permita concluir pela forma como a mesma será obtida;
3. O plano referir a desnecessidade de financiamento bancário;
4. O facto de a empresa não desenvolver ao presente qualquer atividade e não dispor de faturação,
Levam-nos a concluir pela inexequibilidade do plano de recuperação apresentado impondo-se, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 215.º e 207.º, n.º 1, alínea c), a recusa de homologação do plano de recuperação apresentado pela insolvente (…) – Emp. Trabalho (…), Lda.,
*
Pelo exposto:
Nos termos dos artigos 207.º, n.º 1, alínea c) e 215.º do CIRE, recuso a homologação do plano de recuperação apresentado pela insolvente (…) – Emp. Trabalho (…), Lda..
*
Registe, notifique e publicite.
*
Após transito prossigam os autos para liquidação do ativo».
*
I.2.
A recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«1. Dispõe o artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, reportando-se às isenções por custas, no seu n.º 1, alínea u) que estão isentas de custas as: “(…) sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, nos termos da lei, salvo no que respeita às ações que tenham por objeto litígios relativos ao direito do trabalho (…)”.
2. Ora, a aqui Recorrente, ao abrigo dos presentes autos, encontra-se abrangida pelo disposto naquele artigo, razão pela qual, se encontra dispensada de efetuar o pagamento referente à taxa de justiça devida pela prática deste ato processual.
3. A decisão aqui recorrida veio decidir pela não homologação do Plano, porquanto a proposta apresenta se mostra inexequível, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 207.º, n.º 1, alínea c) e 215.º, ambos do CIRE.
4. A Recorrente notificada da sentença e não se conformando com o sentido da mesma, vem interpor recurso da sentença, considerando que, a mesma se mostra pouco fundamentada e enquadrada nos factos previstos no Plano, tendo o Tribunal a quo feito um errado enquadramento dos termos do Plano de Recuperação apresentado pela Recorrente.
5. A Recorrente não se conforma com a decisão proferida, a qual merece reparo, e, por conseguinte, deverá ser alterada no sentido de serem devidamente considerados todas as normas e conteúdo do Plano de Recuperação, nomeadamente a correta interpretação e enquadramento da atividade comercial desenvolvida pela Insolvente e pressupostos da sua recuperação.
6. Antes, porém, de tecer quaisquer considerações jurídicas sobre a questão controvertida, cumpre transcrever aqui os fatos relevantes para a boa apreciação do caso sub judice e para melhor enquadramento da decisão recorrida, nomeadamente que, o mesmo plano de insolvência apresentado pela Recorrente nos autos foi admitido inicialmente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 207.º do CIRE.
7. Da mesma forma que, o mesmo plano de recuperação, apreciado pelos Credores, foi aprovado pelos mesmos.
8. Em causa, como fundamento primordial para a não homologação do Plano, baseia-se a sentença no facto de o alvará da atividade da aqui Insolvente se encontrar suspenso e por falta de acesso ao financiamento pela Recorrente (desnecessidade do mesmo), pelas dificuldades do acesso ao mesmo, pela situação de insolvência da empresa Recorrente.
9. Ora, a Recorrente sempre referiu nos autos a situação em que se encontrava, e fundamenta a sua recuperação no exercido da sua atividade – prestação de serviços e tais factos resultam dos termos do plano e do mesmo resultam claros.
10. No seu ponto 7, a Insolvente refere que: “Atendendo ao fato de a empresa se encontrar com o Alvará suspenso, e até que se reúnam condições para entregar a garantia bancária exigida, a empresa vai desenvolver a atividade de recrutamento e seleção, enquanto atividade de prestação de serviços, para a qual está vocacionada e tem experiência adquirida. A previsão de faturação mensal é de € 3.000,00 a partir de junho de 2023”.
11. E da informação e esclarecimentos prestados pela Insolvente aos Credores e nos presentes autos, “No entanto, tal facto nunca foi ocultado dos Credores, estando o mesmo previsto no Plano e com a alternativa de que, enquanto não se encontram reunidas as condições para entregar a garantia bancária, a Insolvente continuar a obter receitas para manter a sua viabilidade e a exercer a sua atividade”.
