Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1349/13.8TBSTR.E1
Relator: MARIA ALEXANDRA M. SANTOS
Descritores: SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
BALDIOS
ASSEMBLEIA DE COMPARTES
Data do Acordão: 02/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Sumário:
Podem ser suspensas deliberações sociais já executadas desde que sejam de execução contínua ou permanente perdurem no tempo, como sucede com a eleição de órgãos sociais.

Sumário da relatora
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
P…, M…, A… e J…, intentaram contra a “ASSEMBLEIA DE COMPARTES DOS BALDIOS DE…” a presente providência cautelar para suspensão das deliberações por ela tomadas em 19 de Maio de 2013.
Alegam para o efeito e em resumo que as deliberações tomadas naquela assembleia são nulas e de nenhum efeito porque emanam duma assembleia convocada por quem não detinha legitimidade para a sua convocatória nos termos do disposto no artº 18º da Lei 68/93; o A… não é membro da Assembleia de Compartes pelo que não detém legitimidade para convocar a assembleia nem para proceder à presidência da respectiva mesa nem para dirigir os respectivos trabalhos.
A execução das decisões tomadas na referida assembleia causarão aos requerentes e demais compartes prejuízos e danos irreparáveis pois que convocando nova assembleia continuarão a perturbar o normal exercício da administração dos Baldios pelos órgãos legitimamente eleitos (na Assembleia de 28/07/2012) e detentores do direito de administração daqueles Baldios impedindo os legítimos titulares dos órgãos de Administração dos Baldios, entre eles os ora requerentes, de exercerem a Administração.
Pelo req. de 8/07/2013 a fls. 119/120, os requerentes, alegando que a requerida pretendia iniciar a execução de uma das deliberações tomadas naquela assembleia pois que por aviso de 12/06/2013 o presidente da mesa da requerida convocou um alegado acto eleitoral para o dia 14/07 seguinte, solicitaram que fosse deferida a citação da requerida pelo seu mandatário.
Tal pretensão foi deferida conforme despacho de fls. 123 vindo o Exmº mandatário dos requerentes a juntar aos autos a certidão de fls. 126/127, datada de 12/07/2013.
A fls. 130 e segs. veio a requerida apresentar oposição invocando “a falta de citação nos termos das als. a) e e) do nº 1 do artº 195º do CPC, ou assim não se entendendo, verifica-se sempre nulidade de citação pois não foram observadas quaisquer formalidades prescritas na lei (artº 198º nº 1, 235º e 245º do CPC)” e no mais impugnando a factualidade articulada no requerimento inicial, concluindo pela improcedência da providência requerida.
A fls. 198 e segs., na sequência de despacho da Exmª Juíza ponderando a hipótese de a oposição ser extemporânea, veio a requerida apresentar o requerimento de fls. 198 e segs., reafirmando tudo o que alegara em sede de oposição relativamente à falta ou nulidade de citação e alegando a falsidade da nota ou certidão da citação que foi junta aos autos.
Sobre tais requerimentos os requerentes omitiram pronúncia.
Foi, então, proferida a decisão de fls. 208/209 em que a Exmª Juíza “por não reconhecer aos requerentes legitimidade para a apresentação deste procedimento cautelar, e mesmo que assim se não entendesse, o efeito útil pretendido com este já não existe”, indeferiu o presente procedimento cautelar.
Inconformados, apelaram os requerentes alegando e formulando as seguintes conclusões:
1 - Os requerentes interpuseram contra a requerida a presente providência que aqui se reproduz para todos os efeitos legais.
2 – Os requerentes requereram que fosse decretada a suspensão da deliberação da Assembleia de Compartes dos Baldios de…, realizada no dia 19 de Maio de 2013.
3 – A decisão recorrida considerou que a única questão que poderia ser apreciada nos autos era a deliberação que constituiu o ponto 4 da ordem de trabalhos.
4 – Mas que a mesma perdeu eficácia e utilidade.
5 – Decidiu ainda a decisão recorrida que analisar nestes autos e neste momento questões como a legitimidade ou ilegitimidade do comparte A… para praticar actos próprios dos órgãos de gestão dos Baldios, significaria poder, eventualmente, colocar em causa a decisão proferida no procedimento cautelar nº 2573/12.6TBSTR-A do 1º Juízo deste Tribunal.
6 – Concluiu a decisão recorrida consignando que se os requerentes pretendem executar essa decisão, é no âmbito daquele processo que devem mover-se e não intentar um novo procedimento cautelar.
