Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
89818/22.9YIPRT.E1
Relator: VÍTOR SEQUINHO DOS SANTOS
Descritores: MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REGIME DE EXCLUSIVIDADE
REMUNERAÇÃO
Data do Acordão: 01/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – A finalidade do artigo 16.º, n.º 2, alínea g), do Regime Jurídico da Actividade de Mediação Imobiliária (Lei n.º 15/2013, de 08.02), é garantir que o cliente possa conhecer todos os efeitos do regime de exclusividade através da leitura do contrato de mediação.
2 – Daí que a exigência, feita por aquela norma, de que, quando for estipulado o regime de exclusividade, o contrato de mediação especifique os efeitos que desse regime decorrem, quer para o mediador, quer para o cliente, não possa ser cumprida através de remissão para as normas legais que estabelecem aqueles efeitos.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 89818/22.9YIPRT.E1

Autora: (…) – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda..

Réus: (…) e (…).

Pedido: Condenação dos réus a pagarem, à autora, a quantia de € 6.000,00, acrescida de juros de mora vencidos no montante de € 51,29.

Sentença: Julgou a acção improcedente, absolvendo os réus do pedido.


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A autora interpôs recurso de apelação da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:

A) A Apelante interpõe recurso de apelação da sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual julgou improcedente a ação judicial intentada pela Apelante com vista ao ressarcimento da sua comissão imobiliária, absolvendo os Apelados, (…) e (…), do pedido formulado.

B) A decisão do Tribunal a quo é sustentada no regime das cláusulas contratuais gerais, tendo concluído pela não comunicação por parte da Apelante do regime de exclusividade previsto na cláusula 4.ª do contrato de mediação imobiliária.

C) No entanto, a sentença proferida pelo Tribunal a quo não se encontra corretamente fundamentada, aplicando de forma incorreta a matéria dada como provada e a aplicação posterior do direito ao caso concreto, considerando a legislação especial em matéria do contrato de mediação imobiliária, traduzida na Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro.

D) Conjugada a prova documental produzida pela Apelante, e a matéria de facto provada, não vislumbramos na sentença as razões pelas quais levaram o Tribunal a concluir pela não comunicação da cláusula de exclusividade.

E) O Tribunal limitou-se a invocar o não preenchimento do artigo 16.º, n.º 2, da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro, ignorando toda a prova produzida que demonstrou o preenchimento do artigo 19.º, n.º 2, da referida lei, demonstrativo do direito à comissão devida.

F) O Tribunal a quo sustenta que “os pontos 5, 6 e 7 estão assentes através da minuta da adenda apenas subscrita pela Ré, junta pela Ré em 07-03-2023, através da adenda junta pela Autora em 02-03-2023 e através do depoimento da testemunha (…), que prestou um depoimento que nesta parte se afigurou verosímil, por ter sido um depoimento desenvolvido” (cfr. pág. 4 da sentença).

G) Acresce que o Tribunal a quo dá como provado que a “testemunha explicou o processo de celebração do contrato de mediação imobiliária e da adenda, permitindo compreender porque motivo a Autora não tinha os documentos onde constava a assinatura dos Réus, tendo apenas cópia destes documentos”.

H) A testemunha arrolada pela Apelante foi clara, inequívoca e explicou o processo de assinatura do contrato de mediação imobiliária, referindo que “os Réus não se encontravam em Portugal e que, por este motivo, o contrato de mediação imobiliária e a adenda foram enviados aos Réus por correio eletrónico e estes assinaram os documentos, digitalizaram os mesmos e devolveram por correio eletrónico à Autora, nunca tendo chegado à Autora os documentos com a assinatura original dos Réus”.

I) Os Apelados nunca colocaram qualquer entrave ou solicitaram esclarecimentos adicionais quanto ao conteúdo do contrato de mediação imobiliária.

J) O Tribunal a quo mencionou ainda, em relação à Apelada, (…), que não seria “verosímil que fosse assinar um documento de uma empresa de mediação imobiliária e que o devolvesse à Autora através de correio eletrónico sem saber a que a adenda se destinava”.

K) Tal facto, demonstra claramente que a Apelada sabia o conteúdo do contrato e o significado de todas as cláusulas apostas nele.

L) Resulta ainda da matéria dada como provada que a própria adenda tinha a identificação do número do contrato de mediação imobiliária celebrado entre a Apelante e o Apelado, (…), facto que faz presumir que a Apelada sabia e conhecia o conteúdo do contrato celebrado.

M) Por outro lado, os Apelados nunca devolveram o original do contrato à Apelante, sustentando claramente a versão da testemunha e que traduz cabalmente que os Apelantes sabiam e não podiam ignorar a sua responsabilidade para com a imobiliária.