12. A realidade é que o facto de ter o alvará suspenso, não impede a Recorrente de exercer a sua atividade comercial, enquanto prestadora de serviços, uma vez que nestes termos, a obrigatoriedade de constituição de alvará não se afigura.
13. E para tanto não carece de prestação de garantia bancária, nem é condição essencial o financiamento bancário.
14. Uma vez que o alvará numa empresa prestadora de serviços não é obrigatório, poderá a Recorrente produzir e obter lucro para pagamento dos créditos reconhecidos aos credores, e consequentemente, ter a oportunidade de se revitalizar – finalidade inerente à
apresentação de Plano de Recuperação.
15. Consagra o artigo 1.º, n.º 1, do CIRE que ora se transcreve: “processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores”, o qual se encontra previsto no artigo 192.º, n.º 3, do CIRE.
Neste sentido, veja-se também o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, com o n.º 129/19.1T8MDL.G1, datado em 22.09.2022 (com a relatora Maria João Matos), que ora se transcreve: “O plano de insolvência/recuperação assume-se como um expediente alternativo de satisfação dos interesses dos credores, face ao modelo supletivo definido na lei para o mesmo efeito.”
17. E ainda: “na sua versão original o Código estava imbuído da finalidade primacial de satisfação dos interesses dos credores, pela forma que entendessem mais adequada (a liquidação e a recuperação dependiam exclusivamente da decisão dos credores, transformados em “proprietários económicos da empresa”), agora, e por imposição dos compromissos Internacionais firmados, a finalidade primacial é a satisfação dos interesses dos credores pela forma prevista num plano de insolvência e, quando tal não seja possível, através da liquidação do património do devedor insolvente e da repartição do produto obtido pelos credores. Se, inicialmente, existia uma tramitação regra e só subsidiariamente atuava o plano de insolvência, depois da alteração introduzida ao CIRE pela Lei n.º 16/2021, de 20 de abril, é vontade do legislador que o plano de insolvência constitua a regra e só subsidiariamente vigore a tramitação supletiva” (Sublinhado nosso), Segundo Maria do Rosário Epifânio, em “Manual de Direito da Insolvência, 2016, 6.ª edição, Almedina, outubro de 2014, pág. 297.
18. Não se encontrando, com o devido respeito, devidamente fundamento factual e legalmente as razões que levam o Tribunal recorrido a considerar verificada a inexequibilidade do plano.
19. Além disso, a verdade é que, para se verificar a inexequibilidade do plano é necessário
que a mesma seja manifestamente ostensiva, o que não acontece no caso em concreto, considerando a atividade desenvolvida pela Recorrente, mesmo tendo o seu alvará suspenso.
20. A Recorrente, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo fundamentou a prossecução da sua atividade no desenvolvimento da atividade de recrutamento e seleção, enquanto atividade de prestação de serviços, para a qual está vocacionada e tem
experiência adquirida, o que pode fazer sem alvará.
21. A Recorrente tem atividade ativa, mesmo sem acesso ao financiamento,
22. A Recorrente tem trabalhadores a seu cargo,
23. A Recorrente com o “produto” da sua atividade líquida as suas responsabilidades salariais junto dos trabalhadores,
24. A Recorrente líquida as suas responsabilidades contributivas e fiscais correntes,
25. A Recorrente dispõe de faturação, porque se assim não fosse, nunca poderia a Recorrente manter os postos de trabalho, manter os pagamentos correntes, nem apresentar qualquer tipo de plano de recuperação, com vista à sua recuperação.
26. Não pode o Tribunal a quo fundamentar a recusa do plano de recuperação e colocar em causa a viabilidade de uma empresa, tendo apenas por base as conclusões e interpretações “pessoais” de um Credor que requer a não homologação do plano apresentado, sem fundamento factual nem legal, e apenas porque não aceita a proposta de pagamento apresentada pela Recorrente.
