Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
558/13.4GBLLE.E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: CRIME DE DANO
AMEAÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PROIBIÇÃO DE PROVA
GRAVAÇÕES E FOTOGRAFIAS ILÍCITAS
Data do Acordão: 03/29/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - O artigo167.º do CPP contempla uma das hipóteses de proibição de prova expressamente previstas no CPP, pelo que é à luz do regime respetivo que deve ser apreciada a invocada proibição de prova por obtenção e utilização de imagens do arguido captado em vídeo contra a sua vontade presumida.

II - Resulta da remissão do artigo 167.º do CPP para o campo da ilicitude penal, ser inadmissível e proibida a valoração de qualquer registo fotográfico (fílmico, vídeo, etc.) que, pela sua produção ou utilização, constitua o seu agente em autor de um crime de Gravações e fotografias ilícitas, previsto entre os Crimes contra outros bens jurídicos pessoais no artigo 199º do C.Penal, ou de um crime de Devassa da vida privada, previsto no artigo192.º do C.Penal entre os crimes contra a reserva da vida privada.

III - Assim, como reverso da proibição da valoração das fotografias ou filmes ilícitos contida no artigo 167.º do CPP, é em princípio admissível a valoração das fotografias ou filmes que não tenham sido obtidos de forma penalmente ilícita, quer tal licitude resulte de não ser penalmente típico o comportamento em causa, quer de ser-lhe aplicável causa de justificação legalmente prevista, o que vale sobremaneira para as situações, como a presente, em que o agente da ação de fotografar ou filmar foi um particular.

IV - Mesmo a entender-se que a finalidade, comum, de filmar a materialidade e autoria do crime e de utilizar posteriormente o vídeo como prova do facto, não constitui fundamento de atipicidade da conduta da assistente relativamente ao tipo legal de Gravações e fotografias ilícitas previsto no artigo 199.º do C.Penal, sempre se mostra excluída a ilicitude no caso concreto por se considerar ter a assistente agido ao abrigo do direito de necessidade previsto no artigo 34.º do C. Penal, o que vale tanto para a obtenção do vídeo como para a sua posterior utilização no presente processo, pois esta utilização constitui a concretização daquele mesmo fim.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório

1. – Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que corre termos na secção criminal (J3) da Instância local de Faro, da Comarca de Faro, foi acusado e julgado A., viúvo, nascido a 14.05.1947, em Loulé, residente em Loulé.

O MP imputara – lhe a prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punível pelos artigos 153 n. 1 e 155 nº 1 alínea a), um crime de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada p. e p. pelos arts 22º, 23º e 145º nº1 al. a) e nº2, por referência ao art. 132º, todos do C. Penal.

Em acusação particular, a assistente, B., imputara-lhe ainda a prática de dois crimes de dano qualificado p. e p. pelo art. 213º nº1 al. a) do C. Penal.

2. A assistente deduziu ainda pedido cível contra o arguido e demandado, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 2 000 euros a título de indemnização por danos não patrimoniais e a quantia de 3.610,90 euros a título de indemnização por danos patrimoniais.

3. Após julgamento, o tribunal singular decidiu:

- Absolver o arguido A. da prática de um crime de ameaça agravada p. e p. pelo art. 155 nº 1 a) do Código Penal;

- Absolver o Arguido da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22°,23°, 145° n.º 1 alínea a) e n.º 2 por referência ao artigo 132º n.º 2 alínea a) do Código Penal;

- Absolver o Arguido da prática de dois crimes de dano qualificado, p. e p. pelo artigo 213° n. 1 alínea a) do Código Penal;

- Condenar o Arguido pela prática de dois crimes de dano simples, p. e p. pelo artigo 212º n. 1 do Código Penal na pena de 95 dias de multa por cada um à taxa diária de 10,00 € (dez euros);

- Condenar o Arguido em cúmulo jurídico, na pena única de 145 dias de multa à taxa diária de 10,00 €, no total de 1450,00 € (mil quatrocentos e cinquenta euros);

- Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil e, em consequência, condenar o Arguido no pagamento à demandante do valor de 200,00 €, a título de danos não patrimoniais e, relativamente aos danos patrimoniais, no valor que se vier a apurar em sede de execução de sentença;

- Absolver o Arguido do remanescente do pedido de indemnização civil;»

4. – Inconformado, veio o arguido recorrer daquela decisão, extraindo da sua motivação as seguintes

«CONCLUSÕES:

a) É o recurso interposto da decisão que condenou o Arguido por dois (2) crimes de Danos Simples e ao decidido quanto ao Pedido Cível conexo e factos a eles respectivo, e restringe-se a esta parte com a qual não se concorda por se entender que outra solução é a que resulta da análise rigorosa da prova real efectivamente produzida em Julgamento, e da Sentença e sua fundamentação confrontada com os factos provados e não provados e dos vícios daí resultantes e os factos que deviam ser considerados como não provados, como previsto no artigo 410º. nº. 2 alíneas b) e c) do Código de Processo Penal, e nos termos ora alegado e para o qual se remete.

b) A Sentença não fez justiça ao condenar o arguido por 2 crimes de dano simples, pelo que se faz a impugnação para todos os efeitos legais da matéria de facto e de direito (e já antes impugnada na Contestação), Porquanto

c) o Tribunal errou ao dar como provado os pontos 11) , 12), 14) e o 15) da Sentença sem prova nesse sentido, sem a mínima certeza jurídico-penal e até com prova em contrário pelo que devem ser Não Provados; e os factos da matéria não provada em V), X), Y) e Z) devem ser dados como Provados e ainda o 10) deve incluir que a garagem é do arguido e não se vê do exterior; impugnação feita para integral cumprimento do artigo 412º. nº. 3 a), b) e c), nº. 4 e nº. 6 do C.P.P, entre outras, com base nas seguintes provas :

as declarações do arguido do dia 7/05/2015 das 14:44:46 até às 15:30:22 e do dia 6.07.2015 das 16:49:47 às 16:50:29; os depoimentos das testemunhas Paulo Leal no dia 6/07/2015 das 14:54:09 até às 15:40:56, de Romana Rodrigues no dia 23.06 das 10:40:57 até às 11:03:42 e de Amadeu Barbosa no dia 7/05/2015 das 16:50:47 até às 17:05:42;

- dos Relatórios e atestados médicos, documentação médica Docs. 1, 2 e 3 da Contestação;

- das fotografias juntas pelo Arguido a fls 412 a 414 (Docs. 7 a 9 da Contestação) e a fls 485 e ss. juntas em julgamento e, ainda dos fotogramas de fls 96 a 98, 108 e 109 (que caso não seja considerada prova nula como se requereu, inclusivé infirma, desmente e contraria aos pontos 11 e 12 os quais devem ser dados expressamente como não provados).

d) Há erro notório e grosseiro que não escapa à observação do homem comum na análise e apreciação da prova, na leitura do texto da decisão principalmente conjugada com as regras da experiência comum, que a única conclusão é que nunca podem ser provados os pontos 11. e 12. pois resulta da análise/ visualização objectiva, evidente e rigorosa dos fotogramas que:

de fls 96 a 98 (a preto e branco) não se vê o arguido a olhar em volta para verificar que ninguém estava a vê-lo, somente se vê o Arguido a entrar na garagem e não se vendo o que está a fazer, nem se consegue perceber com o mínimo de certeza quais são os seus actos pois unicamente se vê o arguido junto à porta lateral esquerda traseira e nunca na parte lateral do veículo zona maior que a porta traseira esquerda como erradamente diz a Sentença; não se vê nem visualiza qualquer objecto na mão do arguido e somente se vê o arguido de costas junto à porta traseira esquerda (cfr. supra em 19 e ss.).

de fls. 108 e 109 unicamente se vê o Arguido a entrar na garagem e depois a aproximar-se de costas do capot do Peugeot 206 (e não do modelo 106, com a Sentença diz, o que também está errado) sem se conseguir ver mais nada para além da entrada e do arguido de costas; não se vê as mãos do arguido nem o capot do veículo, não se visualiza o que arguido faz nessa ocasião (e por isso as legendas são completamente falsas e abusivas),

e) E em nenhuma das duas situações se vê o arguido a olhar em volta para verificar que ninguém estaria a vê-lo, sendo tal incrível e pura ficção.

f) Assim, já desta prova se tinha que dar como não provados tais factos,

g) Mas acresce que das fotografias a cores juntas pelo arguido a fls. 412, 413, 414 e a 485 e ss, vê-se com clareza os 2 veículos e verifica-se que os veículos nas partes referidas na decisão não apresentam qualquer risco, sendo certo que as fotos são de Março de 2014 (após os alegados riscos) e os veículos nunca foram reparados (prova unânime) e se não existem riscos nos veículos, nunca o Tribunal pode dar como provado tais factos.

h) Há assim prova positiva da não existência dos danos, o que é reforçado pelas declarações do arguido que negou tal acusação e justificou porque ia à garagem e o que fazia junto aos veículos - saber a hora de chegada a casa do neto por estar preocupado com ele e o ter que se segurar às coisas para não cair por causa da Doença de Parkinson - cfr. supra em 9 e ss. para o qual expressamente se remete, justificações perfeitamente lógicas, coerentes, plausíveis, credíveis e perceptíveis pelo senso comum e experiência de vida (e o Tribunal a quo viu a estado físico debilitado do arguido em Audiência) e dos depoimentos das testemunhas Paulo Leal e Romana Rodrigues, todas supra transcritas e que se deu cumprimento e para o efeito do art.º 412.º, n.º 3 al.ª b), do Código de Processo Penal,.

i) E Não existe qualquer prova positiva e objectiva de que o arguido tenha feito 2 riscos nos veículos (um no capot do Peugeot e 1 na porta lateral esquerda traseira do Seat), nem se provou com a certeza exigida em processo penal sequer que os veículos estivessem riscados ou tenham quaisquer danos.

j) A única prova referida pelo Tribunal, cfr. se extrai da leitura da Sentença, para condenar o arguido pelos 2 crimes de dano simples foram os tais Fotogramas de fls. 96 a 98 e 108 a 109 que por 2 ordens de razão não fundamentam de direito e de facto a decisão errada, e ora recorrida:

k) 1ª. razão, é prova nula porque obtidos de forma ilícita, meio de prova proibido e sem validade, porque as imagens onde aparece o arguido foram ocultamente captadas em propriedade/lugar privado contra a vontade do arguido que não as autorizou nem consentiu nas mesmas e com a agravante da Assistente ter andado a mostrá-las a várias pessoas e por diversas vezes o que constitui ofensa ilícita à personalidade e integridade moral do arguido e da sua imagem e bom nome protegidos pelo 70º, 79º., 80º do Código Civil , pelo que o tribunal a quo violou os arts. 167º. nº. 1 do C.P.P. e 192º nº. 1 b) e c) e 199º do Código Penal, violou o artigo 32º. nº. 8 C.R.P. (por violação da integridade moral e abusiva intromissão na vida privada) e os arts. 26º nº. 1 e 2 e 18 da C.R.P e com violação da Lei 67/98 de 27.10 (de protecção dos dados pessoais), pelo que se volta a requerer a sua nulidade e a dos actos subsequentes nos termos do arts. 122º nº. 1 e 126º. nº. 3 do C.P.P. e como se refere supra em 3 e 4 para o qual se remete; e

l) 2ª. razão, os fotogramas nada provam e são infirmados e contrariados pela análise evidente, rigorosa e objectiva feita pelo “Homem médio comum” e de acordo com as regras da experiência comum que resulta das fotos a cores de fls 412 a 414 e 485 e ss que não há riscos nos 2 veículos, sendo a conclusão óbvia e obrigatória que os pontos 11, 12 e 14 têm que ser considerados como não provados. cfr. se remete supra em 5 a 12, 16 a 23.

m) Outra conclusão que o homem médio comum e normal retira é que a assistente e algumas das suas testemunhas mentiram descaradamente por referiram que os veículos estavam riscados a toda a volta e no tejadilho, para-choques, etc, e das fotografias vê-se claramente que tal não é verdade, bem como no período entre 7 de Junho e 7 de Outubro de 2013 (em 90 dias) somente se vê o arguido em dois dias (o 7.7 e o 7.10) junto aos veículos, mas aquelas falsamente referem que o viram várias ocasiões perto das viaturas.

