Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1944/17.6T8EVR.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
DOCUMENTO IDÓNEO
HORÁRIO CONCENTRADO
FÉRIAS
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Decisão: REVOGADA
Sumário: I – O n.º 2 do artigo 337.º do CT, não altera, em relação aos créditos nele referidos, o prazo de prescrição estabelecido no n.º 1, apenas limita os meios de prova de que o trabalhador pode lançar mão para demonstrar a existência dos factos constitutivos desses mesmos créditos: através de “documento idóneo”;
II – Por se tratar de uma norma de carácter excepcional, a exigência da prova consignada no na mesma (“documento idóneo”) destina-se apenas aos créditos aí expressamente referidos, não abrangendo quaisquer outros créditos do trabalhador vencidos há mais de cinco anos, como, por exemplo, o direito à remuneração a título de férias vencidas e não gozadas;
III – Para efeitos de cômputo do período de férias, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 213.º do CT/2003 e n.º 2 do artigo 238.º do CT/2009 são considerados, em abstracto, (todos) os dias úteis da semana de segunda a sexta-feira, com excepção dos feriados, independentemente do regime de horário trabalho (normal, concentrado, etc.).
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1944/17.6T8EVR.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
BB (Autor/recorrente) intentou, em 23-10-2017 e no Tribunal Judicial da Comarca de Évora (Juízo do Trabalho de Évora), a presente acção declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, contra CC, Lda. Ré/recorrida) pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 6.821,10, a título de férias vencidas e não gozadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Alegou, para o efeito e muito em síntese, que foi trabalhador da Ré desde Janeiro de 1998 até Abril de 2017, data em que se reformou: a partir de 2003 deixou de gozar as férias a que tinha direito, correspondentes a 22 dias úteis, tendo-lhe a Ré apenas permitido gozar anualmente 17 dias úteis e tendo-lhe liquidado, aquando da cessação do contrato de trabalho, o equivalente a 32 dias úteis de férias não gozadas, referentes às vencidas em 01-01-2017, bem como às proporcionais do ano de 2017 (ano de cessação do contrato).
Por isso concluiu que não gozou anualmente – de 2003 a 2015 – 5 dias de férias, pelo que as mesmas lhe devem ser pagas, no referido montante total de € 6. 821,10.
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Tendo-se procedido à audiência de partes, e não se tendo logrado obter o acordo das mesmas, contestou a Ré, por excepção e por impugnação: (i) por excepção, invocando, face ao disposto no n.º 2 do artigo 337.º, n.º 2, do Código do Trabalho, a prescrição dos alegados créditos do Autor vencidos há mais de cinco anos; (ii) por impugnação, alegando que por força da sua organização produtiva pratica horários concentrados, de cerca de 11 horas por dia, mas apenas em 4 dias da semana e com folgas subsequentes de 3 ou 4 dias, sendo que de acordo com tal regime de horários o Autor gozou em cada ano 23 dias de férias.
Terminou pugnando pela improcedência da acção, com a (sua) consequente absolvição dos pedidos.
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O Autor respondeu à excepção, a sustentar a sua improcedência, uma vez que – alegou – apenas peticionou na acção o direito a férias que não gozou, e não por violação desse direito, não sendo, pois, aplicável ao caso o n.º 2 do artigo 337.º do Código do Trabalho.
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Foi proferido despacho saneador stricto sensu, relegado para final o conhecimento da excepção peremptória de prescrição, e dispensada a fixação do objecto do processo e a enunciação dos temas de prova.
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Os autos prosseguiram os trâmites legais, tendo-se procedido à audiência de julgamento, e em 18-01-2018 foi proferida sentença, na qual se respondeu à matéria de facto e se motivou a mesma, sendo a parte decisória, na parte que aqui releva, do seguinte teor:
«Pelo exposto julgo a acção improcedente por não provada e em consequência:
a) absolvo a Ré CC, LDA., dos pedidos formulados pelo A. BB.
b) custas pelo Autor».