27. Acresce ao concreto que, o plano de insolvência e os termos do mesmo, foi aprovado pelos Credores públicos reclamantes nos presentes autos e pelos trabalhadores.
28. No caso em concreto, o plano de recuperação afigura-se exequível, uma vez que a Recorrente tem a seu cargo trabalhadores, bem como os gerentes, sendo certo que os mesmos não irão auferir qualquer remuneração, durante o período de recuperação.
29. A Recorrente, por ter trabalhadores, tal como referido, tem mão-de-obra para continuar a sua atividade, enquanto prestadora de serviços.
30. Uma vez que, se encontra como prestadora de serviços, não é obrigatória a constituição de alvará.
31. Pelo que, no que concerne ao facto do alvará se encontrar suspenso, o mesmo não acarreta qualquer entrave à prestação de serviços por parte da Insolvente, e consequentemente, de faturar.
32. E nada impede que a Recorrente mantenha e consiga prosseguir com a sua atividade, sem a prestação de garantia bancária, nem sem acesso ao financiamento,
33. Até porque, é do senso comum que, uma empresa em situação de insolvência dificilmente terá acesso ao crédito ou o mesmo será sempre limitado,
34. Mas a verdade é que nada impede que uma empresa, mesmo em situação de insolvência, prossiga com a sua atividade em pleno e consiga com a sua atividade e consiga recuperar a sua posição no mercado e no sector da atividade que desenvolve e mesmo consiga honrar com as suas responsabilidades.
35. Carece de fundamento fatual e legal a decisão proferida e aqui recorrida, inexistindo qualquer fundamento para o contrário, senão a exequibilidade do mesmo, tal como apresentado pela Recorrente e por si fundamentado.
36. Além disso, para que possa ser decida pela recusa da homologação do plano de insolvência, a mesma terá que ser manifesta, ostensiva, o que não se verifica no caso em concreto.
37. Afigura-se o plano de recuperação em causa mostra-se exequível, tanto mais que a grande maioria dos credores aprovaram o Plano seguramente por entenderem que estavam assegurados os seus interesses,
38. E além disso, a Recorrente tem atividade, reúne todas as condições para prosseguir com a sua atividade, mesmo sem acesso ao financiamento bancário, nem a prestação de garantias bancárias, tem trabalhadores a seu cargo e apresenta faturação que, com base na mesma consegue e apresenta capacidade de recuperar e garantir a sua posição e ainda
cumprir os termos do plano de insolvência que foi apresentado e votado.
39. Pelo que não se aceita, nem existe qualquer fundamento para que seja mantida a decisão aqui recorrida, nem no caso concreto se encontrando verificado qualquer pressuposto para efeitos do previsto no disposto no artigo 207.º, n.º 1, alínea c), do CIRE.
40. E por tudo se conclui que, ao contrário do entendimento da aqui Recorrente, a sentença recorrida carece de fundamento do disposto no plano de recuperação apresentado nos autos, devendo, assim, a decisão aqui recorrida ser devidamente revogada e consequentemente ser substituída pela decisão de homologação do Plano de
Recuperação.
Nestes termos e nos mais de direito, e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverão V. Exas. julgar procedente a presente apelação e alterar a decisão aqui recorrida no sentido da homologação do Plano de Recuperação apresentado pela aqui Recorrente.
Assim decidindo, farão vossas Excelências a costumada JUSTIÇA!».

I.3.
O credor (…) Banco, SA apresentou resposta às alegações de recurso, pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do CPC).

II.2.
No caso a questão que importa decidir é a de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, isto é, se errou ao recusar a homologação do Plano de Insolvência aprovado pela maioria dos credores.
II.3.
FACTOS
Os factos a considerar constam da decisão recorrida.
Resulta ainda dos autos a seguinte factualidade:
1 – Em 16 de Agosto de 2022, a Recorrente Devedora (…) – Empresa de Trabalho (…), Lda. apresentou-se a processo especial de revitalização que culminou com a recusa de homologação do plano de recuperação, por sentença proferida em 3 de fevereiro de 2023, e, consequente, encerramento do processo por despacho de 24 de fevereiro de 2023.