n) Mais grave ainda é que o Tribunal violou o principio constitucional da presunção da inocência do artigo 32º nº 2 Constituição da República (CRP) e o pr. in dubeo pró reo, por condenar com base num “parece-nos” cfr. o próprio texto da Sentença - “porque as viaturas encontram-se com alguma sujidade que não permite percecionar com segurança a ausência de riscos, e segundo porque da sua análise parece-nos resultar que alguns riscos lá se encontram efetivamente(in pág. 23 da Sentença), o que é de uma incrível “leveza” jurídica na forma como se aprecia a prova quando o processo penal exige sempre uma total certeza jurídica, para além de que inclusive contêm uma contradição em si mesma na fundamentação e nas mais elementares regras de bom senso e experiência comum, pois se não consegue percecionar com segurança a ausência de riscos por causa da sujidade, também não pode percecionar mais nada, e não pode em caso algum percecionar algo que lhe é uma parecença ou um “parece-nos resultar alguns riscos” quando existe a sujidade que não deixa ver, e até porque o que lhe pode parecer dois riscos pode ser o resultado ou resultar dessa tal sujidade, e foi dessa forma cometida uma tremenda injustiça no presente caso.

o) Perante todas as dúvidas e contradições na fundamentação e motivação temos de chamar à colação que em processo penal quem tem que fazer prova afirmativa positiva e sem que restem dúvidas é a Acusação Particular, e só se pode condenar o Arguido com uma certeza jurídico penal “à prova de bala” de que os factos assim se passaram (a isso obriga a presunção de inocência), e no caso de haver dúvidas como são as referidas “parecenças” ou um “parece-me resultar”, o Arguido tem obrigatoriamente que ser Absolvido por respeito ao “Pr.In dubeo pro reo” e á presunção de inocência de que goza.

p) Para além de que da análise rigorosa dos fotogramas a preto e branco de má qualidade (da acusação) nada de ilícito se vê, e onde é impossível ver quaisquer riscos e ter a mínima certeza “jurídica”, que é sempre maior que a normal, e qualquer “homem médio comum” pelas regras de experiência comum e análise objectiva e com rigor nunca vê o arguido a riscar a viatura na sua parte lateral do lado do condutor, e nunca vê o arguido a riscar o capot do outro veículo, pelo que a motivação é totalmente infundada, errónea e injusta, e tem como consequência inequívoca e lógica para o homem médio comum e pelas regras de experiência que os factos referidos em 11) e em 12) tem que ser dados como não provados, o que se requer

q) Pelo exposto e melhores de direito que V. Exas oficiosamente suprirão, a Sentença deve ser substituída por outra que dê como NÃO provados os factos 11), 12), 14) e o 15) da Sentença e dê como Provados os factos vertidos em V), X) e Y e Z) e acrescentado o ponto 10) nos termos referidos, cfr. impugnação da matéria de facto supra, e

r) Considerando como provados o alegado em 4, 5, 6 cfr docs. 1 a 3 da Contestação e em 10, 11 e 12 da Contestação cfr. docs. 4 e 5 da Contestação, certidão judicial e a acusação contra a Assistente por factos praticados contra o seu pai, e cfr supra, factos que deviam ter sido dados como provados e sobre os quais o tribunal a quo nem sequer se pronunciou pelo que a Sentença cometeu ainda o vício maior sancionado com nulidade, como previsto no artigo 379º. nº. 1 c) do C.P.P., o que expressamente se requer.

s) Perante erro notório da apreciação da prova nos pontos de facto que concretamente se impugnaram nos termos do art. 412 nº. 3 a), b) e c) do CPP que impõem objectiva e necessariamente decisão contrária à formulada pelo Tribunal, ou seja impõem a Absolvição do arguido dos 2 crimes de dano simples e do Pedido de indemnização cível, porque assim o exige a alteração dos factos concretos incorrectamente julgados, bem como se deve extrair a consequência lógica das limitações e deficiências físicas do arguido causadas pela Doença de Parkinson de que padece, cfr. amplamente supra referido e sendo feita a alteração e/ou renovação da prova nesta parte pelo tribunal ad quem (a mais evidente a relativa aos pontos 11 e 12), pelo que em conformidade é claro que o arguido não praticou qualquer crime, e o pedido cível terá assim que decair e ser dado como não provado o ponto 15) (e não ter sido o arguido a causá-lo) e obrigatoriamente não haver motivo para o arguido ressarcir o dano moral (200 €), nem qualquer dano patrimonial.

t) Acresce ainda que a Assistente não apresentou qualquer queixa conforme resulta expressamente dos autos e por estarmos perante o(s) crime(s) particular(es) de Dano simples, do qual o procedimento criminal depende impreterivelmente da apresentação de Queixa, pelo que o tribunal a quo cometeu uma nulidade insanável nos termos do disposto nos artigos 119º. C.P.P. e 115º e 212º nº 3 do C.P. o que se requer que ora seja declarado.

u) Por fim e à cautela, por dever de patrocínio, se refere que o Arguido tem 68 anos de idade, é reformado, tem rendimentos médios (800 € + 350 €) que são todos consumidos e para fazer face à sua sobrevivência e vida diária, principalmente pela Doença de Parkinson, Diabetes e do sistema nervoso (Medicamentos, tratamentos e médicos, etc.), pelo que se mostra desadequado por excesso o valor da taxa diária de multa de 10,00 €, quando o mínimo legal é de 5 € que sempre seria mais razoável, sendo ainda que se considerou diminuta a ilicitude e as consequências muito pequenas por se tratar de 2 riscos, pelo que é excessiva a pena única de multa aplicada em cúmulo jurídico de 145 dias quando o crime de dano simples, baliza-se entre 10 dias e o máximo de 360, sendo portanto a pena única aplicada de cerca de metade do máximo legal permitido o que é um exagero desprovido de fundamento, e sem conceder por não estar provado, para dois meros riscos nos veículos, pelo que foram igualmente violados os artigos 47º. nº. 1 e 2 do C.P. e objecta e subjectiva/ os critérios legais dos artigos 40º.,em especial o nº. 2 “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, 71º. nº. 1 e 2 Cód Penal.

v) A valoração da prova não pode ser contrária as regras da experiência, da lógica e da razão (vide o alegado da prova erradamente decidida); nem da sentença pode resultar erros notórios na apreciação da prova; e face à fundamentação e do que efectivamente resulta da prova produzida e das regras da experiência comum, do critério do homem médio comum, é evidente que a decisão do Tribunal a quo devia ter sido Absolver o arguido, por não ter sido feita prova suficiente contra ele ou até ter sido feito prova em sentido contrário como a análise isenta e objectiva de todas as fotografias e conjugada com a apreciação critica, ponderada e verosímil da prova testemunhal sempre obrigava a fazer, de acordo com a presunção de inocência e no mínimo atento o principio in dubeo pro reo pois só se condena com certeza, não com dúvidas, não com um “parece-me que”, e em conformidade com o direito se deve concluir pela Absolvição do Arguido.

Nestes termos e nos melhores de Direito aplicável, que V. Exas doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao recurso, devendo em conformidade ser revogada a Sentença recorrida e substituída por outra decisão que Absolva o Arguido A. por não ter praticado qualquer dos 2 crimes de Dano simples, e em consequência, ser igualmente absolvido do pedido civil em que foi condenado pelo tribunal a quo,

Caso assim não se entenda, por a Sentença recorrida estar ferida de nulidade pela violação dos normativos legais indicados, deve ser anulada a Sentença recorrida, procedendo-se à renovação da prova ou ao reenvio do processo para repetição somente referente aos factos da Acusação Particular dos Crimes de dano simples.»

5. - Admitido o recurso, o MP apresentou a sua resposta concluindo pela total improcedência do mesmo.

6.- Nesta Relação, o senhor Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de o recorrente ser convidado a apresentar novas conclusões.

7. Cumprido o disposto no art. 417º nº2 do CPP, o arguido recorrente vem manifestar o entendimento de que as conclusões não são excessivamente longas, mas que se assim for entendido deve dar-se cumprimento ao disposto no art. 417º 3 do CPP.

8. A sentença recorrida (transcrição parcial):

«II - Dos Factos

Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados e não provados os factos que seguem, com interesse para a decisão da mesma, sendo os restantes factos alegados conclusivos e/ou matéria de direito:

1. Factos provados

Da Acusação Pública
1) O arguido e a sua filha B. estão desavindos há cerca de três anos, por motivos relacionados com a partilha dos bens deixados por morte de C., esposa do primeiro e mãe da segunda.

2) Residem em casas separadas, mas que distam apenas cerca de 50 (cinquenta) metros uma da outra.

3) O que favorece as discussões entre ambos.

4) Nessa sequência, no dia 12 de junho de 2013, arguido e Assistente envolveram-se numa discussão em termos não concretamente apurados.

5) No dia 06 de Agosto de 2013 foi efetuada uma busca domiciliária à residência do arguido, sita no Sítio da Alfarrobeira ….Loulé.

6) Tendo sido ali encontrados 60 (sessenta) cartuchos, de diversas marcas, todos de calibre 12, e uma espingarda de caça da marca "Fabarm", com o nOPI00312, de calibre 12, de dois canos, com a respetiva bolsa (devidamente legalizada), guardada no interior de um cofre localizado por detrás da porta de acesso ao escritório.

7) Os quais foram apreendidos à ordem destes autos.

Da Acusação particular

8) A Assistente é proprietária do veículo automóvel de matrícula --GF-., de marca Seat Ibiza.

9) Assim como do veículo com a matrícula --BJ--, de marca Peugeot, modelo 106.

10) Ambos os veículos encontram-se habitualmente estacionados na garagem da residência da ofendida e de seu pai, num espaço delimitado por um muro e portão de acesso.

11) Em 07.07.20l3, pelas 07hl0, o arguido aproximou-se do veículo com a marca Seat Ibiza e após olhar em volta para verificar-que ninguém estaria a vê-lo, riscou-o na parte lateral.

12) Em 07.10.20l3, pelas 07h21, o arguido aproximou-se do veículo de marca Peugeot, modelo 106, com a matrícula --BJ--- e após olhar em volta para verificar que ninguém estaria a vê-lo, riscou-o na parte da frente.
13) A assistente encontra-se ainda a pagar os veículos, em prestações.

14) O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta não era permitida por lei.

Do pedido de indemnização civil

15) Os factos praticados pelo Arguido causaram na Assistente inquietação e insegurança.

Da contestação

16) O arguido tem 68 anos de idade e sofre de doença de Parkinson desde 2009, com alteração da marcha, tremor, desequilíbrio, lentificação, dificuldade para a movimentação, diminuição da força muscular geral, que o impede de fazer a atividade diária e de realizar qualquer esforço.

17) O arguido e a Assistente vivem em casas separadas perto uma da outra, pertencendo as mesmas ao Arguido e à herança aberta por óbito da C., falecida a 21.03.2010.

18)A ocupação principal do arguido é tratar dos seus animais.

19) Padece de diabetes Mellitus e de depressão reativa mediamente grave, condicionando o agravamento dos sintomas de Parkinson e Diabetes.

Mais se provou que:

20) A Assistente é cabeleireira recebendo cerca de 500,00 €-600,00 € por mês.

21)Vive com os seus dois filhos maiores de idade, numa casa que é do seu pai.

22) Paga cerca de 430,00 € de empréstimo bancário pelas duas viaturas automóveis.

23) Tem o 9° ano de escolaridade.

24) O Arguido é reformado auferindo cerca de 800,00 € de reforma.

25) Vive sozinho com o seu filho, em casa própria.

26)Recebeu até março de 2015, ainda, os rendimentos do arrendamento de uma moradia em Almancil, denominada "Casa ---", com piscina, pela qual cobra cerca de 900,00 € a 1000,00 € por semana, auferindo a partir daí 350,00 €

27) Tem a 4a classe de escolaridade.
28) O arguido foi condenado por sentença transitada em julgado em 10.03.2009, no âmbito do Processo n° 474/05.3GBLLE do 1º juízo criminal do Tribunal Judicial de Loulé pela prática em 20.04.2005 de um crime de detenção ilegal de arma, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de 7,00 €.

Factos não provados

Da acusação pública

A) No dia 12 de Junho de 2013, pelas 18h30, o arguido procurou a filha B. na residência desta, sita no Sítio dos Valados …, dizendo-lhe que "a matava com uma espingarda" e que "fazia o mesmo aos seus filhos".

B) Atuou dessa forma, por possuir uma espingarda de caça na sua residência (devidamente legalizada), e saber que tal era do conhecimento 6. sua filha.

C) Pretendendo e logrando com esse comportamento anunciar o propósito de utilizar essa arma para pôr termo à vida de B. e dos filhos desta, seus netos.

D) O que fez com o propósito de perturbar o sentimento de segurança daquela, provocando-lhe medo e inquietação.

E) O que conseguiu.

F) Tendo ali voltado, cerca das 19h30, com o propósito de a magoar, ferir e atingir corporalmente.

