Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
306/13.9TBGLG.E2
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: PRINCÍPIO DA PLENITUDE DA ASSISTÊNCIA DOS JUÍZES
NULIDADE PROCESSUAL
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
DECLARAÇÕES DE PARTE
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Data do Acordão: 03/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I – Anulada a decisão sobre a matéria de facto a fim de a mesma ser ampliada, a realização de novo julgamento e a prolação da subsequente sentença por juiz diferente do que realizou o primeiro julgamento viola o princípio da plenitude da assistência do juiz.
II – Tal violação constitui uma simples nulidade processual, inominada ou secundária, que só é apreciada mediante reclamação da parte interessada na repetição ou eliminação do ato e que deve ser alegada no prazo de 10 dias a contar de qualquer intervenção da parte na ação ou da sua notificação para qualquer termo do processo, sempre que a parte não esteja presente no momento em que ela foi cometida (arts. 149º, nº 1, 195º, 196º, 2ª parte, 197º e 199º, nº 1, do CPC).
III - Aceitando-se que o princípio do inquisitório se desenha hoje como um poder dever do juiz, tem este a obrigação de ordenar as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer, o que seguramente pretende significar que o juiz pode ordenar diligências probatórias para o efeito de apurar a verdade, mas só dos factos articulados pelas partes (art. 5º do CPC) e controvertidos (art. 596º do CPC).
IV - No caso concreto, não tendo sido alegado nos articulados o valor de mercado do imóvel que foi adjudicado à ré, após licitação, no processo de inventário, vedado estava à Sr.ª Juíza a quo ordenar a realização de uma perícia com vista a apurar o valor de mercado do imóvel.
V - As declarações de parte que não constituam confissão só devem ser valoradas, favoravelmente à parte que as produziu, se obtiverem suficiente confirmação noutros meios de prova produzidos e/ou constantes dos autos.
VI – O enriquecimento sem causa, enquanto fonte obrigacional específica, pressupõe a existência de uma “causa justificativa” da deslocação patrimonial.
VI – Inexiste tal “causa justificativa” se um dos cônjuges, ainda em solteiro, efetua despesas com a construção da habitação que veio a ser a casa de morada de família, a qual no inventário subsequente ao divórcio do casal foi considerada um bem comum e veio a ser adjudicada ao outro cônjuge, que ficou responsável pelo passivo resultante de um empréstimo bancário, recebendo o outro cônjuge as respetivas tornas.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
AA instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra BB pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 34.542,88, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de € 2.964,06, e vincendos até integral pagamento.
Alegou, em síntese, que em 7 de Outubro de 2008, por decisão proferida na Conservatória do Registo Predial da Golegã, foi decretado o divórcio entre o autor e a ré, tendo sido posteriormente instaurado processo de inventário para separação de meações, tendo o autor relacionado, em sede de passivo, várias quantias que discrimina, por si pagas enquanto solteiro, relativas a trabalhos realizados em imóvel que era bem comum do dissolvido casal, sucedendo que na conferência de interessados realizada no aludido processo de inventário a ré não aprovou aquele passivo, sendo tal questão relegada para os meios comuns, a que acresce o facto de o referido imóvel ter sido adjudicado à ré.
A ré contestou, invocando a prescrição do direito a que o autor se arroga, por terem já decorrido mais de três anos entre a data em que foi decretado o divórcio e a data da propositura da ação.
Alegou ainda a ré que os bens comuns do casal já foram partilhados, nomeadamente o imóvel, casa de morada de família, o qual lhe foi adjudicado com a inerente responsabilidade pelo pagamento do empréstimo, razão pela qual, o autor não pode, nesta sede, ser ressarcido de quaisquer quantias.
O autor respondeu à exceção de prescrição, concluindo pela sua improcedência.
Foi realizada audiência prévia, tendo sido julgada improcedente a exceção de prescrição.
Proferido despacho saneador, procedeu-se à identificação do objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Instruído o processo, seguiram os autos para julgamento e, a final, foi proferida sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 25.342, 88 acrescida de juros civis de mora à taxa legal desde a citação.
Inconformada, apelou a ré do assim decidido, tendo sido julgada procedente a apelação com a absolvição daquela do pedido.
Irresignado com o acórdão desta Relação, recorreu o autor, de revista, tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 24.01.2016, a fls. 305 a 316 dos autos, anulado a decisão sobre a matéria de facto para ampliação da mesma, determinando a baixa dos autos diretamente à 1ª instância.
Recebidos os autos naquela instância, foi fixada factualidade a aditar aos temas da prova anteriormente estabelecidos, como resulta do despacho proferido a fls. 322, e notificadas as partes para indicar a prova a produzir quanto ao facto aditado.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a ação improcedente, absolveu a ré do pedido.
De novo inconformado, apelou o autor, apresentando as seguintes conclusões:
«I - A sentença recorrida enferma de diversos erros, salvo o devido respeito evidentes, quer na apreciação da prova e consequentemente decisão da matéria de facto, quer na aplicação do direito.
II - A decisão proferida em primeira instância, cuja ampliação da base instrutória foi determinada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, não determinou a anulação de toda a prova produzida em Juízo, mas antes sim a ampliação da decisão de facto, nos termos Doutamente ordenados.
III - A audiência de julgamento foi reaberta pela Meritíssima Senhora Juiz CC, cfr. resulta da acta da audiência de discussão e julgamento, realizada em 21/04/2017.
IV - A Meritíssima Senhora DD encontra-se a desempenhar funções no Juízo Local Cível de Santarém – Juiz 2,
V - O segundo julgamento (destinado a ampliar a matéria de facto e a responder aos quesitos ou pontos de facto anulados pelo Tribunal Superior) não pode considerar-se um novo julgamento, completamente autónomo, diverso e estanque em relação ao primeiro.
VI - O segundo julgamento será sempre uma continuação do mesmo julgamento (o primeiro) tem de ser retomado, não obstante a demais matéria de facto, não atingida pela anulação, se manter, por princípio, intocada.
VII - O segundo julgamento não é, em absoluto, estanque relativamente ao primeiro, na estrita medida em que, como resultava do citado art. 712º, n.º 4 do CPC (na anterior versão) e se mantém hoje no art. 662º, n.º 3 al. c)- do novo CPC, sempre poderá ser necessária a apreciação da matéria de facto antes julgada, para evitar contradições.
VIII - O julgamento seja efetuado, preferencialmente, pelo mesmo juiz, salvo nos casos em que tal se mostre inviável por impossibilidade do juiz que presidiu ao primeiro julgamento - no art. 605º, n.º 3 do atual CPC.
IX - Salvo caso de impossibilidade para o exercício do cargo ou grave dificuldade (que torne preferível a repetição integral dos actos praticados no anterior julgamento), a tarefa do julgamento da matéria de facto e a própria elaboração da sentença (cfr. n.º 4 do art. 605º) deverão estar concentrados num único juiz
X - O aludido princípio que subjaz do preceituado no art. 662º, als. b) e d), ao ali se apontar para conceitos como “se for inviável obter a sua fundamentação pelo mesmo juiz…” ou “se não for possível obter a fundamentação pelo mesmo juiz ou repetir a produção da prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.”
