Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1040/04.6TBPTM-D.E1
Relator: MARIA DA GRAÇA ARAÚJO
Descritores: CUSTAS DE PARTE
NOTA DISCRIMINATIVA E JUSTIFICATIVA DE CUSTAS
APOIO JUDICIÁRIO
Data do Acordão: 12/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I – Transitada a condenação em custas, ficou definitivamente constituída a obrigação - genérica - de pagamento de custas de parte pelo vencido ao vencedor.
II – O vencimento dessa obrigação ocorre quando o vencedor revela a intenção de exercer o seu direito, remetendo ao vencido a nota discriminativa e justificativa das custas de parte.
III – A tais aspectos não obsta a dedução de reclamação àquela nota nem a posterior concessão do benefício de apoio judiciário ao vencido.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:


Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

BB instaurou contra CC execução para pagamento da quantia de 13.202,40€, a título de custas de parte (sendo 6.960,00€ de taxas de justiça e 6.242,40€ de honorários de advogado relativos à acção declarativa com o nº 1040/04.6TBPTM que entre ambos correu termos), acrescida de juros de mora.
O executado deduziu embargos, invocando, entre outros fundamentos que nesta sede irrelevam, gozar do benefício de apoio judiciário, o que o dispensaria do pretendido pagamento.
A exequente/embargada contestou, refutando a argumentação do embargante.
O tribunal proferiu saneador-sentença, julgando improcedentes os embargos.

O embargante interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1ª. Na Douta Sentença proferida no dia 28 de Junho de 2018, o Mm.º Juiz a quo refere que a ação através da qual o Executado, ora Recorrente, pretendeu fazer valer os seus direitos contra a Exequente e que deu, em última instância, origem à nota discriminativa e justificativa de custas de parte, já havia findado à data da junção aos autos do Despacho de Deferimento de Apoio Judiciário do Executado. Tal não corresponde à verdade e, face aos factos dados como provados, é contraditória;
2ª. O facto 17. dos factos dados como provados refere: «O Embargante viu ser-lhe atribuído o benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, por decisão de 21 de Julho de 2014, para efeitos de interpor o recurso referido em 13. destes factos provados.»;
3ª. O Mm.º Juiz a quo refere que o Executado requereu a concessão de apoio judiciário para interpor o recurso referido em 13. dos factos dados como provados - «o Embargante interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora (do despacho que não admitiu a sua reclamação à Nota), tendo sido proferido despacho, datado de 12.02.2014, no sentido de admitir o recurso, ordenando a sua subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo» -, daí resultando que, à data da junção aos autos do despacho de deferimento de apoio judiciário, a ação através da qual o Executado exerceu o seu direito ainda não se encontrava finda;
4ª. Por outro lado, também não corresponde à verdade que «a situação económica que importa para a concessão do apoio judiciário é a do momento em que o requerente exerce o direito, propõe a ação ou nela se apresta para apresentar a sua defesa»;
5ª. A Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais – Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho – refere a existência de casos excepcionais, nomeadamente nos n.º 2, 3 e 4, do artigo 18.º:
«2 - O apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica.
3 - Se se verificar insuficiência económica superveniente, suspende-se o prazo para pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo até à decisão definitiva do pedido de apoio judiciário, aplicando-se o disposto nos n.º 4 e 5 do artigo 24.º.