2 - No dia 2 de Março de 2023, foi proferida sentença com a declaração de insolvência da Recorrente Devedora (…) – Empresa de Trabalho (…), Lda..
3 - No dia 21 de setembro de 2023, realizou-se a Assembleia de Credores para votação do Plano de Insolvência apresentado pela Devedora.
4 - Nessa Assembleia de Credores, o (…) Banco, S.A. manifestou a sua oposição ao Plano de Insolvência e votou contra a aprovação do mesmo.
5 - O Plano de Insolvência foi aprovado por ter recolhido mais de 50% de votos favoráveis do total de votos emitidos.
6 - No decurso do prazo previsto para o efeito, o (…) Banco S.A., requereu, nos termos do disposto nos artigos 215.º e 216.º do CIRE, a não homologação do Plano de Insolvência com fundamento na manifesta inexequibilidade do mesmo, por violação da disposição prevista no artigo 207.º, n.º 1, alínea c), do CIRE, nos termos do artigo 215.º do CIRE.
7 – Por requerimento de 17-10-2017 (referência 7545509) a insolvente respondeu, sustentando que o seu plano é exequível, que tem a seu cargo três trabalhadores e que até que seja possível cumprir os requisitos para entregar a garantia bancária necessária para a renovação do alvará irá desenvolver atividade de recrutamento e seleção, enquanto prestação de serviços, pretendendo faturar € 3.000,00 mensais a partir de junho de 2023.

II.4.
Apreciação do objeto do recurso
No presente recurso está em causa o acerto da sentença que recusou a homologação do plano de recuperação apresentado pela insolvente, o qual havia sido aprovado pela maioria dos credores.
O tribunal de primeira instância admitiu a proposta do plano de insolvência mas, posteriormente, veio a recusar a sua homologação, invocando expressamente o disposto nos artigos 215.º e 207.º, n.º 1, alínea c), do CIRE. Concretamente, o julgador a quo fundou a sua decisão de não homologação do plano de insolvência numa alegada inexequibilidade do mesmo, a qual, na sua perspetiva, assenta nas seguintes premissas:
1 – O plano de recuperação apresentado e aprovado funda-se no prosseguimento da atividade da insolvente, concretamente no recrutamento de pessoal para substituição de períodos de ausências sazonais dos trabalhadores, em agosto e dezembro, colocando o foco nos trabalhadores cedidos, mas para tal atividade não dispõe, atualmente, de alvará;
2 – Para a recuperação do alvará (e exercício daquela atividade) é essencial a prestação de uma caução a favor do Instituto de Emprego e Formação Profissional, no valor de mais de € 89.000,00, não constando do plano qualquer medida que permita concluir pela forma como aquela caução será obtida, referindo ainda o plano a desnecessidade de aumento do financiamento bancário.
3 – A empresa não desenvolve no presente qualquer atividade e não dispõe de faturação e os encargos previstos no plano serão necessariamente de valor superior ao ali elencado desde logo porque o plano apresentado não considera, quanto aos operários especializados, sequer o salário mínimo nacional.
A recorrente rebate aqueles fundamentos no seu recurso, alegando que:
(i) A empresa, mesmo sem alvará, continuou a desenvolver a sua atividade de recrutamento e seleção, enquanto atividade de prestação de serviços, não tendo, pois, suspendido a sua atividade; o facto de não ter alvará em nada impede a recorrente de continuar com a sua atividade enquanto prestadora de serviços para a qual está vocacionada e tem experiência adquirida;
(ii) Não existindo serviços de empresa de trabalho temporário, não existe necessidade de prestação de garantia bancária;
(iii) Por não existir acesso ao financiamento bancário, o mesmo não quer dizer que a empresa não consiga financiamento de terceiros;
(iv) A recorrente tem trabalhadores a seu cargo e é com o produto da sua atividade que liquida as suas responsabilidades salariais junto dos trabalhadores, bem como as suas responsabilidades contributivas e fiscais.
