Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
11/13.6GFPTG.E1
Relator: MARTINS SIMÃO
Descritores: AMEAÇA
CRIME DE PERIGO
CONSUMAÇÃO
Data do Acordão: 05/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Para que o crime de ameaça se consuma não é necessário que o ofendido sinta medo da ameaça, bastando que esta seja adequada a criar, no seu espírito, receio ou inquietação, de molde a limitá-lo na sua liberdade de determinação, dado que o crime de ameaça, atualmente, não é um crime de resultado ou de dano, mas sim um crime de perigo.
II - A ameaça adequada é aquela que, de acordo com a experiência comum, é suscetível de ser tomada a sério pelo ameaçado, tendo em conta as suas características pessoais.
Decisão Texto Integral:


Acordam, em Conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:


1- Relatório
Nos presentes autos de processo comum singular, com o número acima mencionado da Comarca de Portalegre (Secção Criminal – J1), a acusação foi julgada procedente por provada e em consequência o arguido, AMT, id. a fls.463, foi condenado pela prática de:
a)- um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, al. a) e nºs 2, 4 e 5 do Código Penal, cometido contra AVCD, na pena de dois anos e seis meses de prisão e na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida AVCD pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, com afastamento da residência de ambos;
b)- suspender a execução da pena de dois anos e seis meses de prisão, por igual período e subordinar a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento por parte do Arguido da quantia de 500,00 € (quinhentos euros) à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima;
c) - um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143º, nº 1 do Código Penal, cometido contra MJDT, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, no quantitativo diário de 6,00 € (seis euros);
d) - um crime de ameaça agravada, previsto e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 153º e 155º, nº 1, al. a) do Código Penal, cometido contra MJDT, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, no quantitativo diário de 6,00 € (seis euros),
e) - um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 153º e 155º, nº 1, al. a) do Código Penal, cometido contra MLT, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, no quantitativo diário de 6,00 € (seis euros);
f) - em cúmulo das penas de multa, na pena única de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de 6,00 € (seis euros), perfazendo o montante global de 840,00 € (oitocentos e quarenta euros);
g) - no pagamento da quantia de 56,16 € (cinquenta e seis euros e dezasseis cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento ao demandante cível Unidade Local de Saúde do Norte Alentejo, E.P.E.

Inconformado o arguido recorreu, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões:
a. O arguido considera que da prova produzida e gravada em sede de audiência de julgamento não se pode concluir que tenha praticado os factos pelos quais vem condenado;
b. Considerou o tribunal que as testemunhas prestaram declarações de modo sincero, com algumas inconsistências relativamente a factos de pormenor;
c. O que o arguido discorda, já que não se vislumbra da prova produzida e gravada dos depoimentos em sede de audiência (mesmo recorrendo às regras de experiência comum como se encontra matéria de facto para condenar o arguido.
d. Mormente da falta de espontaneidade por parte da testemunha MJDT, MLT e AVCD em relatar as expressões “sai de casa vai para a rua senão arranco-te as orelhas”.
e. Nem tão pouco ficou demonstrado medo ou inquietação ou afectação na liberdade de determinação da ofendida.
f. Quanto ao crime de ofensas à integridade física simples na pessoa da filha MJDT a Mma Juiz salvo o devido respeito não valorou devidamente às várias contradições nos depoimentos das testemunhas/ofendidas.
g. Sendo que ao arguido sempre devia aproveitar o princípio in dúbio pro reo.
h. Efectivamente já existiam mazelas (nódoas negras) no braço da ofendida MJDT, o que esta confirma que se mantém até à presente data.
i. Segundo o relatório de avaliação do dano corporal e agentes da GNR, não existiu qualquer sequela a nível dos membros inferiores ao contrário do que nos foi relatado pela própria MJDT.
j. Segundo a própria MJDT também chegou a dizer que o pai não a pôs fora de casa, só lhe disse para sair.
k. Sendo que quem necessitou de cuidados médicos foi o arguido que ficou internado no Hospital.
l. Pelo exposto anteriormente é manifesto que existe erro na apreciação da prova referida e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada nos termos do art. 410º nº 2 do CPP.
m. Deverá ser afastada a pena acessória de afastamento da residência.
1.Deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-a por outra que absolva o arguido nos crimes de ameaças agravadas na pessoa da filha MJDT e no crime de ofensas à integridade física simples.
2. Revogar a pena acessória de afastamento da residência.

O Ministério Público respondeu ao recurso dizendo:
«1.ª) Foi o Arguido AMT condenado, para além do mais, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, al. a) e nº 2 do Código Penal, cometido contra AVCD, na pena de dois anos e seis meses de prisão; suspensa por igual período; subordinada a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento por parte do Arguido da quantia de 500,00 € (quinhentos euros) à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima; condenado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nºs 1, al. a), 2, 4 e 5 do Código Penal, cometido contra AVCD, na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida AVCD pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, com afastamento da residência de ambos; condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143º, nº 1 do Código Penal, cometido contra MJDT, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, no quantitativo diário de 6,00 € (seis euros); condenado pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 153º e 155º, nº 1, al. a) do Código Penal, cometido contra MJDT, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, no quantitativo diário de 6,00 € (seis euros), condenado pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 153º e 155º, nº 1, al. a) do Código Penal, cometido contra MLT, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, no quantitativo diário de 6,00 € (seis euros); Condenado o Arguido, em cúmulo, na pena única de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de 6,00 € (seis euros), perfazendo o montante global de 840,00 € (oitocentos e quarenta euros);

2ª) O que o Arguido pretende, ao referir, logo no preâmbulo da sua motivação, que «considera que não ficou provado em sede de audiência de julgamento os factos pelos quais foi condenado» é contestar a valoração da prova operada pelo Tribunal a quo, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova;


3ª) Ora, a mera valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação, tanto mais que sendo a apreciação da prova em primeira instância pautada pela oralidade e pela imediação, o tribunal de 1ª instância está obviamente mais bem apetrechado para aquilatar da credibilidade das declarações e depoimentos produzidos em audiência, porquanto teve perante si os intervenientes processuais que os produziram, podendo valorar não apenas o conteúdo das declarações e depoimentos, mas também e sobretudo o modo como estes foram prestados;[1]

4ª) Pelo exposto, as extensas transcrições que o recorrente faz da prova testemunhal limitam-se a uma vã tentativa de fazer soçobrar a convicção do tribunal em nome da subjectividade do Arguido, pelo que tudo o que foi supra exposto relativamente à livre apreciação pelo julgador se aplica a cada um dos crimes que o Tribunal deu como provados;

5.ª) Não foi detectada pelo Tribunal, ao contrário do que defende o Arguido «falta de espontaneidade» nem se detectam «contradições», de forma a imporem uma dúvida razoável acerca da prova em que se fizesse operar o princípio in dúbio pro reo;

Como explica a douta sentença:

«Assim, para dar como provados os factos 1 a 9, 12 a 15 o tribunal considerou as declarações das testemunhas e ofendidas MJDT, MLT e AVCD, respectivamente, filhas e mulher do Arguido, as quais prestaram declarações de modo sincero e convincente, e que, pese embora algumas poucas, inconsistências relativamente a factos de pormenor, apresentaram uma versão dos factos corroborada pela demais prova produzida em julgamento, designadamente documental. Com efeito, foram as mesmas peremptórias em relatar os episódios de violência e ameaça de que foram alvo durante a sua convivência familiar e, concretamente, nas datas aqui especificadas, tendo as suas declarações, consideradas sinceras e espontâneas, merecido total acolhimento por este tribunal[2]

6.ª) Por outro lado, os depoimentos a que alude o Arguido/recorrente para descredibilizar a apreciação da prova feita pelo tribunal de primeira instância em nada permitem abalar a credibilidade da livre apreciação da prova pois tais testemunhas não presenciaram directamente os factos. Sublinhe-se que o crime de violência doméstica, em regra, é um crime cometido dentro de «quatro paredes» pelo que raramente existem testemunhas com conhecimento directo dos factos além das próprias ofendidas;

7.ª) E as ofendidas relataram, ao longo do seu depoimento, episódios de violência desde o início do casamento/ desde a infância de forma sincera e credível.
Ou seja, não podem as testemunhas que não presenciaram os factos merecer mais credibilidade do que aquelas, que efectivamente, vivenciaram as situações;

8.ª) Aliás, o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 20-03-2006[3] defende, inclusivamente, que a pretensão do recorrente de a segunda instância operar uma segunda apreciação da prova, redunda, em última análise, numa rejeição do recurso:
«I – Ao transcrever passagens dos depoimentos prestados no julgamento, o recorrente pretendeu impugnar a matéria de facto, nos termos previstos no art. 412 nºs 3 e 4 do CPP.
II – Mas a impugnação da matéria de facto, além de não cumprir o formalismo previsto nos nºs 3 e 4 do artº 412 do CPP, parece partir de um equívoco: o de que o tribunal da Relação pode fazer um novo julgamento de facto, indicando, mediante a leitura das transcrições feitas, os factos que considera provados e não provados. (…)
X – Ou seja: ataque à decisão da matéria de facto é feito pela via da credibilidade que o colectivo deu a determinados depoimentos pressuporia a revogação pela Relação da já mencionada norma do art. 127 do CPP, a que os tribunais devem, naturalmente, obediência e que manda que o Juiz julgue segundo a sua livre convicção, pelo que, ao visar a alteração da matéria de facto pela via da revogação do princípio da livre apreciação da prova, o recurso é manifestamente improcedente, pelo que deve ser rejeitado – art. 420, n° 1 do CPP».
9.ª) Ou seja, é perfeitamente plausível que as testemunhas não reproduzam ispis verbis tudo o que ocorreu de forma integral, posto que a memória humana é falível e cada pessoa percepciona os factos de forma subjectiva.
10.ª) No entanto, o próprio Arguido transcreve um excerto do depoimento da testemunha MJDT (depoimento prestado e gravado a 03-10-2014) em que esta confirma a expressão intimidatória proferida pelo Arguido, e fê-lo de forma credível e sincera ao admitir que não se recordava do que foi relatado ipsis verbis:
MJDT: «ou puxo-te, ou apanho-te pelas orelhas, qualquer coisa do género» (Cerca do minuto 4.37).
11.ª) Ao contrário do que refere o Arguido, se atentarmos no contexto dos factos, em que a testemunha MJDT foi agredida pelo Arguido e o cenário de violência de que a mãe era vítima desde o início do casamento bem como as próprias filhas, constata-se o requisito «existência de um mal iminente» e verifica-se que aquela expressão foi «feita de forma adequada a provocar medo ou inquietação ou prejudicar a sua liberdade de determinação e no caso em apreço».
12.ª) Foi o próprio Arguido que transcreveu o depoimento da MJDT, nomeadamente quando a mesma mencionou que sentiu «medo por o meu braço e pena por ver a minha mãe e a minha irmã a levar porrada ali na minha frente»;
13.ª) O Arguido, de igual modo, considera não provado o crime de ofensa à integridade física simples na pessoa de MJDT (filha) e procedeu a extensas transcrições das declarações por si prestadas, declarações, essas, que a douta sentença valorou do seguinte modo:
«o tribunal não considerou convincentes as declarações do Arguido que negou a prática dos factos que lhe são imputados, denotando uma postura de vitimização e resumindo o intuito dos presentes autos à concretização do desiderato da ofendida AVCD o “expulsar” de casa. Com efeito, e sopesando ambas as versões dos factos, com acusações mútuas de agressões, o tribunal convenceu-se pela versão aqui apresentada pelas ofendidas».[4]

14.ª) Como postula o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 20-03-2006[5]:

«(…)Diz que, devido a contradições e imprecisões dos depoimentos, não lhes devia ter sido dada credibilidade. Mas a função do julgador não é a de achar o máximo denominador comum entre os diversos depoimentos. Nem, tão pouco, tem o juiz que aceitar ou recusar cada um dos depoimentos na globalidade, cabendo-lhe, antes, a espinhosa missão de dilucidar, em cada um deles, o que lhe merece crédito. Como, aliás, já há muito ensinava o prof. Enrico Altavilla “o interrogatório como qualquer testemunho está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras” – Psicologia Judiciária, vol. II, 3ª ed. pag. 12.»

15.ª) Realce-se, ainda, que a referência à existência de sangue na cabeça do Arguido se deve ao facto, e como aliás ficou provado em audiência de julgamento, de o mesmo, aquando das agressões que estava a perpetrar, ter embatido com a cabeça num objecto existente no local dos factos, o que levou a um prévio despacho de arquivamento do Ministério Público, por não terem resultados indícios de qualquer agressão das ofendidas ao Arguido;

16.ª) E, se é certo que o Arguido é uma pessoa idosa e com alguns problemas de saúde, consta igualmente dos autos a virulência do mesmo, atentando no relatório pericial das lesões provocadas na ofendida MJDT e no que está patente nos relatórios ( de avaliação psicológica e psiquiátrica) juntos aos autos;

17ª) Naturalmente e parafraseando a transcrição de um depoimento pelo Arguido, este não é um «super homem», no entanto é um homem que, ao longo da vida, sempre manifestou agressividade e concretizou-a nas pessoas da sua esposa e duas filhas, conforme está patente, desde logo na sentença recorrida:

«o Arguido não se coibiu de, durante a vida em comum com a sua mulher, e aqui ofendida, de modo repetido, exercer sobre a mesma o seu ascendente, impondo-se sobre a mesma por meio da violência, subjugação e medo. Ora, como resulta demonstrado em sede de prova produzida em audiência de discussão e julgamento tais factos tiveram lugar na habitação do casal, local onde a intimidade da vida familiar propiciava e facilitava as suas condutas abusivas».[6]

18.ª) Do depoimento da testemunha MJDT (e não só) resulta, ainda, o cenário de opressão de que esta família é/foi alvo pelo Arguido:

MJDT (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital a 03-10-2014):
«E depois quando a minha mãe veio para me defender disse: (…) Com a mão fechada na cabeça da minha mãe e da minha mãe: Hoje não é com vocês, é com ela» (cerca do minuto 4:23).
Ministério Público: «Sra. D. MJDT vamos só… concretizar um bocadinho melhor… O pai (…) chegou a dizer-lhe quando queria que se saísse de casa, a senão arranco-te as orelhas?
Ele apanhava-me pelas orelhas, pelos braços, por onde quer que fosse, ele tinha de me tirar lá de casa».
Ministério Público: «Mas lembra-se de ele ter dito isso (…) «arranco-te as orelhas?»
MJDT: «ou puxo-te, ou apanho-te pelas orelhas, qualquer coisa do género» (…)
«São bichinhos do mato, têm de estar ali enclausuradas na prisão. (…) Mesmo estando assim com o braço faço uma panela de sopa, e quando estão doentes vou com elas para o médico» (cerca do minuto 4:57).
«(…) Naquele dia, como não quis sair a bem… (…) Espetou-me as unhas, empurrou-me contra uma parede, fiquei toda marcada…»
«Eu lembro me de pequenina de me esconder de baixo da mesa de o ver a bater na minha mãe e na minha irmã» ( cerca do minuto 8:50h).
19.ª) Refira-se, que decorre, desde logo, do depoimento da mesma, que sofre de múltiplos problemas de saúde a nível dos membros superiores (sobretudo braço direito: mazelas, distrofia etc., etc.), pelo que pouca força teria para se defender (e agredir) do/o Arguido (minuto 6:52);

20.ª) Se o Arguido apenas “empurrou” a ofendida como argumenta, a ofendida não apresentaria a extensão de lesões constantes do relatório do qual consta, desde logo, a compatibilidade entre o evento e os danos causados.

De resto, os restantes pormenores, tais como os pontapés, naturalmente que não estão afastados unicamente por não constar do relatório pericial; na verdade nem todos os actos de agressão resultam em lesões ou marcas, sendo além disso, passíveis de uma cura mais célere, desde logo dependendo da intensidade dos mesmos e pelo lapso de tempo entre o evento e o relatório;

21.ª)Em suma, o Ministério Público não adere ao entendimento do Arguido de que deve ser absolvido do crime de ameaças agravadas na pessoa da filha MJDT e no crime de ofensas à integridade física simples;

22.ª) O Arguido discorda da medida da pena, considerando que a mesma é desproporcionada e injusta.

Ora, em face da prova dos factos de que era a acusado, não se imporia outra condenação, nem poderá o Arguido argumentar de que é desproporcionado e inconstitucional o afastamento do mesmo da residência quando, em nome da concordância prática de direitos, e com base no princípio da proporcionalidade que deve presidir à restrição de direitos fundamentais (art. 18.º, nº2 da Constituição da República Portuguesa), o direito à habitação soçobra para o direito à integridade física e, inclusivamente, a vida das vítimas de violência doméstica;

23.ª) Pugna o Arguido, no final das suas conclusões, e sem ter, pelo menos expressamente, referido tais vícios, pela existência de um «erro na apreciação da prova referida e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada nos termos do Art. 410 n.º 2 do CPP».

Ou seja, o Arguido/ recorrente confundiu a impugnação da matéria de facto com a imputação à douta sentença de dois vícios: o do erro notório na apreciação da prova ___ art. 410.º, nº2, al. c) e o da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ___ art. 410.º, nº2, al. a), ambos do C. Processo Penal.

24.ª) Como explica Paulo Pinto de Albuquerque, imputar a uma decisão o vício de insuficiência da matéria de facto significa que «aquela insuficiência tem de ser apreciada em função da solução adoptada para o caso da decisão recorrida. Isto é, a insuficiência da matéria de facto para de decisão de direito não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida. Esta é uma questão que respeita ao recurso da matéria de facto».[7]

25.ª) De qualquer forma, não se vislumbra na decisão recorrida, nem uma insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, nem insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito;

26.º) Lapidar, a fim de coonestar este nosso entendimento, é, sem dúvida o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18/07/2013, relatado pelo Senhor Desembargador Rui Gonçalves[8]:
II- O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito, sobre a mesma. No fundo, é algo que falta para uma decisão de direito, seja a proferida efectivamente, seja outra, em sentido diferente, que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa».

27.ª) Já no que concerne, por seu turno, ao alegado erro notório na apreciação da prova, detenhamo-nos no douto acórdão da do Tribunal da Relação de Évora de 18-05-2010[9]: «2 – Só existe erro notório na apreciação da prova quando ele seja evidente, se imponha por si, não escape à observação de qualquer homem comum, seja perceptível com facilidade pelo observador mediano, em face do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recorrer a nenhum elemento exterior à própria decisão»;

28.ª) Ora é por demais evidente, atentando no texto da douta sentença recorrida, que não existe qualquer erro notório na apreciação da prova nem qualquer outro vício do art. 410.º, nº2 do CPP, razão pela qual falece qualquer razão ao Arguido ao pugnar pela «renovação da prova e o reenvio do processo para novo julgamento nos termos do art. 430.º do CPP).[10]

Termos em que, confirmando-se a decisão recorrida, se fará JUSTIÇA».

Nesta Relação, o Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Observado o disposto no artº 417º, nº 2 do CPPenal o arguido não respondeu.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – Fundamentação:

Matéria de facto Provada

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

1-O arguido casou com AVCD no dia 29 de Abril de 1964, vivendo ambos na residência do casal sita na Rua (…), juntamente com a respectiva filha maior de idade, MLT.

2. Em datas não concretamente apuradas, mas desde o início do casamento entre ambos celebrado, o arguido agrediu a ofendida AVCD;

3. As agressões aconteciam com regularidade e agravavam-se sempre que o arguido ingeria bebidas alcoólicas em excesso, o que sucedia frequentemente;

4. Assim, em concretização dos factos supra mencionados, no dia 12 de Julho de 2013, cerca das 11.30h, o arguido dirigiu-se à filha MJDT, quando esta se encontrava a conversar com a sua mãe e irmã, na referida residência em 1., dizendo-lhe em tom sério e encolerizado: «Sai de casa, vai para a rua, senão arranco-te as orelhas»;

5. Acto contínuo, o arguido agarrou a MJDT pelos braços, sacudindo-a e atirando-a contra a parede, desferindo-lhe, logo após, pontapés nas pernas;

6. Seguidamente, o arguido agarrou os braços de MJDT, tendo desferido, também, murros na cabeça de AVCD por a mesma ter ido em socorro da filha;

7. Durante os factos supra mencionados, o arguido partiu ainda uma mesa com o tampo em vidro e uns objectos de porcelana que se encontravam expostos na divisão da habitação;