4 - O apoio judiciário mantém-se para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão sobre a causa, e é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar, sendo-o também ao processo principal, quando concedido em qualquer apenso.»;
6ª. Da letra da lei resulta que o Apoio Judiciário pode ser requerido posteriormente, não estando a parte que o requer vinculada a uma qualquer fase processual ou intervenção processual específica para o fazer, o que significa que até que a douta sentença transitasse em julgado seria possível requerer a concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo como aconteceu no caso concreto;
7ª. O Executado não poderia ser responsabilizado pelo pagamento da nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pela Exequente, uma vez que, à data de tal apresentação, o Executado beneficiava de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
8ª. Nesse sentido, dispõe o n.º 6 do artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais «Se a parte vencida for o Ministério Público ou gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o reembolso das taxas de justiça pagas pelo vencedor é suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, I. P.»;
9ª. O disposto no n.º 6 do artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais não levanta quaisquer dúvidas, quando a parte vencida goza do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o reembolso das taxas de justiça pagas pelo vencedor é suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, I.P.;
10ª. A jurisprudência é esclarecedora quanto a esta questão, vide o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo n.º 01350/16, de 08/03/2017:
«No caso de o reembolso das taxas de justiça pagas dever ser suportado pelo IGFEJ, IP, nos termos do nº 6 do art. 26º do RCP, basta que a parte vencedora requeira ao juiz a restituição da taxa de justiça a que tem direito, para que a secretaria desencadeie junto do IGFEJ as diligências práticas a tanto destinadas.»;
11ª. Tendo-se verificado o trânsito em julgado da decisão proferida no processo n.º 1040/04.6TBPTM que indeferiu a reclamação da nota de custas de parte em 2015 e tendo o despacho de deferimento de apoio judiciário sido proferido a 21 de Julho de 2014, dúvidas não existem de que o Executado não é responsável pelo pagamento das custas de parte e as custas processuais, devendo tal reembolso ser requerido ao IGFEJ;
12ª. O regime legal atualmente vertido na Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, não é compatível com a condenação em custas de alguém que beneficie de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
13ª. Nesse sentido, vide o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Processo n.º 00146/12.2BEPNF, de 06/03/2015:
«Não é compatível com o regime legal, atualmente vertido nos artigos 10.º/1, 13.º/1 e 16.º/1 da Lei n.º 34/2004, o entendimento de que o beneficiário do apoio judiciário pode ser condenado em custas “sem prejuízo do apoio judiciário concedido”. Pelo contrário, deve entender-se que o beneficiário do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não pode ser condenado no pagamento de taxa de justiça, encargos e custas de parte, porque dele está legalmente dispensado.»;
14ª. Por outro lado, não pode o Executado, ora Recorrente, concordar com o Mm.º Juiz a quo quando este refere: «Como consequência, apesar dos serviços competentes da segurança social terem concedido ao Autor o apoio judiciário, tal decisão só produzirá efeitos nos presentes autos, para os termos subsequentes à respetiva concessão.»;
15ª. À data da concessão do apoio judiciário ao Executado, ora Recorrente, os autos ainda não estavam findos, pelo que não poderá o Mm.º Juiz a quo concluir que o aludido apoio judiciário apenas produzirá efeitos nos presentes autos;
16ª. Aliás, a jurisprudência é esclarecedora quanto a esta questão, vide o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 384/07.0TBAMT-A.P1, de 15-11-2010:
«I - O apoio judiciário pode ser pedido na pendência da causa desde que ocorra insuficiência económica superveniente ou um encargo excepcional.
II - Se pedido na pendência da causa, mas durante o prazo de pagamento de preparo para despesas, será mais consentâneo com o espírito e letra da lei que o tribunal ordene a suspensão do prazo para pagamento até decisão final do apoio judiciário requerido, nos termos do nº 2, parte final, do art. 18° da Lei 24/2004.»;
17ª. Vide também o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo n.º 108/11.7GTAVR-A.C1, de 23-05-2012:
«1º - Constatando-se que o pedido de apoio judiciário foi deferido por quem tinha competência para o fazer, não poderá, nem deverá o Tribunal pronunciar-se sobre o seu deferimento e sobre as consequências desse deferimento, limitando o seu alcance, por carecer de legitimidade e competência para o fazer.
2º- O apoio judiciário requerido em processo sumário, após a prolação da sentença, mas durante o prazo de recurso dessa decisão de 1ª instância, abrange as custas anteriores.»;
18ª. Tendo os serviços competentes para o efeito concedido apoio judiciário ao Executado não pode o Mm.º Juiz a quo definir os limites e/ou consequências desse deferimento, uma vez que carece de legitimidade e competência para o fazer;
19ª. Permitindo a Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais que o apoio judiciário seja requerido após a Petição Inicial, a Contestação e/ou outra qualquer peça processual, não poderá o Mm.º Juiz a quo restringir esse direito conferido pela Lei, até porque não é a entidade competente para decidir sobre a atribuição do referido apoio judiciário;
20ª. Em consequência, o Executado não é responsável pelo pagamento da nota justificativa e discriminativa de custas de parte apresentada pela Exequente.