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Inconformado com a sentença, o Autor dela interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:
«A. A sentença recorrida concluiu:
a. Que a duração das férias dos trabalhadores em regime de horários concentrados é precisamente a mesma dos demais trabalhadores, correspondente a 22 (vinte e dois) dias úteis, nos termos do art. 238º, nº 1 do Código do Trabalho.
b. Que ao longo da relação, a recorrida apenas permitiu ao recorrente o gozo de 17 (dezassete) dias úteis de férias em cada ano (cfr. facto provado nº 11).
B. Através de simples cálculo aritmético, torna-se possível concluir que a sentença em crise confirmou que a recorrida não concedeu ao recorrente, em cada ano civil, 5 (cinco) dias úteis de férias, assim sufragando a pretensão do recorrente, plasmada no quadro constante do art. 15º da sua petição inicial, de reclamar o crédito correspondente a tais 5 (cinco) dias úteis de férias em cada ano civil, no período compreendido entre 2003 e 2015, no montante de € 6.821,10 correspondente ao respectivo sucedâneo pecuniário, tal como previsto no art. 245º, nº 1 alª a) do Código do Trabalho;
C. Tal montante nada tem que ver com aquele a que alude o art. 246º, nº 1 do mesmo diploma legal, relativo à compensação por violação culposa do direito a férias, no valor do triplo da retribuição correspondente ao período em falta;
D. É verdade que a causa de pedir do recorrente emerge do facto de a recorrida não lhe ter concedido o gozo de férias a que legalmente tinha direito, nos termos já referidos.
E. Mas também é verdade que de tal causa de pedir resulta a possibilidade de serem formulados dois pedidos, a saber:
a. O sucedâneo pecuniário correspondente a férias vencidas e não gozadas (art. 245º, nº 1, alª a) do Código do Trabalho);
b. A compensação por violação do direito a férias (art. 246º, nº 1 do Código do Trabalho).
F. No que concerne ao regime de prescrição e prova do crédito constante do art. 337º do Código do Trabalho, resulta claríssimo que apenas o pedido emergente da compensação por violação do direito a férias vencido há mais de cinco anos carece de ser provado por documento idóneo;
G. O pedido relativo ao pagamento do sucedâneo pecuniário correspondente a férias vencidas e não gozadas, consubstanciando um crédito do trabalhador emergente de contrato de trabalho, decorrente da violação do art. 238º, nº 1 do Código do Trabalho, não está sujeito a tais restrições probatórias, sendo-lhe aplicável a solução geral constante do art. 337º, nº 1 do Código do Trabalho;
H. Ao contrário do decidido na sentença em crise, não se encontravam estes créditos prescritos aquando da propositura da acção por parte do recorrente, por não lhes serem aplicáveis as restrições probatórias constantes do art. 337º, nº 2 do Código do Trabalho;
I. Da matéria de facto constante da sentença recorrida, resulta claríssimo, por simples cálculo aritmético, o crédito do recorrente correspondente a 65 (sessenta e cinco) dias úteis de férias, nos termos reclamados na petição inicial, tal significando que a sentença recorrida acabou por decidir num sentido totalmente contrário à factualidade relevante, chegando a um resultado juridicamente inaceitável, que impõe ser revogado, sendo substituído por outro que declare procedente o pedido formulado pelo recorrente.
Nestes termos, nos melhores de Direito e sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deverá o presente recurso de apelação ser julgado totalmente procedente, por integralmente provado e, por via disso, ser revogada a sentença recorrida, sendo substituída por outra que, declarando a inexistência de qualquer prescrição, julgue totalmente procedente o pedido formulado pelo recorrente nos presentes autos, assim se fazendo JUSTIÇA!».
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Contra-alegou a Ré, a pugnar pela improcedência do recurso, requerendo ainda a ampliação do objecto do recurso.