7 – O referido procedimento cautelar nº 2573/12.6TBSTR do 1º Juízo deste Tribunal é uma providência cautelar de restituição provisória de posse que em nada colide com a presente providência.
8 – A legitimidade do identificado A… para a prática de actos próprios de gestão dos Baldios pode e deve ser apreciada no âmbito do presente procedimento cautelar.
9 – Sendo este o meio próprio para a apreciação cautelar de tal alegada ilegitimidade.
10 – Qualquer decisão a proferir nos presentes autos em nenhum momento poderia colidir com qualquer decisão proferida ou a proferir no referido procedimento cautelar 2573/12.6TBSTR do 1º Juízo Cível.
11 – A deliberação que constituiu o ponto 4 da ordem de trabalhos não perdeu qualquer eficácia ou utilidade em virtude de ter sido realizada nova Assembleia de Compartes,
12 – Visto que contrariamente ao decidido não foi realizada nenhuma assembleia, mas apenas uma farsa constituída por um alegado acto eleitoral, que não constituiu qualquer Assembleia nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs 11º, 12º e 13º da Lei 68/93 de 4/09.
13 – A presente providencia visa impossibilitar que as deliberações da Assembleia impugnada sejam executadas pela requerida ou por qualquer órgão eleito na referida Assembleia, evitando, assim, o agravamento dos prejuízos causados aos Baldios de….
14 – Inexistindo qualquer fundamento legal para o indeferimento liminar do presente procedimento deve a decisão recorrida ser revogada ordenando-se a produção da prova requerida, seguindo-se todos os demais termos até final.
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões da alegação dos recorrentes abrangendo apenas as questões aí contidas (artº 684º nº 3 e 685-A nº 1 do CPC) verifica-se que a única questão a decidir é saber se ocorrem os fundamentos de indeferimento do procedimento cautelar, a saber, a ilegitimidade dos requerentes e a inexistência do efeito útil pretendido com ela. *
A decisão recorrida não alinha qualquer fundamento de facto.
Todavia, resulta da consulta do processo que a factualidade a considerar indiciariamente, com interesse para a decisão do presente recurso, é a que consta já do relatório supra e ainda:
- Os requerentes são compartes da Assembleia de Compartes dos Baldios de….
- Em assembleia realizada em 28 de Julho de 2012, os compartes da Assembleia de Compartes dos Baldios de… elegeram os seus órgãos sociais, nomeadamente Assembleia Geral, Conselho Directivo e Comissão de Fiscalização.
- Tal deliberação não foi impugnada.
- O Conselho Directivo dos Baldios de… interpôs uma providência cautelar contra os compartes identificados a fls. 101 peticionando a restituição provisória de posse das instalações da sede da Assembleia de Compartes.
- Nesse processo, com o nº 2573/12.6TBSTR-A do 1º Juízo do T.J. de Santarém, foi deferida, sem o exercício do contraditório, a peticionada restituição de posse, decisão que veio, porém, a ser revogada em sede de oposição ali se decidindo ainda, em consequência de tal revogação “efectivar as deliberações tomadas em 28 de Julho de 2012 conforme acta de fls. 213 a 215” e condenar a requerente nas pessoas dos acima indicados, como litigantes de má fé.
- Esta decisão final, proferida em 19/02/2013, foi objecto de recurso para esta Relação, tendo-lhe sido atribuído efeito suspensivo, encontrando-se pendente da reclamação apresentada para o STJ da decisão de não recebimento do recurso que foi interposto do acórdão nele proferido.
- Em 10 de Maio de 2013 o comparte A…, invocando a qualidade de Presidente da Assembleia de Compartes convocou uma Assembleia de Compartes que veio a realizar-se no dia 19 de Maio de 2013 com a ordem de trabalhos constante do artº 44 da p.i. (ver doc.), figurando como ponto 4: “Deliberação sobre a realização de eleições para os órgãos de gestão e administração dos Baldios”.
- As eleições foram realizadas no dia 14 de Julho de 2013 e os órgãos eleitos tomaram posse no dia 24 de Julho de 2013.

Na decisão recorrida a Exmª Juíza, considerando que a deliberação impugnada foi aprovada por unanimidade, tendo na sequência da mesma sido convocadas eleições para o dia 14 de Julho de 2013, que se realizaram, e tendo os membros eleitos tomado posse no dia 24 de Julho de 2013, entendeu que a única questão a apreciar nos autos (a deliberação que constitui o ponto 4 da ordem de trabalhos) perdeu a sua eficácia e utilidade.