N) Em consequência, a cláusula de exclusividade poderá ser oposta à Apelada, em virtude da mesma ter assinado o contrato de mediação imobiliária e não ter suscitado quaisquer esclarecimentos adicionais sobre o conteúdo da cláusula em questão.

O) Igualmente, cumpre mencionar que o contrato de mediação imobiliária não se trata de um mero contrato de adesão, sendo que, o mesmo é efetivamente negociável, ao contrário do sustentado pelo Tribunal a quo.

P) Dispõe o artigo 3.º, alínea a), do DL n.º 446/85, de 25 de outubro, que estão excluídas do regime das cláusulas contratuais gerais “As cláusulas típicas aprovadas pelo legislador”.

Q) Neste seguimento, estipula o próprio contrato de mediação imobiliária, na sua cláusula 5.ª, número 1, no que ao regime de remuneração diz respeito, que “A Remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as exceções previstas no artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro.”.

R) Dispõe a Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro, no seu artigo 19.º, números 1 e 2, o seguinte:

“1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.

2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel”.

S) Quer isto dizer, que a cláusula 5.º do contrato de mediação imobiliária, que estipula que a remuneração é devida quando o negócio não se venha a concretizar, por causa imputável ao cliente proprietário, é uma cláusula com suporte na lei e por isso, é infundado abrangê-la pelo regime das cláusulas contratuais gerais.

T) Mesmo que assim não se entendesse, a respetiva cláusula foi objeto de conhecimento dos Apelados, sendo que a Apelada assinou e subscreveu a adenda ao contrato e tomou conhecimento do mesmo com a sua assinatura e, igualmente, o Apelado também tinha perfeita noção de todas as consequências do contrato, tendo inclusive desistido do negócio após saber que o contrato promessa de compra e venda já estaria elaborado.

U) O contrato de mediação imobiliária prevê claramente os efeitos da cláusula de exclusividade, promovendo a Apelante o imóvel dos Apelados, devendo os mesmos pagar a respetiva compensação, sendo que a forma de remuneração também foi indicada no contrato.

V) Com efeito, o contrato é claro no que à remuneração diz respeito, tendo a Apelante direito à remuneração devido caso a mediadora consiga interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato (cfr. cláusula 5.ª do contrato).

W) Seria completamente contrário à luz da lei e ao princípio da boa-fé no cumprimento dos contratos que, mesmo tendo assinado um contrato com exclusividade, sempre que existisse um interessado para aquisição de determinado imóvel, a parte contrária se limitasse a desistir do negócio, sem quaisquer consequências remuneratórias para a imobiliária.

X) Pelo que a Apelante demonstrou os factos constitutivos do seu direito, nos termos e para os efeitos do artigo 342.º do Código Civil, considerando o exercício da sua atividade, o qual se traduziu na obtenção de um proponente comprador para o imóvel, propriedade dos Apelados, fazendo uso do seu direito de exclusividade, o qual, apenas por facto imputável aos Apelados, foi colocado em causa com a quebra contratual e desistência do negócio, com prejuízos claros para a Apelante.

Y) Neste sentido, veja-se o Acórdão do TRL, Processo n.º 76/21.7T8ABF.L1-6, de 12 de janeiro de 2023:

“I - Na vigência do contrato de mediação imobiliária celebrado em regime de exclusividade o cliente pode rescindir unilateralmente o contrato e desistir da venda almejada em qualquer altura.

II - Nessa eventualidade, a remuneração acordada só será devida, caso o mediador faça prova dos seguintes factos constitutivos do seu direito [artigos 342.º, n.º 1, do Código Civil e 19.º, n.º 2, da Lei n.º 15/2013, de 8/2]: (i) que angariou e apresentou ao cliente um interessado real e genuíno na compra do imóvel; e (ii) que o negócio visado não se concretizou por causa imputável ao cliente, proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel”.

Z) Ficou claramente provada a circunstância da Apelada ter angariado e apresentado um proponente (conforme proposta efetuada em 24-06-2022) e que o negócio não se concretizou por causa imputável aos Apelados, que efetuaram a desistência do negócio sem apresentar qualquer causa justificativa (de acordo com comunicação enviada em 04-07-2022).

AA) O Tribunal a quo apenas pretendeu justificar a sua decisão com base no regime das cláusulas contratuais, não valorando o trabalho desenvolvido pela Apelante e também o facto de os Apelados nunca terem devolvido o contrato original digitalizado, o que sempre lhes convinha a fim de não ser provada qualquer comunicação do contrato.

BB) A sentença proferida pelo Tribunal a quo não se encontra corretamente fundamentada e não analisou criticamente a proposta existente para o imóvel e o facto de os Apelados apenas se oporem à proposta apresentada após conhecimento da existência da mesma, sem invocarem quaisquer circunstâncias justificativas para a quebra do negócio.