Nas contra-alegações que apresentou formulou as seguintes conclusões:
«IV.A. Conclusões atinentes ao recurso
i) Na presente acção, o Apelante alega “que a partir de 2003 deixou de gozar os dias férias a que legalmente tinha direito” (artigo 8º da petição inicial), o montante total de € 6.821,00 por “férias vencidas e não gozadas” relativas aos anos 2003 a 2015 (artigo 15º da petição inicial) e na douta sentença entendeu-se, nos termos do Art.º 337º n.º 2 do Código de Trabalho, que os valores de férias relativos aos anos de 2003 a 2012 deveriam ter sido provados por documento idóneo e que não o foram;
ii) É contra tal decisão que o Apelante interpõe recurso, estando, pois, o seu objecto delimitado unicamente a essa questão.
iii) Determina o Art.º 337º n.º 2 do Código de Trabalho, na parte que agora releva, que “a compensação por violação do direito de férias, (…) vencido há mais de cinco anos só pode ser provado por documento idóneo” e aquilo que o Apelante pede no processo, como decorre do pedido que fez que se transcreveu, é exactamente uma compensação por alegadamente lhe ter sido impedido pela Apelada gozar a totalidade das férias;
iv) Com efeito, caso um trabalhador ao longo da vigência de um contrato de trabalho, como pretende o Apelante que ocorreu, não goze a totalidade das férias a que tinha direito, cessado esse contrato, não pode já gozar essas férias;
v) Não sendo possível, por força da cessação do contrato a reconstituição natural que importaria o efectivo gozo de férias, o trabalhador apenas poderá ser compensado por equivalente, nos termos do Art.º 566º do Código Civil;
vi) Assim, aquilo que o Apelante peticiona nestes autos é efectivamente a compensação que entende ser-lhe devida por alegada violação do seu direito de férias e por isso o seu pedido encontra-se no âmbito de aplicação do n.º 2 do Art.º 337º do Código de Trabalho;
vii) De qualquer modo, o pedido do Apelante, face à causa de pedir e como muito bem se entendeu na douta sentença que é objecto de recurso, integra-se ainda no âmbito Art.º 246º do Código de Trabalho, revelando-se irrelevante que o Apelante tenha renunciado a exigir a totalidade o valor aí previsto a título de indemnização, pois, nem por isso deixa de fazer assentar o seu pedido num alegado “obstar” por parte da Apelada ao seu gozo férias;
viii) Deste modo e tendo em conta a causa de pedir de onde emerge o pedido formulado pelo Apelante, sempre será de aplicar aos autos o n.º 2 do Art.º 337º do Código de Trabalho.
IV.B. Conclusões atinentes ao alargamento do objecto do recurso
i) Na douta sentença, entendeu-se no período anterior a 2013, o Apelante teria direito a gozar 22 dias de férias e não 17, por não estar ainda em vigor a actual redacção do n.º 3 do Art.º 238º do Código de Trabalho e a Apelada não pode conformar-se com tal douta decisão, requerendo, caso seja procedente o recurso interposto pelo Apelante, a sua reapreciação, bem como a correcção da matéria de facto, nos termos do Art.º 636º do Código de Processo Civil;
ii) No ponto 11. do relatório de facto constante da douta decisão diz-se que “ao longo da relação laboral entre Autor e Ré esta apenas lhe permitiu o gozo de pelos menos 17 dias úteis em cada ano”;
iii) Da prova produzida nos autos, não resulta exactamente como se deu como provado, tendo em primeiro lugar que ter-se e atenção o depoimento da testemunha … (sessão de 21.12.2017 – 10.09.31 a 10.42.20), de onde resulta claramente que o Autor gozou, pelo menos, em cada ano de trabalho 17 dias úteis (de trabalho efectivo) de férias e que tal período corresponde em horário normal a 23 dias úteis (de segunda a sexta feira) de férias num horário em que haja dois dias de descanso semanal (como decorre dos excertos transcritos no corpo desta alegação);
iv) O mesmo referiu a testemunha … (sessão de 21.12.2017 – 10.43.04 a 10.48.47), podendo ver-se os excertos transcritos no corpo desta alegação;
v) Assim, face à prova produzida deveria ter ficado a constar no ponto 11. do relatório de facto da douta sentença que: “ao longo da relação laboral entre Autor e Ré esta permitiu-lhe o gozo de pelos menos 17 dias úteis (dias de trabalho efectivamente prestado) em cada ano”, devendo, pois, a matéria de facto ser alterada nos termos referidos;