G) Tendo mesmo chegado a agarrar B. pela camisola que, então, envergava, e a desferir um pontapé na sua direção.

H) Só não tendo conseguido concretizar o seu propósito, por ter sido disso, atempadamente, impedido pelos netos, que o agarraram e se colocaram entre ambos.

I) Ao atuar da forma acima descrita, o arguido fê-lo sempre de forma voluntária, livre e consciente.

J) Revelando perversidade e desprezo pelos laços de parentesco que o unem à sua filha B.
.
K) Conhecendo bem o carácter reprovável da sua conduta, que sabia proibida e punida por lei.

Da acusação particular

L) Para além de riscar os veículos, também usou spray preto.

M) No dia 19.07.2013, o arguido cortou um pneu, tendo a Assistente que pagara substituição do mesmo, no montante de 130,00 €.

N) A reposição das pinturas acarreta um custo estimado em 1350,00 € acrescido de IVA no Peugeot 106 e 1480,00 € acrescido de IVA no Seat Ibiza.

Do pedido de indemnização civil
O) A desmontagem e pintura do veículo Seat Ibiza, matrícula --GF- acarreta um custo de 1.820,40 €.

P) A desmontagem e pintura do veículo Peugeot modelo 106, de matrícula --BJ--- acarreta um custo de 1.660,50 €.

Q) A demandante é pessoa educada e trabalhadora.

R) Os factos praticados pelo Arguido causaram na Assistente medo, vergonha e humilhação de circular na via pública com as viaturas danificadas.

Da contestação
S) Foi a Assistente que empurrou o arguido e este teve que se segurar à filha para evitar a queda.

T) A Assistente tem danificado a fechadura do armazém onde o arguido guarda a comida dos animais, impedindo-o, assim, de os alimentar.

U) A arma identificada na acusação pública encontrava-se guardada e fechada num cofre, de que apenas o filho do arguido, Paulo leal, tinha a chave e o código do cofre.

V) O arguido encontrava-se junto às viaturas descritas na acusação particular para ver o interior dos veículos e se o motor estava quente para se certificar das horas a que o seu neto M. teria chegado a casa, pois está preocupado com o seu neto que tem tido problemas com a justiça e anda em más companhias.

W) A substituição dos pneus do veículo da Arguida ocorreu por os mesmos se encontrarem gastos devido ao seu uso normal.

X) Em virtude da sua doença, o arguido tem um equilíbrio muito reduzido, sendo que os conflitos provocados pela filha, tem provocado um agravamento muito significativo da sua doença.

Y) Resultando desse agravamento da doença, o arguido ficou mais lento, a tremer mais, a ter insónias, perda de apetite, agitação, angústia, humor depressivo, decréscimo de iniciativa e motivação.

Z) O arguido é pessoa pacífica.

III - Motivação da matéria de facto
O tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica de toda a prova produzida, nomeadamente nos documentos juntos aos autos, concretamente: do relatório fotográfico de fls. 12, 96 a 98 e 108 a 109; auto de busca e apreensão de fls. 132 a 141 e auto de exame direto de fls. 158 a 165; fotografias de fls. 149, 150; orçamentos de fls. 151 e 152; fatura de fls. 153; relatórios médicos de fls. 189, 190,404 e 405; os documentos de fls. 219, 220, 323 e 324, referentes à propriedade dos veículos automóveis em causa nos autos; assento de nascimento da assistente de fls. 227; o documento de fls. 31'3 a 316; cópia da acusação proferida no Processo n. o 417111.5GCF AR, de fls. 407 e seguintes; fotografias de fls. 412 a 414; cópia da habilitação de herdeiros e do testamento de fls. 453 e seguintes. Mais se ponderaram as declarações do arguido e da assistente e o depoimento das testemunhas M. e D., filhos da Assistente e netos do arguido; AB, amigo do Arguido; VM, vizinho do arguido e Assistente e amigo desta última; MR, amiga da Assistente; FF, amigo do M., Jaquelina, vizinha do Arguido e da Assistente e amiga desta última; LF, amigo do Arguido; Romana, amiga do Arguido; PS, amigo do D. e Marisa amiga da Assistente.

Arguido e Assistente apresentaram diferentes versões dos factos, nenhuma delas credível, na medida em que ambas se afiguraram evasivas, pouco ou nada circunstanciadas, parciais (aos ataques de um o outro respondia com indiferença e contenção) e inverosímeis.

Quer um, quer outro assumiram postura de vitimização e de total diabolização do outro, como se uma discussão pudesse ocorrer só com a intervenção de um e como se fosse normal chegar- se a vias de facto, quando o outro se apresenta calmo, pugnando apenas pela retirada do primeiro.

Ora, não é assim que a vida acontece. Quando se discute há um motivo. Quando há insultos, em regra são de parte a parte. E uma -discussão para acontecer-precisa de, pelo menos, dois intervenientes. Só assim não seria se estivéssemos perante pessoas dotadas de uma especial calma e serenidade, o que manifestamente não é o caso, como bem demonstra a existência do presente processo e a forma como o mesmo se desenrolou desde o seu início.

Ora, apesar de arguido e assistente relatarem um episódio de elevada agressividade verbal, as respetivas versões implicam sempre a total ausência de resposta e reação do outro, o que não é minimamente aceitável, nem crível, como se viu.

Nestes casos, em regra, pode o tribunal contar com a prova testemunhal, mais distanciada dos factos do que os seus interessados diretos, mais objetiva e espontânea.

Sucede que, curiosamente, nos presentes autos, também não pudemos contar com essa prova.

Todas as testemunhas, sem exceção, apresentaram-se em audiência de discussão e julgamento, tomando evidente partido do pai ou da filha, e descrevendo o episódio da acusação pública, da mesma forma inverosímil, desequilibrada, e totalmente comprometida com a parte que apoiavam.

Também as testemunhas apresentaram duas versões: a da Assistente (tendo visto o arguido tentar desferir um pontapé na Assistente e rasgar-lhe a blusa, chamando-lhe muitos nomes e, acrescentando alguns, ameaçando-a de morte); e a do Arguido (tendo visto a Assistente empurrar o arguido, pelo que teve o mesmo de se agarrar à filha para evitar a queda, tendo sido esta a ameaça-lo de morte).

Com efeito, para prova da factualidade da acusação pública foram ouvidas as seguintes testemunhas: M e D, filhos da Assistente, encontrando-se desavindos com o avô em virtude de todo este contexto de litígio com a sua mãe; VL, vizinho do Arguido e Assistente, tendo longo e antigo historial de conflitos com o Arguido, inclusivamente judiciais; FF, um dos melhores amigos do M; PS, amigo de D.. Estas testemunhas depuseram a favor da Assistente.

Por outro lado, servindo a versão do Arguido, depuseram AB, muito amigo do filho do Arguido e PL, filho do arguido, irmão da Assistente, encontrando-se em litígio com a mesma desde a morte da sua mãe e do início das partilhas dos bens por aquela deixados.

Nenhuma testemunha depôs com isenção e de forma desinteressada. Todas pareciam verdadeiramente encenadas, relatando o mesmo tipo de pormenores, não significativo tão pouco na apreensão do suposto episódio.

Por outro lado, nenhuma soube relatar o que se passara do início ao fim, de forma circunstanciada e credível, refugiando-se em expressões vagas e genéricas, apenas concretizando em resposta a perguntas dirigidas e, por isso, sem qualquer espontaneidade.

Nenhuma soube relatar com distanciamento as atitudes de ambas as partes, tendo todos cedido à tendência de beatificar um e diabolizar outro.

Note-se que o próprio D., alegadamente agredido pelo avô e pelo tio no dia dos factos, agressão essa que terá despoletado a discussão entre Assistente e Arguido, não soube descrever a sequência dos factos, tendo chegado mesmo a situá-los, a instâncias da defesa, em momento posterior à contenda da mãe e do avô em que foram separados pelo M.

Não obstante, toda a prova produzida e carreada para os autos é unânime quanto aos factos 1 a 4 e 17, considerados provados. Com efeito, todos afirmaram conhecer o contexto de litígio entre pai e filha, os respetivos motivos - partilha dos bens da herança; de que residem perto um do outro; que as discussões são frequentes e que no dia 12 de junho de 2013 algo aconteceu.

Mas não se logrou apurar o quê.

Desde logo, não se conseguiu, tão pouco, descortinar com a certeza que deve servir sempre o processo penal, em concretização do princípio da presunção de inocência no direito probatório; quem se encontrava presente no dia e hora dos factos.

A Assistente apenas refere a presença dos dois filhos e de um vizinho - o "Vítor".

A testemunha M, apesar de ter referido que se encontrava com o seu amigo FF em Loulé, em casa do seu pai, quando a mãe lhe ligou a contar que o seu irmão havia sido agredido, nunca mais referiu a presença deste no local dos factos.

A testemunha D. garante que apenas lá se encontrava, para além de si e do seu irmão, o vizinho e o FF.

O vizinho V. afirmou que apenas lá estavam os filhos da Assistente.

Até ao momento ninguém situou no local dos factos a testemunha PS que garante, contudo, ter estado lá e ter acompanhado sempre o D., inclusivamente quando o mesmo fora agredido no café; pelo que muito estranhamos que aquela testemunha não o tenha mencionado.

Finalmente, esta última testemunha afirmou que quem se encontrava no local, com certeza, seriam o M. e o D., o FF e a própria testemunha. Não integrou, assim, a presença do vizinho.

Por outro lado, as testemunhas AB e PL, desmentem -a presença dos netos do arguido no local, afirmando apenas lá se encontrar, o arguido, a assistente, o seu namorado, o próprio e o PL que depois apareceu lá.

A total contraditoriedade das versões em confronto acompanhada da falta de isenção e de credibilidade das testemunhas ouvidas, a que não é alheio o clima de permanente e duradouro litígio entre pai e filha que contamina os respetivos círculos de amizade e de convívio, não nos permitiu, com um juízo consistente de certeza, apurar quem fez o quê no dia dos factos.

É certo que houve mais testemunhas a confirmar a versão da Assistente que a do Arguido. No entanto, e para além da quantidade de depoimentos não ser determinante para apurar da credibilidade da versão defendida, sempre se dirá que, mesmo dentro desta versão, se encontraram contradições e inverosimilhanças insanáveis.

Comecemos, assim, por analisar o teor das expressões alegadamente proferidas pelo arguido pelas 18h30.

A Assistente começou por afirmar vagamente que o arguido disse que a matava a si e aos seus filhos.

Mais à frente, questionada sobre a forma corno a mataria, respondeu com a espingarda e que o pai lhe disse "dou-te um tiro".

Na versão da Assistente, muito confusa, aliás, quanto à sequência lógica dos acontecimentos, a ameaça terá ocorrido em momento anterior à chegada de M.

No entanto, 'esta testemunha afirmou ter ouvido o avô dizer que matava a mãe, "que tinha uma caçadeira; que não valia um cartucho". Depois acrescentou, "pelo que a minha mãe disse, também me pôs a mim e ao meu irmão ao barulho".

Advertido de que só deve relatar aquilo que ouviu diretamente, reforçou que tinha ouvido o avô dizer que matava a mãe, a si próprio e ao seu irmão, não concretizando, porém, a expressão utilizada. D. também afirmou que o avô havia ameaçado que os matava com uma caçadeira. Já a testemunha VL, perguntado diversas vezes sobre o que fora dito na discussão, respondeu que o arguido falava muito alto, tentava agredir a filha e chamava-lhe muitos nomes. Só depois de especificamente questionado sobre se tinha ouvido alguma ameaça é que a testemunha se recordou que sim, que tinha dito que a matava. À questão de corno é que a mataria, respondeu a testemunha "com as armas que tinha lá em casa". Afirmando depois que a expressão proferida pela arguido foi "Dou cabo desta canalha toda".

Note-se que, segundo o relato da testemunha, durante toda a discussão, a Assistente apenas disse "que não queria confusão".

Já a testemunha FF garante que, para além dos diversos nomes que o arguido chamou à Assistente, apenas lhe disse "Vocês não valem um cartucho".

Finalmente, a testemunha PS no seu relato inicial do episódio, não referiu qualquer ameaça, relatando-a muito mais tarde no seu depoimento, afirmando que o arguido dissera: "mato todos".

Em suma, as testemunhas que se arriscaram a relatar a expressão concreta que terá sido proferida pelo arguido, não foram coerentes entre si, o que se pode dever a vários fatores. O primeiro, e mais óbvio, é encontrarem-se a mentir; o segundo é não se recordarem bem do que fora dito e terem já sido sugestionados posteriormente; finalmente, como várias testemunhas relataram que esse tipo de ameaças era frequente, poderão ter-se sempre referido a outro episódio que não o dos autos.