CC) Com efeito, o Tribunal a quo aplicou incorretamente as normas constantes dos artigos 16.º, n.º 2, alínea g) e 19.º, n.º 2, da Lei n.º 15/2013.

DD) Face ao exposto, a sentença proferida pelo Tribunal a quo deverá ser alterada e substituída por outra que reconheça o direito devido à comissão imobiliária, condenando os Apelados no pedido efetuado pela Apelante, consubstanciado no pagamento do valor total de € 6.000,00 (seis mil euros), acrescidos de IVA à taxa legal.

Os recorridos apresentaram contra-alegações, com as seguintes conclusões:

1. O recurso apresentado pela Apelante não cumpre os requisitos previstos nas disposições legais contidas nos artigos 637.º, n.º 2, 1.ª parte, 639.º, n.º 1 e 641.º, n.º 2, alínea b), do C.P.C..

2. Da análise ao recurso constata-se que as conclusões aí inscritas são idênticas ao que vem articulado em 2º, 3º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 20º, 23º, 31º, 32º, 33º, 34º, 35ª, 37º, 38º, 45º, 50º, 47º, 52ª, 51ª, 53º e 54º das alegações.

3. Da leitura não se retira nenhuma conclusão.

4. Logo o enviado sob a égide de conclusões não é deficiente, obscura nem complexa.

5. Nos termos dispostos, o recurso não deve ser admitido, ou deve ser rejeitado.

6. Impõe o artigo 640.º, n.º 1, do C.P.C. que quando se impugna a matéria de fato deve a Recorrente obrigatoriamente especificar o mencionado nas alíneas a), b) e c) sob pena de rejeição.

7. Também por não estar observado no recurso da Apelante o mencionado no n.º 2 do artigo 640.º do C.P.C. deve o recurso ser rejeitado.

8. Os documentos juntos pela Apelante, demonstram não ser credíveis ou válidos, uma vez que apresentam um contrato assinado só por o Apelado e uma adenda assinada só pela Apelada com campos preenchidos manualmente.

9. A Adenda junta aos autos pela Apelada tem os mesmos campos em branco, desconhecendo o número do processo contrato de mediação.

10. O que indicia o exercício da atividade imobiliária no limite pouco clara.

11. Não compreende a Apelante a decisão do Tribunal a quo ter dado como fato não provado "A Autora comunicou à Ré o regime e exclusividade previsto na cláusula 4.ª do contrato de mediação imobiliária".

12. A Apelante não compreende o raciocínio do Tribunal a quo, na medida em que o mesmo já tinha dado como provado que a adenda existente ao contrato de mediação imobiliária foi perfeitamente conhecida e assinada pela Apelada.

13. Contudo, não ficou esclarecido o conteúdo desta comunicação, o depoimento da testemunha (…), não foi esclarecedor no aspeto de terem prestado todas as informações sobre o conteúdo do contrato de mediação e sobre a cláusula de exclusividade.

14. Refere a Apelante no seu recurso que “A Apelada, efetivamente, assinou uma adenda referente ao contrato de mediação imobiliária, o que revela ter conhecimento da existência de um contrato de mediação imobiliária e demonstra a intenção de querer aderir ao seu conteúdo.”

15. Salvo melhor entendimento, consideramos que o fato de a Apelada assinar uma Adenda (que não estava na versão final) não implica que tinha conhecimento do que assinou, ou das cláusulas inseridas no Contrato mediação, nem tão pouco significa que lhe foi explicado o que era a cláusula de exclusividade ou sabia que tinha uma cláusula de exclusividade.

16. Não merece censura a Sentença recorrida.

17. A Apelante convencida de razão, articula em 19.º do seu Recurso que “Os Apelados sempre tiveram conhecimento de todo o conteúdo e sempre foi mencionado que a imobiliária teria direito a uma remuneração variável pela prestação do seu trabalho de angariação e promoção, como é usualmente neste tipo de contratos.”

18. Na certeza de que esta não é a definição correta de cláusula de exclusividade a Apelada, considera que esta afirmação demonstra também que não foram prestados os esclarecimentos perfeitos dos termos das cláusulas inseridas no contrato de mediação e em particular da cláusula de exclusividade.

19. Questão pertinente é onde param os originais dos documentos, ou quantos originais existem.

20. Do depoimento da Testemunha (…), prestado em audiência de discussão e julgamento no dia 12 de maio de 2023 encontra-se gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, pode-se constatar tudo o acima explanado.

21. A Apelante refere que a sua pretensão se “encontra alicerçada no regime de exclusividade previsto no contrato de mediação imobiliária e no artigo 19.º, n.º 2, da Lei no 15/2013, de 8 de fevereiro.”