vi) O Apelante trabalhava em horário concentrado, o que importava que prestasse serviço durante quatro dias seguidos e folgasse depois, em regra, quatro dias e questão que se punha nos autos era a de saber se o Apelante, nos anos em questão, teria direito a que os seus 22 dias de férias fossem considerados pelos dias de trabalho efectivamente prestados ou pelos dias úteis de segunda a sexta-feira;
vii) Na primeira possibilidade, aquela pela qual pugnou o Apelante, este, se iniciasse as férias a 1 de Agosto de 2018, teria direito, a ter férias de 1 de Agosto a 11 de Setembro;
viii) Na segunda possibilidade pugnada pela Apelada, se o Apelante iniciasse as férias a 1 de Agosto, teria direito a estar de férias até 31 de Agosto, como a generalidade dos trabalhadores;
ix) A interpretação feita pela Apelante é a única possível face ao n.º 2 do Art.º 238º do Código de Trabalho o qual determina que “para efeitos de férias, são úteis os dias da semana de segunda-feira a sexta-feira, com excepção de feriados” e essa redacção é exactamente a mesma quer antes da alteração de 2012, quer depois dessa alteração;
x) A disposição legal visa, pois, equiparar as férias de todos os trabalhadores de modo a que, independentemente dos dias em que efectivamente trabalhem (dias “úteis” (de trabalho), terão sempre direito a 22 úteis dias de férias, sendo esses dias úteis, não aqueles em que trabalhem, mas aquelas que assim são considerados legalmente (segunda a sexta-feira);
xi) A norma em questão foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 397/91, de 16 de Outubro, dizendo-se no preâmbulo desse diploma: “dada a multiplicidade de regimes laborais existentes, sobretudo nom que toca à organização da semana de trabalho considerou-se necessário definir um regime uniforme para todos os trabalhadores em matéria de contagem do período de férias”;
xii) As férias de todos os trabalhadores deverão ser contabilizadas de modo uniforme de modo a que, independentemente do seu horário, tenham o equivalente a cerca de 30 dias corridos de férias;
xiii) Com efeito, os 17 dias “úteis” (de trabalho) que o Apelante gozou em cada um desses anos correspondem a 23 dias úteis (de segunda a sexta feira), tendo, pois, este gozado a totalidade das suas férias;
xiv) A alteração de 2012 do Art.º 238º do Código de Trabalho, com a introdução do n.º 3 não alterou o regime uniforme de contagem do período de férias, pois, tal disposição não revogou o princípio geral consagrado pelo n.º 2, o qual continua a valer impondo que essa contagem seja feita de modo igual para todo os trabalhadores;
xv) A respeito da interpretação desta disposição legal, afirma Júlio Vieira Gomes, que “o dia de descanso complementar (…) pode nem sequer existir: a lei só garante ao trabalhador um dia de descanso semanal obrigatório” (“Alguma Reflexões sobre as Alterações Introduzidas no Código de Trabalho pela Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho”, in R.O.A., ano 72, Ab/Set 2012, pag 583);
xvi) Por essa razão, a aplicação de tal disposição legal de forma cega, levará a que um trabalhador que não apenas tenha um dia descanso semanal sofra uma “redução real nas suas férias” (Júlio Vieira Gomes, obra citada pag. 584):
xvii) E, como é evidente, se por uma questão de uniformização, o n.º 3 do Art.º 238º do Código de Trabalho não se aplica quando o trabalhador apenas tenha um dia de descanso semanal, não poderá aplicar-se também quando este tenha mais do que dois dias de descanso semanal;
xviii) Nessa situação teria, a ser correcta a posição pugnada pelo Apelante, um período de férias muito superior ao de qualquer outro trabalhador, contra os princípios que subjazem às normas em questão.
Termos em que, deve ser julgado improcedente o presente recurso, mantendo-se a douta decisão recorrida, ou caso assim não se entenda sempre deverá ser alargado o objecto do recurso, revogando-se a douta decisão proferida e julgando-se a acção improcedente, tudo nos termos antes explanados, com o que se fará JUSTIÇA!».