8. Em virtude das condutas do arguido, a ofendida MJDT, sentiu medo, dores nas partes atingidas: tórax, braços e pernas;

9. Tendo, nesse mesmo dia 12 de Julho de 2013, recebido tratamento hospitalar no Hospital de Portalegre pelas 14.54h;

10. Como consequência directa e necessária de tais condutas do arguido, a ofendida MJDT apresentou as seguintes lesões:

- duas equimoses em forma de dedadas na face anterior direita do tórax, dois hematomas com cerca de 3 cm de diâmetro, cada, na face anterior esquerda do tórax;

- No membro superior direito: oito equimoses em forma de dedadas, localizando-se seis na face externa do braço e duas na região externa do terço proximal do antebraço;

- No membro superior esquerdo: seis hematomas de forma circular com diâmetros, variando entre o centímetro e meio e os quatro centímetros, ao longo da face externa do braço esquerdo;

11. Tais lesões determinaram oito dias para a cura;

12. Em consequência das condutas do arguido, a ofendida AVCD sentiu dores na cabeça e medo;

13. O arguido pretendeu infligir ferimentos no corpo e de afectar a saúde da ofendida MJDT, propósito concretizado;

14. Em data não concretamente apurada, mas de noite, o arguido dirigiu-se ao quarto de AVCD, onde esta dormia com a filha MLT e coma cadeira junto da porta em virtude do receio que sentem do arguido, e acordou-as;

15. Acto contínuo, tentou abrir a porta enquanto gritava «eu acabo com vocês eu acabo com vocês as duas, assim que as apanhar distraídas».

16.Com todas as suas condutas, o arguido pretendeu incutir temor e inquietação nas ofendidas MJDT, AVCD e MLT, no sentido de virem a sofrer algum acto atentatório da sua vida ou integridade física, propósito que logrou alcançar.

17. O arguido pretendeu também infligir ferimentos no corpo e de afectar a saúde da ofendida AVCD, propósito concretizado;

18. Não o demovendo o facto de a AVCD ser sua esposa, mãe das suas filhas, e que por tais motivos a devia tratar com respeito e consideração;

19. Nem o facto de se encontrar na residência de ambos;

20. Ao actuar do modo supra descrito, o arguido fê-lo sempre de forma deliberada, livre e consciente:

21.O arguido conhecia o carácter ilícito, criminalmente censurável e punível de todas as suas condutas.

Resultou ainda provado que:

22- Mercê dos tratamentos administrados à ofendida MJDT no dia 12 de Julho de 2013, a demandante despendeu a quantia de 56,16 €;

23- O arguido é o filho mais novo de uma fratria de 8 irmãos, nunca conheceu o pai e teve um relacionamento conflituoso com ao padrasto, ao cargo do qual ficou aquando da morte da sua mãe, o que sucedeu quando tinha 6 anos.

24- No seu agregado familiar e durante toda a sua infância e adolescência, o arguido vivenciou episódios recorrentes de violência cometidos pelo padrasto contra a mãe e contra si e os seus irmãos.

25- O arguido nunca frequentou a escola, começou a trabalhar com a idade de 7 anos tendo concluído a 4ª classe já em adulto, apenas sabendo assinar o seu nome, encontrando-se actualmente reformado e auferindo a reforma no valor de, pelo menos 250,00 € por mês;

26- Desde que contraíram matrimónio que o arguido assume uma postura de autoridade, assumindo a ofendida uma postura de obediência, submissão e medo;

27- Perante os 58 anos de vida em comum, o arguido faz uma valiação afectivamente negativa da relação, não efectuando quaisquer considerações afectivas à ofendida e sua mulher, AVCD, a qual menospreza;

28- Do casamento nasceram três filhas, actualmente maiores de idade, e com as quais o relacionamento foi sempre pautado pelo autoritarismo e pelo medo;

29- Actualmente, o arguido sofre de diabetes, tomando as refeições na Santa Casa da Misericórdia de Arronches;

30- o arguido é uma pessoa socialmente isolada, limitando-se o seu grupo de amizades a alguns amigos pouco relevantes no seu quotidiano;.

31- O arguido refere-se ao cônjuge como um elemento sem valor, legitimando o exercício de alguma dominação pelo facto de estarem casados;

32- O arguido evidencia acentuadas dificuldades ao nível da análise crítica do seu comportamento, apresentando um discurso centrado num processo de vitimação, face à intervenção do sistema de justiça;

33- No meio em que se insere é tido como um indivíduo pacato e respeitador das normas;

34- O arguido apresenta um estilo de vida e um sistema de crenças centrados no autoritarismo e no domínio, sendo a sua história pessoal e familiar contextualizada em quadros de violência doméstica, com desvalorização da figura feminina, a quem não reconhece direitos próprios, o que associado á vivência no mesmo espaço com a vítima constitui um factor de risco;

35- A postura, idade e sistema de crenças do arguido não indiciam que o mesmo possa beneficiar com uma intervenção estruturada;

36- O arguido foi seguido de forma regular no Departamento de Psiquiatria da Unidade Local de Saúde do alto Alentejo no ano de 1998, data em que, por três ocasiões distintas foi internado naquele departamento, tendo sido diagnosticado, à data da sua alta, com quadro de depressão ansiosa, havendo já à data, referência de conflitos familiares com a esposa e filhas;

37- Desde 1998 que não existem registos de seguimento no Departamento de Psiquiatria;

38- O arguido sofreu ao longo da vida, de episódios ansioso-depressivos associados a conflitos com terceiros, nomeadamente, com a família e com superior hierárquico que motivaram três episódios de internamento e vários períodos de baixa laboral enquanto exerceu funções de pedreiro na Câmara municipal de Arronches;

39- O seu percurso foi também marcado pelo consumo abusivo de álcool que degenerou em episódio de pancreatite aguda há dez anos;

40- O arguido apresenta uma personalidade rígida e revela desconfiança persistente e infundada em relação às atitudes e lealdade de terceiros que tende a ver como hostis e desleais.

41- O arguido apresenta baixa auto-estima, impulsividade e baixa tolerância à frustração, que o tornam susceptível de apresentar comportamentos agressivos e situação de crise ou conflito;

42- O arguido denota juízo crítico da realidade, e embora toldado pelos seus traços de personalidade, o arguido apresenta noção do bem e do mal e dos comportamentos adequados a uma boa vivência familiar e social;

43- O arguido não sofre de patologia psiquiátrica que o torne incapaz de avaliar a ilicitude dos seus actos ou de se determinar à mesma;

44- O arguido não tem antecedentes criminais:

Matéria de facto não provada

Com interesse para a causa o tribunal considerou não provados os seguintes factos:

A- Que as agressões cometidas pelo arguido tenham agravado a lesão que MJDT já tinha no braço direito e por mor da qual se encontrava de baixa médica desde Janeiro de 2012.

B- Que as expressões proferidas melhor descritas em 14 e 15 dos factos provados dirigidas a AVCD e MLT tenham ocorrido no dia 22 de Outubro de 2013, cerca das 01.00h.

C- Que, aquando dos factos praticados em 12 de Julho de 2013, o arguido tenha partido todo o mobiliário existente na casa.

Motivação da decisão de facto

A convicção do tribunal fundou-se na prova produzida em sede de audiência de discussão em julgamento, livremente apreciada de acordo com as regras da experiência e do normal acontecer.