22. Discordamos, está demonstrado e confessado pela parte que existe vários documentos com versões diferentes e assinados por pessoas diferentes, ou seja, foi enviado um email com um contrato para o Apelado e foi enviado um email com uma adenda para Apelada.

23. Confessado também pela parte que a adenda não estava na versão final.

24. Confessou ainda a testemunha funcionária da parte que, após a receção do email com a adenda digitalizada da Apelada que inscreveu dados relevantes na mesma.

25. Evidencia que o contrato de mediação imobiliária não obedeceu aos requisitos e elementos enumerados no artigo 16.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro, pelo que deve ser considerado nulo.

26. Incumbia à Apelante alegar os elementos constitutivos do direito a que se arroga, o que não fez.

27. Ficou demonstrado em julgamento pelo depoimento da testemunha (…), que não poderia ser dado qualquer hipótese, aos Apelados para optarem sem a clausula de exclusividade, circunstância que manifestamente demonstra o contrato em questão versa sobre cláusulas contratuais gerais e, ainda, que tal cláusula não foi objeto de discussão entre as partes.

28. Nem tão-pouco foram esclarecidos por parte da Apelante, dos efeitos desse regime, para ambas as partes, conforme impõe o n.º 2, alínea g) do artigo 16.º da Lei n.º 15/2003, de 8 de fevereiro, já que a cláusula quinta, n.º 1 do contrato de mediação limita-se a fazer uma remissão genérica para o artigo 19. º da Lei n.º 15/2003.

29. Tal remissão não basta para que se considere cumprido o dever legal de especificação e de comunicação adequada e exata, consagrado no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, conjugado com o disposto no artigo 8.º da Lei n.º 24/96, motivo pelo qual tal cláusula é ilegal e violadora dos princípios da boa-fé.

30. Pois que, não tendo sido concretizado – sequer – nenhum contrato promessa relativo ao imóvel objeto do contrato mediação e não tendo a Apelante especificado os efeitos decorrentes da convenção de exclusividade, não lhe é devida qualquer remuneração.

31. Os Apelados não são responsáveis pelo pagamento da comissão peticionada a título de cláusula de exclusividade.

O recurso foi admitido.


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Questão a decidir: Se os recorridos estão obrigados a pagar, à recorrente, a remuneração que esta pretende.

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Na sentença recorrida, foram julgados provados os seguintes factos:

1. A Autora dedica-se, entre outros, à prestação de serviços de gestão e administração de imóveis, próprios e alheios, incluindo o arrendamento, a promoção imobiliária, a mediação imobiliária, bem como a prestação de serviços conexos.

2. A Autora, na atividade de arrendamento, promoção e mediação imobiliária, apresenta-se no mercado no Montijo como “Grupo (…)”.

3. Os Réus eram proprietários do imóvel sito na Rua (…), 2870-338 Montijo.

4. No dia 24-06-2021, o Réu (…) celebrou o contrato de mediação imobiliária, com vista à venda da sua propriedade, junto aos autos pela Autora em 02-03-2023, que se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais.

5. No dia 24-06-2021, a Ré (…) assinou um documento designado “Adenda ao contrato n.º … Identificação de segundos contratantes”, pretendendo aderir ao contrato de mediação imobiliária celebrado entre a Autora e o Réu (…).

6. Posteriormente à assinatura da adenda referida no número anterior, a Autora introduziu o n.º do contrato de mediação imobiliária celebrado entre a Autora e o Réu (…), na adenda (adenda junta pela Autora em 02-03-2023, que se dá aqui por reproduzida para todos os efeitos legais”).

7. Foi a Autora que disponibilizou aos Réus o contrato de mediação imobiliária e a adenda.

8. Nos termos da Cláusula 4.ª do contrato de mediação imobiliária: “1. O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de exclusividade. 2. O regime de exclusividade previsto no presente contrato implica que só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação imobiliária durante o respetivo período de vigência, ficando a Segunda Contratante obrigada a pagar a comissão acordada caso viole a obrigação de exclusividade”.

9. Nos termos do n.º 1 da Cláusula 5.ª do contrato de mediação imobiliária “A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as exceções previstas no artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro”.

10. A Autora, pelos serviços prestados, receberia, a título de comissão de intermediação imobiliária, 6.000 euros acrescidos de IVA a 23%.

11. Nos termos n.º 3 da cláusula 5.ª do contrato de mediação imobiliária, “O pagamento da remuneração apenas será efetuado nas seguintes condições: 50% após a celebração do contrato-promessa e o remanescente 50% na celebração da escritura ou conclusão do negócio”.

12. No dia 24 de junho de 2022, um senhor de nome (…) apresentou aos Réus, por intermédio da Autora, uma proposta de compra do imóvel.

13. No dia 4 de julho de 2022, o Réu(…) informou a Autora de que já não pretendia celebrar o contrato de compra e venda do imóvel, querendo desistir do negócio.