XI - O artigo 218º do novo CPC, consigna que quando o processo volte à Relação ou ao Supremo, seja por via de interposição de apelação de nova sentença proferida em 1ª instância após revogação da primeira pela Relação, nos termos do art. 662º, n.º 2 al. c)-, seja em consequência da revogação pelo Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, nos termos dos arts. 682º, n.º 3 e 683º, dispôs que não há lugar a nova distribuição, quer na Relação, quer no Supremo, mantendo-se, sempre que possível, o mesmo relator da 1ª decisão. (Cfr. J. LEBRE de FREITAS, ISABEL ALEXANDRE, “ Código de Processo Civil Anotado ”, 1º volume, 3ª edição, Coimbra Editora, 2014, pág. 408. E Acórdão TR de Guimarães de 19/05/2016, Proc.1454/03.9TBMDL.G1, Jorge Seabra, www.dgsi.pt)
XII - A Meritíssima Juiz que iniciou o julgamento encontra-se em funções e sendo-lhe possível realizar/concluir o julgamento dos presentes autos deverá ser esta a presidir à conclusão destes autos no que tange ao apuramento da matéria ampliada pelo Supremo Tribunal da Justiça.
XIII - A decisão recorrida ser revogada por outra que faça prosseguir os autos para julgamento, a ser presidido pela Meritíssima Senhora Juiz que o iniciou.
XIV - A sentença recorrida é nula por não estar assinada pela juíza que a proferiu, violando o artigo 615º, nº.1, alínea a) do Código de Processo Civil.
XV - A decisão recorrida nula por violação do Principio do Inquisitório, constante do artigo 411º do Código de Processo Civil ao ter julgado a presente ação improcedente por não provada considerando, considerando para tal como não provada a factualidade aditada em particular a vertida nos pontos 2.13 dos factos não provados da decisão recorrida, com fundamento na resposta negativa ao Ponto 2.13 dos Factos não Provados na circunstancia do A. não ter alegado ou sequer atribuído valor ao prédio que era bem comum do dissolvido casal o que, por si só impede o Tribunal de poder determinar se o mesmo teria valor inferior, igual ou superior ao valor de mercado.
XVI - Confrontado com esta ausência de informação que reputou de essencial à solução jurídica a obter nada determinou para que tal valor fosse apurado, o Tribunal recorrido estava obrigado a esse dever que, não cumprido, configura nulidade que desde já se invoca para todos os efeitos legais, nos termos do artigo 411º Código de Processo Civil.
XVII - O nº.3 do artº.265º do CPC, consagra um poder-dever do juiz, pelo que o juiz pode e deve ordenar diligências probatórias para o efeito de apurar a verdade, mas só dos factos articulados pelas partes (parte final do artigo 664º do CPC e controvertidos (artigo 511º, nº.1 do mesmo Código), o que não sucedeu no presente caso - cfr. Acórdão STJ, Proc.3521/00, 1ª, de 11.1.2001, Sumários, 47º-11, Anotação 6. ao Artigo 411º do CPC Anotado, Abílio Neto, 4ª Edição, Março 2017, Ediforum.
XVIII - Não tendo o juiz “a quo” tomado qualquer iniciativa e não constando do processo todos os elementos de prova que permitam a reapreciação da matéria de facto, nos termos do disposto no art.662º, nº.2, al.c) do NCPC, deve a Relação, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida pela 1ª instancia, devendo o Tribunal “a quo” ordenar oficiosamente a realização das diligencias necessárias com vista a alcançar a verdade material, no âmbito do poder-dever de direcção do processo.” - (Ac. TRG de 29.09.2016, Proc.3/14.8TJVNF.G1., www.dgsi.net, in Anotação 15 ao Artigo 411º do CPC Anotado, Abílio Neto, 4ª Edição, Março 2017, Ediforum.
XIX - É atento o supra descrito que a decisão recorrida, deve ser revogada por outra que determine, oficiosamente, a realização das diligências probatórias tendentes a apurar o valor do prédio edificado que era bem comum do dissolvido casal.
XX - A decisão recorrida, como determinado pelo Supremo Tribunal de Justiça teria de responder à matéria aditada aos temas da prova, o que não fez, cfr. despacho de 27/07/2017, nomeadamente, saber: “Se os valores dados como assentes como despendidos pelo A. (facto E dos factos dados como provados da decisão de fls.126 e ss) não foram incluídos na fixação do valor por que foi o mesmo imóvel adjudicado à R. .”
XXI - A decisão recorrida não conseguiu conjugar os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelo A., com os documentos juntos aos autos.
XXII - A decisão proferida pelo Tribunal recorrida no Ponto 2.13 dos factos não provados deveria ter determinado que os valores descritos nos Pontos 1.5, 1.6, 2.1 a 2.12 não foram contabilizados no valor da adjudicação do prédio referido em 1.5.
XXIII - E a conclusão que se pode extrair da prova produzida é que não se encontravam os valores incluídos no preço
XXIV - E porque assim é, não obstante não ter sido requerida por qualquer das partes poderia e deveria o Tribunal recorrido, ao abrigo do Principio do Inquisitório (artigo 411º do Código de Processo Civil) ter determinado a realização de perícia que, procedesse à avaliação do prédio em apreço, após o que deveriam ter sido deduzidas as quantias empregues pelo A. na edificação do mesmo, constantes do Ponto E da matéria dada como provada.
XXV - Com efeito, A R. em sede de partilha procedeu ao pagamento ao A. da sua quota parte, que lhe era devida, pela sua meação.
XVI - Questão diversa é a vertida nos autos em que o A. pretende ser ressarcido das quantias empregues no prédio, ainda no estado de solteiro, que lhe não foram pagas pela R..
XXVII - Estas quantias em nada se confundem com a meação a que a R. tem direito. Estamos perante um direito de credito do A. e que lhe terá de ser pago pela R. .
XXVIII - E direito de credito porque as quantias empregues o foram pelo A. ainda no estado de solteiro.
XXIX - Ora, nunca poderiam tais valores estar incluídos na meação a que o A. tem direito e lhe foi paga por se tratarem de um bem próprio daquele.
XXX - Esta factualidade ficou devidamente sustentada pelos depoimentos prestados em juízo pelas testemunhas arroladas pelo A. .
XXXI - Ficou provado que o A. empregou quantias suas no prédio, quantias estas que nunca poderão ser entendidas como de bem comum do dissolvido casal de tratem sob pena de enriquecimento sem causa da R. .
XXXII - Bem como ficou provado pelo depoimento do A. quais as demais despesas custeadas por si, com importâncias monetárias que já detinha no estado de solteiro e pagas para a edificação do prédio, ainda antes de contrair matrimónio com a R.
XXXIII - Torna-se inequívoco que o A. empregou inúmeras quantias que detinha, ainda antes de contrair matrimónio com a R. na edificação do prédio que passou a ser bem comum do dissolvido casal.
XXXIV - O prédio urbano, que é bem comum do dissolvido casal, em nada se confunde com o direito de credito que o A. detém sobre a R. e que se encontrava devidamente relacionado em sede de Passivo na Relação de Bens no Processo de Inventário para Separação de Meações entre A. e R. .
XXXV - Ficou também demonstrado que as mencionadas quantias empregues pelo A. não resultam do mútuo contratado pelo dissolvido casal na medida em que o custo de edificação do prédio excedeu o valor mutuado.
XXXVI - E porque assim é e não tendo sido aprovado o passivo apenas ao A. restaria o recurso aos meios comuns para aí reivindicar o seu direito de credito que detinha sobre o dissolvido casal.
XXXVII - Acresce que as quantias descritas no Ponto E) dos factos provados, pagas pelo A., no estado de solteiro, não têm qualquer correlação nos valores do próprio imóvel.