Já relativamente à tentativa de pontapé, a Assistente inicialmente apenas relatou que o arguido lhe jogou a mão e lhe rasgou a camisola. Apenas mais tarde referiu que ele lhe tentara dar um pontapé. Questionada sobre a razão pela qual lhe agarrara a camisola, a mesma respondeu "para me bater", mas não soube especificar porquê, nem que o mesmo levantou a mão, nem que fizera qualquer outro movimento indiciador disso. Afirmou, depois, que o mesmo não lhe bateu porque os filhos se puseram no meio, tendo nessa altura tentado dar-lhe um pontapé.

Ora, se os filhos estavam no meio, o pontapé ter-lhes-ia previsivelmente atingido, o que não sucedeu, segundo as próprias declarações da Assistente.

M, afirmou, contudo, que apenas ele interviera e não o seu irmão. Esclareceu que o avô jogou a mão ao peito da sua mãe e rasgou-lhe a blusa.

Ora, da fotografia n.º1 do relatório de fls. 58, constata-se que a t-shirt aí registada se encontra com um buraco na zona da axila, o que não é compatível com o agarrar na zona do peito.

Por outro lado, trata-se, ao que parece, de uma t-shirt de algodão que, atentas as regras de experiência, não se rasgam com facilidade, muito menos criando um buraco, mais compatível com um corte do que com um puxão.

Acresce que, a ter sido provocado por um ato dessa natureza, teria necessariamente de se traduzir num ato de grande força, que nenhuma testemunha relatou.

As testemunhas M e PS afirmaram que primeiro o arguido tentou dar um pontapé e depois é que rasgou a blusa da Assistente, contrariamente à descrição feita por esta e por D.

Também nesta parte se registaram diversas contradições que somadas à falta de credibilidade das testemunhas, não podem criar no julgador um juízo de certeza sobre a forma como os factos aconteceram.

Por todo o exposto não se provaram os factos A a K.

Relativamente aos factos S a U não foi feita qualquer prova consistente atendendo às características das testemunhas ouvidas.

Os factos 5 a 7 resultaram provados dos autos de busca e apreensão de fls. 132 a 141 e de exame direto de fls. 158 a 165.

Relativamente à factualidade da acusação particular, os factos 8, 9 e 13 resultaram provados dos documentos de fls. 219, 220, 323, 324 e 326 a 329, confirmados pelas declarações da Assistente, nesta parte, credíveis.

O facto 10 foi confirmado pela globalidade das testemunhas ouvidas quanto a essa matéria.

Em relação aos riscos nas viaturas, importa, antes de mais, pronunciarmo-nos sobre a validade dos fotogramas juntos a fls.96 e seguintes.

Em processo penal vigora o princípio geral da liberdade de prova, sendo admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (artigo 1250 do CPP).

O artigo 126º do CPP define quais os métodos proibidos de prova, esclarecendo no seu nº 3 que "ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular".

Importa, assim, apurar se os referidos fotogramas extraídos das filmagens efetuadas na garagem do arguido, onde se encontravam estacionados os veículos identificados na acusação particular, efetuadas sem o seu consentimento, podem ser utilizadas corno meio de prova nos presentes autos.

Na atualidade, a jurisprudência portuguesa tem sido praticamente uniforme, no sentido de considerar que não constituem provas ilegais e, portanto, podem ser valoradas pelo tribunal (não constituindo métodos proibidos de prova) quer a gravação de imagens (no caso filmagem) por privados em locais públicos ou acessíveis ao público, v.g. para proteção de bens, desde que "exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentarem a prática de uma infração criminal, e não digam respeito ao «núcleo duro da vida privada» da pessoa visionada (onde se inclui a sua intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento das outras pessoas)» "quer a reprodução (v.g. em suporte de papel) de imagens que dessa gravação ou filmagem sejam retirados. Assim, entre muitos outros, Ac. do STJ de 28.09.2011 (relator Santos Cabral), proferido no processo n? 22/09.6YGLSB.S2, Acs. do TRP de 23.11.2011 (relator Mouraz Lopes) proferido no processo n? 1373/08.2PSPRT.Pl, de 16.1.2013 (relator Ernesto Nascimento), proferido no processo n? 2011l0.3GAMCD.Pl, Ac. do TRL de 28.5.2009 (relatora Fátima Mata-Mouros) proferido no processo n° 10210/2008-9 e Ac. do TRE de 24.4.2012 (relatora Maria Filomena Soares) proferido no processo n° 932/J0.8PAOLHE1.

Em situação parcialmente similar à dos presentes autos, porquanto referente a filmagens direcionadas para a viatura do ofendido com vista a apurar o autor dos riscos sistematicamente efetuados no mesmo, mas estando a referida viatura num local público, pronunciou-se o Acórdão da Relação do Porto de 23.10.2013, no Processo n° 585/11.6TABGC.P1, in www.dgsi.pt "entendemos ser válida a prova que assenta em gravação de imagens nas circunstâncias descritas no caso destes autos, em que são captadas (por câmara de videovigilância) imagens de local público (por factos ocorridos em via pública), sem conhecimento do visionado, tendo como única finalidade a identificação do autor do crime (neste caso crime de dano-que atinge o património, veículo automóvel, estacionado em via publica, do particular que fez essa filmagem), que veio a ser denunciado às autoridades competentes, mesmo que não haja prévio licenciamento pela Comissão Nacional de Proteção de Dados, por neste caso existir justa causa para essa captação de imagens (desde logo documentar a prática de infração criminal que atenta contra o património do autor da filmagem, que depois apresentou a respetiva queixa crime) e por não serem atingidos dados sensíveis da pessoa visionada e nem ser necessário o seu consentimento até olhando para as exigências de justiça.

A imagem captada, em local público, por factos ocorridos em via pública, do suposto autor do crime por um lado não constitui nenhuma violação do "núcleo duro da sua vida privada", nem do seu direito à imagem, não sendo necessário o seu consentimento para essa gravação, tal como decorre do art. 79°, n° 2, do CC (estando a filmagem do suspeito justificada por exigências de justiça) e, por outro lado, aquela conduta do particular que fez a filmagem de imagens em local público não constitui a prática do crime de "gravações e fotografias ilícitas p. e p. no art.º 199°, n° 2, do CP, nem tão pouco integra a prática de qualquer ilícito culposo segundo o ordenamento jurídico, mesmo considerado este globalmente.

Não sendo ilícita, nos termos da lei penal, essa filmagem de imagens em local público, feita por particular, nas circunstâncias acima descritas, também a reprodução mecânica dessa filmagem (através da junção ao processo, quer do CD contendo a dita gravação de imagens, quer da reprodução em papel de imagens dela retiradas) é permitida, tal como decorre do art. 176º nº 1 do CPP.

Aliás, como é referido no citado Ac. do STJ de 28.9.2011, "Na intima relação que coexiste entre o regime de admissibilidade de prova por reprodução mecânica - artigo 167 do Código de Processo Penal e o crime de gravação e fotografia ilícita - artigo 199 do Código Penal pode-se dizer, de forma redutora, que a gravação, ou fotografia, que não é crime, é admissível como prova", adiantando que "o direito à palavra e o direito à imagem não são, nem devem ser, sacralizados como núcleo essenciais da vivência pessoal, e da comunidade, que se sobreponham a todo e qualquer tipo de ponderação de outros valores" e, acrescentando-se ainda que "age no exercício de um direito e, portanto vê excluída a ilicitude do seu comportamento, o agente cuja conduta é autorizada por uma disposição de qualquer ramo de direito", o que está de acordo com o princípio da unidade da ordem jurídica.

Essa ausência de ilicitude resulta do facto do particular que fez a dita filmagem de imagens visar unicamente a prevenção da prática de crimes contra o seu património (veículo que estava na via pública e que vinha sendo alvo de vários danos dolosos desde Março de 2011, tendo o ofendido antes de efetuar a referida filmagem apresentado queixa na PSP em 6.7.2011, como resulta de fls. 105) e bem portanto, tendo em vista a satisfação de interesses públicos que até deviam ser previamente assegurados pelo próprio Estado.

Nas concretas circunstâncias em causa nestes autos, como ficaram intocados os dados sensíveis das pessoas visionadas, apesar de desconhecerem que estavam a ser filmados naquele local público, quando se aproximavam do local onde a viatura do ofendido estava estacionada, aquela filmagem não carecia de prévio licenciamento da Comissão Nacional de Proteção de Dados, como decorre dos arts. 4°, n.º 4,7°, nº 2 e 28° da Lei n° 67/98, de 27.10 (sendo certo que, mesmo que assim não fosse, quando muito o que poderia existir era uma mera contraordenação, o que de qualquer modo não interferia com a validade daquela prova em processo penal, tanto mais que nem a Lei da Proteção de Dados Pessoais, a referida Lei n° 67/98, estabelece qualquer proibição daquele tipo de prova aqui em causa).

Essas provas, consistentes na filmagem de imagens em local público e reprodução em papel de imagens dessa filmagem, porque foram feitas nas circunstâncias acima descritas, podem ser juntas aos autos e ser apreciadas/valoradas pelo julgador uma vez que, como resulta do já exposto, não foram obtidas por métodos proibidos de prova (art. 126° do CPP).

Nestas particulares circunstâncias, em que foi feita a referida filmagem de imagens e depois a sua reprodução mecanográfica (quer através da gravação da filmagem em CD, quer através da reprodução em papel de imagens dessa filmagem, juntas ao processo pelo ofendido e visionadas em julgamento), mesmo tendo em atenção o disposto no art. 18°, n° 2, da CRP a conclusão era a mesma, uma vez que perante a colisão de direitos em confronto (por um lado o direito à imagem do visionado protegido no art. 26°, nº 1, da CRP e, por outro lado, o direito à tutela jurisdicional efetiva, na vertente do acesso à justiça célere e eficaz e o direito de propriedade do ofendido tutelados nos arts. 20° e 62° da CRP) estava justificada a restrição do direito à imagem do visionado para minimamente salvaguardar os referidos direitos a uma tutela jurisdicional efetciva e de propriedade do ofendido.

Diríamos que esta nova forma de "privatização da investigação" (expressão usada por Costa Andrade[16] a propósito, entre outros casos, de gravação de imagens por agentes privados, por eles trazidas ao processo) tem de ser analisada caso a caso, tendo em vista a salvaguarda daquele «núcleo duro» da vida privada da pessoa visionada (que abrange os dados sensíveis tal como definidos pela Lei de Proteção de Dados Pessoais), o qual assume uma multiplicidade de vertentes, mas que seguramente não abrange a situação em causa nestes autos."

A circunstância de nos presentes autos as imagens não terem sido efetuadas num local público, mas antes-num local privado, na garagem da propriedade do ora arguido, mas em que se encontravam estacionados os veículos automóveis da propriedade da Assistente, não obvia o referido entendimento, na medida em que tais imagens em nada beliscam o «núcleo duro da vida privada» do arguido (onde se inclui a intimidade, a sexualidade, a saúde e a vida particular e familiar mais restrita). Tais imagens foram extraídas no interior de uma garagem, sem portão, visível do exterior da residência do arguido, onde se encontravam estacionadas as viaturas da Assistente, pelo que a sua captação em nada belisca o direito à intimidade da vida privada.

Neste sentido se pronunciou o Acórdão da Relação do Porto de 23.11.2011, Processo n.º1373/08.2PSPRT.Pl, in: www.dgsi.pt. nos termos do qual: "Não constituem prova de valoração proibida as imagens recolhidas por meio de uma câmara de videovigilância colocada na garagem coletiva de um prédio de apartamentos."

No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.09.2011, no Processo n° 22/09.6YGLSB.S2: "a reprodução de imagens obtidas através do sistema de videovigilância instalado nas partes comuns de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal não representa qualquer ilícito criminal, assumindo-se como um meio de prova admissível e objeto de valoração. A ponderação entre custos para a reserva da intimidade e os benefícios para a segurança tem de levar em conta o facto de as partes comuns do condomínio serem totalmente diferentes das parcelas privadas, essas sim de utilização exclusiva. Há uma necessidade de conciliar os direitos com a realidade e as necessidades atuais da vida em sociedade.

A privacidade não é um espaço material estabilizado e fixo, na medida em que existe uma "relatividade histórico-cultural da privacidade, isto é, a oscilação das fronteiras entre o privado e o público ao ritmo das transformações civilizacionais."