Apreciando.
Liminarmente dir-se-á que o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores, ou pela forma prevista num plano de insolvência ou através da liquidação do património do devedor insolvente e subsequente repartição do produto obtido na liquidação, pelos credores (artigo 1.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas aprovado pelo D/L n.º 53/2004, de 18 de março, doravante designado por CIRE).
A finalidade primacial do plano de insolvência é a satisfação dos interesses dos credores pela forma nele prevista e, quando tal não seja possível, através da liquidação do património do devedor insolvente e repartição do produto obtido pelos credores. Com efeito, em face da Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, que procedeu à (sexta) alteração do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o plano de insolvência – o qual pode prever um diferente tratamento do pagamento dos créditos da insolvência e a manutenção e reestruturação da empresa, na titularidade do devedor ou de terceiros – deve constituir a regra e a liquidação integral do património do insolvente constitui o regime supletivo.
Assim, após a declaração de insolvência surge a possibilidade de aprovação de um plano de insolvência.
O plano de insolvência é um acordo aprovado por uma maioria de credores da insolvência que, uma vez homologado judicialmente, vincula todos os credores da insolvência (quer tenham reclamado, ou não, os seus créditos, participado, ou não, nas negociações, votado a favor ou contra o plano), o devedor e até terceiros (artigo 217.º do CIRE). Quando tal acordo tenha a finalidade de recuperação da empresa e de regular as medidas para a atingir (artigo 1.º/1, do CIRE), o plano de insolvência designa-se plano de recuperação, devendo tal menção constar em todos os documentos e publicações respeitantes ao mesmo (artigo 192.º/3, do CIRE).
O plano de insolvência pode ser apresentado pelo administrador da insolvência, pelo devedor, pelos responsáveis legais pelas dívidas da insolvência ou por credores cujos créditos representem um quinto dos créditos não subordinados reconhecidos na sentença de verificação e graduação de créditos ou na estimativa do juiz, se tal sentença não tiver sido proferida (artigo 193.º/1, do CIRE). Deve tal plano obedecer ao princípio da igualdade dos credores da insolvência (artigo 193.º do CIRE), indicar claramente as alterações que dele decorram para as posições jurídicas dos credores da insolvência (artigo 195.º/1, do CIRE), a sua finalidade, descrever as medidas necessárias à sua execução – já realizadas ou ainda a executar – e todos os elementos relevantes para efeitos de aprovação pelos credores e de homologação do juiz (artigo 195.º/2, do CIRE). Prevendo o Plano a manutenção em atividade da empresa (na titularidade do devedor ou de terceiro), aquele deve dispor do plano de investimentos, da conta de exploração previsional, da demonstração previsional de fluxos de caixa pelo período de ocorrência daqueles pagamentos e deve especificar fundamentadamente os principais pressupostos subjacentes a essas previsões, o balanço pró-forma em que os elementos do ativo e do passivo, ta como resultantes da homologação do Plano são inscritos pelos respetivos valores (artigo 192.º, n.º 2, alínea d), do CIRE).
O plano de insolvência é objeto de controlo jurisdicional em dois momentos processuais distintos: no despacho liminar de admissibilidade, previsto no artigo 207.º do CIRE, e aquando da sentença de homologação do plano aprovado em assembleia de credores (artigos 214.º - 216.º do CIRE).
Nos termos do disposto no artigo 207.º do CIRE, o juiz não admite a proposta de plano da insolvência quando:
(i) haja violação de preceitos sobre a legitimidade para apresentar a proposta e sobre o conteúdo do plano, desde que tais vícios sejam insupríveis ou não forem supridos no prazo fixado para tal desiderato[1];
(ii) a aprovação do plano pela assembleia de credores ou a posterior homologação judicial forem manifestamente inverosímeis;
(iii) o plano for manifestamente inexequível, o que importa a formulação de um juízo sobre o mérito da proposta apresentada, com caráter casuístico[2];
(iv) sendo o proponente o devedor, o administrador da insolvência se opuser à admissão da proposta, com o acordo da comissão de credores (quando esta exista) e se o devedor já tiver apresentado anteriormente outra proposta e ela tenha sido admitida pelo tribunal.