XXXVIII - Com efeito, ainda que se entenda que o imóvel tem um determinado valor, que não importa nesta análise determinar, a verdade é que o A. terá sempre direito a receber o que empregou no imóvel.
XXXIX - Deve dissociar-se o que é a meação do A. e por outro lado o que é o seu direito de credito que detém atentos os valores, seus, empregues no prédio e de que a R. não deverá beneficiar sob pena de enriquecimento sem causa.
XL - Se as mencionadas quantias, vertidas no Ponto E. da matéria dada como provada estivessem englobadas no valor do prédio conduziriam a uma situação de enriquecimento sem causa da R.
XLI – Deverá a decisão sob recurso ser revogada e lavrado acórdão que a substitua julgando como provado o Ponto 2.13 da factualidade dada como não provada constante da decisão recorrida.
XLII – Deverá ainda a decisão recorrida ser revogada e lavrado acórdão que determine a violação do principio da plenitude da assistência do juiz, determinando-se o prosseguimento dos autos que deverão ser presididos pela Meritíssima Juiz que iniciou os presentes autos.
XLIII – Deverá a sentença ser declarada nula por não conter a assinatura, física ou digital, da Meritíssima Juiz que a proferiu.
XLIV – Deve ainda a decisão recorrida ser substituída por outra que determine que os presentes autos baixem e que seja determinada a realização de perícia ao prédio objecto de discussão nos autos, por violação do princípio do inquisitório, contante do artigo 411º do Código de Processo Civil, para que dessa forma, seguindo o raciocínio da decisão sob recurso se possa aferir se no prédio se encontram ou não incluídos os valores custeados pelo A.
XLV – A decisão sob recurso violou os artigos 218º, 411º, 607º, nº.1 e 6, 526º, 662º, nº.3, al.s b), c) e d), 605º, nº.3, 218º e 615, nº.1, al. a) todos do NCPC e artigo 1346º do Código de Processo Civil.
Termos em que, deve a sentença sob recurso ser revogada e, em consequência, ser lavrado acórdão que julgue procedente por provada a ação intentada pelo A., condenando a R. no peticionado. Caso assim se não entenda, deverá ser lavrado acórdão que julgue nula a sentença recorrida, ou ainda, em alternativa, a revogue por violação do princípio do inquisitório determinando sejam os autos remetidos à primeira instância para realização de perícia ao prédio partilhado.
Assim se fará JUSTIÇA».
Não foram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões que importa resolver consistem em saber:
- se houve violação do princípio da plenitude da assistência do juiz:
- se a sentença é nula;
- se deve ser alterada a decisão sobre matéria de facto;
- se julgada procedente a questão atinente à matéria de facto, deve a ré ser condenada no pagamento da quantia peticionada pelo autor a título de enriquecimento sem causa.

III – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA
A 1ª instância deu como como provada a seguinte factualidade:
1.1. Por decisão proferida na Conservatória do Registo Civil da Golegã, no processo N.º 3398/2008, foi decretado em 7 de Outubro de 2008, o divórcio entre o A. e a R., os quais haviam constituído matrimónio em 27 de Outubro de 2007, no regime da comunhão de adquiridos, sem convenção antenupcial – art. 1º da petição inicial.
1.2. Posteriormente foi instaurado processo de inventário para separação de meações, o qual correu termos no Tribunal Judicial da Comarca da Golegã sob o n.º 98/09.6TBGLG, em que o A. veio a relacionar em sede de passivo diversas quantias – art. 2º da petição inicial.
1.3. Em sede de passivo, na relação de bens apresentada em juízo, o A. relacionou os seguintes valores:
a) a quantia de € 72.970,05 euros (setenta e dois mil novecentos e setenta euros e cinco cêntimos) que o dissolvido casal deve ao Banco EE, (…), quantia que provém da conta de crédito à Habitação Geral;
b) a quantia de € 100,00 euros que o dissolvido casal deve ao cabeça-de-casal AA, proveniente de despesas por aquele efetuadas com a emissão do certificado da instalação de gás;
c) a quantia de € 300,00 euros que o dissolvido casal deve ao cabeça-de-casal AA, proveniente de despesas por aquele efetuadas com a emissão do certificado de conformidade da instalação de telecomunicações;
d) a quantia de € 2.500,00 Euros que o dissolvido casal deve ao cabeça-de-casal AA, proveniente do pagamento por aquele efetuado ao do projeto de arquitetura;
e) a quantia de € 24.200,00 Euros que o dissolvido casal deve ao cabeça-de-casal AA, proveniente do pagamento por aquele efetuado à sociedade P… & G…, pela execução dos trabalhos de construção civil realizados no prédio que é propriedade do dissolvido casal;
f) a quantia de € 250,00 Euros que o dissolvido casal deve ao cabeça-de-casal AA, proveniente do pagamento por aquele efetuado pela emissão do certificado energético;
g) a quantia de € 398,00 Euros que o dissolvido casal deve ao cabeça-de-casal AA, proveniente do pagamento por aquele efetuado do material elétrico utilizado na construção do prédio que é bem comum do casal;
h) a quantia de € 740,00 Euros que o dissolvido casal deve ao cabeça-de-casal AA, proveniente do pagamento por aquele efetuado das pedras utilizadas no prédio à sociedade P… & G…;
i) a quantia de € 163,50 Euros que o dissolvido casal deve ao cabeça-de-casal AA, proveniente do pagamento da licença de utilização por aquele efetuado;
j) a quantia de € 2.500,00 Euros que o dissolvido casal deve ao cabeça-de-casal AA, proveniente do pagamento por aquele efetuado do mobiliário de cozinha no prédio que é bem comum do dissolvido casal;
k) a quantia de € 4.168,14 Euros que o dissolvido casal deve à sociedade comercial por quotas denominada V… & R…, Ld.ª, com sede na Rua …, Pedrógão, referente à compra de diverso mobiliário de cozinha – arts. 3º e 6º da petição inicial.
1.4. Na conferência de interessados a R. não aprovou o passivo referido em 1.3., tendo a questão sido relegada para os meios comuns – arts. 7º e 8º da petição inicial.
1.5. Aquando da edificação do prédio urbano sito no Largo …, número 2 de polícia, freguesia e concelho da Golegã, que se compõe de casa de rés-do-chão e 1.º andar, para habitação, anexos e logradouro, com a área de 150 mts2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …/Golegã, inscrito na matriz respetiva sob o artigo …º, o A., ainda solteiro, a suas expensas pagou: a quantia de € 24.200,00 euros (vinte e quatro mil e duzentos euros), em que se inclui o IVA devido, para liquidação de parte do preço devido à sociedade construtora P… G…, Ld.ª, pela empreitada àquela sociedade construtora adjudicada; a quantia de € 675,00 euros (seiscentos e setenta e cinco euros) a título de metade dos honorários devidos ao engenheiro civil responsável pela obra; a quantia de € 304,38 Euros (trezentos e quatro euros e trinta e oito cêntimos), referentes ao pagamento, junto do Município da Golegã, relativo ao licenciamento da ocupação da via pública para os trabalhos de construção civil de edificação do prédio entretanto adjudicado à R.; a quantia de € 163,50 euros (cento e sessenta e três euros e cinquenta cêntimos), proveniente do pagamento da licença de utilização por aquele efetuado – arts. 9º, 10º, 12º, 17º a 19º, 14º, 22º a 30º, 36º a 40º e 53º a 56º da petição inicial.