Ora, nas circunstâncias concretas do caso, não vislumbramos tratar-se de situação materialmente diversa. Com efeito, arguido e Assistente vivem em casas separadas a cerca de 50 m, conforme descrito pela Assistente e testemunhas; numa mesma propriedade vedada, tendo uma garagem aberta, conforme se depreende das fotografias de fls. 412 e seguintes, juntas pelo arguido.

Ainda que ambas as casas pertençam ao arguido e à herança indivisa, a vivência daquele espaço funciona como sendo duas casas autónomas onde residem o arguido e a Assistente, contendo espaços comuns, que ambos utilizam, como sendo, o espaço exterior e a garagem.

Em face do exposto, entendemos que os fotogramas de fls. 96 e seguintes não constituem um meio proibido de prova, podendo ser livremente valorados pelo Tribunal.

«Da análise de tais fotogramas resultam imagens claras do arguido a riscar a viatura de marca Seat Ibiza na sua parte lateral do lado do condutor.

Dos fotogramas de fls. 108 e seguintes, perceciona-se o arguido riscar o veículo Peugeot 106 na parte da frente, conforme descrito no relatório fotográfico.

Sucede que, nesta parte, a prova não se esgotou na análise dos fotogramas.

Com efeito, confrontado o arguido com tais imagens (fls. 96 e seguintes) reconhece-se nas mesmas, justificando que tinha ido buscar um bocado de desperdício à garagem.

Por outro lado, várias foram as testemunhas, para além da Assistente, que afirmaram ter visionado as imagens: M e D, MG, Jaquelina e MF, tendo confirmado que em ambos os filmes visionaram o arguido a riscar as viaturas.

Acresce que estas testemunhas, e ainda VL e FF esclareceram os locais onde se encontram os riscos, tendo enunciado, entre outras, a parte lateral do veículo Seat e o capô do veículo Peugeot.

Finalmente, importa esclarecer que as fotografias de fls. 412 a 414, juntas com a contestação, e de fls. 485 e 486, não inquinam os referidos depoimentos, por duas ordens de razões: primeiro porque as viaturas encontram-se com alguma sujidade que não permite percecionar com segurança a ausência de riscos, segundo, porque da sua análise, parece-nos resultar que alguns riscos lá se encontram efetivamente.

Com efeito, da prova produzida apenas se podem imputar aos arguidos os concretos riscos decorrentes da sua ação em 7 de julho e 7 de outubro de 2013. Nada mais. Não se podendo desta sua conduta presumir, sem mais, que todos os riscos.

Tanto assim é que, o orçamento de fls. 151, quanto à reparação do Peugeot 106 data de 9 de julho de 2013, momento anterior aos factos, donde resulta que nessa data já existiam riscos cuja autoria se desconhece.

Por outro lado, o episódio relatado por M em que teria assistido a um episódio em que o avô teria riscado o Seat, para além de não nos parecer credível, atentas as circunstâncias descritas (escondeu-se entre as 07h 15 e 7h30 da manhã na garagem para "apanhar" o avô), certo é que a testemunha referiu que tal episódio ocorreu em momento posterior às filmagens. Ora, o orçamento data de dois dias após as filmagens dos riscos no Seat (9 de julho), pelo que, ainda não incluiria essa situação.

Em face do exposto, os concretos riscos efetuados pelo arguido, não se compadecem com a descrição aposta nos orçamentos de fls. 151 e 152 "viatura toda riscada", pelo que os seus valores não podem ser imputados ao arguido, desconhecendo-se, no presente caso, o valor da reparação dos riscos efetuados.

Em face do exposto resultaram provados os factos 11 e 12 e não provados os factos N, O e P.

A versão do arguido para se encontrar próximo das viaturas não se nos afigurou minimamente credível, nem coerente com regras de experiência, na medida em que se encontra de relações cortadas com o seu neto M, sendo totalmente inconsequente saber se às 7h00 da manhã o motor está quente ou frio, pelo que não se provou o facto V.

Quanto ao corte do pneu e à pintura com spray, não foi produzida qualquer prova quanto à autoria dos factos pelo arguido, pelo que não se consideram provados os factos L, M e W.

A prova do facto 15 resultou essencialmente das declarações da Assistente analisadas à luz das regras de experiência.

Com efeito, parece-nos que a conduta praticada interior de um espaço que partilha com a Assistente, e independentemente dos litígios existentes entre os mesmos, é suscetível de causar inquietação e insegurança.

Não se provou o medo, na medida em que o mesmo não surge devidamente contextualizado pelas testemunhas que o referiram vagamente e por referência às ameaças e não à situação das viaturas.

Por outro lado, desconhecendo-se a origem dos restantes riscos e demais caraterísticas pessoais da Assistente, também não podemos imputar à conduta do arguido o facto da Assistente sentir vergonha e humilhação em circular com as viaturas naquelas condições.

Não se provou, assim, o facto R

Os factos 16 e 19 resultaram provados da documentação médica supra identificada.

Não nos parece que tais documentos sejam bastantes para a prova de que a conduta da Assistente tem causado agravamento do estado de saúde do arguido, não tendo, inclusive, resultado claro do julgamento quem é que provoca quem, pelo que não se provou o facto X e Y.

O facto 18 foi unanimemente reconhecido pelas testemunhas de defesa.

Os factos 20 a 23 resultaram das declarações prestadas pela Assistente em audiência de julgamento, que se nos afiguraram, nesta parte, suficientemente credíveis.

Os factos 24 a 27 resultaram das próprias declarações do arguido e, ainda, do depoimento da testemunha PL, seu filho, que se nos afiguraram credíveis, tendo este confirmado o valor da renda da casa das Palmeiras; e do documento de fis.51 O e seguintes.

Sobre os factos Q e X nenhuma prova consistente se fez, atendendo às caraterísticas das testemunhas ouvidas e às caraterísticas dos arguidos plasmadas na factualidade e na sua conduta processual.

2. Da medida da pena
Cabe agora proceder à determinação das penas a aplicar.

O crime de dano é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

Prescreve o artigo 70° do CP. que em tal caso, deverá o tribunal dar preferência à pena não privativa da liberdade, sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Estas finalidades são, como se determina no artigo 40.°, n."l do C.P., a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Assim, terá de se atender, na escolha da pena a aplicar, quer a razões de prevenção geral positiva, quer a razões de prevenção especial positiva, apenas se devendo negar a aplicação da pena alternativa não privativa da liberdade quando a pena de prisão se revele necessária à tutela dos bens jurídicos comunitários, bem como à ressocialização do agente.

No caso em apreço, são eíevadas as exigências de prevenção geral, atenta a necessidade de desencorajar os cidadãos a cometerem este tipo de crime.

Ao nível da prevenção especial, o Arguido não tem antecedentes criminais por crime de idêntica natureza, encontrando-se socialmente integrado, pelo que se afigura adequada a aplicação de uma pena de multa por cada um dos crimes.
*
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 212°, n.º 1 e 47.°, n.l do C.P. a pena de multa pode ser fixada entre 10 e 360 dias.

Ora, a determinação da medida concreta da pena a aplicar terá como critérios a culpa do agente e as exigências de prevenção, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 71 ° do CP. O limite mínimo será pautado pelas exigências de prevenção geral, sendo a culpa do agente o limite inultrapassável da pena (artigo 40°, n.º 3 do c.P.). Será dentro destes limites que atendendo às necessidades de prevenção especial ou de socialização do agente se determinará a medida concreta da pena.

Prescreve o n.º 2 do artigo 71.° do C.P. que na determinação concreta da pena o tribunal deverá atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, elencando de seguida um conjunto exemplificativo de circunstâncias a atender, entre as quais, a intensidade do dolo ou da negligência, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e gravidade das suas consequências, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, entre outras.

Ora, considerando a ameaça que estes crimes representam para a o direito de propriedade e de integridade da coisa alheia e pela conflituosidade social inerente a estas questões, revelam-se acentuadas as exigências de prevenção geral.

Por outro lado, terá de se considerar o grau de culpa do agente, mostrando-se, no presente caso, elevada a intensidade do dolo, uma vez que o Arguido agiu com dolo direto.

No que concerne ao grau de ilicitude do facto, entende-se ter sido diminuto, na medida em que configuraram apenas um risco em cada viatura automóvel.

Por outro lado, a circunstância de se tratar de duas viaturas pertencentes à sua filha, não deixa de ser especialmente censurável ao arguido, denotando alguma perversidade de caráter.

Obviamente que o seu comportamento terá de ser analisado à luz do intenso litígio que vive com a sua filha, o que, atenuando ligeiramente, não obvia à perversidade da sua conduta.

Aliás, esse permanente estado de conflito acentua, no caso concreto, as exigências de prevenção especial que ao caso concorrem, devendo a pena aplicada ter a virtualidade de demover o arguido da prática de factos semelhantes.

A favor do Arguido milita a ausência de antecedentes criminais por crime de idêntica natureza.

Tudo ponderado julgo adequado aplicar ao Arguido uma pena de 95 dias de multa por cada um dos crimes praticados.

A cada dia de multa corresponde uma quantia entre €5,00 e €500,00, que o tribunal fixa, nos termos do artigo 40.°, n.º 2 do C.P., em função da situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais.

Atendendo, assim, às condições socioeconómicas do Arguido, entende-se adequado fixar o quantitativo diário da multa em 10,00 €.

Do cúmulo jurídico:

Nos termos do disposto no artigo 77° do Código Penal, cumpre proceder ao cúmulo jurídico das penas em que o Arguido foi condenado nos presentes autos.

Assim, nos termos do n.º 2 do referido preceito, a pena em que o arguido seja condenado terá como limite mínimo a pena mais elevada das concretamente aplicadas ao arguido, e como limite máximo, a soma das penas concretamente aplicadas aos diferentes crimes, desde que igualou inferior a 900 dias de multa (cfr. 77° n." 2 do CP).

Na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou (Acórdão da Relação do Porto, Processo n." 624/08-1, in www.dgsi.pt).

Assim, a pena única em que o Arguido deverá ser condenado tem como limite mínimo 95 e como limite máximo 190 dias de multa.

Dando aqui por reproduzidas as considerações referentes às exigências de prevenção geral e especial que ao caso concorrem, entende-se como adequada a pena única de 145 dias de multa, à taxa diária de 10,00 €, o que perfaz um total de 1450,00 €.

3. Do pedido de indemnização civil

Preceitua o artigo 710 do Código de Processo Penal que à luz do princípio da adesão nele consagrado, o pedido de indemnização civil fundamentado na prática de um crime, deve ser deduzido no âmbito do processo penal em que tal responsabilidade criminal é apreciada.

No caso dos autos, veio a demandante B. deduzir pedido de indemnização civil no valor de 5.610,90 €, sendo 2.000,00 € a título de danos não patrimoniais e o remanescente por danos patrimoniais.

Cumpre apreciar.
(….)

V. Decisão
Nos termos e pelos fundamentos expostos decide-se:

Absolver o arguido A. da prática de um crime de ameaça agravada p. e p. pelo art. 155 nº 1 a) do Código Penal;

- Absolver o Arguido da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22°,23°, 145° n.º1 alínea a) e n.º 2 por referência ao artigo 132º n.º 2 alínea a) do Código Penal;

- Absolver o Arguido da prática de dois crimes de dano qualificado, p. e p. pelo artigo 213° n. 1 alínea a) do Código Penal;

- Condenar o Arguido pela prática de dois crimes de dano simples, p. e p. pelo artigo 212º n. 1 do Código Penal na pena de 95 dias de multa por cada um à taxa diária de 10,00 € (dez euros);

- Condenar o Arguido em cúmulo jurídico, na pena única de 145 dias de multa à taxa diária de 10,00 €, no total de 1450,00 € (mil quatrocentos e cinquenta euros);

- Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil e, em consequência, condenar o Arguido no pagamento à demandante do valor de 200,00 €, a título de danos não patrimoniais e, relativamente aos danos patrimoniais, no valor que se vier a apurar em sede de execução de sentença;

- Absolver o Arguido do remanescente do pedido de indemnização civil;

- Determinar a restituição da arma e munições apreendidas à ordem dos presentes autos ao respetivo titular, desde que seja possuidor de licença para detenção de arma;
(…)»

Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.

II. Fundamentação

1. – Questão prévia – as conclusões da motivação de recurso
A extensão das presentes conclusões de recurso não compromete a função das mesmas no processo, pois permitem compreender suficientemente as questões que integram o objeto do recurso e a respetiva fundamentação conforme decorre, aliás, da resposta do MP em 1ª Instância, razão pela qual se entende não ser necessário convidar o recorrente a apresentar novas conclusões.

2. Delimitação do objeto do recurso.
Como é pacificamente entendido, são as conclusões do recurso que delimitam o objeto do mesmo, sem prejuízo das questões de que o tribunal de recurso deva conhecer oficiosamente.