Por outro lado, que analisar nestes autos e neste momento questões como a legitimidade ou ilegitimidade do comparte A… para praticar actos próprios dos órgãos de gestão dos baldios, significaria poder, eventualmente, colocar em causa a decisão proferida nos autos de procedimento cautelar nº 2573/12.6TBSTR-A.
Mais refere que se os requerentes pretendem executar essa decisão (que ainda não transitou em julgado) é no âmbito daquele processo que devem mover-se e não intentar um novo procedimento cautelar. Mas que por ora e até decisão do recurso interposto no referido processo, os requerentes não podem pretender que prevaleça uma decisão que está ainda em recurso.
Conclui, em seguida, pelo indeferimento do procedimento cautelar por não reconhecer aos requerentes legitimidade para a apresentação deste procedimento cautelar e, mesmo que assim se não entendesse, o efeito útil pretendido com este já não existe.
Importa pois apreciar se se verificam os fundamentos de indeferimento da providência requerida.

Vejamos.
Desde logo, não se entende, nem a decisão recorrida fundamenta, a decidida falta de legitimidade dos requerentes para intentarem o presente procedimento cautelar.
Com efeito, resulta do disposto no nº 1 do artº 396º do CPC que “Se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer no prazo de 10 dias que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável”.
Ora, os requerentes são compartes da Assembleia de Compartes dos Baldios de...
Estão em causa duas assembleias que deliberaram eleições dos órgãos sociais da Assembleia de Compartes, uma em 28 de Julho de 2012 que não foi impugnada, de cujos órgãos sociais eleitos fazem parte os ora requerentes e outra, a ora impugnada, realizada em 19 de Maio de 2013 em que foi deliberado, por unanimidade, a convocação de eleições para os órgãos sociais da administração dos baldios (Conselho Directivo, Comissão de Fiscalização e Mesa da Assembleia), eleições que vieram a realizar-se, tendo os respectivos órgãos tomado posse.
Os requerentes imputam vícios e irregularidades na convocação da assembleia de 19/05/2013, (desde logo, a falta de legitimidade do referido A… que a convocou invocando a qualidade de Presidente da Assembleia de Compartes) alegando que da execução da deliberação em causa resulta para eles dano apreciável.
Não se alcança assim qual o fundamento encontrado pela Exmª Juíza para declarar a ilegitimidade dos requerentes para a propositura do presente procedimento.
Por outro lado, afigura-se contraditório por um lado dizer que a execução da deliberação impugnada, com a realização de eleições e tomada de posse dos novos órgãos sociais, importa a perda de eficácia e utilidade da impugnação da deliberação em causa e, por outro, entender que se os requerentes pretendem executar a decisão proferida nos autos de providência cautelar 2573/12.6TBSTR é no âmbito desse processo que devem mover-se e não intentar este procedimento cautelar.
É que se a deliberação ora impugnada foi executada e os órgãos eleitos tomaram posse e estão em funções, não se vê como vão os requerentes executar uma deliberação anterior pela qual foram também eleitos para os mesmos órgãos, isto independentemente de se saber qual a decisão final do recurso interposto da decisão proferida no procedimento cautelar de restituição de posse de “efectivação das deliberações tomadas em 28/07/2012
Na verdade, a forma de atacar a deliberação posterior terá de ser através da sua impugnação.
Daí que não tem razão a decisão recorrida quando a indefere, desde logo, por falta de legitimidade dos requerentes.

Quanto à ineficácia da providência.
Decidiu a Exmª juíza que por ter sido executada a deliberação impugnada a presente providência perdeu o seu efeito útil.
O procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações sociais tem como escopo, prevenir e impedir os prejuízos que para o requerente adviriam da execução das deliberações formais ou substancialmente inválidas, durante a pendência da acção principal com a qual se buscará a decisão definitiva acerca da validade das mesmas.
Dispõe o artº 397º nº 3 do C.P.C. que “A partir da citação, e enquanto não for julgado em primeira instância o pedido de suspensão, não é lícito à associação ou sociedade executar a deliberação impugnada”.
Resulta da letra do preceito em apreço que o legislador pretendeu fixar um regime particular para a citação no âmbito da suspensão de deliberações sociais fixando-lhe um efeito próprio distinto do que resulta da norma geral do artº 481º do C.P.C.