Assim, para dar como provados os factos 1 a 9, 12 a 15 o tribunal considerou as declarações das testemunhas e ofendidas MJDT, MLT e AVCD, respectivamente, filhas e mulher do arguido, as quais prestaram declarações de modo sincero e convincente, e que, pese embora algumas poucas, inconsistências relativamente a factos de pormenor apresentaram uma versão dos factos corroborada pela demais prova produzida em julgamento, designadamente documental. Com efeito, foram as mesmas peremptórias em relatar os episódios de violência e ameaça de que foram alvo durante a sua convivência familiar e, concretamente, nas datas aqui especificadas, tendo as suas declarações, consideradas sinceras espontâneas, merecido total acolhimento por este tribunal.

De referir ainda que, pese embora tenha considerado, em geral, as declarações de JMR, agente da GNR do posto territorial de Arronches, CMP, encarregada geral da Santa casa da Misericórdia de Arronches, de HMC assistente social na Unidade de Cuidados Continuados da Santa casa da Misericórdia de Arronches e JACP, pintor/bate-chapas e amigo do arguido, coerentes e credíveis, o tribunal não considerou relevantes no apuramento da factualidade aqui em análise uma vez que não revelaram as mesmas conhecimentos directos sobre os factos, não tendo estado presentes aquando dos eventos aqui em discussão. Assim, e como por norma sucede, pese embora tais testemunhas reputem o arguido de pessoa pacata e inofensiva no trato quotidiano, certo é que os factos ilícitos criminais aqui em discussão foram perpetrados no seio familiar, no interior da residência familiar pelo que as suas declarações não foram de molde a infirmar a sólida prova testemunhal produzida pelas ofendidas.

Os factos 10 e 11 resultaram provados, além da prova testemunhal produzida, mormente pelas declarações sinceras e espontâneas da ofendida MJDT, pela prova pericial produzida, mormente pelas conclusões vertidas no relatório pericial junto a fls. 33 a 35.

O tribunal valorou conjuntamente com a demais prova produzida em audiência de discussão e julgamento a prova testemunhal junta aos autos, designadamente, relatório fotográfico de fls. 12, 13, 15 a 17 e relatórios de urgência juntos a fls. 36, 139 e 140, relativos à assistência prestada á ofendida MJDT.

O prática dos factos que lhe são imputados, denotando uma postura de vitimização e resumindo o intuito dos presentes autos à concretização do desiderato da ofendida AVCD o “expulsar” de casa. Com efeito, e sopesando ambas as versões dos factos, com acusações e mútuas de agressões, o tribunal convenceu-se pela versão aqui apresentada pelas ofendidas.

Os factos 16 a 21 resultaram provados em virtude das regras da experiência e do normal acontecer.

O facto 22 resultou provado mercê da prova documental junta aos autos, mormente da factura de fls. 256.

Os factos 23 a 35 resultaram provados em face do relatório social junto a fls. 389 a 393. Os factos 36 a 43 resultaram provados pelo relatório pericial junto a fls. 432 a 441. A ausência de antecedentes criminais registados resulta do CRC de fls. 213.

O tribunal considerou não provados os factos A e B em virtude da total ausência de prova nesse sentido.

Com efeito, e no que diz respeito ao agravamento das lesões da ofendida, inexiste qualquer prova pericial carreada para os autos que comprove um nexo de causalidade entre as lesões sofridas em virtude dos eventos lesivos ocorridos no dia 12 de Julho de 2013 e um hipotético agravamento da condição física pré-existente da ofendida.

O mesmo, diga-se, em relação ao facto não provado B relativo à concretização da data em que tiveram lugar as expressões melhor descritas nos factos provados 14 e 15, uma vez que não lograram as ofendidas AVCD e MLT situar, com precisão, em termos cronológicos tais eventos, pelo que, na inexistência de demais prova nesses sentido não teve o tribunal como não dar esses factos como não provados.

O facto C resultou não provado em virtude de se haver demonstrado em sede de audiência de discussão e julgamento que o arguido apenas partiu uma mesa com tampo de vidro e algumas peças de porcelana expostas.



III- Apreciação do recurso
O objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação, artºs 403º, nº 1 e 412ºnº 1 do CPP.
As conclusões do recurso destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões da discordância dos recorrentes em relação à decisão recorrida, a nível de facto e de direito, por isso, elas devem conter um resumo claro e preciso das razões do pedido (cfr. neste sentido, o Ac. STJ de 19-6-96, in BMJ 458, 98).
Perante as conclusões do recurso, as questões a decidir são as seguintes:
1ª – Dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP e da impugnação da matéria de facto;
2ª- Dos crimes de ameaças e de ofensa à integridade física de que foi vítima MJDT;
3ª- Da pena acessória.