2.1. O arguido começa por impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do art. 412º nºs 3 e 4, do CPP, considerando que:

- Os pontos de facto nºs 11), 12), 14) e 15) da factualidade provada, devem ser julgados não provados;

- Os pontos de facto julgados não provados em V), X), Y) e Z) devem ser dados como provados;

- O ponto de facto julgado provado sob o nº 10) deve incluir que a garagem é do arguido e não se vê do exterior.

O recorrente especifica nas suas conclusões as provas que suportam estas suas pretensões, maxime na al. c)) das suas conclusões, aí incluindo os fotogramas de fls 96 a 98 e de fls 108 e 109, pelo que toda a alegação do recorrente a propósito destes fotogramas, designadamente a invocação de proibição de prova, respeitam aos fundamentos da presente impugnação, sendo apreciados nessa sede.

2.2. O arguido e recorrente argui a nulidade da sentença nos termos do art. 379º nº 1 c) do CPP, por omissão de pronúncia sobre os pontos de facto nºs 4),5) e 6), 10), 11) e 12), alegados na sua contestação, sobre os quais, como diz, o tribunal não se pronunciou.

2.3. Argui ainda uma nulidade insanável nos termos do disposto nos arts 119 CPP e 115º e 212º nº3 do C.Penal em virtude de a assistente não ter apresentado queixa relativamente ao crime particular de dano simples.

2.4. Conclui dever julgar-se que o arguido não praticou qualquer crime, pelo que deve ser absolvido em matéria penal e civil.

2.5. A não se entender assim, pretende o arguido recorrente, por último, que seja reduzido o número de 145 dias, bem como a taxa diária, da pena única de multa que lhe foi aplicada em cúmulo jurídico, a qual entende dever ser inferior à importância de 10,00 euros arbitrada pelo tribunal recorrido.

3. – Decidindo

3.1. Começando por conhecer da alegada falta de legitimidade do MP para acusar, por falta de apresentação de queixa pela assistente relativamente aos crimes de dano simples pelos quais o arguido vem condenado, é manifesto que o recorrente não tem razão, porquanto a assistente apresentou queixa ao declarar expressamente a fls 79 vº desejar procedimento contra seu pai, ora arguido, depois de relatar que os seus dois veículos têm vindo a ser alvos de danos, nomeadamente riscos na pintura, suspeitando de seu pai. Improcede, pois, o recurso nesta parte, por ter sido apresentada queixa pela assistente contra seu pai pelos crimes de dano pelos quais vem condenado.

3.2. Apreciemos agora a invocada nulidade de sentença, nos termos do art. 379º nº 1 c) do CPP, por omissão de pronúncia sobre os pontos de facto nºs 4),5) e 6), 10), 11) e 12), alegados na contestação, que são do seguinte teor:

- «4 - O arguido em virtude da doença tem um equilíbrio muito reduzido e a locomoção e actividade motora diminuída e alterada, sendo que os conflitos criados pela filha, tem provocado um agravamento muito significativo da sua doença. (cfr. Doc. 1).

5 - Resultando desse agravamento da doença, que o Arguido ficou a estar mais lento, a tremer mais, ter insónias, perda de apetite, agitação, angústia, humor depressivo, decréscimo de iniciativa e motivação, entre outros, tudo cfr. o Relatório Médico Doc. 1)

6- Pela sua própria situação de saúde e estado físico debilitado é impossível ao arguido fazer o alegado na(s) Acusação(ões)

10 - A queixosa sabe da doença e do débil estado de saúde do pai, e por causa disso usa ou procura usar isso em seu benefício, provocando constantemente o pai e criando situações que o afectem e/ou como forma de retaliação, como a seguir se refere.

11 - No dia 12.6.2013 foi emitida uma Certidão Judicial que tinha sido pedida previamente no Processo de Inventário n. 919/11.3TBLLE do 2°. Juízo Cível do Tribunal de Faro para instruir e juntar ao Processo crime nº. 417/11.5GCFAR por furto praticado na residência do arguido em Maio de 2011, processo em que após a emissão desta certidão veio a ser deduzida acusação contra a Sra B.. (cfr. Docs. 4 e 5 que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos)

12. - Sendo a coincidência das datas relevante para aferir da motivação e o porquê das atitudes, dos problemas criados (como ter colocado o pau na fechadura) e das queixas infundadas e caluniosas da Sra. B., nomeadamente referentes ao que se passou nesse dia e nos meses imediatos e das buscas no Verão de 2013.»

Vejamos.

Antes de mais, resulta da mera leitura da sentença recorrida que o tribunal a quo pronunciou-se expressamente sobre os nºs 4 e 5 da contestação. Este último encontra-se descrito sob a al. Y) dos factos não provados e o nº 4 da contestação corresponde em parte à al. X) dos mesmos factos não provados e ao nº 16 dos factos provados. Aliás, mal se compreende a invocação de omissão de pronúncia do recorrente quanto àqueles factos, uma vez que vem impugnar o julgamento de não provados do tribunal a quo relativamente a esses mesmos factos, que se encontram descritos sob as alíneas X) e Y).

O nº 6 encerra a conclusão que o arguido pretendia retirar dos factos relativos à sua condição física, que se encontra claramente julgada não provada, ainda que implicitamente. Na verdade, não se provou que a sua condição física fosse a por si alegada sob os nºs 4 e 5 da contestação e, por outro lado, ao julgar provado sob os nºs 11 e 12 que o arguido fez os riscos nos automóveis da assistente, conforme ali se descreve, o tribunal a quo necessariamente considerou não provada a alegada impossibilidade física do arguido para fazer aqueles mesmos riscos.

Quanto à impossibilidade para a prática dos factos alegados na contestação pública, maxime os relativos à imputada ofensa à integridade física, tais factos resultaram não provados, pelo que fica prejudicada a eventual relevância da alegada impossibilidade física e, portanto, a eventual necessidade de pronúncia expressa do tribunal a quo a tal respeito.

No que concerne aos factos descritos sob os nºs 10 e 11 da contestação, são os mesmos alheios ao objeto do processo e, mais amplamente, ao tema da prova, pois não relevam para a decisão de qualquer das questões em que se desdobra a Questão da culpabilidade (cfr art. 367/8º do CPP) ou Da Determinação da sanção (cfr arts 369º e 375º, do CPP). O nº 12 da contestação não encerra sequer alegação em matéria de facto, mas mera conclusão.

Improcede, pois, a arguida nulidade de sentença por omissão de pronúncia, independentemente da questão de saber se a situação alegada poderia, em abstrato, consubstanciar aquele vício processual ou outro.

3.3. A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do art. 412º nºs 3 e 4, do CPP.

3.3.1. – Vejamos agora cada um dos pontos de facto que o arguido alega terem sido incorretamente julgados pelo tribunal a quo, começando por apreciar a impugnação do ponto de facto julgado provado sob o nº 10) que segundo o recorrente deve incluir que a garagem é do arguido e não se vê do exterior.

Independentemente de outras considerações, é manifesta a falta de razão do recorrente a este propósito porquanto não indica qualquer meio de prova de onde resultasse que a garagem não se vê do exterior, limitando-se a afirmá-lo sem mais desenvolvimentos, sendo certo que tal não resulta do texto da sentença recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência (cfr art. 410º nº 2 CPP).

Quanto ao facto de a garagem pertencer ao arguido, tal facto consta já da factualidade provada, pois diz-se na primeira parte do nº10 dos factos provados que se trata da garagem da residência da ofendida e de seu pai e resulta dos nºs 1 e 17 da mesma factualidade, que o arguido e a assistente vivem em casas separadas pertencentes ao arguido e à herança aberta por óbito de C., mãe da assistente e ex-cônjuge do arguido.

Assim, nada há a alterar ao teor do nº10 dos factos provados.

3.3.2.Vejamos agora a impugnação da decisão que julgou provados os pontos de facto nºs 11), 12), 14) e 15) da factualidade provada, concernentes à responsabilidade penal e civil do arguido por riscos feitos nos dois automóveis da assistente.

A este respeito o arguido e recorrente alega, antes de mais, que os fotogramas de fls 108 e 109, 96 a 98, correspondentes a imagens captadas por uma câmara de vídeo colocada pela assistente na garagem onde se encontravam os dois veículos automóveis, constituem prova proibida por terem sido gravadas em espaço que é propriedade privada do arguido e terem sido mostradas a outras pessoas, tudo sem consentimento do arguido, o que constitui ofensa ilícita à personalidade e integridade moral do arguido e da sua imagem e bom nome protegidos pelo 70º, 79º., 80º do Código Civil, pelo que o tribunal a quo violou os arts. 167º. nº. 1 do C.P.P. e 192º nº. 1 b) e c) e 199º do Código Penal, violou o artigo 32º. nº. 8 C.R.P. (por violação da integridade moral e abusiva intromissão na vida privada) e os arts. 26º nº. 1 e 2 e 18 da C.R.P e com violação da Lei 67/98 de 27.10 (de protecção dos dados pessoais), pelo que se volta a requerer a sua nulidade e a dos actos subsequentes nos termos do arts. 122º nº. 1 e 126º. nº. 3 do C.P.P..

A questão foi apreciada pelo tribunal a quo que concluiu pela validade da obtenção, exposição e valoração das imagens vídeo e dos fotogramas de fls 96 a 98 e 108 e 109, considerando-os um dos elementos de prova relevantes para julgar provado que em 7.7.2013 e 7.10.2013, respetivamente, o arguido riscou cada um dos dois veículos pertencentes à assistente, conforme descrito sob os pontos nºs 11, 12 e 14 da factualidade provada, ora impugnados.

3.3.2.1. Vejamos, então, a invocada proibição de prova.

a) Como ensina Costa Andrade no início da sua monografia sobre as proibições de prova em processo penal, no direito português “… as proibições de prova estão hoje legalmente consagradas com a autonomia, generalidade e consistência que permitem perspetivá-las como uma das construções basilares da dogmática processual penal. É o que revela o disposto no art. 118º nº3 do CPP. Por outro lado e complementarmente, a lei positiva prescreve e regulamenta expressamente um vasto espectro de expressões concretas de proibição de prova (…) É o que sucede … com as proibições relativas a métodos de prova (art. 126º ) depoimento indireto (com exclusão da hearsay evidence, art. 129º), gravações e outras formas de reprodução técnica (art. 167º), escutas telefónicas (art. 187º e sgs), proibição de valoração de provas (art. 355º), etc., diretamente previstas no CPP.”.[1]

Reconhecendo a relevância que as gravações fonográficas e fotográficas assumem em processo penal, por via dos recentes desenvolvimentos tecnológicos e económicos e do seu cada vez maior potencial de agressão e devassa (Costa Andrade, Sobre as proibições de prova em processo penal, p. 237), o legislador optou, no art. 167º CPP, por atribuir prevalência ao critério da ilicitude penal substantiva para delimitar o campo da utilizabilidade probatória das reproduções mecânicas ali contempladas, ao estabelecer que as reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo eletrónico e, de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem como provas dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal.

O art. 167º do CPP contempla, pois, uma das hipóteses de proibição de prova expressamente previstas no CPP, pelo que é à luz do regime respetivo que, em nosso ver, deve ser apreciada a invocada proibição de prova por obtenção e utilização de imagens do arguido captadas em vídeo contra a sua vontade presumida, como veremos.

Em primeiro lugar, resulta da remissão do art. 167º do CPP para o campo da ilicitude penal, ser inadmissível e proibida a valoração de qualquer registo fotográfico (fílmico, vídeo, etc) que, pela sua produção ou utilização, constitua o seu agente em autor de um crime de Gravações e fotografias ilícitas, previsto entre os Crimes contra outros bens jurídicos pessoais no art. 199º do C.Penal, ou de um crime de Devassa da vida privada, previsto no art. 192º do C.Penal entre os crimes contra a reserva da vida privada.

Em segundo lugar, não se vê motivo para afastar a admissibilidade de princípio da valoração das gravações lícitas, como reverso da proibição da valoração das fotografias ou filmes ilícitos contida no art. 167º do CPP, quer tal licitude resulte de não ser penalmente típico o comportamento em causa, quer de ser-lhe aplicável causa de justificação legalmente prevista – exemplarmente neste sentido, o Ac TRL de 28.05.2009, Rel. Fátima Mata Mouros, CJ XXXIV, TIII p. 135.

Assim, por força do disposto no art. 167º nº1 do CPP, é em princípio admissível a valoração das fotografias ou filmes que não tenham sido obtidos de forma penalmente ilícita, tanto em face do art. 199º como do art. 192º, do C.Penal, o que vale sobremaneira para as situações, como a presente, em que o agente da ação de fotografar ou filmar foi um particular.