1.6. A 8 de Maio de 2009, no estado de divorciado da R., o A. pagou à G … – Consultores de Engenharia, Ld.ª, a quantia de € 300,00 euros (trezentos euros) para liquidação da emissão de certificação energética no prédio edificado – arts. 61º a 63º da petição inicial.
1.7. O imóvel referido em 1.5., primeira parte, foi adjudicado à R., ficando o passivo de € 70.041,23 a cargo da mesma, tendo o credor bancário declarado nada ter a opor à adjudicação, pese embora se tenha oposto a que fique apenas a R. responsável pelo pagamento - art. 13º da petição inicial.
1.8. A relação de bens partilhados na conferência de interessados consta de fls. 82 v.º a fls. 84 dos autos, cujo teor de dá por reproduzido – art. 3º da petição inicial.
1.9. O prédio referido em 1.5. foi relacionado na relação de bens apresentada pelo A. com o valor de € 8.899,20 – art. 6º da contestação.
1.10. O prédio referido em 1.5. foi adjudicado à A. pelo valor de 80.000,00, após licitação – art. 13º da contestação.
E considerou não provados os seguintes factos:
2.1. O A. pagou a quantia de € 72.970,05 euros (setenta e dois mil novecentos e setenta euros e cinco cêntimos) que o dissolvido casal deve ao banco EE, S.A., (…), quantia que provém de conta de crédito à habitação geral - art. 6º, al. a), da petição inicial.
2.2. O A. pagou a quantia de € 1.590,00 euros (mil quinhentos e noventa euros) para aquisição de mobiliário junto dos Móveis A…, pelo que terá direito a receber da R. a quantia de € 750,00 euros, correspondente a metade do valor suportado pela aquisição dos mencionados bens móveis – arts. 49º a 51º da petição inicial.
2.3. O A. pagou a quantia de € 740,00 euros que o dissolvido casal deve ao cabeça-de-casal AA, proveniente do pagamento por aquele efetuado das pedras utilizadas no prédio à sociedade Pereira & Gameiro – art. 6º, al. h), da petição inicial.
2.4. O A. pagou a quantia de € 2.500,00 euros proveniente do pagamento por aquele efetuado do mobiliário de cozinha no prédio que é bem comum do casal – art. 6º, al. j), da petição inicial.
2.5. O A. pagou a quantia de € 4.168,14 Euros que o dissolvido casal deve à sociedade comercial por quotas denominada V… & R…, Ld.ª, (…), referente à compra de diverso mobiliário de cozinha – art. 6º, al. k), da petição inicial.
2.6. O A. pagou a quantia de € 250,00 Euros que o dissolvido casal deve ao cabeça-de-casal AA, proveniente do pagamento por aquele efetuado pela emissão do certificado energético – art. 6º, al. f), da petição inicial.
2.7. O A. pagou a quantia de € 100,00 euros que o dissolvido casal deve ao cabeça-de-casal AA, proveniente de despesas por aquele efetuadas com a emissão do certificado da instalação de gás – art. 6º, al. b), da petição inicial.
2.8. O A. pagou a quantia de € 300,00 euros que o dissolvido casal deve ao cabeça-de-casal AA, proveniente de despesas por aquele efetuadas com a emissão do certificado de conformidade da instalação de telecomunicações – arts. 58º a 60º da petição inicial.
2.9. O A. pagou a quantia de € 2.500,00 Euros que o dissolvido casal deve ao cabeça-de-casal AA, proveniente do pagamento por aquele efetuado ao do projeto de arquitetura – art. 6º, al. d), da petição inicial.
2.10. Em 18 de Junho de 2010, o A. pagou à sociedade V… & R…, Ld.ª, a quantia de € 1.950,00 euros (mil novecentos e cinquenta euros), referente a parte do preço contratado para a execução da cozinha existente no interior do prédio entretanto adjudicado à R. – arts. 64º a 67º da petição inicial.
2.11. o A. pagou a quantia de € 398,00 Euros que o dissolvido casal deve ao cabeça-de-casal AA, proveniente do pagamento por aquele efetuado do material elétrico utilizado na construção do prédio que é bem comum do casal – art. 6º, al. g), da petição inicial.
2.12. O A. pagou a quantia de € 11.710,00 euros para a aquisição de diverso mobiliário – art. 43º a 45º da petição inicial.
2.13. Os valores referidos em 1.5., 1.6. e 2.1. a 2.12. não foram tidos em conta no valor de adjudicação do prédio referido em 1.5. - art. 84º e 85º da petição inicial.

Da violação do princípio da plenitude da assistência do juiz
Segundo o recorrente houve violação do princípio da plenitude da assistência do juiz, pois encontrando-se em funções a Sr.ª Juíza que iniciou o julgamento e sendo-lhe possível realizar/concluir o julgamento dos presentes autos deverá ser esta a presidir à conclusão destes autos no que tange ao apuramento da matéria de facto mandada ampliar pelo Supremo Tribunal da Justiça, impondo-se assim a revogação da decisão recorrida por outra que faça prosseguir os autos para julgamento, a ser presidido pela Sr.ª Juíza que o iniciou.
O princípio da plenitude da assistência do juiz é um corolário dos princípios da oralidade e da apreciação da prova: para a formação da livre convicção do julgador, este terá de ser o mesmo ao longo de todos os atos de instrução e discussão da causa realizados em audiência.
No CPC de 1961, o princípio da plenitude da assistência dos juízes só valia para os atos de produção da prova e de julgamento da matéria de facto – e, portanto, para a fase da audiência – e não também para a fase da sentença[1]. Por esse motivo, o proferimento da sentença por juiz diferente daquele que decidiu a matéria de facto não infringia aquele princípio – nem, aliás, qualquer outro princípio ou norma processual[2]. Ao proferimento da sentença por juiz distinto do decisor da matéria de facto não se associava, portanto, qualquer valor negativo – muito menos o da nulidade substancial ou de conteúdo da sentença, dado, além do mais, o carácter taxativo dessas causas de nulidade[3], entre as quais se não contava – nem se conta – a heterogeneidade do decisor de facto e do juiz da sentença.
O Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 29 de Junho, removeu da fase da audiência o julgamento da matéria de facto e concentrou-o na fase da sentença: o julgamento da matéria de facto passou assim a conter-se na sentença final (art. 607º, nº 4). Note-se que esta regra não se limita a exigir a identidade ou unidade do decisor da matéria de facto e do decisor da sentença final, antes impõe a concentração da decisão da questão de facto e da questão de direito - interpretação e aplicação das correspondentes normas jurídicas – num mesmo ato: a sentença final.
Por força dessa concentração, o princípio da plenitude da assistência dos juízes passou a valer, lógica e necessariamente, também para a fase da sentença, dado que como a matéria de facto é agora decidida na sentença final, esta sentença só pode ser proferida pelo juiz que assistiu aos atos de instrução e discussão praticados na audiência ou audiências de discussão e julgamento. E para assegurar o princípio da plenitude vincou-se, sem qualquer exceção, que no caso de transferência ou promoção, o juiz que assistiu aos atos de instrução e discussão praticados na audiência, profere, sempre, a sentença (art. 605º, nº 4, do CPC).
O princípio aplica-se também quando, total ou parcialmente anulado o julgamento efetuado, a audiência final tenha de ser repetida nos termos do art. 662º, nº 2, al. c), do CPC. [4]
Foi o que sucedeu no caso em apreço, em que o STJ anulou a decisão sobre a matéria de facto a fim de a mesma ser ampliada, nos termos do acórdão de 24.01.2016, a fls. 305 a 316 dos autos.