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Admitido o recurso na 1.ª instância e tendo os autos subido a este tribunal, aqui recebidos foram presentes à Exma. Procuradora-Geral Adjunta neles emitiu douto parecer, que concluiu nos seguintes termos:
«Nesta conformidade, entende-se, salvo melhor opinião, que ocorreu violação da lei (máxime do artº 337º nº 1 do CT), pelo que deve ser anulada a decisão relativamente aos créditos peticionados dos anos de 2003 a 2012, devendo esta ser substituída por outra que, com base nos factos já dados como provados (máxime ponto 11, da Mat. provada e Mat. de Facto não provada), se decida fundamentadamente pelos pedidos formulados pelo recorrente quanto ao não gozo integral de férias naquele período de tempo, ou, em alternativa, se determine repetição da audiência de Julgamento, na qual se produza de novo a prova e, após apreciação desta, se decida em conformidade com a prova produzida, com a necessária fundamentação.
Deve, assim, proceder o recurso, nesta parte».
Ao referido parecer respondeu a Ré/recorrida, a manifestar a sua discordância e a reiterar que o recurso deve ser julgado improcedente.
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Elaborado projecto de acórdão, colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
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II. Objecto do recurso
Como é sabido, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), salvo as questões de conhecimento oficioso, que aqui não se detectam.
Assim, face às conclusões das alegações de recurso, colocam-se à apreciação do tribunal as seguintes questões:
1. Do recurso do Autor/recorrente:
(i) saber se ocorreu a prescrição dos créditos do Autor;
2. Da ampliação do objecto do recurso pela Ré:
(ii) se existe fundamento para alterar a matéria de facto;
(iii) se o Autor gozou os dias de férias a que tinha direito e, por consequência, nada lhe é devido a tal título.
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III. Factos
A) Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:
1 - O Autor foi admitido ao serviço da Ré em Janeiro de 1998.
2 - Ao serviço da Ré desempenhava a actividade correspondente à categoria profissional de "chefe de equipa".
3 - O local de trabalho fixado pela Ré, era a sua fábrica sita em Évora.
4 - Pela Ré foi fixado um período normal de trabalho de 40horas semanais, com horário e descanso variáveis em regime de turnos, incluindo sábados, domingos e feriados.
5 - O contrato de trabalho cessou em Abril de 2017, por motivo de reforma do Autor por invalidez (depressão crónica).
6 - À data da cessação do contrato o Autor auferia a retribuição mensal base de € 1.169,37.
7 - À data da cessação do contrato o Autor tinha 15 dias de férias por gozar relativamente ao ano de 2016, as quais não gozara em virtude de baixa prolongada, e 17 dias de férias relativamente ao ano de 2017.
8 - A Ré pagou o valor correspondente a esses dias de férias não gozadas.
9 - A Ré pratica um regime de horário concentrado para manter o funcionamento das linhas produtivas automáticas.
10 - O Autor prestava serviço no regime de horário concentrado.
11 - Ao longo da relação laboral entre o Autor e a Ré, esta apenas lhe permitiu o gozo de pelo menos 17 dias úteis de férias em cada ano (este facto é alterado infra).
12 - Com data de 26 de Junho de 2016 e produzir efeitos a partir do dia 16 de Julho de 2006 a Ré elaborou e afixou um "Regulamento Interno" implementando o regime de "Horários Concentrados".
13 - Nesse regulamento interno são criados dois turnos de horário concentrado, um 1º turno das 7horas e 30minutos às 19horas e 30minutos (com uma hora de pausa para refeições) e um 2º turno das 19horas e 30minutos às 7horas e 30minutos (com uma hora de pausa para refeições).
14 - O Autor aderiu ao regime de horário concentrado.
15 - Durante a duração do contrato a Ré nunca foi informada de que o Autor se havia filiado no SIESI.
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B) A 1.ª instância considerou que «[p]ara além destes não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa designadamente que o Autor durante todo o período em que se manteve o contrato de trabalho gozou efectivamente 23 dias úteis de férias em cada ano».
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IV. Fundamentação
1. Da prescrição de créditos
A 1.ª instância concluiu que se verifica a prescrição de créditos do Autor.