21ª. Nestes termos, requer-se que o presente recurso de apelação seja julgado procedente e, em consequência, seja o executado absolvido da instância.

A embargada apresentou contra-alegações, concluindo como segue:
a) O Apelante impugna o ponto 17 da matéria de facto provada no presente recurso, não indicando, como era seu ónus – conforme disposto no artigo 640.º, n.º 1, alínea c) do CPC) – a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida sobre a questão de facto impugnada;
b) A decisão de mérito, proferida no processo 1040/04.6TBPTM, com condenação do Apelante em custas, transitou em julgado em 2012;
c) À data da instauração da execução dos presentes Autos - Autos de Execução n.º 1040/04.6TBPTM-C -, já se encontrava definitivamente resolvida e consolidada (com caso julgado, quer relativo à questão de mérito, quer relativo ao incidente de custas de parte) a questão respeitante às custas de parte, sendo as mesmas devidas à Apelada;
d) À data do requerimento e concessão de apoio judiciário - em 2014 - apenas estava pendente o incidente referente à reclamação da nota discriminativa de custas de parte que o Apelante, infundadamente, suscitou com fundamento na extemporaneidade da nota discriminativa por ter sido apresentada antes do decurso dos 5 dias posteriores ao trânsito em julgado), cuja resolução se arrastou durante anos por via da apresentação de recursos e reclamações infundadas por parte do Apelante (até ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem);
e) Não sendo verdade, como afirma o Apelante que à data da apresentação da nota discriminativa o Apelante já beneficiava de apoio judiciário, sendo tal alegação efetuada com total má-fé;
f) Dado que a Segurança Social vem a conceder o apoio judiciário em 2014, quando a decisão de mérito proferida nesses autos já se encontrava transitada em julgado há mais de 2 anos;
g) Por último, mas não menos relevante, sobre a questão de ser devida pelo Apelante a nota discriminativa de custas de parte, já existe caso julgado, desde 2012 [não obstante ter sido interposto recurso, da decisão da primeira instância que não admitiu a reclamação à nota discriminativa de custas de parte, a qual foi objeto de decisão por parte do Tribunal da Relação de Évora em 28.05.2015, que negou provimento ao recurso, mantendo a decisão proferida em primeira instância, ou seja, não admitindo a Reclamação à Nota Discriminativa e Justificativa de Custas de Parte];
h) Pelo que a decisão recorrida não enferma de erro de julgamento quando conclui, e bem, que a concessão de apoio judiciário em 2014 não poderá valer - para efeito de dispensa de pagamento das custas judicias e da nota discriminativa de custas de parte - para os autos no âmbito dos quais foi proferida sentença transitada em jugada em 2012 e, nessa sequência, apresentada, também em 2012, a correspondente nota discriminativa de custas de parte;
i) Acresce que o Apelante tem vindo, desde há anos, a apresentar recursos sem qualquer fundamento contra a Apelada, na tentativa de se furtar às suas responsabilidades e de utilizar indevidamente o dinheiro dos cofres do estado, quando sabe perfeitamente não ter qualquer fundamento, por já terem sido apreciadas e definitivamente decididas as questões aqui suscitadas;
j) Sabendo igualmente de tal facto a sua Ilustre Mandatária, que foi sempre a mesma, em todas as ações judiciais e recursos que correram entre as partes, ocultando, conveniente e conscientemente, factos relevantes que não podiam ignorar, como o trânsito em julgado da sentença ocorrido em 2012 e tecendo argumentos que sabe serem falsos, como o facto de não ter apoio judiciário em 2012 e o facto de existir já caso julgado sobre a nota discriminativa de custas de parte;