Tem assim razão o recorrente quando diz que houve violação do princípio da plenitude da assistência do juiz, pois aceitando como verdadeiro o facto de a Sr.ª Juíza que iniciou o julgamento se manter em exercício de funções no Juízo Local Cível de Santarém, deveria o segundo julgamento ter sido presidido por aquela Sr.ª Juíza, que foi quem o iniciou.
Daqui não se segue, porém, que tenha de se proceder a novo julgamento com a juíza que presidiu ao primeiro julgamento, como defende o recorrente.
Neste caso ocorre uma simples nulidade processual, inominada ou secundária – e não uma nulidade da sentença, sujeita a um numerus clausus - que só é apreciada mediante reclamação da parte interessada na repetição ou eliminação do ato e que deve ser alegada no prazo de 10 dias a contar de qualquer intervenção da parte na ação ou da sua notificação para qualquer termo do processo, sempre que a parte não esteja presente no momento em que ela foi cometida (arts. 149º, nº 1, 195º, 196º, 2ª parte, 197º e 199º, nº 1, do CPC). Esta nulidade deve ser imediatamente julgada pelo tribunal após a resposta da contraparte (arts. 200º, nº 3 e 201º do CPC).
Ora, «o que pode ser impugnado no recurso é uma decisão do tribunal a quo anterior, pelo que é claro que a parte não pode aproveitar esse recurso para suscitar ex-novo uma qualquer questão que deveria ter colocado em momento anterior. Assim, no caso de nulidades cometidas na 1ª instância, o que pode ser impugnado por via do recurso é a decisão que conhecer da reclamação por nulidade – e não a nulidade ela mesma. O recurso é um instrumento de impugnação de decisões judiciais e não um meio de julgamento de questões novas. A perda do direito à impugnação por via da reclamação – v.g., por caducidade – importa a extinção do direito à impugnação por via do recurso ordinário.
Isto só não é assim no tocante às nulidades cujo prazo de arguição comece a correr depois da expedição do recurso para o tribunal ad quem e no tocante às nulidades que sejam de conhecimento oficioso e de que seja lícito conhecer em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas, dado que estas últimas constituem objecto implícito do recurso, pelo podem ser sempre alegadas no recurso ainda que anteriormente o não tenham sido (artº 199 nº 3 do NCPC)».[5]
Mas não é isto que sucede com a nulidade em apreço, a qual não é de conhecimento oficioso, tendo o prazo da sua arguição se esgotado antes muito antes da expedição do recurso para esta Relação.
Com efeito, in casu é claro que o recorrente tomou conhecimento da nulidade em causa no momento em que teve início o segundo julgamento, no qual esteve presente o seu mandatário, que nada opôs ao facto do mesmo decorrer sob a presidência da Sr.ª Juíza Dr.ª CC.
Como aquele julgamento teve lugar em 21.04.2017 (cfr. ata de fls. 348) e o recorrente só arguiu a nulidade na alegação do seu recurso, oferecida no dia 02.10.2017, é irrecusável a extinção, por caducidade, do direito de reclamar contra ela (arts. 144º, nºs 1 a 3, 145º, nºs 1 e 3 e 153º, nº 1 do CPC).
A nulidade apontada – além de não constituir fundamento e objeto admissível do recurso – deve, por isso, considerar-se sanada ou suprida.
Como se escreveu no acórdão da Relação de Coimbra de 18.03.2014 citado supra, que aqui seguimos de perto, «[a] conclusão de que as nulidades inominadas ou secundárias não constituem objecto admissível do recurso encontra, no NCPC, um argumento irrespondível. Entre as decisões irrecorríveis contam-se as proferidas sobre as nulidades inominadas ou secundárias, excepto se contenderem com os princípios da igualdade e do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios de prova probatórios (artº 630 nº 1 do NCPC).
Ora, se não é admissível recurso da decisão proferida sobre a arguição de nulidades inominadas ou secundárias – desde que não referidas à violação dos princípios estruturantes da igualdade, do contraditório ou do direito à prova - por argumento a fortiori, muito menos será admissível argui-las directamente, ex-novo, perante o tribunal ad quem».
Assim, não há motivo para, com fundamento na violação do princípio da plenitude, concluir pela repetição do julgamento pela Sr.ª Juíza que iniciou o julgamento.
Improcede, por conseguinte, este segmento do recurso.

Da nulidade da sentença
Segundo o recorrente a sentença é nula por falta de assinatura do juiz e por “violação do princípio do inquisitório”.
É sabido que as causas de nulidade da sentença vêm taxativamente enunciadas no artº 615º, nº 1, do Código de Processo Civil (CPC), onde se estabelece, que é nula a sentença “quando não contenha a assinatura do juiz [al. a)].
Ora, a sentença de fls. 352 a 368 está assinada pela Sr.ª Juíza que a elaborou, mostrando-se ainda rubricadas as respetivas folhas.
Como se consignou no despacho de admissão do recurso, proferido em 11.12.2017, a fls. 475 dos autos, a assinatura foi aposta na data da prolação, «manualmente e não electronicamente, porquanto, à data, por extravio do cartão, não era possível à signatária assinar electronicamente a mesma peça».
Ademais, como também se observou no aludido despacho, tal nulidade sempre seria suprível pela aposição da assinatura em momento posterior, nos termos do art. 615º, nº 2, do CPC, mesmo oficiosamente, o que no caso não foi necessário visto a assinatura ter sido aposta na data em que a sentença foi proferida.
Improcede, pois, a arguida nulidade.

Diz ainda o recorrente que a sentença é nula por violação do princípio do inquisitório, pois ao ter julgado a presente ação improcedente por não provada, considerando para tal como não provada a factualidade aditada, em particular a vertida no ponto 2.13 dos factos não provados, fundando essa não prova no facto do autor não ter alegado ou sequer atribuído valor ao prédio que era bem comum do dissolvido casal, estava o Tribunal recorrido obrigado a ordenar diligências probatórias para o efeito de apurar a verdade, o que não fez, pelo que devem baixar os autos à 1ª instância a fim de ser «determinada a realização de perícia ao prédio objeto de discussão nos autos».
Como pacificamente vem referindo a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e das Relações, não existem razões para se confundir as nulidades processuais com as da sentença. Na verdade, do art.º 195º, nº 1, do CPC resulta que nulidade do processo é a consequência invalidante expressamente cominada na lei para a omissão de um ato de processo nela prescrito, para a prática de um ato de processo contrário ao por ela estabelecido ou de uma irregularidade cometida no processo que possa influir no exame ou na decisão da causa[6]; já a nulidade da sentença é um vício intrínseco dela como tal tipificado na lei[7]: a falta de assinatura do juiz, a ausência de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, a oposição entre as suas premissas e a conclusão, a ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível, a omissão de pronúncia sobre questões que devesse apreciar ou o conhecimento de questões que lhe estava vedado ou a decisão além ou em objeto diverso do pedido.
Daí que Amâncio Ferreira trace a seguinte linha delimitadora entre nulidades do processo e da sentença: «A distinção entre nulidades de processo e nulidades de sentença consiste fundamentalmente no seguinte: enquanto as primeiras se identificam com quaisquer desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um acto proibido, quer por se omitir um acto prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido, as segundas resultam da violação da lei processual por parte do juiz ao proferir alguma decisão, situando-se no âmbito restrito da elaboração de decisões judiciais desde que essa violação preencha um dos casos contemplados no n.º 1 do artigo 668.º».