Naturalmente que se as deliberações cuja validade é questionada já se encontrarem executadas antes da instauração do procedimento, em princípio os prejuízos possíveis já terão ocorrido, e assim, nada havendo a prevenir ou a impedir, não se justifica o procedimento cautelar de suspensão, sendo a negação da providência cautelar resultado da falta de verificação de uma condição de procedência.
E como pondera Abrantes Geraldes, para as deliberações integralmente executadas entre a propositura do procedimento e a citação da requerida melhor se ajustará a figura da inutilidade superveniente da lide. Em qualquer dos casos o resultado reconduzir-se-á à inviabilidade da pretensão. (“Temas da Reforma do P. C.” vol. IV, p. 74)
Todavia, as deliberações sociais não são necessariamente de execução imediata, esgotando-se os seus efeitos danosos em um único acto. Podem ser de execução permanente ou contínua ou mesmo sendo de execução instantânea, podem os seus efeitos danosos prolongarem-se no tempo.
Se as deliberações podem continuar a ser executadas ou os efeitos danosos da sua execução podem continuar a verificar-se, permanece fundamento para a medida cautelar de suspensão, a tal não obstando a circunstância de terem sido praticados já actos de execução.
Com efeito, como refere A. Geraldes “Apesar das divergências que continuam a notar-se, parece avolumar-se o número de arestos que, privilegiando a função instrumental do direito, como sistema que deve responder às exigências da vida, dão maior realce aos efeitos práticos para justificar a utilidade da medida ainda que restrita aos eventos futuros.
Isso permite formular a conclusão de que a suspensão das deliberações sociais não deve entender-se no seu sentido mais restrito, como simples impedimento da actividade dos órgãos sociais destinada a executá-la, antes deve estender-se à paralisação dos efeitos jurídicos que a deliberação seja susceptível de produzir.
Nesta base, enquanto a deliberação não estiver totalmente executada ou enquanto se protraírem no tempo os respectivos efeitos, directos, laterais, secundários ou reflexos, suficientemente graves para serem causadores de dano apreciável, será viável obter a suspensão da sua execução através da específica providencia criada pelo legislador.” (ob. cit. p. 75/76).
Este o entendimento da jurisprudência dos tribunais superiores que vem reafirmando que a deliberação pode ser suspensa, mesmo que já executada “desde que seja de execução permanente ou contínua, ou, sendo de execução através de um único acto, continuar a produzir efeitos danosos” (Acs. do ST de 10/12/92 acessível in www.dgsi.pt, de 6/06/91, BMJ 408,445, de 12/11/87, BMJ 371,378 e na doutrina cfr. Pinto Furtado in “Deliberações Sociais”, p. 478, Teixeira de Sousa in “Estudos Sobre a Reforma do P.C.”, 2ª ed., p. 241 e Carlos Olavo in CJ 1998, T. III, p. 31)
O mesmo sucede com as deliberações que, apesar de terem sido imediatamente executadas, perdurem no tempo, sendo causa de dano apreciável, como sucede com a eleição de membros dos órgãos sociais (cfr. Ac. da R.P. de 12/02/96, in CJ, T. I, p. 219)
Voltando ao caso dos autos, verifica-se que, efectivamente, foi executada a deliberação cuja suspensão se peticionou – deliberação sobre a realização de eleições para os órgãos de gestão e administração dos Baldios – em momento posterior à propositura da acção, estando questionada a citação da Requerida cuja falta ou nulidade arguiu, questão que não foi ainda apreciada nos autos e se revela importante para efeitos do nº 3 do artº 397º do CPC nos termos acima referidos.
Ora, como vimos, tratando-se de deliberação que perdura no tempo, podendo ser causa de dano apreciável, se executada após a citação da requerida é susceptível de suspensão, verificados que se mostrem os respectivos pressupostos.
Assim sendo, e ao contrário do decidido, a apreciação da pretensão formulada na presente providência de suspensão de deliberação social, não perdeu efeito útil.
Daí que, assiste razão aos recorrentes, nos termos expostos, impondo-se a revogação da decisão recorrida, determinando-se o seu prosseguimento.
DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação nos termos atrás expostos e, consequentemente, revogando a decisão recorrida, determinam o prosseguimento dos autos.
Custas pela parte vencida a final.
Évora, 27.02.2014
Maria Alexandra A. Moura Santos
Eduardo José Caetano Tenazinha
António Manuel Ribeiro Cardoso