k) Tendo feito do presente processo um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objetivo ilegal, o que configura uma situação de má-fé, atento o disposto no artigo 542.º, n.º 2 d) do CPC, deverão V. Exas., Venerandos Desembargadores, arbitrar uma indemnização que pondere, no âmbito da responsabilidade processual, os dispêndios feitos com mandatário judicial, as restantes despesas que não sejam cobertas pela parte da procuradoria devida à parte vencedora, de modo a permitir restabelecer o seu património, e os demais prejuízos que com a ação judicial estejam ligados por um nexo de causalidade adequada;
l) É que, infelizmente, independentemente da decisão que V. Exas., Venerandos Desembargadores, venham a proferir, a Apelada vê os seus direitos gravemente afetados com os vários recursos instaurados pelo Apelante;
m) Pelo exposto, deverá o Apelante, bem como a sua Ilustre Mandatária, serem condenado em litigância de má-fé, em montante nunca inferior a EUR 5.000,00, nos termos e para os efeitos da alínea a) do n.º 1 do artigo 543.º e do n.º 2 do mesmo dispositivo legal, por via do disposto no artigo 542.º do CPC, n.ºs 1 e 2 alíneas a) e b), todos do CPC;
n) A fim de “travar” a litigância e tentativa de uso indevido dos cofres do Estado por parte do Apelante, contra a Apelada, de uma vez por todas.

O apelante respondeu, negando ter actuado de má-fé.
*

O tribunal considerou provados os seguintes factos:
1. Em primeira instância, foi proferida sentença pelo Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão, em 06.05.2010, no âmbito do Processo 1040/04.6TBPTM, que correu termos no 2.º Juízo Cível, no âmbito da qual a Ré, ora Embargada, foi totalmente absolvida do pedido, tendo o Embargante, ali Autor, sido condenado em custas.
2. Tal decisão foi integralmente confirmada em todas as instâncias de recurso - por Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, e, por último, por decisão sumária proferida pelo Tribunal Constitucional.
3. Tendo o Tribunal Constitucional proferido decisão sumária, em 24.04.2012, no dia 02.05.2012, a Embargada apresentou nota discriminativa de custas de parte ao Embargante, juntando-a, por requerimento, ao respetivo processo.
4. O Embargante respondeu a tal nota de custas de parte, em 08.05.2012, alegando, ente outros argumentos, que a mesma fora enviada antes do trânsito em julgado.
5. Por requerimento datado de 17.05.2012, a Embargada, ali Ré, respondeu a tais alegações, sustentando que o facto de ter sido enviado antes do trânsito em julgado era irrelevante uma vez que o Artigo 25.º do Regulamento das Custas Processuais refere que a mesma pode ser enviada “até 5 dias antes do trânsito em julgado”.
6. Sucede que, no entretanto, o Embargante havia interposto recurso para o Tribunal Constitucional, tendo este proferido Acórdão, em 30.05.2012.
7. Assim, não obstante entendesse ter cumprido todas as formalidades legais exigidas, a Embargada, ali Ré, tendo sido notificada do Acórdão do Tribunal Constitucional proferido em 30.05.2012, e atendendo ao consequente trânsito em julgado da decisão proferida em primeira instância, remeteu, novamente, para a parte vencida a nota discriminativa e justificativa de custas de parte, em 6.06.2012, tendo, mais uma vez, informado o Tribunal sobre tal remessa.
8. Sucede que, após tal decisão do Tribunal Constitucional, o Embargante, interpôs novo recurso, desta vez, para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, igualmente negado.
9. Subsequentemente, o Tribunal de primeira instância proferiu despacho dizendo que: “O recurso para o TEDH não é um recurso ordinário, logo não é susceptível de interromper o trânsito da decisão final, agora já ocorrido.
Como tal, not. novamente a mandatária do R. para, querendo, remeter nova nota, agora indiscutivelmente, após trânsito.”.
10. Aceitando o convite do Tribunal, a nota discriminativa e justificativa foi novamente remetida ao ali Autor, aqui Embargante.
11. Nesse seguimento, o Embargante, ali Autor, reclamou da referida nota, sem proceder ao depósito do respetivo valor.
12. Tendo, nessa sequência, sido proferido despacho datado de 21.06.2013, que não admitiu a Reclamação à Nota Discriminativa e Justificativa de Custas de Parte.