Na sentença recorrida, foi julgado não provado o seguinte facto:

A) A Autora comunicou à Ré o regime e exclusividade previsto na cláusula 4ª do contrato de mediação imobiliária.


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O tribunal a quo julgou a acção improcedente com uma fundamentação que assim se resume:

1 – Nos termos n.º 3 da cláusula 5.ª do contrato de mediação (doravante designado por “contrato”), “O pagamento da remuneração apenas será efetuado nas seguintes condições: 50% após a celebração do contrato-promessa e o remanescente 50% na celebração da escritura ou conclusão do negócio”. Não tendo sido celebrado qualquer destes contratos, aquela cláusula não fundamenta a pretensão da recorrente.

2 – Nenhuma cláusula do contrato prevê expressamente a remuneração da recorrente na hipótese de os recorridos desistirem da venda do imóvel antes da celebração de um contrato-promessa ou de um contrato de compra e venda.

3 – Não se provou que a recorrente tenha comunicado, à recorrida (…), que o contrato tivesse sido celebrado sob o regime de exclusividade, previsto na cláusula 4.ª, a qual deve ser qualificada como uma cláusula contratual geral. Nos termos do artigo 5.º, n.º 1, do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais (RJCCG), estas devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las. O artigo 8.º, alínea a), do RJCCG, estabelece que se consideram excluídas dos contratos singulares as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º. Consequentemente, a recorrente não pode invocar a cláusula 4.ª do contrato para sustentar a sua pretensão contra a recorrida (…).

4 – O recorrido Lírio assinou o contrato. Daí que a sua situação não seja idêntica à da recorrida (…), que assinou uma mera adenda ao contrato. O artigo 16.º, n.º 2, alínea g), do Regime Jurídico da Actividade de Mediação Imobiliária (RJAMI), dispõe que deverá constar do contrato de mediação imobiliária a referência ao regime de exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa, quer para o cliente. São especificados, no contrato, alguns dos efeitos do regime de exclusividade. Porém, isso não acontece com a obrigação de pagamento da retribuição na hipótese de os recorridos desistirem da venda. Daí que tal retribuição não seja devida.

5 – A idêntica conclusão se chega à luz do disposto nos artigos 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil. Um declaratário normal que lesse a cláusula 4.ª do contrato não se aperceberia de que, se desistisse da compra e venda após aparecer um interessado nesta, teria de pagar a remuneração acordada à mediadora.

A recorrente, por seu turno, fundamenta o recurso em termos que assim se resumem:

1 – A decisão de julgar não provado que a recorrente comunicou, à recorrida (…), o regime de exclusividade previsto na cláusula 4.ª do contrato, é contraditória com a de julgar provado que aquela recorrida pretendeu vincular-se ao mesmo contrato, através da assinatura de uma adenda. Isto porque, ao assinar a adenda, a recorrida (…)revelou ter conhecimento da existência do contrato e demonstrou a intenção de querer aderir ao conteúdo deste.

2 – O contrato não é de adesão, pois o seu conteúdo era negociável, como resulta do facto de ter campos em branco para preenchimento pelas partes após negociação. Daí não lhe ser aplicável o RJCCG.

3 – Em particular, a cláusula 5.ª do contrato, referente ao direito à remuneração, nunca poderia encontrar-se abrangida pelo RJCCG, pois é excepcionada pelo artigo 3.º, alínea a), deste último.

4 – Ainda que fosse aplicável o RJCCG, os recorridos tomaram conhecimento da cláusula 5.ª do contrato, nunca tendo pedido esclarecimentos adicionais, pelo que deve considerar-se cumprida a exigência decorrente do artigo 16.º, n.º 2, alínea g), do RJAMI.

5 – Resulta claramente do contrato que a recorrente teria direito à remuneração caso conseguisse interessado que concretizasse o negócio visado.

6 – O tribunal a quo errou ao não valorar o facto de o recorrido (…) apenas ter desistido da venda após tomar conhecimento da existência de um interessado na compra, do qual resulta que os recorridos tomaram conhecimento dos efeitos do regime de exclusividade.

7 – A referida desistência, manifestada na expectativa de não pagar a retribuição estipulada, viola o princípio da boa-fé no cumprimento dos contratos.

Antes de entrarmos na análise da argumentação da recorrente, impõe-se ordenar logicamente as questões que o caso dos autos suscita. Isso facilitará grandemente a fundamentação, como se verá.

O tribunal a quo analisou em primeiro lugar a situação da recorrida (…), concluindo que esta não se encontra obrigada a pagar a remuneração peticionada pela recorrente por não ter ficado demonstrado que lhe tenha sido comunicado que o contrato fora celebrado sob o regime de exclusividade.