III-1ª- Dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP e da impugnação da matéria de facto.
A prova produzida em audiência de julgamento está documentada, então, o tribunal da Relação pode conhecer de facto e de direito, art. 428º nº 1 do C.Penal.
A matéria de facto pode ser sindicada de duas formas:
- Uma mais restrita, que consiste na invocação dos vícios constantes do art. 410º nº 2 do CPPenal, cuja indagação tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso a quaisquer elementos externos à decisão, designadamente às declarações ou aos depoimentos exarados no processo, durante o inquérito ou instrução, ou até mesmo durante o julgamento
- Outra mais ampla, em que a apreciação não se restringe ao texto da decisão, mas que se alarga à análise da prova produzida em audiência de julgamento e à prova documental, tendo o recorrente que observar o disposto no art. 412º nºs 3 e 4 do CPPenal, em relação a cada um dos factos impugnados. Esta forma de impugnação não visa um segundo julgamento sobre toda a matéria de facto, ou melhor, não pressupõe uma reapreciação de todos os elementos de prova prestados em audiência, que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes constitui um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, isto é, trata-se de uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorrectamente julgados (cfr. neste sentido o Acórdão do STJ de 29/11/08, proc.08P3269, em www.dgsi.pt).
O recorrente pretende impugnar a matéria de facto através destas duas formas, por isso, importa desde já começar pela análise dos vícios invocados.
Na parte final das conclusões do recurso depois de impugnar parte da matéria de facto, por via da credibilidade, que mereceram para o tribunal os depoimentos das ofendidas, o recorrente invoca os vícios constantes do art,. 410º nº 2 als. a) a c) do CPPenal.
Ao alegar deste modo, o que o recorrente pretende não é invocar os vícios, mas antes que o tribunal de recurso sindique a forma como o tribunal a quo apreciou e valorou a prova produzida em audiência de julgamento e a prova documental constante dos autos.
Estabelece o art. 410º nº 2 al. a) do CPPenal: “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter por fundamento, desde que o vício resulta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) (…);
c) Erro notório na apreciação da prova.
O vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão supõe que os factos provados não constituem suporte bastante para a decisão que foi tomada, quer porque não permite integrar todos os elementos materiais de um tipo de crime, quer porque deixem espaços não preenchidos relativamente a elementos essenciais à determinação da ilicitude, da culpa ou outros necessários para a fixação da medida da pena.
Como se escreve no Ac. STJ de 29-2-96 (in www.dgsi.pt) “ a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o art. 410º, nº 2 al. a) do C.P.Penal de 1987, só existe quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo deixa de investigar toda a matéria de facto relevante de tal forma que a matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido á sua apreciação”.
E no Ac. de 20-10-99, proc. Nº 1452/98 “ O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – art. 410º nº 2, al. a) do CPP – não se confunde com a insuficiência da prova, só podendo considerar-se existente quando os factos apurados são insuficientes para se decidir sobre o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais de crimes verificáveis e dos demais requisitos necessários à decisão de direito e é de concluir que o tribunal podia ter alargado a sua investigação a outro circunstancialismo fáctico suporte bastante dessa decisão”.
O alegado pelo recorrente nada tem a ver com o vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Na verdade, o recorrente não invoca a falta de factos necessários para a decisão, que o tribunal devesse averiguar, ao alegar do modo referido está, a confundir o vício em causa com a forma como o tribunal da primeira instância apreciou e valorou a prova produzida em audiência de julgamento.
A matéria de facto apurada em audiência e constante da decisão recorrida preenche todos os factos relevantes para a decisão da causa, bem como os factos necessários para a fixação da medida da pena, pelo que inexiste o vício invocado.
Quanto ao erro notório na apreciação da prova, como se refere no acórdão do STJ de 22-3-2006, in www.dgsi.pt, este vício “existe quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência, resulta que se deram como provados factos que para a generalidade dos cidadãos se apresente como evidente que não poderiam ter ocorrido ou são contraditados por documentos que façam prova plena e não tenham sido arguidos de falsos. Ou, no aspecto negativo, que nessas circunstâncias, tenham sido afastados factos que o não deviam ser. O toque característico do conceito consiste na evidência, na notoriedade do erro, facilmente captável por qualquer pessoa de média inteligência, sem necessidade de particular exame de raciocínio mental”.
Será que no caso concreto os factos dados como provados são contraditórios com os restantes factos dados como provados ou não provados? Traduzem os mesmos, falha grosseira e ostensiva na análise da prova. Retirou-se dos factos provados uma conclusão logicamente inconciliável?
Cremos que a resposta não pode deixar de ser negativa, uma vez que nada resulta da decisão que constitua erro notório na apreciação da prova.
O recorrente ao alegar da forma acima mencionada não está a invocar o vício do erro notório, enquanto vício da sentença, mas sim a divergir da convicção que o tribunal formou com base nas provas apresentadas em audiência de julgamento, o que é irrelevante desde que a convicção do tribunal esteja devidamente fundamentada.
Assim, a discordância do recorrente em relação à matéria de facto, baseada nos vícios constantes do art. 410º nº 2 do CPPenal é inócua, uma vez que o recorrente não identificou tais vícios, nem se vislumbra que os mesmos resultem da decisão recorrida.