Tendo isso presente, facilmente se vê que ao arguir a nulidade da sentença por violação do princípio do inquisitório, resultante de um poder-dever do juiz, o recorrente não está a apontar a nenhuma das situações previstas no art. 615º, nº 1, do CPC para conseguir invalidar a sentença (nulidade desta) mas, antes, a sinalizar a omissão de um poder-dever do juiz de realizar ou ordenar as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio (nulidade, por omissão, de ato de processo).
Esclarecido este ponto, vejamos então se foi cometida a nulidade em causa e, sendo-o, se a mesma não se encontra sanada.
O art. 411º do CPC, que consagra o princípio do inquisitório, determina incumbir ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
Ora, aceitando-se que este princípio se desenha hoje como um poder dever do juiz[8], tem este a obrigação de ordenar as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer, o que seguramente pretende significar que o juiz pode ordenar diligências probatórias para o efeito de apurar a verdade, mas só dos factos articulados pelas partes (art. 5º do CPC) e controvertidos (art. 596º do CPC).[9]
No caso concreto, em momento algum dos articulados foi alegado o valor de mercado do imóvel que foi adjudicado à ré, após licitação, no processo de inventário, sendo certo que era ao autor que incumbia alegar e demonstrar que o valor de € 80.000,00 pelo qual o imóvel foi adjudicado, era inferior ao valor de mercado e, desse modo, poder fazer presumir que as despesas em causa não haviam sido contempladas no valor da referida adjudicação.
Não tendo o autor ora recorrente alegado nada a este propósito, vedado estava à Sr.ª Juíza a quo ordenar a realização de uma perícia com vista a apurar o valor de mercado do imóvel.
Mas vamos – ad argumentam - que este entendimento do problema não é exato e que seria possível à Sr.ª Juíza ordenar oficiosamente a referida perícia. Neste caso haveríamos de enfrentar a questão do controlo da omissão do uso, pelo juiz, dos poderes instrutórios que a lei lhe confere.
A este respeito, no domínio do Código pré-vigente, mas plenamente atual, escreveu Nuno Lemos Jorge:[10]
«(…). Aqui, há que distinguir duas hipóteses: aquela em que o juiz decide não providenciar pela realização de certa diligência e aquela em que simplesmente a omite, sem contudo fazer recair sobre tal matéria qualquer decisão explícita ou implícita.
A primeira hipótese encontrar-se-á, normalmente associada à sugestão, por uma das partes de realização de determinada diligência probatória, a que se seguirá um despacho do juiz negando tal pretensão. O meio processual próprio para reagir contra este despacho é o recurso. Aqui sobressai a dita assimetria entre a posição das partes e a do juiz, pois dificilmente esta omissão pode ser impugnada com sucesso, em sede de recurso. É ao tribunal que cabe avaliar da necessidade da diligência para o seu esclarecimento. A parte não pode, nesta matéria, substituir-se-lhe e impor o seu próprio critério de necessidade da prova. Não é a parte que determina se o tribunal necessita ou não de mais esclarecimentos e que estes se poderão obter por determinado meio de prova. Se o tribunal se der por esclarecido, a parte não conseguirá, por regra, demonstrar, em sede de recurso, que o não devia estar. Apenas quando for evidente a omissão de uma diligência probatória cuja essencialidade se reveste indiscutível, em face dos elementos constantes do processo, é que será possível trazer à luz, para apreciação do tribunal superior, a violação do poder-dever instrutório do juiz. Serão estes os casos em que ocorre, na feliz expressão de Lopes do Rego, uma “ostensiva e injustificada omissão de diligência essencial e patentemente necessária ao apuramento da verdade dos factos”. (…).
Se a omissão de certa diligência probatória não se encontra a coberto de decisão explícita ou implícita, a omissão do poder-dever instrutório do juiz constituirá uma nulidade processual secundária, nos termos do artigo 201.º, n.º 1, uma vez que se tratará da omissão de um acto que a lei prescreve. (…)» (sublinhado nosso).
Ora, é precisamente esta última situação a que se verifica no presente caso, pelo que, entendendo o autor/recorrente que a Sr.ª Juíza, ao não ordenar a realização de uma perícia para apuramento do valor de mercado do imóvel dos autos, violava o exercício de um autónomo poder-dever de indagação oficiosa, teria de arguir a respetiva nulidade, o que não aconteceu no caso, sendo certo que o recorrente tomou conhecimento da omissão em causa no momento em que foi notificado do despacho proferido em 21.03.2017 no qual foram admitidos os meios de prova e designada data para realização da audiência de julgamento.[11]
Como o recorrente só arguiu a nulidade na alegação do seu recurso, oferecida no dia 02.10.2017, é irrecusável a extinção, por caducidade, do direito de reclamar contra ela (arts. 144º, nºs 1 a 3, 145º, nºs 1 e 3 e 153º, nº 1 do CPC).
A nulidade apontada, a existir, sempre haveria, por isso, de considerar-se sanada ou suprida.
Improcede também nesta parte o recurso

Da impugnação da matéria de facto
Como resulta do art. 662º, nº 1, do CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se os factos tidos como assentes e a prova produzida impuserem decisão diversa.
Do processo constam os elementos em que se baseou a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto – documentos, depoimentos testemunhais e declarações de parte do autor, registados em suporte digital.
Considerando o corpo das alegações e as suas conclusões, pode dizer-se que o recorrente cumpriu formalmente os ónus impostos pelo art. 640º, nºs 1 e 2, do CPC, já que: i) referiu os concretos pontos da matéria de facto que consideram incorretamente julgados; ii) indicou os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por eles propugnados; iii) a decisão que no seu entender deveria sobre eles ter sido proferida; iv) e ainda as passagens da gravação em que se funda o recurso e que transcreveu.
Cumpridos aqueles ónus, nada obsta, pois, ao conhecimento do objeto de recurso.
No que respeita à questão da alteração da matéria de facto face à incorreta avaliação da prova produzida, cabe a esta Relação, ao abrigo dos poderes conferidos pelo art. 662º do CPC, e enquanto tribunal de 2ª instância, avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto.
Infere-se da alegação da recorrente que esta está em desacordo com a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, relativamente à matéria constante do ponto 2.13 dos factos não provados.
Foi auditado o suporte áudio e, concomitantemente, ponderada a convicção criada no espírito da Sr.ª Juíza a quo, a qual tem a seu favor o importante princípio da imediação da prova, que não pode ser descurado, sendo esse contacto direto com a prova testemunhal que melhor possibilita ao julgador a perceção da frontalidade, da lucidez, do rigor da informação transmitida e da firmeza dos depoimentos prestados, levando-o ao convencimento quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas.
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão à recorrente no tocante à impugnação da matéria de facto, nos termos por ela pretendidos.
Está provado que aquando da edificação do imóvel dos autos, o autor/recorrente, ainda solteiro, a expensas suas pagou as quantias discriminadas nos pontos 1.5 e 1.6 dos factos provados.
Porém, já não logrou o autor provar ter despendido com tal edificação as quantias referidas nos pontos 2.1 a 2.12 dos factos não provados.
E resultou igual indemonstrada, na ótica da Sr.ª Juíza a quo, a matéria factual do ponto 2.13 dos factos não provados: “Os valores referidos em 1.5., 1.6 e 2.1 a 2.12, não foram tidos em conta no valor de adjudicação do prédio referido em 1.5 – art. 84º e 85º da petição inicial”.