A proposta do plano de insolvência, quando admitida pelo juiz, é discutida e votada em assembleia de credores convocada para discutir e aprovar o plano de insolvência (artigo 209.º do CIRE) e o plano de insolvência pode ser modificado na própria assembleia de credores pelo proponente e posto à votação na mesma sessão com as alterações introduzidas, as quais não podem, todavia, contender com o cerne ou estrutura do plano ou com a finalidade prosseguida (artigo 210.º do CIRE).
A homologação do plano de insolvência votado e aprovado em assembleia de credores (nos termos previstos nos artigos 211.º e 212.º do CIRE) encontra-se regulada, pela negativa, nos artigos 215.º e 216.º do CIRE. Assim, de acordo com o disposto no artigo 215.º do CIRE, epigrafado de Não homologação oficiosa, o juiz recusa, oficiosamente a homologação do plano com algum dos seguintes fundamentos (alternativos):
(i) Violação não negligenciável de normas procedimentais (vício de procedimento);
(ii) Violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do plano (vício de conteúdo);
(iii) Se o juiz tiver fixado prazo para que se verifiquem as condições suspensivas do plano e para que sejam executadas medidas que devam proceder a homologação do plano e aquele prazo não haja sido respeitado.
Pode também o juiz recusar a homologação do plano a pedido, designadamente, de um credor que se sinta prejudicado pelo plano e desde que, para isso, tal credor haja já demonstrado nos autos a sua oposição, em momento ulterior anterior à aprovação do plano e prove que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que aquela que advirá da ausência de plano ou que do plano resulta para algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência acrescido das eventuais contribuições que ele deva prestar (artigo 216.º do CIRE). A consagração da possibilidade conferida aos credores de alegarem que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que aquela em que ele estaria na ausência do plano confirma a soberania dos interesses dos credores que prevalecem sobre os interesses da conservação ou sobrevivência da empresa[3].
Voltando ao disposto no artigo 215.º do CIRE:
(i) Por “normas procedimentais” deve entender-se «aquelas que regem a atuação a desenvolver no processo , que incluem os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe forem apresentadas, incluindo as relativas à sua própria convocatória e funcionamento – e bem assim as relativas ao modo como ele deve ser elaborado e apresentado»[4]; e
(ii) Por “normas relativas ao conteúdo” entende-se aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar». Assim, o plano deve conter a enunciação das medidas necessárias à sua execução, já executadas ou a executar, de forma a facultar aos credores a exata perceção da situação da empresa. Escreveu-se no Ac. RC de 11-10-2017[5] que «a violação de normas referentes ao conteúdo do plano prende-se com a substância do plano de recuperação (aquilo que ele contém ou deve conter) e, portanto, essa violação será não negligenciável, de um modo geral, sempre que ela acarrete um resultado que a lei não permite, seja porque o plano viola disposições legais de caráter imperativo, seja porque viola regras legais que apesar de não serem imperativas visam tutelar e proteger determinados direitos sem que os respetivos titulares tivessem consentido ou renunciado à tutela que alei lhes confere».
No caso sub judice, o Plano de Insolvência em causa prevê a manutenção da empresa em atividade e o pagamento aos credores com os rendimentos gerados pela atividade da insolvente nos próximos exercícios (vd. página 15, in fine, do Plano). Ou seja, de acordo com aquele Plano é a atividade desenvolvida pela insolvente que permitirá gerar receitas quer para pagar aos credores da insolvência quer para a recuperação e consequente viabilização da insolvente. Donde, a exequibilidade do Plano dependerá, desde logo, do volume de receitas que a empresa insolvente vier a realizar nos próximos anos e, assim sendo, a exequibilidade do Plano depende da credibilidade da alegada manutenção em atividade da empresa e da sua capacidade para gerar rendimentos que permitam pagar aos credores da insolvência e, simultaneamente, viabilizar a empresa.