Importa agora, passar à análise da impugnação mais ampla da matéria de facto.
O recorrente alega que foram incorrectamente julgados determinados factos, nomeadamente os relativos às ameaças, a que se alude no nº 4 da matéria de facto provada e às ofensas à integridade física de que foi alvo MJDT (factos 5 a 11 e 13), dado que em seu entender, o tribunal não valorou devidamente a prova, tendo em conta as várias contradições nos depoimentos das testemunhas/ofendidas.
Cumpre apreciar e decidir.
O recorrente quando impugna a matéria de facto deve especificar, nos termos do art. 412º nº 3 do CPPenal: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) as provas concretas que impõem decisão diversa da recorrida; c) as provas que devem ser renovadas.
O recorrente indica os factos que considera incorrectamente julgados.
Quanto às provas concretas que impõem decisão diversa da recorrida não basta que tais provas permitam decisão diversa é necessário que a imponham. Na verdade, a lei refere-se a provas que “impõem” e não as que “permitiriam” decisão diversa. Como de forma clara se afirma no Acórdão da Relação de Guimarães, proferido no processo nº 245/06, em www.dgsi.pt “É que afigura-se indubitável que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção
As provas impõem decisão diversa da recorrida quando o tribunal decide contra a prova produzida (v. g. quando se dá como provado determinado facto com fundamento no depoimento de determinada testemunha, e ouvido tal depoimento se constata que a dita testemunha não se pronunciou sobre tal facto, ou, pronunciando-se disse coisa diversa da afirmada na decisão recorrida ) ou quando o tribunal valora a prova produzida contra as regras da experiência, que no dizer de Cavaleiro Ferreira, “Curso de Processo Penal” II, 30, se traduzem em definições ou juízos hipotéticos, de conteúdo genérico, independentes do caso concreto sub judice, assentes na experiência comum, e por isso, independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade”.
Ao alegar do modo acima mencionado, de que o tribunal não valorou devidamente a prova, tendo em conta determinadas contradições entre os depoimentos das testemunhas/ofendidas, o recorrente está a impugnar a matéria de facto por via da credibilidade, por isso, o problema colocado pelo recorrente reconduz-se ao problema da convicção do tribunal, que entronca no princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do CPPenal, de acordo com a qual a prova é apreciada segundo as regras da lógica e da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Ao tribunal de recurso estão vedados os princípios da imediação e da oralidade, pelo que perante duas ou mais versões dos factos, este tribunal só pode afastar-se do juízo feito pelo tribunal da primeira instância, naquilo que não tiver origem naqueles dois princípios, ou quando a convicção do tribunal violar as regras da experiência comum.
Perante as contradições entre os diversos depoimentos, ou mesmo entre um determinado depoimento, como se refere no Acórdão da Relação de Guimarães de 20-03-2006, proferido no processo nº 245/06-1, em www.dgsi.pt, citado na resposta ao recurso “ a função do julgador não é a de achar o máximo denominador comum entre os diversos depoimentos. Nem, tão pouco, tem o juiz de aceitar ou recusar cada um dos depoimentos, na sua globalidade, cabendo-lhe, antes, a espinhosa missão de dilucidar em cada um deles, o que lhe merece crédito. Como, aliás, há muito ensinava, o Prof. Enrico Altavila “o interrogatório como qualquer testemunho está sujeito à crítica do juiz, que pode considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras” Psicologia Judiciária, vol. II, 3ª ed.. pág. 12.
Após a audição da prova prestada em audiência e face à prova documental junto aos autos, importa analisar, a argumentação do recorrente, a fim de apurar se a mesma põe em causa a valoração da prova feita pelo tribunal.
O recorrente alega na motivação do recurso que, da análise da prova produzida não resulta que tenha proferido para a MJDT a seguinte expressão:” sai de casa vai para a rua senão arranco-te as orelhas”, no entanto, na conclusão nº 4 da motivação refere “ a falta de espontaneidade dos depoimentos das testemunhas MJDT, MLT e AVCD, quanto ao relatarem aquela expressão”
A ofendida MJDT ao ser questionada sobre se se lembrava do arguido ter proferido tal expressão referiu: “ou puxo, ou apanho-te pelas orelhas, qualquer coisa do género” minuto 4:37).
Os factos já tinham ocorrido, há mais de um ano, pelo que é crível que a ofendida MJDT não se recordasse ipsis verbis das expressões proferidas pelo arguido, mas pelo menos ficou com a ideia, do que havia sido dito pelo mesmo. Ora, as expressões em causa , a que consta da matéria provada e a do parágrafo que antecede têm significado equivalente. Por outro lado, aquela expressão foi confirmada pela testemunha AVCD (sua mãe) e como consta da decisão recorrida as declarações da ofendida e testemunha foram “sinceras e espontâneas”, o que inferiu de acordo com o princípio da imediação, que é importante para aferir da credibilidade de um determinado depoimento e que está subtraído à nossa apreciação.
Alega ainda o recorrente que não ficou demonstrado que a MJDT tenha ficado com medo, ou afectada na sua liberdade de determinação coma expressão constante do facto nº 4 da matéria provada.
A MJDT havia sido operada ao braço e encontrava-se em tratamento, por isso, é crível de acordo com as regras do normal acontecer, que com a ameaça ficasse com receio de que viesse a sofrer um agravamento das lesões e dores de que sofria, o que se infere do facto de que ao ser questionada referiu que sentiu «medo pelo meu braço (…)”.
Quanto aos factos nºs 5 a 8, 10, 11 e 13, relativos às ofensas de que foi vítima MJDT, o recorrente alega que só empurrou a MJDT, para se defender, que esta já tinha nódoas negras nos braços, que do relatório do dano corporal e dos depoimentos dos elementos da GNR não resulta que tenha existido qualquer sequela ao nível dos membros inferiores para a ofendida ao contrário do relatado por esta.
Não assiste razão ao recorrente ao alegar que, a MJDT antes destes factos destes já apresentava nódoas negras no braço, uma vez que não foi apresentada qualquer prova nesse sentido.
A versão do arguido de que só empurrou a MJDT não é compatível com a versão desta e das duas testemunhas referidas no parágrafo que antecede, nem com a extensão das lesões, que a MJDT apresentava nos membros superiores e no tórax, no dia 16-7-2013, quando foi examinada pelo médico, nomeadamente, oito equimoses no braço direito em forma de dedadas, seis das quais localizadas na face externa do braço e duas na região externa do terço proximal do antebraço; seis hematomas de forma circular no braço esquerdo com diâmetros variando entre o centímetro e meio e ou quatro centímetros, ao longo da face externa do braço esquerdo; e dois hematomas no tórax do que resulta que foi não só empurrada contra a parede, mas também agarrada e agredida nos braços.
Também carece de razão ao alegar que, não se provou que tenha desferido pontapés nas pernas da MJDT, o que pretende inferir do facto relatório médico ser omisso, quanto a tais ofensas.
É certo que, do relatório médico não consta que a ofendida MJDT apresentava sequelas nos membros inferiores, mas tal facto resultou das suas declarações confirmadas pela MLT, que face às circunstâncias em que ocorreu à agressão é quanto basta.
A decisão recorrida está devidamente fundamentada tendo em conta os meios de prova produzidos em audiência, bem como a convicção por eles criada no espírito do julgador, pelo que só poderia ser alterada se contra si se apresentassem meios de prova irrefutáveis, que tivessem sido desconsiderados, ou se a convicção do tribunal violasse as regras da experiência comum.
Na verdade, nenhuma destas condições se verifica, pelo que como se afirma no acórdão desta Relação de 3-05-2007, publicado in www.dgsi.pt, “se a interpretação, apreciação e valoração das provas permitir uma decisão, diversa da proferida, mas sem excluir logicamente a razoabilidade desta, nesta caso pode haver erro na apreciação das provas, mas não será juridicamente relevante para efeitos de modificação da matéria de facto pelo Tribunal Superior”
Ou como se afirma no Ac.RC de 31-10-2000, C.J. ano XXV, tomo IV, pág 27, “A divergência quanto ao decidido pelo Tribunal da 1ª instância na fixação da matéria de facto será relevante neste Tribunal apenas quando resultar demonstrada pelos meios de prova indicados pelo recorrente a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório sendo necessário, para que aquele se verifique, que os mencionados meios de prova se mostrem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente”.
A decisão recorrida está devidamente motivada e constitui uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, pelo que não padece de qualquer erro na apreciação da prova, já que foi proferida em obediência à lei, que impõe que o tribunal julgue de acordo com a sua livre convicção.
Assim, não nos merece, pois reparo, a matéria de facto provada.