13. De tal decisão, o Embargante interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora (do despacho que não admitiu a sua reclamação à Nota), tendo sido proferido despacho, datado de 12.02.2014, no sentido de admitir o recurso, ordenando a sua subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.
14. Em consequência, foi proferido Acórdão do Tribunal da Relação Évora, datado de 28.05.2015, que negou provimento ao recurso, mantendo a decisão proferida em primeira instância, ou seja, não admitindo a Reclamação à Nota Discriminativa e Justificativa de Custas de Parte.
15. Inconformado, o Embargante interpôs novo recurso para o Tribunal Constitucional, tendo o Tribunal Constitucional proferido decisão, em 14.07.2015, nos termos da qual decidiu não tomar conhecimento do recurso.
16. Previamente à presente Execução, que foi instaurada em 07.10.2015, a Embargada já havia instaurado duas execuções para obtenção do pagamento da nota discriminativa de custas de parte:
- A primeira correu termos sob o n.º 1040/04.6TBPTM-A, tendo sido proferida, em 20.06.2013, sentença que extinguiu a execução com fundamento na falta de título executivo uma vez que ainda não existia uma decisão definitiva quanto ao montante de custas de parte devidas;
- A segunda correu termos sob o n.º 1305/15.1T8SLV, tendo sido proferida, em 14.09.2015 sentença que extinguiu a execução com fundamento na incompetência absoluta da secção de execução de Silves, em razão da matéria, ordenando-se a absolvição do Executado, aqui Embargante, da Instância.
17. O Embargante viu ser-lhe atribuído o benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, por decisão de 21 de julho de 2014, para efeitos de interpor o recurso referido em 13. destes factos provados.
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I - Tendo em conta que, ao contrário do que refere a apelada, o apelante não impugna a decisão sobre a matéria de facto (antes dela parte para questionar, isso sim, afirmações constantes da sentença), a primeira questão a tratar é a de saber se, no concreto circunstancialismo dos autos, o apoio judiciário que ao apelante foi concedido tem a virtualidade de o eximir do pagamento das custas de parte.
E, desde já avançamos, a resposta é negativa.

Como é sabido, os processos estão sujeitos a custas, que compreendem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (artigos 529º do Cód. Proc. Civ. e 1º e 2º do Reg. Custas Proc.).
Na decisão final do processo, há lugar à definição das responsabilidades tributárias (artigos 527º e 607º do Cód. Proc. Civ.), de acordo com um conjunto de regras definidas pela lei.
Embora tal definição envolva, em regra, a condenação de uma ou ambas as partes (na maioria dos casos, em função do vencimento obtido), nem sempre assim é, bastando pensar nas situações de isenção de custas.
Também sucede que, “Conforme decorre dos artigos 10.º, n.º 1, 13.º, n.ºs 1 a 3, e 16.º, n.º 1, alínea a), da Lei 34/2004, de 29 de julho, e 29.º n.º 1, alínea d), do regulamento, se a parte vencida beneficiar, ao tempo da sentença final ou do acórdão, do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e encargos, não pode ser condenada no pagamento de custas” – Salvador da Costa, As Custas Processuais, Almedina, Coimbra, 7ª edição:9, sendo nosso o sublinhado.
A afirmação é facilmente compreensível se pensarmos que o juiz só pode abster-se de condenar o vencido em custas aquando da prolação da sentença se tiver conhecimento de que ele goza de apoio judiciário naquela modalidade.
No caso dos autos, o ora embargante não gozava do benefício de apoio judiciário, em qualquer das suas modalidades, ao tempo da prolação das decisões das várias instâncias que julgaram a sua pretensão improcedente, razão pela qual foi sendo condenado nas respectivas custas.
Tais condenações transitaram em julgado, o que impede, consabidamente, que as mesmas sofram qualquer alteração, nomeadamente em sede de reclamação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte e/ou embargos de executado (Salvador da Costa, As Custas Processuais, Almedina, Coimbra, 7ª edição:254).