Para tanto desenvolveu a seguinte fundamentação:
«Alega a Ré que se encontram prescritos os créditos decorrentes de alegadas férias vencidas e não gozadas vencidos há mais de 5 anos por só poderem ser provados por documento idóneo nos termos do artº. 337º nº 2 do Código do Trabalho, pugnando o Autor por não assistir razão à Ré pois apenas reclama o direito aos dias de férias e não reclamou qualquer quantia a título de compensação por violação do direito a férias.
Vejamos se lhe assiste razão.
Dispõe o 246º nº 1 que "... Caso o empregador obste culposamente ao gozo das férias nos termos previstos nos artigos anteriores, o trabalhador tem direito a compensação no valor do triplo da retribuição correspondente ao período em falta ...".
Na presente acção o Autor pede a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 6.821,10, a título de férias vencidas e não gozadas.
Ora esta quantia corresponde precisamente ao dias de férias que o Autor alega não ter gozado nos anos de 2003 a 2015.
Entendemos assim que apesar do Autor ter renunciado a pedir a compensação prevista no artº. 246 nº 1, a causa de pedir que fundamenta o seu pedido é precisamente a mesma que tal artigo contempla e como tal tais créditos só por documento idóneo podem ser provados.
Como tal e relativamente aos créditos peticionados dosa nos de 2003 a 2012 e que se encontarm vencidos há mais de 5 anos à data da entrada em juízo da acção, 24. 10. 2017 estão os mesmos prescritos.
Os demais créditos de 2013 a 2015 nem sequer existem face ao que acima se expôs.
Em consequência deve a presente acção ser julgada improcedente e procedente a excepção de prescrição relativamente às quantias reclamadas dos anos de 2003 a 2012 e totalmente improcedente relativamente às quantias reclamadas dos anos de 2013 a 2015».

O Autor/recorrente rebela-se contra tal entendimento, argumentando, ao fim e ao resto e tal como já havia feito em anteriores articulados, que aos créditos em causa, por não respeitarem à violação do direito a férias, não lhe são aplicáveis as restrições probatórias constantes do n.º 2 do artigo 337.º do Código do Trabalho.

Vejamos.
Antes de mais importa ter presente que, como resulta da transcrita fundamentação da sentença recorrida, esta considerou procedente a excepção de prescrição em relação às quantias reclamadas dos anos de 2003 a 2012 e improcedente a acção quanto às quantias reclamadas dos anos de 2013 a 2015.
Das conclusões das alegações de recurso apenas extraímos que o recorrente põe em causa a decisão recorrida no que à prescrição de créditos diz respeito (dos anos de 2003 a 2012), mas já não quanto à improcedência da acção quanto às quantias reclamadas referentes aos anos de 2013 a 2015, tendo por fundamento o disposto no n.º 3 do artigo 238.º do Código do Trabalho.
Atente-se para tanto no que a este respeito se escreveu na fundamentação da sentença recorrida:
«Assim e como as alterações ao artº 238º nº 3 não tiveram efeito rectroactivo afigura-se-nos que até à entrada em vigor das mesmas o Autor teria direito a gozar 22 dias úteis de férias e não os 17 dias úteis que gozou e só nas férias respeitantes ao ano de 2012 e vencidas em 1. 1. 2013 se aplicam tais alterações».
Assim, em relação aos peticionados créditos de 2013 a 2015 mostra-se transitada a decisão (cfr. artigos 628.º e 619.º do Código de Processo Civil).
Deixada esta nota prévia, avancemos.
A propósito da questão da prescrição dos créditos peticionados vamos acompanhar o que temos escrito em diversos acórdãos deste tribunal, designadamente no acórdão de 14-09-2017, proferido no Proc. n.º 157/14.3TTSTR.E1 (disponível em www.dgsi.pt), também relatado pelo ora relator.
De acordo com o n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho, o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Ou seja, de acordo com tal normativo legal e tendo em conta o caso em presença, o crédito do trabalhador emergente do contrato de trabalho prescreve no prazo de um ano a partir do dia seguinte à cessação desse contrato.
Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, o crédito correspondente a compensação por violação do direito a férias, indemnização por aplicação de sanção abusiva ou pagamento de trabalho suplementar, vencido há mais de cinco anos, só pode ser provado por documento idóneo.