III- 2ª- Da qualificação jurídica dos factos relativa ao crime de ofensas corporais de ameaças.
O recorrente termina as suas conclusões pedindo a sua absolvição em relação ao crime de ofensa à integridade física simples, e ameaças de que foi vítima MJDT, no pressuposto quanto ao primeiro de que a matéria de facto seria alterada e quanto ao segundo alegando que, a expressão proferida mais não significa do que do anúncio de algo iminente e nunca um mal futuro e que assim sendo, a liberdade de determinação nunca chega a ser afectada, ou seja se se concretizar terá sido praticado o crime anunciado, se não se concretizar, a vítima não fica inibida ou receosa de decidir ou fazer o que quer que seja, além de que não ficou demonstrado que a ofendida tenha sofrido medo, inquietação ou que tenha sido afectada a sua liberdade de determinação.
A matéria de facto quanto ao crime de ofensa à integridade física não sofreu qualquer alteração, pelo que cai por terra, o argumento do recorrente, e dado que estão preenchidos os elementos constitutivos deste crime, nada mais há a acrescentar à decisão recorrida.
Quanto ao crime de ameaças, de acordo com o disposto no art. 153º nº 1 do C.Penal e 155º nº 1 al. a) do C.Penal, os elementos constitutivos do crime são: a) a ameaça da prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, a que corresponda pena de prisão superior a 3 anos; b) que a ameaça seja adequada a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação da vítima; c) o dolo.
Vejamos a argumentação do recorrente.
Este alega que ao proferir a expressão: “Sai de casa, vai para a rua, senão arranco-te as orelhas”, não se trata de uma ameaça de mal futuro, mas iminente.
Não assiste razão ao recorrente. É certo que a ameaça tem de representar o anúncio de um mal, pessoal ou patrimonial e que esse mal tem de ser futuro, sendo indiferente que o agente refira ou não o prazo dentro do qual concretizará o mal.
O mal iminente é o mal que está próximo, que está prestes a acontecer. Por isso, o mal iminente é ainda mal futuro, porque é um mal que ainda não aconteceu, em que o agente pretende executar imediatamente o crime objecto da ameaça.
Não tem, assim, razão o recorrente ao alegar que, se o mal é iminente a liberdade de determinação da ofendida nunca chega a ser afectada, ou seja, se se concretizar terá sido praticado o crime anunciado, se não se concretizar, a vítima não fica inibida ou receosa de decidir ou fazer o que quer que seja, e carece de razão em nosso entender, porque o crime anunciado pelo recorrente, de ofensas à integridade física qualificada não se concretizou e a ofendida ainda que, por momentos breves, sofreu medo e inquietação de que a sua integridade física fosse alvo de uma ofensa grave.
Ao proferir a expressão em causa, o recorrente anunciou um mal, susceptível de afectar a paz individual ou a liberdade de determinação. Se essa susceptibilidade se prolonga por mais ou menos tempo é irrelevante para efeitos da incriminação dos crimes de ameaças, uma vez que o que é relevante é que fosse capaz, adequada, para gerar medo ou inquietação ou de prejudicar a liberdade de determinação da ofendida.
Sendo assim, para que o crime de ameaças se consuma não é necessário que o ofendido sinta medo da ameaça, basta que esta seja adequada a criar no seu espirito, receio ou inquietação, de molde a limitá-lo na sua liberdade de determinação, dado que o crime de ameaça actualmente não é um crime de resultado ou de dano, mas um crime de perigo, pelo que não se exige que a ameaça cause efectiva perturbação na liberdade do ameaçado, ou que lhe cause medo ou inquietação, mas é suficiente que a ameaça seja adequada a provocar no ameaçado medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação.
Quanto ao critério para aferir da adequação da ameaça para provocar o medo ou inquietação, ensina o Professor Taipa de Carvalho, em Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 348 que o mesmo “ é objectivo-individual: objectivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do homem comum); individual, no sentido de que devem relevar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada (relevância das «sub-capacidades» do ameaçado. Assim, uma determinada ameaça pode, relativamente a um adulto normal, não ser adequada, mas já o ser quando o ameaçado é uma criança ou uma pessoa com perturbações psíquicas”. Em conclusão, a ameaça adequada é aquela que, de acordo com a experiência comum, é susceptível de ser tomado a sério pelo ameaçado, tendo em conta as suas características pessoais.
A expressão proferida pelo arguido para a ofendida, sua filha, que se encontrava na casa onde aquele reside: “ sai de casa, vai para a rua, senão arranco-te as orelhas” constitui um ameaça apta para criar receio ou inquietação na ofendida, tendo em conta as circunstâncias em que foi proferida, os conflitos existentes entre o arguido e a ofendida, que esta se encontrava doente, com dores no braço e por isso em tratamento, é de molde a ser tida pela generalidade das pessoas pelo homem “comum” como adequada a provocar naquela medo intranquilidade ou inquietação pela sua integridade física.
Quanto ao elemento subjectivo a lei exige o dolo em qualquer das suas modalidades, que aqui se caracteriza pela consciência por parte do arguido, de que o comportamento assumido é adequado a causar receio medo ou inquietação à ofendida, de molde a limitá-la na sua liberdade de determinação.
Estão, assim, preenchidos os elementos constitutivos do crime de ameaça agravado p. e p. no art. 153º e 155º nº 1 do C.Penal, pelo que se impõe nesta parte manter a decisão recorrida.

III- 3ª Da pena acessória
O arguido foi condenado pela prática do crime de violência doméstica, para além do mais, na pena acessória de proibição de contactos com a sua esposa, AVCD, pelo período de dois anos e seis meses, com afastamento da residência de ambos, nos termos dos nºs 4 e 5 do art. 152º do C.Penal.
A aplicação da pena acessória de afastamento da residência da vítima depende das circunstâncias de cada caso.
O arguido vive com a sua esposa e a filha MLT que é uma pessoa frágil e com pouca autonomia. A MJDT não mora na residência dos pais (arguido esposa), mas frequenta-a assiduamente para prestar os cuidados de saúde necessários à mãe.
O arguido tem 77 anos, é uma pessoa doente, que apenas sabe assinar o nome e aufere a reforma mensal de cerca de € 250,00, não tendo quaisquer outras fontes de rendimento.
O arguido e a sua esposa AVCD estão casados, há cerca de 50 anos, sempre viveram sob o mesmo tecto. É delinquente primário, a sua situação económica é muito modesta e não há factos donde se infira que possa ser acolhido noutra habitação, ou noutra instituição.
Tendo em conta as circunstâncias dos factos concretos em causa nos autos, em que os mais graves ocorreram, no dia 12-7-2013, em que o arguido atirou a sua filha MJDT contra a parede, deu-lhe murros e pontapés e agarrou-a nos braços, que a agressão de que foi vítima a esposa do arguido, só surgiu por virtude desta ter ido em socorro da filha e não, por haver naquela altura qualquer outra desavença entre os cônjuges, os factos constantes dos dois parágrafos que antecedem, nomeadamente o ser delinquente primário, a sua situação económica, a sua idade, o ser doente e não haver factos donde se possa inferir que possa ser acolhido noutra habitação, ou numa instituição afigura-se-nos que, é excessivo forçar o arguido a sair de casa, pelo que se impõe revogar a decisão recorrida neste segmento.


IV- Decisão
Termos em que acordam os Juízes desta Relação em conceder provimento parcial ao recurso, mantendo a decisão recorrida, salvo na parte em que se determina o afastamento do arguido da residência de ambos, que se revoga quanto a este segmento.
Sem custas.
Notifique.

Évora, 05-05-2015

(texto elaborado e revisto pelo relator)


José Maria Martins Simão

Maria Onélia Vicente Neves Madaleno


__________________________________________________
[1] Vide, a este propósito, o Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 24-04-2013, relatado pelo Desembargador Alves Duarte, processo n.º1800/10.9TAVLG.P1, in www.dgsi.pt.
[2] Negritos e sublinhados nossos.
[3] Vide Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, relatado pelo Desembargado Fernando Monterroso, processo nº 245/06-1, www.dgsi.pt.
[4] Sublinhados nossos.
[5] Cit. Supra.
[6] Sublinhados nossos.
[7] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª edição atualizada, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa Editora, Abril 2009, p. 1051-1053. O AA. refere, por exemplo, como insuficiência para a decisão da matéria de facto provada “se o Arguido é absolvido da prática do crime de tentativa de homicídio, por se ter dado como não provado o «propósito de tirar a vida” e é condenado pela prática do crime de ofensas corporais graves, não tendo o tribunal considerado que ele apenas teve a intenção de ferir e tendo desprezado o dolo de matar na forma de dolo necessário e dolo eventual ( acórdão do STJ, de 4.4.91, in BMJ, 406, 329). Também existe insuficiência da matéria de facto “quando se dá como provado que a arguida agiu com animus defendendi ao agredir pessoa diferente daquelas duas que lhe estariam a bater, não se tendo determinado em que condições estas duas lhe estavam a bater (acórdão do STJ, de 6.5.92, in CJ, Acs. do STJ, I, 4,5)”. Vide p. 1057.
[8] Vide Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa relatado pelo Desembargador Rui Gonçalves, nº de processo 1/05.2JFLSB.L1-3, in www.dgsi.pt.
[9] Vide Ac. do TRE de 18-05-2010, cit.. Negritos nossos.
[10] Negritos e sublinhados nossos.