A insolvente tem por objeto social a cedência temporária de trabalhadores para utilização de terceiros utilizadores, o desenvolvimento de atividades de seleção, orientação e formação profissional, consultadoria e gestão de recursos humanos (cfr. relatório apresentado pelo administrador da insolvência ao abrigo do artigo 155.º do IRE e Plano de Insolvência). No desenvolvimento da sua atividade de cedência temporária de trabalhadores (para utilização de terceiros) tem de admitir e retribuir esses trabalhadores (artigo 2.º, alínea a), da Lei n.º 19/2007, de 22-05, que aprovou um novo regime jurídico do trabalho temporário).
Para a atividade de cedência temporária de trabalhadores para ocupação por utilizadores” é necessária a respetiva licença (artigo 4.º/1, alínea d) e artigo 6.º/1, da Lei n.º 19/2007, de 22-05).
O Plano de Insolvência apresentado prevê:
1) O desenvolvimento da atividade de recrutamento e seleção de trabalhadores, com uma previsão de faturação mensal de € 3.000,00, a partir de junho de 2023;
2) A retoma da atividade de prestação de serviços relacionados com atividades profissionais, a partir de junho de 2023, «com a colocação média mensal de 26 pessoas para as profissões de operários não especializados, mecânicos, soldadores, serralheiros, engenharia e administrativos, e uma duplicação nos meses de agosto e dezembro para resolução de férias em períodos tipicamente usados pelos colaboradores e necessária reposição de mão-de-obra».
Ou seja, de acordo com aquele Plano, numa primeira fase e até junho de 2023, a empresa iria desenvolver tão só a atividade de recrutamento e seleção de candidatos para emprego, no pressuposto de que não é exigível alvará para o desenvolvimento daquela atividade, com uma previsão de faturação de € 3.000,00 (e de € 21.000,00 nos anos seguintes – cfr. ponto n.º 8, pág. 10 do Plano) e a partir daquela data retomaria a atividade de prestação de serviços relacionados com atividades profissionais, com a colocação média mensal de 26 pessoas e uma duplicação daquele número nos meses de agosto e de dezembro.
Será, pois, com os rendimentos gerados por aquelas duas atividades que a insolvente pretende pagar aos credores da insolvência, sendo a atividade de cedência de pessoal aquela que previsivelmente (de acordo com o Plano) gerará mais rendimentos nos futuros exercícios de 2023, 2024, 2025 e 2026 – cfr. ponto 8, pág. 10 do Plano.
Sucede que, como já assinalámos supra, no que respeita à atividade de cedência temporária de trabalhadores para ocupação por utilizadores” – a qual a insolvente prevê retomar a partir de junho de 2023 – é necessário licença (artigo 4.º/1, alínea d) e artigo 6.º/1, da Lei n.º 19/2007, de 22-05), sendo assumido no Plano de Insolvência que o alvará atribuído à empresa insolvente pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional está suspenso e que a sua reativação depende da prestação de uma garantia ao IEFP no montante de € 89.608,75, garantia que tem de ser renovada, como é igualmente assumido no Plano (cfr. página 14, ponto 9). Valor monetário que a empresa insolvente não dispõe, não constando ou resultando do Plano de Insolvência/Recuperação a forma como a insolvente poderá reverter a situação de suspensão do seu alvará, prestando a caução/garantia imprescindível à recuperação do mesmo, o que é dizer, que não consta ou resulta do Plano de Insolvência a forma como vai a insolvente conseguir obter o valor necessário à prestação da caução, constando inclusive do Plano que «não se prevê a possibilidade de aumento do financiamento bancário». Alega a recorrente, na sua motivação de recurso, que «por não existir acesso ao financiamento bancário, o mesmo não quererá dizer que a empresa não consiga financiamento de terceiros». Mas esta suposta possibilidade de recorrer a financiamento de terceiros (que não bancário) não é mencionada no Plano e resulta do disposto no artigo 195.