Trata-se aqui de uma norma de direito material probatório, cuja razão de ser radica na possibilidade que é concedida, pelo n.º 1 do mesmo artigo, de os créditos emergentes de relações laborais, independentemente da sua antiguidade, poderem ser exigidos até um ano depois de cessado o contrato, num regime especial que consagra a imprescritibilidade dos mesmos durante a vigência do contrato.
Por isso se estabelece um regime probatório especial, através de “documento idóneo”, em relação aos créditos, entre o mais, referentes a compensação por violação do direito a férias vencidos há mais de cinco anos relativamente ao momento em que foram reclamados.
Como se assinalou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-06-2011 (Proc. n.º 1001/05.0TTLRS.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt), «a exigência de prova especial justifica-se pela circunstância de a obrigação de indemnização poder gerar-se em épocas recuadas, pretendendo o legislador, assim, acautelar a posição do empregador quanto a débitos vencidos há já bastante tempo e relativamente aos quais poderia ser difícil a prova de que os mesmos haviam sido satisfeitos, pois o decurso do tempo vai diluindo as provas ou pelo menos dificultando a produção das mesmas conducentes à formação de uma convicção segura».
Assim, em bom rigor, o que está em causa quanto ao referido número 2 do artigo 337.º do Código do Trabalho não é uma questão autónoma, enquanto tal, de prescrição de créditos: o que está em causa com tal normativo é o estabelecimento de meios de prova específicos, quanto às situações nele referidas e no que à fixação da matéria de facto diz respeito, na medida em que o tribunal só pode dar como provados factos inerentes, além do mais, à violação do direito a férias vencidas há mais de 5 anos sobre a propositura da acção se dispuser de documento idóneo para tal, o que tem sido entendido como documento escrito, com origem na própria entidade empregadora, que demonstre a existência dos factos constitutivos do crédito e que seja suficientemente elucidativo, de molde e dispensar a sua integração ou dilucidação através de outros meios de probatórios, designadamente testemunhas (neste sentido, veja-se, entre outros, o acórdão do STJ de 19-12-2007, Recurso n.º 3788/07 - 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt).
Ou seja, e dito ainda de outro modo, o referido n.º 2 do artigo 337.º do Código do Trabalho, não altera, em relação aos créditos nele referidos, o prazo de prescrição estabelecido no n.º 1, apenas limita os meios de prova de que o trabalhador pode lançar mão para demonstrar a existência dos factos constitutivos desses mesmos créditos: através de “documento idóneo”.
Ora, no caso em apreciação, por um lado, tendo o contrato de trabalho cessado em Abril de 2017 (facto n.º 5) e o Autor intentado a acção em 23-10-2017 é manifesto que nesta data ainda não tinha decorrido o prazo de um ano a partir do dia seguinte à cessação do contrato de trabalho, o que vale por dizer que não se tinha verificado a prescrição dos (alegados) créditos peticionados pelo Autor.
Por outro, quanto à prova dos créditos vencidos há mais de cinco anos não tem aqui aplicação o disposto no n.º 2 do referido artigo 337.º do Código do Trabalho, uma vez que nele se prevê a prova por “documento idóneo” para situações, entre o mais, de “compensação por violação do direito a férias” e no caso o que o Autor peticiona é tão só o pagamento das férias não gozadas.
Atente-se que de acordo com o disposto no artigo 246.º, n.º 1, do Código do Trabalho, «[c]aso o empregador obste culposamente ao gozo das férias […] o trabalhador tem direito a compensação no valor do triplo da retribuição correspondente ao período em falta […]».
Daquela norma decorre, pois, que se exige a prova por documento idóneo apenas quanto à compensação por violação do direito a férias vencido há mais de cinco anos, e não quanto ao direito à retribuição a título de férias.
Entende-se que a norma é expressa ao aludir a compensação por “violação do direito a férias” e não, por exemplo, a “direito à retribuição a título de férias”.