Deste modo, a decisão sobre a legalidade do concreto meio de prova abrangido pelo art. 167º do CPP - como sucede com a reprodução vídeo e respetivos fotogramas no caso presente -, passa pela apreciação da sua atipicidade ou licitude, maxime à luz das diversas causas de atipicidade e justificação aplicáveis aos referidos tipos legais de crime, embora, obviamente, tal apreciação do ponto de vista do direito substantivo não vise de modo algum apurar da eventual responsabilidade penal pela produção (e/ou utilizou) o filme, fotografia ou outra reprodução mecânica, mas apenas aferir da legalidade/utilizibilidade do meio de prova, como referido.

b) No que respeita ao tipo legal de devassa da vida privada previsto no art. 192º do C.Penal, nomeadamente por captar, fotografar, filmar, registar ou divulgar imagem das pessoas, não se mostra o mesmo preenchido in casu por duas ordens de razões.

Em primeiro lugar, resulta claro do ponto nº 10 da factualidade provada que a garagem em causa se situava na residência da ofendida e de seu pai, ora arguido, pelo que mesmo que o espaço se integrasse em propriedade privada exclusiva do arguido, como alegado por este, tal seria irrelevante para o que nos ocupa, uma vez que a assistente utilizava legitimamente o espaço como garagem para os seus dois automóveis, o que implicava ser o mesmo zona de acesso comum à assistente e ao arguido.

Em segundo lugar, o art. 192º do C.Penal exige, como especial elemento subjetivo do tipo de ilícito, a intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual, o que não está manifestamente em causa nos presentes autos, pois resulta suficientemente da fundamentação da sentença que a motivação e finalidade da obtenção das imagens por parte da assistente tem exclusivamente que ver com a autoria dos riscos feitos nos seus veículos automóveis, nomeadamente a prova respetiva.

c) Afastado liminarmente o preenchimento do tipo legal de Devassa da vida privada previsto no art. 192º do C.Penal, apenas nos importa agora a apreciação da factualidade apurada no processo à luz dos elementos constitutivos e causas de justificação relativos ao crime de Gravações e fotografias ilícitas previsto no art. 199º do C. Penal.

Neste tipo legal o legislador opta claramente pela tese dualista ao distinguir a incriminação da captação das imagens da incriminação da sua utilização, que tem lugar mesmo relativamente a fotografias ou filmes licitamente obtidos.

Em ambos os casos, porém, só é típica a conduta do agente contra a vontade do titular do direito à imagem, contrariedade que se presume no caso concreto tanto em relação à captação das imagens do arguido em termos que o tornam facilmente reconhecível, como à utilização do filme, dado o mau relacionamento entre ambos que o processo espelha e, em todo o caso, a concreta finalidade da obtenção das imagens, ou seja, a dedução de acusação e eventual condenação do arguido.

d) Posto isto, a questão fulcral a decidir é a de saber se a circunstância de a captação daquelas imagens ter por finalidade identificar o autor de riscos que vinham sendo feitas nos veículos da assistente (crime de dano) constitui fundamento de atipicidade ou de exclusão da ilicitude da conduta da assistente, em termos de poder concluir-se pela licitude da obtenção das imagens e, consequentemente, pela legalidade da sua utilização para prova da autoria dos crimes de dano pelos quais o arguido vem condenado.

Relativamente ao apuramento de eventual fundamento de atipicidade ou causa de justificação, deixa-se claro antes de mais, por mera exigência metodológica, não ter aqui cabimento qualquer das hipóteses de autorização legal tipificada expressamente previstas, de que são exemplos significativos as escutas telefónicas reguladas no título III (Meios de obtenção de prova), logo excluídas expressamente pelo art. 167º nº2 do campo da ilicitude, bem como o registo de voz e imagem especialmente previsto para o combate à criminalidade organizada e económico-financeira no artigo 6º da Lei 5/2002 de 11 de janeiro, ou qualquer outra aplicável aos Órgãos de Polícia Criminal ou outras instâncias formais de controlo.

Verifiquemos, pois, se ocorre diferente fundamento de atipicidade ou causa de justificação relativamente à incriminação do art. 199º do C.Penal, o qual pune quem, fotografar ou filmar outra pessoa contra a sua vontade, tutelando o direito à imagem (no que aqui importa), enquanto bem jurídico pessoal, correspondente a uma expressão direta da personalidade, fazendo-o de forma autónoma, independentemente da sua valência do ponto de vista da privacidade/intimidade (Costa Andrade, Comentário Conimbricense, 2ª ed. p. 1196), cuja tutela penal encontra-se antes na incriminação da devassa da vida privada (art. 192º do C.Penal), como referido.

d.1. A este propósito, refere-se Costa Andrade a um conjunto de situações que agrupa sob a designação de redução teleológica do tipo de sentido vitimo-dogmático, em que se verifica a exclusão da relevância típica da conduta do agente que capta ou utiliza a imagem, em atenção ao comportamento daquele que é objeto de violação do direito à imagem enquanto pratica um crime.

Como diz o autor, trata-se de Extorsão, Injúrias, Ameaças, Coação; por aqueles que recebem propostas de corrupção e, em geral, incitamentos à prática de comportamentos ilícitos ou eticamente censuráveis; por quem pretenda reunir provas para obviar a comportamentos processualmente ilegítimos ou de má fé, etc.” (Comentário Conimbricense, I, 2ª ed. pp. 1218-9).

Ora, apesar de o autor não incluir entre os tipos legais que enumera exemplificativamente as vítimas de crime de dano – em causa nos presentes autos -, não vemos motivo para não as considerar aí abrangidas, por igualdade de razões com os tipos penais explicitados e mesmo por maioria de razão relativamente aos casos em que o agente apenas pretenda reunir provas para obviar a comportamentos processualmente ilegítimos.

Valerá, pois, quanto aos agentes de outros crimes (incluindo o crime de dano) que veem atingido o seu direito à imagem ou à palavra por conduta da vítima ou de terceiro motivada por aquele seu crime, as considerações que acompanham a construção dogmática dos limites imanentes dos direitos fundamentais, de acordo com a qual o comportamento censurável, porque ilícito, da vítima das gravações [da palavra] ou das fotografias determina a perda da dignidade penal e a caducidade da proteção jurídica concedida ao direito à imagem ou à palavra, levando, então, a considerar atípicas as condutas lesivas do direito à imagem (no que aqui interesse) nestas situações.

A circunstância de a gravação ou filme, (foto, etc.) respeitar à materialidade de um crime, como sucede em casos como o presente, não pode deixar de ter um peso decisivo nessa conclusão, em atenção ao desvalor inerente à prática do ilícito anterior e ao papel desempenhado por este na determinação do agente à captação e/ou utilização da reprodução mecânica da imagem do autor respetivo.

Por outro lado, o art. 79º nº2 do C. Civil dispensa o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem exigências de polícia ou de justiça, o que reflete o peso reconhecido a exigências desta natureza noutros ramos do ordenamento jurídico. Deste modo, ainda que se entenda que a obtenção de filme ou fotografia para documentação da materialidade do próprio crime, nomeadamente numa situação de flagrante delito, aqui incluído o quase flagrante delito, com vista à perseguição criminal do agente de crime não se encontra diretamente abrangida pelo nº2 daquele art. 79º, esta circunstância tem um peso decisivo na conclusão sobre a atipicidade ou licitude (como veremos) daqueles comportamentos,

d.2. Porém, não pode igualmente aceitar-se que a atipicidade de condutas com fundamento na perda de dignidade penal e consequente caducidade da proteção jurídica aos que se colocam no lado inverso do ser social, favoreça quem atente contra o direito à imagem do agente de outro crime movido por intuitos ilícitos ou arbitrários, como no caso de pretender pressionar ilicitamente o fotografado ou filmado ou divulgar as imagens captadas para obter proventos económicos, deixando assim desprovido de tutela penal o titular do direito à imagem sem que do outro lado se encontre conduta digna de consideração do ponto de vista penal ou social, o que justificará as reservas apostas àquela construção dogmática e a opção maioritária pela doutrina que aponta a ilicitude/justificação como a instância indicada para enquadrar dogmaticamente as soluções de não punibilidade dos agentes destas gravações e fotografias - (vd Costa Andrade, Comentário Conimbricense cit. p. 1219),

No entanto, como diz Costa Andrade, Comentário cit. pp. 1221-2), o tema da justificação dos atentados típicos à palavra e à imagem tem implicado a convocação de um conjunto alargado de causas de justificação, tanto gerais e tradicionais (v.g. a legítima defesa ou o direito de necessidade), como inovadoras, de que são exemplo a adequação social, ponderação de bens ou interesses,prossecução de interesses legítimos ou situação-de-quase-legítima defesa.

Apesar disso, diz-nos o mesmo autor (loc. cit), a dispersão é mais doutrinal que prático jurídica, plano onde predomina a convergência no sentido da exclusão da responsabilidade penal da vítima de crimes contra bens pessoais ou patrimoniais.

Daí que, sem cuidar de uma apreciação sistemática das diversas hipóteses, dispensável e mesmo inadequada no caso presente, limitar-nos-emos a enquadrar a solução do caso presente no regime legal do direito de necessidade previsto no art. 34º do C. Penal, desde logo por se nos afigurar problemática a aplicabilidade do regime da legítima defesa, pois dificilmente poderá falar-se aqui de meio adequado para repelir agressão atual e ilícita (art. 32º do C.Penal) contra o seu património (os veículos), visto resultar dos autos que o vídeo foi feito através de câmara não visível para o arguido e sem que no local existisse algum aviso sobre a presença da câmara, contrariamente ao que se verificava no caso a que se reporta o citado acórdão do TRL de 28.05.2009.

d.3. Nada obsta, porém, à aplicabilidade da figura do direito de necessidade previsto no art. 34º do C.Penal ao caso presente.

O registo e utilização da imagem do arguido a riscar os automóveis da assistente são adequados a afastar o perigo que permanece atual enquanto aqueles comportamentos se repetem ou podem repetir, sendo certo que os factos relativos a cada um dos crimes de dano ocorreram com três meses de intervalo entre si (al. a) do art. 34º C. penal) e que não foi a assistente a criar a situação de perigo representada pela realização de riscos nos automóveis al. b) do art. 34º do C.Penal).

Por outro lado, no caso presente e noutros semelhantes - em que o perigo inicial contra o bem da assistente provém de quem vem a sofrer ação típica contra o direito à imagem – o interesse da assistente a salvaguardar é superior ao interesse do arguido sacrificado, sendo razoável impor-lhe o sacrifício daquele mesmo interesse, não obstante a natureza patrimonial do interesse salvaguardado face à natureza pessoal do direito à imagem sacrificado, atentas as razões adiantadas por F. Dias a propósito do critério de aferição da superioridade do interesse salvaguardado em sede de direito de necessidade, ao justificar a desnecessidade/inadequação de figuras como o chamado direito de necessidade defensivo, nestas constelações de casos.

Como defende aquele autor, situações como a presente são ainda reconduzíveis ao direito de necessidade justificante entendendo-se, de acordo com teleologia e o texto do art. 34º, que a sensível superioridade do interesse a salvaguardar não respeita a um conflito de bens jurídicos a decidir de acordo com a hierarquia respetiva, alargando-se antes a uma ponderação global e concreta do conflito de interesses em jogo, que constituirá, assim, o princípio decisor. De acordo com este princípio, as situações de estado de necessidade justificante previstas no art. 34º incluirão as chamadas hipóteses de estado de necessidade defensivo - em que o perigo provém da esfera jurídica da pessoa que sofre a ação típica (gravação ou utilização/valoração) - conferindo-se prevalência, na situação complexa de conflito de bens e interesses como a que se verifica no caso presente, ao interesse que, numa consideração global da situação concreta, deva representar-se como o de maior valor.- F. Dias, Direito Penal, 2ª ed.2007 pp. 461 a 463.

Interesse prevalecente que, numa apreciação global de casos como o presente, não pode deixar de considerar-se ser o interesse da vítima inicial de atentado contra a sua pessoa ou património, que só coloca em causa o direito à imagem do responsável pela dita agressão inicial para pôr termo ao perigo de verificação ou continuação dessa mesma agressão, nomeadamente através da perseguição penal respetiva.

Na verdade, estando em causa mera reação do agente (a assistente) contra um interesse jurídico (o direito à imagem) do agressor (o arguido dos crimes de dano), nada obstará ao sacrifício do direito à imagem do arguido, que não se encontra associado a outras dimensões da vida privada, como meio necessário para proteger o património da assistente posto em perigo pela conduta do autor do dano, sendo certo que em casos como o presente pode dizer-se mesmo que o interesse sacrificado (o direito à imagem) constitui um interesse dificilmente digno de proteção penal (citado de Comentário Conimbricense I, 2ª ed. p. 1224) – cfr art. 34º do C.Penal.