Seguidamente, o tribunal a quo analisou a situação do recorrido (…), dando como assente que este, por ter assinado o próprio contrato, tomou conhecimento da estipulação do regime de exclusividade. O fundamento pelo qual o tribunal a quo concluiu no sentido da não vinculação do recorrido (…) ao pagamento da remuneração peticionada pela recorrente foi diverso do que fundou idêntica conclusão relativamente à recorrida (…). O tribunal a quo concluiu que o recorrido (…) não tem de pagar qualquer retribuição à recorrente porque, em violação do disposto no artigo 16.º, n.º 2, alínea g), do RJAMI, o contrato não especifica esse efeito jurídico da estipulação do regime de exclusividade.

O fundamento pelo qual o tribunal a quo concluiu no sentido da não vinculação da recorrida (…) ao pagamento da remuneração peticionada pela recorrente apenas àquela aproveita. Já o fundamento pelo qual o tribunal a quo concluiu no sentido da não vinculação do recorrido (…) ao pagamento da mesma remuneração aproveita, em igual medida, à recorrida (…).

Daí que a ordem lógica de análise das questões envolvidas seja a inversa daquela que o tribunal a quo seguiu. Em primeiro lugar, deverá analisar-se se é válido o fundamento pelo qual o tribunal a quo concluiu no sentido da não vinculação do recorrido (…) ao pagamento da remuneração peticionada pela recorrente. Concluindo-se pela validade desse fundamento, o mesmo aproveitará à recorrida (…), determinando que também esta não esteja vinculada àquele pagamento. Nessa hipótese, será indiferente se a recorrente comunicou, ou não, à recorrida (…), que o contrato fora celebrado sob o regime de exclusividade, ou se, fosse por que via fosse, a recorrida (…) teve conhecimento de que o contrato fora celebrado sob o regime de exclusividade. Ainda que aquela comunicação tivesse sido efectuada ou que este conhecimento existisse, a recorrida (…) não estaria vinculada a pagar qualquer retribuição à recorrente por, em violação do disposto no artigo 16.º, n.º 2, alínea g), do RJAMI, o contrato não especificar esse efeito jurídico da estipulação do regime de exclusividade. Apenas na hipótese de este primeiro nível de defesa, comum a ambos os recorridos, cair, fará logicamente sentido passar à análise da validade dos meios de defesa que apenas aproveitam à recorrida (…).

É evidente que nada daquilo que acabámos de afirmar inquina a sentença recorrida. Ao analisar as questões enunciadas pela ordem por que o fez, o tribunal a quo limitou-se a escolher, desnecessariamente, o caminho mais trabalhoso.

Por outro lado, também se impõe fazer uma precisão relativamente aos regimes jurídicos convocados pelo tribunal a quo para analisar a situação de cada um dos recorridos. A afirmação da recorrente segundo a qual a sentença recorrida “é sustentada no regime das cláusulas contratuais gerais” não é rigorosa. O tribunal a quo aplicou o RJCCG apenas para analisar a situação da recorrida (…). A situação do recorrido (…) foi analisada à luz do RJAMI e, complementarmente, do Código Civil. Daí que, para sindicarmos o acerto da fundamentação expendida na sentença recorrida a propósito da situação do recorrido (…) , não tenhamos de tomar posição acerca da qualificação do contrato como sendo de adesão, bem como da questão de saber se a cláusula 5.ª do contrato é enquadrável no disposto no artigo 3.º, alínea a), do RJCCG.

Analisemos, então, se o contrato cumpre o disposto no artigo 16.º, n.º 2, alínea g), do RJAMI. Resulta desta norma que do contrato consta, obrigatoriamente, a referência ao regime de exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa, quer para o cliente.

O contrato foi celebrado sob o regime de exclusividade, como decorre do n.º 1 da cláusula 4.ª. Daí a obrigatoriedade de nele serem especificados os efeitos que desse regime decorriam, quer para a recorrente, quer para os recorridos.

O n.º 2 da cláusula 4.ª dispõe que o regime de exclusividade implica que só a mediadora tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação imobiliária durante o respectivo período de vigência, ficando o cliente obrigado a pagar a comissão acordada caso viole a obrigação de exclusividade.

O contrato não especifica qualquer outro efeito decorrente do regime de exclusividade. Ou seja, não consta do contrato que, devido a esse regime, a mediadora tem direito a receber a remuneração acordada se o negócio objecto daquele não se concretizar por causa imputável ao cliente, nos termos do n.º 2 do artigo 19.º do RJAMI.