Diz o recorrente que esta factualidade está sustentada “pelos depoimentos prestados em juízo pelas testemunhas arroladas pelo A.”, e pelo “depoimento do A.”.
Vejamos se assim é.
É incontornável que o autor, em declarações de parte, afirmou que as quantias em causa despendidas com a construção do imóvel não foram consideradas aquando da adjudicação daquele imóvel à ré pelo valor de € 80.000,00, atribuindo ao imóvel um valor superior (€ 120.000,00).
Nos termos do art. 466º, nº 3, do CPC, o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.
No segmento em que não constituem confissão, as declarações de parte são – na definição legal – livremente apreciadas.
Esta liberdade de valoração, todavia, nada nos diz sobre os concretos parâmetros de valoração das declarações de parte nem sobre a função da mesma como meio de prova no processo.
Assim, a doutrina e a jurisprudência vêm assumindo várias posições no que tange à função e valoração das declarações de partes que são aglutináveis em três teses essenciais, das quais nos dá conta o acórdão da Relação de Lisboa de 26.04.2017[12]: i) tese do caráter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos; ii) tese do princípio de prova; iii) tese da autossuficiência das declarações de parte.
A tese do princípio de prova, que se nos afigura mais curial, defende que as declarações de parte não são suficientes para estabelecer, por si só, qualquer juízo de aceitabilidade final, podendo apenas coadjuvar a prova de um facto desde que em conjugação com outros elementos de prova.
Na doutrina, Carolina Henriques Martins[13] pronuncia-se assim:
«É que não é material e probatoriamente irrelevante o facto de estarmos a analisar as afirmações de um sujeito processual claramente interessado no objeto em litígio e que terá um discurso, muito provavelmente, pouco objetivo sobre a sua versão dos factos que, inclusivamente, já teve oportunidade para expor no articulado.
Além disso, como já referimos, também não se pode esquecer o caráter necessário e essencialmente supletivo destas declarações que, na maior parte dos casos, servirá para combater uma fraca ou inexistente prestação probatória.
Caso se considere útil a audição da parte nesta sede quando coexistem outros meios de prova, propomos a sua apreciação como um princípio de prova, equivalente ao mencionado argomenti di prova italiano, que não deixará de auxiliar na persuasão do juiz, mas que apenas o fará em correlação com a restante prova já produzida contribuindo para a sua (des)credibilização, e apenas nesta medida.
Estas são as coordenadas fundamentais para a consideração das declarações de parte no nosso esquema probatório.»
Na jurisprudência é esta a tese que pensamos ser seguida maioritariamente.[14]
Em suma, as declarações de parte que não constituam confissão só devem ser valoradas, favoravelmente à parte que as produziu, se obtiverem suficiente confirmação noutros meios de prova produzidos e/ou constantes dos autos.
Será que a demais prova produzida corrobora as declarações de parte do autor ora recorrente?
A resposta, podemos adiantar desde já, é negativa.
Na verdade, a prova testemunhal produzida, à semelhança do que entendeu a Sr.ª Juíza a quo, não se nos afigura suficiente no sentido de demonstrar, por um lado, que o imóvel tenha um valor substancialmente superior àquele pelo qual foi adjudicado à ré/recorrida, e, por outro lado, quanto à não consideração naquele valor das quantias despendidas pelo autor/recorrente na edificação do imóvel.
As testemunhas Fernando …, casado com uma prima do autor e Tânia …, irmã do autor, adiantaram a possibilidade do imóvel valer entre € 130.000,00 a € 150.000,00.
A primeira testemunha indicou esse valor com base no conhecimento que tem de ter feito várias moradias e pelo que vai vendo nas imobiliárias relativamente a outras moradias e ao modo como o imóvel terá sido construído, esclarecendo que foi a testemunha que procedeu à instalação elétrica do imóvel.
Tal depoimento não é suficiente para considerar um valor do imóvel na grandeza do indicado, não só porque a testemunha não revelou conhecimento quanto ao que demais foi despendido na sua construção, como também por se desconhecer que consultas ou averiguações fez esta testemunha e que moradias foram objeto das suas pesquisas, designadamente se as mesmas eram idênticas à moradia dos autos.
Ademais, como bem se observou na decisão recorrida, o autor não juntou qualquer documentação (por exemplo, cópias de anúncios de moradias similares e na mesma área) que corroborasse as declarações desta testemunha.
Por sua vez, o conhecimento revelado pela testemunha Tânia …, irmã do autor, não se mostra mais credível do que o da anterior testemunha, desconhecendo-se a sua razão de ciência para a atribuição daquele valor à moradia, uma vez que a mesma não está inserida na área profissional da construção ou da venda de imóveis, nem tão pouco resultou do seu depoimento que a mesma tenha alguma experiência nessa área, que lhe permitisse concluir, com algum grau de certeza, ser aquele o valor do imóvel.
De outra banda, as testemunhas Jesuína …, mãe do autor e Nelson …, primo do autor, não demonstraram ter qualquer conhecimento quanto ao valor do imóvel ou valores despendidos na construção do mesmo.
Aliás, a testemunha Jesuína …, mãe do autor, não soube dizer quanto é que o filho gastou na construção do imóvel: “não estou a par dessas coisas; isso são coisas com ele”, esclarecendo ainda, relativamente à mão de obra empregue na construção, que “era o meu marido e era o meu filho”, e quanto aos materiais empregues na obra, que os mesmos foram comprados, primeiro com o dinheiro dele «e depois com o dinheiro do banco com certeza”, que algumas coisas “mais pequeninas” era o marido que as pagava e que “o meu marido nunca levou um tostão”.
Ora, como é sabido, os depoimentos das testemunhas pesam-se caso a caso, no contexto em que se inserem, e tendo em conta a razão de ciência que invocam e a sua razoabilidade face à lógica, à razão e às máximas da experiência.
A isto acresce, como bem se observou na decisão recorrida, «que o próprio A. apresentou a relação de bens no processo de inventário referido em 1.2. e na qual atribui ao imóvel o valor de € 8.899,20, valor muito inferior ao valor de adjudicação do mesmo (€ 80.000,00). Ouvido o A. em declarações de parte, em sede de audiência, o mesmo não demonstrou qualquer conhecimento sobre as razões da indicação daquele valor, o que, por si só, não é relevante, até porque a relação de bens se mostra subscrita por advogado. Também se admite que o valor (relativamente baixo) indicado na relação de bens possa ser o reflexo do valor constante da matriz, o que se mostra corroborado pelo teor da cópia da caderneta predial de fls. 88 v.º e 89. No entanto, o A. ali parece ter-se conformado com aquele valor, já que o A. também não licitou o imóvel por valor superior ao oferecido pela R.».
Ora, estando o autor ciente de que o imóvel valia substancialmente mais do que os € 80.000,00 pelos quais foi adjudicado à ré, resulta algo incompreensível que o mesmo não tenha licitado aquele bem por valor superior, inexistindo assim elementos diretos ou indiretos resultantes da prova produzida que permitam concluir que as despesas alegadas pelo autor e provadas, não tenham sido incluídas no valor de adjudicação do imóvel à ré.
Resulta, pois, do exposto, que não se vislumbra uma desconsideração da prova produzida, mas sim uma correta apreciação da mesma, não se patenteando a inobservância de regras de experiência ou lógica, que imponham entendimento diverso do acolhido. Ou seja, no processo da formação livre da prudente convicção do Tribunal a quo não se evidencia nenhum erro que justifique a alteração da decisão sobre a matéria de facto, designadamente ao abrigo do disposto no art. 662º do CPC.