º/2, do CIRE que só os elementos que constam do Plano é que relevam para efeitos de homologação pelo tribunal. Consequentemente, não se nos afigura credível/plausível a alegada retoma daquela atividade a partir de junho de 2023 (ou até mais tarde) e, muito menos, que tal atividade possa alcançar uma taxa de crescimento de 10% no ano de 2024 e de 15% nos anos vindouros de 2025 e 2026 previstos no ponto 8, pág. 19 do Plano. Acresce que as previsões de volume de negócios previsto para o período da recuperação fundam-se, atento o que consta do Plano (vd. ponto 8, pág. 10) «na experiência adquirida e na manutenção de relações fortes com alguns clientes do passado», ou seja, (também) no restabelecimento de relações comerciais com determinados clientes em termos que, todavia, não são concretizados, o que é dizer que não há qualquer garantia de que alguns dos clientes elencados na página 5 do Plano retomem ou prossigam relações comerciais com a empresa insolvente. Para já não falar da subvalorização dos custos com o pessoal cedido, na medida em que ali se prevê como salário-base um valor abaixo do atual salário mínimo nacional (cfr. ponto 8, pág. 11 do Plano).
Quanto à “atividade de recrutamento e seleção” consta do Plano de Insolvência uma previsão de faturação mensal de € 3.000,00, a partir de junho de 2023, não se alcançando como pretende a recorrente atingir com tal atividade quer aquele valor de faturação, quer o volume de negócios de € 21.000,00 anuais, em 2023, 2024, 2025 e 2026, respetivamente, ali previsto (cfr. tabela de fls. 10 do Plano) na medida em que juntamente com o Plano a empresa insolvente não juntou qualquer documento (faturação, contratos, etc.) que confirme quer a sua manutenção em atividade quer a sustentabilidade da previsão de uma faturação mensal de € 3.000,00 (a partir de junho de 2023). Ademais e ainda que por hipótese se admitisse que a empresa insolvente/recorrente conseguiria faturar € 3.000,00 por mês apenas com a atividade de recrutamento e seleção, sempre se perguntará como conseguiria ela pagar aos credores da insolvência a prestação global de € 6.708,24, como previsto no Plano de Recuperação (cfr. página 15 do Plano), à qual haverá que adicionar designadamente os custos com pessoal interno que, de acordo com o Plano ascendam ao montante de € 7.430,00 mensais (cfr. página 12 do Plano).
Em síntese, os elementos constantes do Plano não permitem, de forma suficientemente credível, sustentar as previsões avançadas no Plano relativas aos rendimentos gerados através das atividades previstas no seu objeto social e concluir pela exequibilidade do Plano de Insolvência, isto é, pela suscetibilidade de através do desenvolvimento das atividades que constituem o seu objeto social, conseguir gerar rendimentos que lhe permitam não apenas pagar aos credores da insolvente como também se viabilizar financeira e economicamente.
Julgamos, pois, que a sentença recorrida não merece censura, improcedendo o recurso.


III.
DECISÃO
Em face do exposto, acordam julgar improcedente a apelação e, em conformidade, confirmar a sentença recorrida.
Custas nos termos previstos no artigo 304.º do CIRE.

Notifique.
DN.
Évora, 25 de janeiro de 2024

Cristina Dá Mesquita
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
Mário João Canelas Brás



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[1] No que respeita aos vícios de conteúdo, deverá atender-se ao disposto nos artigos 195.º e seguintes do CIRE, que contêm normas que estabelecem exigências e fixam limites.
[2] Maria do Rosário Epifânio, ob. cit., pág. 379.
[3] Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2018, Almedina, pág. 321.
[4] Luís Carvalho Fernandes/João Labareda, Código da Insolvência e de Recuperação de Empresas Anotado, Reimpressão, AAFDL.
[5] Processo n.º 6/17.0T8GRD-A.C1, consultável em www.dgsi.pt.