É certo que consta do n.º 1 da cláusula 5.ª do contrato que “A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as exceções previstas no artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro”. O n.º 2 deste artigo 19.º do RJAMI estabelece que é devida, à empresa, a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel. Poderia, pois, argumentar-se que a remissão, feita na parte final do n.º 1 da cláusula 5.ª do contrato, para o n.º 2 do artigo 19.º do RJAMI, asseguraria o cumprimento do disposto no artigo 16.º, n.º 2, alínea g), do RJAMI. É, porém, evidente que não é assim. Esta remissão é incompatível com a exigência de especificação, no contrato de mediação, dos efeitos decorrentes do regime de exclusividade, quer para a empresa, quer para o cliente, feita pelo artigo 16.º, n.º 2, alínea g), do RJAMI.

Com efeito, a finalidade óbvia deste preceito legal é garantir que o cliente possa conhecer todos os efeitos do regime de exclusividade através da simples leitura do contrato de mediação, sem necessidade de consultar diplomas legais para os quais o mesmo contrato remeta, coisa que quase ninguém faz, muito menos antes de assinar aquele contrato. Na generalidade dos casos, a falta de especificação de determinado efeito do regime de exclusividade no contrato determina que o cliente o celebre sem conhecer esse efeito. É precisamente isso que o artigo 16.º, n.º 2, alínea g), do RJAMI pretende evitar.

Não especificando que um dos efeitos do regime de exclusividade é a mediadora ter direito a receber a remuneração acordada se o negócio objecto daquele não se concretizar por causa imputável ao cliente, o contrato é nulo, nos termos do artigo 16.º, n.º 5, do RJAMI, como os recorridos sustentam. É quanto basta para concluir que nenhum dos recorridos se encontra obrigado a pagar a referida remuneração à recorrente, já que um contrato nulo não produz os seus efeitos típicos. Ainda assim, faremos algumas observações complementares, que reforçam aquela conclusão.

O tribunal a quo analisou o contrato à luz do disposto nos artigos 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil, concluindo que um declaratário normal que lesse a cláusula 4.ª não se aperceberia de que, se desistisse da compra e venda após aparecer um interessado nesta, teria de pagar a remuneração acordada à mediadora. Concordamos e vamos mais longe: o contrato encontra-se redigido de forma a inculcar a ideia de que o cliente não teria de pagar a retribuição acordada se desistisse da compra e venda após aparecer um interessado nesta; não se limita a não ser claro, antes induzindo o cliente em erro. Atente-se na sequência de cláusulas que em seguida descrevemos.

O n.º 2 da cláusula 4.ª estabelece que o regime de exclusividade implica que só a mediadora pode promover o negócio objecto do contrato durante o período de vigência deste e que o cliente ficará obrigado a pagar a comissão acordada caso viole a obrigação de exclusividade. Ao especificar apenas este efeito da exclusividade, o contrato induz um declaratário normal a supor que não existem outros.

O n.º 1 da cláusula 5.ª estabelece que a remuneração só será devida se a mediadora conseguir interessado que concretize o negócio objecto do contrato, nos termos e com as excepções previstas no artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, ou seja, do RJAMI.

Por um lado, não basta a mediadora conseguir um “interessado”, exigindo-se que este “concretize” o negócio objecto do contrato. Ora, concretizar o negócio objecto do contrato significa, em princípio, celebrar o contrato de compra e venda. Todavia, o n.º 3 esclarece que, após a celebração do contrato-promessa, deveria ser paga metade da remuneração, ampliando, assim, o conceito de “concretização” do negócio objecto do contrato. Uma vez que o contrato esclarece devidamente este aspecto, um declaratário normal ficaria, em princípio, ciente deste regime de pagamento da retribuição ao proceder à sua leitura.

Já a referência às “excepções previstas no artigo 19.º” do RJAMI em nada esclarece um declaratário normal a quem seja apresentada uma minuta de contrato de mediação para assinar. Muito dificilmente esse declaratário normal estará munido dos meios necessários ao conhecimento de quais sejam tais excepções nesse momento. Argumentar-se que, se o cliente não souber o que estabelece o artigo 19.º do RJAMI, pode não assinar imediatamente o contrato, ir informar-se e só depois assinar, é desconhecer a realidade da vida. A generalidade das pessoas, na melhor das hipóteses, lê o contrato quando o assina, não investigando o que dispõem as normas legais neste referenciadas e confiando, de boa fé, na idoneidade da mediadora. É precisamente por isso que o artigo 16.º, n.º 2, alínea g), do RJAMI, exige a especificação, no contrato, dos efeitos que decorrem do regime de exclusividade.

Note-se ainda a seguinte subtileza na redacção do n.º 1 da cláusula 5.ª: a remuneração será devida se... A um declaratário normal, parece que o intuito do referido n.º 1 é limitativo do reconhecimento do direito à retribuição. Afinal, exactamente o contrário daquilo que a mediadora pretende com a sua parte final, que é abrir discretamente [porque o faz através de remissão para um diploma legal, em vez de cumprir o disposto no artigo 16.º, n.º 2, alínea g), do RJAMI] a porta à aplicação de uma norma legal que estabelece um efeito particularmente gravoso para o cliente, como é o de limitar a sua liberdade de desistir do negócio até à celebração do contrato-promessa sem ter de pagar a remuneração acordada.