Assim, teremos de concluir que, perante a prova produzida, bem andou a Mm.ª Juiz a quo na decisão sobre a matéria de facto, a qual, por isso, permanece intacta.

Do mérito da decisão
Permanecendo incólume a decisão do tribunal a quo quanto à matéria de facto dada como provada e não provada, nenhuma censura há a fazer à decisão sindicanda, onde foi feita uma correta subsunção dos factos provados ao direito, afastando a existência de um enriquecimento do património da ré à custa do património do autor.
Ora, não se tendo provado que as quantias gastas pelo autor na construção do imóvel não tenham sido consideradas aquando da adjudicação do mesmo à ré, resta-nos apenas repetir aqui a equação efetuada no anterior acórdão desta Relação, proferido em 08.09.2016, a fls. 197 a 208 dos autos:
«No caso em apreço, autor e ré adquiriram em comum um terreno e nele edificaram uma casa com recurso a crédito bancário. O cônjuge marido pagou algumas despesas de construção da casa com dinheiro “de solteiro” e, depois, “de divorciado”, despesas essas que se integraram no imóvel de ambos, e sem as quais não haveria casa de morada de família.
Considerando que após a dissolução do casamento foi partilhado o imóvel, o qual, por licitação, foi adjudicado à ré que ficou responsável pelo passivo resultante do empréstimo bancário para a construção da casa de morada de família, e tendo o autor recebido as tornas que lhe couberam (cfr. mapa de partilha de fls. 56-57), não se vê a que “empobrecimento” do autor correspondeu um “enriquecimento” da ré.
No valor do imóvel integram-se, naturalmente, as várias parcelas concernentes a empreitada, materiais, licenças, projetos, mão-de-obra, etc. Logo, ao terem partilhado o imóvel, autor e ré partilharam também todos os custos e todos os bens nele incorporados, sendo que após a sua incorporação, as despesas parcelares com a construção perdem autonomia, como bem observa a recorrente nas suas alegações.
Acresce que, ainda que estivéssemos perante benfeitorias, o que não é o caso, para que haja sub-rogação dos bens próprios, nos termos do artigo 723º, alínea c), do Código Civil, exige-se «que a proveniência do dinheiro ou valores, com que os bens foram adquiridos ou as benfeitorias efectuadas, conste do próprio documento de aquisição ou de documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges. Só a intervenção simultânea dos cônjuges no documento onde se menciona a proveniência dos meios com que a aquisição foi efectuada garante capazmente a veracidade da declaração»[15].
Ora, um tal documento não só não foi junto aos autos como não existe, não tendo o autor sequer alegados factos a esse respeito.
E, seja como for, o imóvel em causa era um bem comum do dissolvido casal e foi assim que foi partilhado.»
Improcedem assim as conclusões do recorrente em sentido contrário, não se mostrando violadas as normas invocadas ou quaisquer outras.

Sumário:
I – Anulada a decisão sobre a matéria de facto a fim de a mesma ser ampliada, a realização de novo julgamento e a prolação da subsequente sentença por juiz diferente do que realizou o primeiro julgamento viola o princípio da plenitude da assistência do juiz.
II – Tal violação constitui uma simples nulidade processual, inominada ou secundária, que só é apreciada mediante reclamação da parte interessada na repetição ou eliminação do ato e que deve ser alegada no prazo de 10 dias a contar de qualquer intervenção da parte na ação ou da sua notificação para qualquer termo do processo, sempre que a parte não esteja presente no momento em que ela foi cometida (arts. 149º, nº 1, 195º, 196º, 2ª parte, 197º e 199º, nº 1, do CPC).
III - Aceitando-se que o princípio do inquisitório se desenha hoje como um poder dever do juiz, tem este a obrigação de ordenar as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer, o que seguramente pretende significar que o juiz pode ordenar diligências probatórias para o efeito de apurar a verdade, mas só dos factos articulados pelas partes (art. 5º do CPC) e controvertidos (art. 596º do CPC).
IV - No caso concreto, não tendo sido alegado nos articulados o valor de mercado do imóvel que foi adjudicado à ré, após licitação, no processo de inventário, vedado estava à Sr.ª Juíza a quo ordenar a realização de uma perícia com vista a apurar o valor de mercado do imóvel.
V - As declarações de parte que não constituam confissão só devem ser valoradas, favoravelmente à parte que as produziu, se obtiverem suficiente confirmação noutros meios de prova produzidos e/ou constantes dos autos.
VI – O enriquecimento sem causa, enquanto fonte obrigacional específica, pressupõe a existência de uma “causa justificativa” da deslocação patrimonial.
VI – Inexiste tal “causa justificativa” se um dos cônjuges, ainda em solteiro, efetua despesas com a construção da habitação que veio a ser a casa de morada de família, a qual no inventário subsequente ao divórcio do casal foi considerada um bem comum e veio a ser adjudicada ao outro cônjuge, que ficou responsável pelo passivo resultante de um empréstimo bancário, recebendo o outro cônjuge as respetivas tornas.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
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Évora, 22 de Março de 2018
Manuel Bargado
Albertina Pedroso
Tomé Ramião

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[1] Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, Almedina, p. 695.
[2] Cfr., inter alia, o acórdão do STJ de 23.06.2010, proc. 155/05.8TTMTS.S1, in www.dgsi.pt.
[3] Acórdãos do STJ de 31.01.1991, BMJ nº 403, p. 382 e de 09.04.1992, BMJ nº 416, p. 558.
[4] Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código ... cit., pp.696-697, e acórdão da Relação de Guimarães de 19.05.2016, proc. 1454/03.9TBMDL.G1, in www.dgsi.pt.
[5] Cfr. acórdão da Relação de Coimbra de 18.03.2014, proc. 3721/11.9TBLRA.C1, in www.dgsi.pt.
[6] De resto, já Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, p. 176, referia que nulidades do processo “são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais”.
[7] Art.º 615º, nº 1, alíneas a) a e) do CPC. Nas palavras de Castro Mendes, Direito Processual Civil, volume III, AAFDL, 1982, p. 308, “a ideia geral é a de uma sentença que não contém tudo o que devia, ou contém mais do que devia (vício de limites)”.
[8] Cfr. Nuno Lemos Jorge, Os Poderes Instrutórios do Juiz: Alguns Problemas, in Revista Julgar, nº 3 - Setembro/Dezembro 2007, pp. 62 a 64.
[9] Acórdão da Relação de Coimbra de 14.10.2014, proc. 507/10.1T2AVR-C.C1, in www.dgsi.pt.
[10] In ob. cit., pp. 76-77.
[11] Ou, na melhor das hipóteses, aquando da realização da audiência final, em 21.04.2017, quando a Sr.ª Juíza, no final da mesma, mandou concluir os autos a fim de ser proferida decisão (cfr. fls. 350).
[12] Proc. 18591/15.0T8SNT.L1-7, in www.dgsi.pt.
[13] Declarações de Parte, Universidade de Coimbra, 2015, p. 58,
[14] Cfr., inter alia, os acórdãos da Relação do Porto de 20.11.2014, proc. 1878/11.8TBPFR.P2, da Relação de Lisboa de 07.06.2016, proc. 427/13.8TVLSB.L1-1 e de 13.10.2016, proc. 640/13.8TCLRS.L1.-2, e da Relação de Évora de 06.10.2016, proc. 1457/15.0T8STB.E1, relatado pelo aqui 2º adjunto, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[15] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume IV, 2ª edição revista e atualizada, p. 426.