E com o trânsito das condenações em custas, ficou definitivamente constituída a obrigação de pagamento das custas de parte pelo vencido (o ora embargante) ao vencedor (a ora embargada) - Salvador da Costa, As Custas Processuais, Almedina, Coimbra, 7ª edição:231 e 253). E a circunstância de se tratar de uma de condenação genérica (artigo 609º nº 2 do Cód. Proc. Civ.), em que está definido o responsável pelo pagamento e o objecto dessa responsabilidade (taxa de justiça, encargos e/ou custas de parte), não afecta aquela constituição.
Porque o crédito do vencedor por custas de parte se traduz num direito disponível, é necessário que aquele revele a intenção de o exercer. Assim, e até ao quinto dia seguinte ao trânsito da decisão condenatória, o vencedor deverá remeter ao vencido a nota discriminativa e justificativa das custas de parte (artigos 533º do Cód. Proc. Civ. e 25º do Reg. Custas Proc.), significando tal acto interpelação para o cumprimento (Ac. RP de 9.1.17, http://www.dgsi.pt Proc. nº 1388/09.3TBPVZ-A.P1) e determinando, consequentemente, o vencimento da obrigação de pagamento de custas, ainda que seja deduzida reclamação (autor e obra citados:223 e 231).
A reclamação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte (artigo 33º do Reg. Custas Proc.) é o meio para se obter a reforma da mesma, ou seja, a alteração de qualquer aspecto que nela figure e se mostre desconforme à decisão condenatória e/ou às normas legais que a densificam – Salvador da Costa, As Custas Processuais, Almedina, Coimbra, 7ª edição:253. “Em suma, feita a conta de harmonia com a prévia decisão judicial, ainda que esta desrespeite a lei de processo ou de custas, o juiz não pode modificá-la, sob pena de violação do caso julgado, certo é que a situação é de erro de julgamento e não de erro de contagem” (Salvador da Costa, As Custas Processuais, Almedina, Coimbra, 7ª edição:254).
Na situação em apreço, a ora embargada enviou ao ora embargante a nota discriminativa e justificativa das custas de parte, assim operando o vencimento da obrigação deste.
É certo que o ora embargante dela reclamou. Mas, ainda que a reclamação tivesse sido admitida, nunca a respectiva procedência poderia afastar a sua condenação em custas.
O nº 6 do artigo 26º do Reg. Custas Proc. pressupõe precisamente que o vencido (seja porque se trata do Ministério Público, seja porque goza do benefício de apoio judiciário na modalidade mais extensa) não foi condenado em custas de parte (porque, a ter sido, o regime está previsto nos números anteriores) e visa apenas definir, nessa situação, quais os direitos que assistem ao vencedor.

O fim do sistema de acesso ao direito e aos tribunais (dedicar-nos-emos, em particular, ao apoio judiciário) é o de assegurar que, todas as pessoas possam conhecer, exercitar e defender os seus direitos, mesmo que não disponham de meios económicos (artigo 1º nº 1 da Lei 34/2004, de 29 de Julho, na redacção dada pela Lei 47/2007, de 28 de Agosto, doravante designada por LAJ).
A contrario, podemos desde já afirmar que aquele sistema não tem em vista aqueles que não pretendem conhecer, exercitar ou defender os seus direitos, designadamente por já os terem conhecido, exercitado ou defendido.
E, porque assim é, o nº 2 do artigo 18º da LAJ – seja a insuficiência económica originária ou superveniente – fala em intervenção processual. Ou seja, reforça a ideia de que o apoio judiciário se correlaciona directamente com o exercício ou defesa de direitos (ainda que de natureza processual) e enjeita a hipótese/utilidade do requerimento quando não esteja em causa alguma intervenção.
A concessão do benefício de apoio judiciário pressupõe, assim, que uma causa se ache pendente, no sentido de não ter, ainda, alcançado a resolução do litígio. O que é, aliás, corroborado pelo nº 1 do artigo 36º da LAJ, quando prevê que os encargos com o apoio judiciário sejam levados à conta.