A não ser assim, acabaria por aceitar-se a condenação por crime contra o direito à imagem de quem se limita a documentar através de filme ou fotografia o facto ilícito de que é vítima, o que representaria uma inversão dos valores e interesses penalmente tutelados, se não mesmo a subversão, em alguma medida, do regime dos direitos fundamentais. Tanto mais que para além do interesse em proteger a esfera pessoal ou patrimonial da assistente de atentados ilícitos, estará igualmente em causa projeção do direito fundamental de acesso dos particulares ao direito e a tutela jurisdicional efetiva que a CRP reconhece no art. 20º da CRP, pois as mais das vezes a fotografia ou filme são determinantes na prova do ilícito típico.

Conforme pode ler-se no acórdão do STJ de 25.09.2011, relator Santos Cabral, parece totalmente desligada da realidade a perspetiva “…que se pronuncia pela invocação da necessidade de autorização, ou na invocação de uma absoluto direito à imagem, e, à revelia de qualquer outra consideração teleológica ou racionalidade argumentativa, considera prova proibida a gravação por sistema de videovigilância da atuação criminosa praticada em espaço público ou privado”.

Em sentido próximo, podem ver-se ainda os acórdãos do TRP de 23.10.2013 (relatora Maria do Carmo Silva Dias) e de 23.11.2011 (rel. Mouraz Lopes), para além do citado Ac TRL de 28.05.2009.

D.3. Concluímos, pois, que mesmo a entender-se que a finalidade, comum, de filmar a materialidade e autoria do crime e de utilizar posteriormente o vídeo como prova do facto, não constitui fundamento de atipicidade da conduta da assistente relativamente ao tipo legal de Gravações e fotografias ilícitas previsto no art. 199º do C.Penal, sempre se mostra excluída a ilicitude por se considerar ter a assistente agido ao abrigo do direito de necessidade previsto no art. 34º do C. Penal, o que vale tanto para a obtenção do vídeo como para a sua posterior utilização no presente processo, pois esta utilização constitui a concretização daquele mesmo fim – vd sobre este último ponto Costa Andrade, Comentário I, 2ª ed. p. 1225.

Assim sendo, consideramos ser lícita a obtenção e utilização do vídeo, nos termos do artigo 167º do CPP, pelo que se julga improcedente o recurso na parte em que o arguido invoca a referida proibição de prova, confirmando-se a decisão recorrida a tal propósito.

3.3.2.2. Alega ainda o arguido que a não considerar-se que a valoração do vídeo e respetivos fotogramas constitui prova proibida, sempre o tribunal a quo incorreu em erro notório e grosseiro ao julgar provados os factos descritos sob os nºs 11), 12), 14) da factualidade provada, que o recorrente impugna nos termos do art. 412º nº 3 do CPP, pois as imagens e fotogramas não permitem sequer demonstrar que o arguido riscou os automóveis conforme se descreve nos pontos de facto nºs 11), 12),, antes provam o contrário.

Para além do que pode ver-se nos fotogramas juntos de fls 96 a 98, 108 e 109, o arguido recorrente invoca, nos termos da al. b) do nº3 do art. 412º do CPP, as suas declarações em audiência, que explicam a ida à garagem e a aproximação aos veículos que naqueles fotogramas se constata, os depoimentos das testemunhas PL (seu filho e irmão da assistente) e Romana e as fotografias a cores de fls 412 a 414 e de fls 485 e sgs, dos autos.

No essencial, pretende o arguido que dos meios de prova ora especificados resulta não ter ficado provado que os veículos apresentavam riscos nas datas mencionadas em 11) e 12) dos factos provados, e, em todo o caso, que o arguido tenha feito quaisquer riscos, pois nos fotogramas de fls 96 a 98, 108 e 109 não se vê o que o arguido estaria a fazer junto dos automóveis.

Vejamos.

Resulta da apreciação crítica da prova que o tribunal julgou provada a existência e autoria de riscos no automóvel Seat Ibiza a que se reporta o nº 11 dos factos provados com base nos fotogramas de fls 96 a 98, onde se vê, efetivamente, o arguido junto daquele automóvel no gesto de fazer um risco na porta esquerda traseira com um objeto que segura na mão direita e que guarda depois no bolso das calças. Perante esta imagem é ociosa a argumentação do arguido sobre a razão de ser da sua deslocação à garagem – “buscar um bocado de desperdício à garagem “ -, pois esta não explica minimamente o gesto que se prolonga sobre o automóvel da forma claramente visível, e demais alegações a tal respeito.

Quanto ao risco no veículo Peugeot a que se reporta o nº12 dos factos provados, no fotograma de fls 108 e 109 não se vê o arguido no ato específico de riscar o automóvel, mas não deixa aquele fotograma de retratar a presença do arguido junto do automóvel à hora madrugadora indicada naquele ponto de facto (7h21), em posição de realizar no capot do veículo os riscos ali mencionados e sem que a justificação apresentada para a sua presença e posição física relativamente ao automóvel, ou seja, verificar se o motor estava quente porque estava preocupado com as saídas e companhias do seu neto, seja minimamente plausível no quadro de relacionamento espelhado nos autos.

Por outro lado, conforme se explica na apreciação crítica da prova, a existência dos riscos em ambos os automóveis é confirmada pelas testemunhas M, MR, Jaquelina e MF, que afirmaram ter visionado o arguido a riscar ambos os automóveis a riscar as viaturas, depoimentos estes que não são minimamente postos em causa na motivação do arguido e que não suscitam outro tipo de objeções desde logo porque concluímos pela licitude da obtenção e utilização das imagens do arguido em vídeo.

Por último, as fotografias de fls 412 a 414, tiradas quase um ano depois das datas referidas em 11) e 12), não são conclusivas quanto à pretendida inexistência de riscos que, aliás, é contraditória com os riscos noutros locais da viatura de marca Peugeot visíveis na foto de fls 413.

Assim, improcede a impugnação da matéria de facto relativa aos factos nºs 11) e 12) e, consequentemente, relativamente ao ponto nº 14 que respeita ao dolo correspondente àqueles factos sem que se mostre autonomamente impugnado.

Quanto ao ponto nº15 dos factos provados, relativo ao pedido cível, o recorrente não impugna o mesmo autonomamente nem especifica meios de prova que apenas lhe respeitem, pelo que improcede a impugnação também nessa parte.

3.3.3. Impõe-se a mesma conclusão quanto aos pontos V), X), Y) e Z) da factualidade não provada.

A alínea V) corporiza a alegação do arguido sobre os motivos que o teriam levado à garagem no dia 7.10.2013, a qual, por ser inverosímil, como referido, e contraditória, na economia da motivação, com a factualidade vertida no ponto 12) dos factos provados, não podia deixar de ser julgada não provada tal como decidido.

A matéria vertida nas alíneas X) e Y) da factualidade não provada, sobre o agravamento do estado de saúde do arguido em resultado do comportamento da assistente, não resulta da documentação junto aos autos, conforme se diz na apreciação crítica da prova, e a motivação do recorrente nada traz de novo a esse respeito, limitando-se a reafirmar a sua convicção a tal respeito, sendo certo que, em todo o caso, sempre aquela matéria é irrelevante tanto em matéria civil como criminal, pois é a conduta do arguido relativamente ao património da assistente que está em causa com os crimes de dano pelo qual vem condenado, não se vendo em que relevaria o agravamento da situação clínica do arguido, nem este o esclarece apesar da extensão da sua motivação.

O mesmo pode dizer-se relativamente ao facto não provado que se menciona sob a al. Z), ou seja, que “O arguido é pessoa pacífica”, sendo certo que o recorrente não indica a prova que imporia decisão oposta à do tribunal recorrido, pelo que sempre improcederia a impugnação também nesta parte.

3.4. Julga-se, pois, totalmente improcedente a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, pelo que, mantendo-se integralmente a condenação do arguido em matéria penal, improcede igualmente a pedida absolvição do pedido cível, uma vez que esta assentava apenas na pretendida absolvição da prática do crime.

3.5. Impõe-se agora decidir do recurso em matéria de determinação da pena.

O arguido considera ser excessiva a pena única de 145 dias de multa por corresponder a cerca de metade do máximo legal permitido sem fundamento, bem como o quantitativo diário de 10 euros face ao mínimo legal de 5 euros, tendo em conta que o arguido tem 68 anos de idade e rendimentos médios 1150 euros mensais que são todos consumidos para fazer face à sobrevivência e vida diária, principalmente a doença de Parkinson, diabetes e do sistema nervoso.

Vejamos.
Como é sabido, o Código Penal de 1982 adotou o chamado modelo ou sistema de dias-de-multa, segundo o qual a determinação concreta desta pena faz-se, no essencial, em dois momentos distintos, obedecendo as respetivas operações a diferentes critérios e teleologia.

Em primeiro lugar deve fixar-se o número de dias de multa, de acordo com os critérios estabelecidos no nº1 do art. 71º do C. Penal e no segundo momento deve o tribunal fixar o quantitativo diário, genericamente estabelecido no art. 47º nº 2 do C. Penal, entre 5 e 500 euros, na atual versão, introduzida pela Lei 59/2007 de 4 de Setembro, em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.

Por outro lado, nos termos do artigo 77º, nos 2 e 1, do Código Penal, na determinação da pena única correspondente ao cúmulo jurídico de penas devem considerar-se, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido, dentro da moldura legal do concurso, que tem como limite máximo a soma das penas parcelares de 95 dias de multa aplicadas por cada um dos crimes de dano p. e p. pelo art. 212º do C.Penal, ou seja, 190 dias de multa, correspondendo o limite mínimo à mais elevada das penas parcelares, pelo que, sendo as penas parcelares iguais, no caso concreto o limite mínimo da moldura legal aplicável é de 95 dias de multa.

Assim sendo, a pena única de 145 dias de multa corresponde efetivamente ao meio da moldura legal aplicável ao concurso, mas aquela medida mostra-se adequada ao conjunto dos factos e à personalidade do arguido, que denotará alguma perversidade de caráter ao riscar os carros da própria filha, ainda que não se ignore o intenso litígio existente entre ambos, a que aquela não será igualmente alheia conforme decorre da apreciação crítica da prova. Por outro lado, não poderá levar-se à letra a referência feita na sentença ao pequeno grau de ilicitude dos factos. Na verdade, se aquela afirmação pode justificar-se relativamente ao desvalor do resultado, visto tratar-se de apenas um risco em cada veículo, já o desvalor de ação, que integra igualmente a ilicitude, é bem mais significativo, dada a gratuitidade da sua conduta e a forma oculta e furtiva como executou o crime, tornando particularmente difícil a sua deteção e a consequente proteção dos bens jurídicos violados.

Nada há, pois, a censurar à medida concreta da pena de multa fixada pelo tribunal a quo.

No que concerne ao quantitativo diário de 10 euros nada há igualmente a censurar. Resultou provado que o arguido tem de rendimento cerca de 1150 aufere mensais e apesar de resultar provado que padece de diabetes mellitus, de depressão medianamente grave e doença de Parkinson, não se encontra provado quanto despenderá com tais doenças. Nada permite, pois, dar crédito à afirmação contida na motivação de recurso de que o seu rendimento mensal é todo consumido para fazer face à sobrevivência e vida diária, principalmente àquelas doenças, não só por não se saber em quanto importam os medicamentos e assistência médica, mas também porque sempre haverá lugar a participação nessas despesas por parte do SNS.

Assim sendo, o rendimento mensal provado justifica o valor diário fixado tanto mais que o mínimo legalmente previsto é de 5,00 euros e o máximo de 500 euros, mostrando-se o quantitativo de 10,00 euros por dia criteriosamente fixado, improcedendo o recurso também nesta parte.

Concluímos, pois, pela total improcedência do presente recurso, mantendo-se a condenação do arguido nos seus precisos termos, tanto em matéria criminal como em matéria cível.

III. Dispositivo

Nesta conformidade, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, em negar total provimento ao recurso interposto pelo arguido, A., mantendo integralmente a sentença recorrida.

Custas pelo arguido, fixando-se em 5 UC a taxa de justiça devida – cfr arts. 513º nº1 do CPP e art 8º nº5 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), conjugado com a tabela III a que se refere este último preceito.

Évora, 29.03.2016

(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

António João Latas

Carlos Jorge Berguete
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[1] Cfr. Sobre as proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora-1992 pp 11-2