Vai na mesma linha o n.º 3 da cláusula 5.ª, ao estabelecer que o pagamento da remuneração apenas será efectuado nas seguintes condições… Através desta norma de aparente salvaguarda da posição do cliente, de novo é inculcada, a um declaratário normal, a falsa ideia de que, antes da celebração do contrato-promessa, em caso algum, nomeadamente no de desistência de celebração do negócio objecto do contrato por parte do cliente, é devida a remuneração acordada.

Finalmente, o n.º 4 da cláusula 5.ª estabelece que o direito à remuneração não é afastado pelo exercício de direito legal de preferência sobre o imóvel. Assim se reforça ainda mais a ideia, criada pelo n.º 2 da cláusula 4.ª e já reforçada pelos n.ºs 1 e 3 da cláusula 5.ª, de que o contrato prevê a totalidade das hipóteses em que a remuneração acordada é devida à mediadora. Prevendo o contrato, como causa de atribuição do direito à remuneração, a hipótese, pouco frequente, de exercício de direito legal de preferência sobre o imóvel, um declaratário normal não suspeitará de que tal aparente preocupação em detalhar as hipóteses em que a remuneração é devida deixou, afinal, de fora a especificação daquele que é, porventura, o efeito mais gravoso do regime de exclusividade, pois cerceia a liberdade do cliente, na medida em que este, continuando embora a poder desistir do negócio, terá, ainda assim, de pagar a retribuição acordada à mediadora.

Concluímos, assim, que o contrato induz em erro os clientes que não conheçam o RJAMI, que são a generalidade. Sendo estipulado o regime de exclusividade, aqueles clientes acabam por ver limitada a sua liberdade de deixar de celebrar o negócio objecto do contrato sem disso se aperceberem.

Em face do que acabámos de concluir, fica refutada a alegação da recorrente segundo a qual a desistência da venda do imóvel por parte do recorrido (…) viola o princípio da boa-fé no cumprimento dos contratos. Foi a actuação da recorrente, ao apresentar a minuta de contrato que o recorrido (…) assinou (cfr. o n.º 7 da matéria de facto provada), que violou o dever de actuar de boa fé na formação do contrato, pelas razões expostas. O recurso à cláusula geral da boa fé não é necessária para alcançar a solução imposta pelo sistema, dada a existência de norma legal que expressamente sanciona a actuação da recorrente com a nulidade do contrato, como vimos anteriormente. Contudo, o reconhecimento de que a recorrente violou o seu dever de boa fé na formação do contrato arreda a possibilidade de qualificar a conduta do recorrido (…) como atentatória daquele princípio. É a própria prática contratual da recorrente que fomenta a existência de situações como a dos autos.

Apesar de, em face da exposição anterior, se ter tornado desnecessária a análise dos fundamentos que levaram o tribunal a quo a concluir que a recorrida (…) não se encontra obrigada a pagar qualquer remuneração à recorrente (repetimos: em qualquer caso, o contrato é, à luz do RJAMI e sem necessidade de recurso ao RJCCG, nulo, pelo que a retribuição não é devida por nenhum dos recorridos), deixamos uma última nota, sobre a alegada contradição entre a decisão de julgar não provado que a recorrente comunicou, à recorrida (…), o regime de exclusividade previsto na cláusula 4.ª do contrato, e a de julgar provado que esta recorrida pretendeu vincular-se ao mesmo contrato, através da assinatura de uma adenda. Tal contradição não se verifica. É verdade que, como a recorrente sustenta, a recorrida (…), ao assinar a adenda, revelou ter conhecimento da existência do contrato e demonstrou a intenção de aderir ao conteúdo deste. Todavia, ter conhecimento da existência do contrato e demonstrar a intenção de aderir ao conteúdo deste não implica, nem que a recorrente tenha comunicado, à recorrida (…), o regime de exclusividade previsto na cláusula 4.ª, nem que a recorrida (…) tivesse efectivamente conhecimento de todo aquele conteúdo. É possível que a recorrida (…), conhecendo a existência do contrato, tenha querido passar a ser parte nele, aderindo ao seu conteúdo, sem conhecer todo esse conteúdo, nomeadamente que o mesmo fora celebrado em regime de exclusividade.

Concluindo, o tribunal a quo decidiu acertadamente ao absolver os recorridos do pedido, devendo o recurso ser julgado improcedente.


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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas a cargo do recorrente.

Notifique.


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Sumário: (…)

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Évora, 11.01.2024

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

Ana Margarida Leite (1.ª adjunta)

Eduarda Branquinho (2.ª adjunta)