Neste contexto inarredável, a suspensão do prazo a que alude o nº 3 do artigo 18º da LAJ não pode deixar de se reportar à taxa de justiça e/ou encargos que condicionam a prática de determinado acto processual (de determinada intervenção).
No sentido exposto se pronunciou, entre outros, o Ac. TC nº 46/10, de 3.2.10, http://www.dgsi.pt Proc. nº 558/09.
Assim, depois do trânsito em julgado da decisão final o pedido de apoio judiciário deve ser indeferido; e após a decisão final, mas antes do respectivo trânsito, o pedido só deve ser admitido se o requerente interpuser recurso (Salvador da Costa, O Apoio Judiciário, Almedina, Coimbra, 9ª edição:122/123)
Sendo o apoio judiciário requerido na pendência do processo (mercê de insuficiência económica superveniente), ele “só opera em relação aos atos ou termos posteriores à formulação do pedido” - Salvador da Costa, O Apoio Judiciário, Almedina, Coimbra, 9ª edição:121.
Na situação dos autos, o ora embargante requereu o benefício de apoio judiciário cerca de dois anos após o trânsito em julgado das decisões que julgaram a sua pretensão e o condenaram em custas (e apenas a essas se reporta a nota discriminativa e justificativa de custas de parte), pelo que não tem quaisquer reflexos na sua responsabilidade por custas, originada em momento anterior ao pedido.
Aliás, o pedido de apoio judiciário nem sequer se destinou a viabilizar qualquer intervenção do ora embargante.
É que a parte final do ponto 17. da matéria de facto não encontra apoio no teor do processo. Efectivamente, o pedido de apoio judiciário deu entrada na segurança social em 20.3.14, sendo certo que o recurso a que alude o ponto 13. da matéria de facto havia sido admitido em 12.2.14.

II – A segunda questão a resolver prende-se com a eventual litigância de má-fé por parte do apelante.
Mas, porque suscitada apenas nas contra-alegações, importa delimitar o objecto da nossa apreciação.
A sentença não abordou a matéria, não obstante poder fazê-lo oficiosamente (atento o interesse público que subjaz ao instituto). Por isso, não cabe aqui (re)apreciar a conduta processual do apelante na 1ª instância.
Também não pode aqui conhecer-se de eventual má-fé em que o apelante tenha incorrido em sede de outras instâncias recursórias, posto que a estas caberia pronunciar-se sobre a matéria.
Deste modo, cumpre-nos tão-só apreciar se o apelante litiga de má-fé (nº 2 do artigo 542º do Cód. Proc. Civ.) na presente apelação.

Sustenta a apelada que o apelante ocultou, conveniente e conscientemente, o trânsito em julgado da sentença ocorrido em 2012, a inexistência de apoio judiciário nessa altura e o trânsito em julgado da decisão sobre a reclamação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte.
Assim não o entendemos.
O que o apelante defende é que os autos não se encontravam findos à data do requerimento/concessão do benefício de apoio judiciário, por ainda não ter sido decidida, com trânsito em julgado, a reclamação à nota discriminativa e justificativa das custas de parte. O que é completamente diferente de afirmar que a sentença condenatória proferida no processo ainda não transitou em julgado e que, à data dessa sentença, gozava do benefício de apoio judiciário. Aliás, qualquer suposta “ocultação” facilmente cederia perante a leitura da matéria de facto.
Igualmente não podemos perfilhar o entendimento de que o apelante usou faculdades processuais de forma manifestamente reprovável com o fito de alcançar um objectivo ilegal.
Efectivamente, não é o simples insucesso da sua argumentação/pretensão que permite dar corpo à situação a que alude a alínea d) do nº 2 do artigo 542º do Cód. Proc. Civ..
Consequentemente, não encontramos sinais de litigância de má-fé por parte do apelante.
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Por todo o exposto, acordamos em julgar a apelação improcedente e, em consequência, mantemos a decisão recorrida.
Não se condena o apelante nas custas do recurso, por beneficiar de apoio judiciário.

Évora, 20 de Dezembro de 2018
Maria da Graça Araújo
Manuel Bargado
Albertina Pedroso