De resto, quer no âmbito da anterior legislação, quer no âmbito do actual Código do Trabalho, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, ao que se conhece, tem sido uniforme no sentido de que o meio de prova exigido – “documento idóneo” – ser apenas para as situações expressamente também ali previstas e não para outras, como, por exemplo, a retribuição a título de férias vencidas e não gozadas [neste sentido, vejam-se, entre outros, no âmbito do CT/2003 o acórdão de 16-01-2008, e no âmbito do actual o acórdão de 29-04-2015, Procs. n.ºs 2713/07 e 10/12.5TTTVD.L1.S1, respectivamente, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Como de modo impressivo se escreveu no sumário deste último acórdão, «[a] exigência de prova consignada nos nºs 2 dos artigos 38º da LCT, 381º do Código do Trabalho/2003 e 337º do Código do Trabalho/2009, destina-se apenas aos créditos aí expressamente referidos, não abrangendo quaisquer outros créditos do trabalhador vencidos há mais de cinco anos, pois a isso se opõe o carácter excepcional da norma».
Aqui chegados e, reafirma-se, resultando à evidência que aquando da propositura da acção ainda não tinha decorrido um ano a partir do dia seguinte à cessação do contrato de trabalho, não se verifica a prescrição dos (alegados) créditos peticionados pelo Autor entre 2003 e 2012, pelo que haverá que julgar o recurso procedente.

2. Da impugnação da matéria de facto
Como se referiu, a Ré/recorrida, prevenindo a hipótese de procedência do recurso interposto pelo Autor/recorrente, requereu a ampliação do seu objecto.
Face a tal procedência do recurso interposto pelo Autor, impõe-se então conhecer das questões suscitadas na ampliação do objecto do recurso, começando pela impugnação da matéria de facto.
(…)
Nesta sequência, deferindo o requerido, altera-se o facto provado sob o n.º 11, que passará a ter a seguinte redacção:
«Ao longo da relação laboral entre o Autor e a Ré esta permitiu-lhe o gozo de 17 dias úteis de férias em cada ano, dias esses que correspondiam, no horário concentrado do Autor, a dias de trabalho efectivo».
*
3. Quanto a saber se o Autor gozou as férias a que tinha direito no período de 2003 a 2012, com as consequências daí decorrentes
É sabido que a Constituição da República Portuguesa consagra no seu artigo 59.º, n.º 1, alínea d), como princípio fundamental o direito dos trabalhadores a férias periódicas pagas.
Também a lei ordinária (artigo 237.º, n.º 1 do Código do Trabalho) estipula o direito do trabalhador, em cada ano civil, a um período de férias retribuídas, que se vence em 1 de Janeiro.
O direito a férias deve ser exercido – estabelece o n.º 4 do mesmo artigo – de modo a proporcionar ao trabalhador a recuperação física e psíquica, condições de disponibilidade pessoal, integração na vida familiar e participação social e cultural.
De acordo com o n.º 1 do artigo 238.º do referido compêndio legal o período anual de férias tem a duração mínima de 22 dias úteis; por sua vez, estabelece o n.º 2 do mesmo artigo, à semelhança do que estabelecia o n.º 2 do artigo 213.º do Código do Trabalho de 2003 (aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27-08), que para efeitos de férias, são úteis os dias da semana de segunda-feira a sexta-feira, com excepção de feriados.
Isto é, de acordo com os referidos preceitos, para efeito de cômputo de período de férias são considerados, em abstracto, os dias úteis da semana de segunda a sexta-feira, com excepção dos feriados, independentemente do regime de horário trabalho (normal, concentrado, etc.).
Atente-se que o conteúdo do n.º 2 dos referidos artigos 213.º do CT/2003 e 238.º do CT/2009, corresponde, no essencial ao que constava do n.º 5 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28-12, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 397/91, de 16-10.
E no preâmbulo deste Decreto-Lei justificou-se assim a norma: «(…) estando o período mínimo de férias actualmente fixado em dias consecutivos, consideram-se criadas as condições para o fixar em dias úteis, na esteira, aliás, do que já está em vigor nalgumas convenções coletivas e do regime da função pública, solução que evidencia maior equilíbrio de interesses na marcação do período de férias.
Dada a multiplicidade de regimes laborais existentes, sobretudo no que toca à organização da semana de trabalho, considerou-se necessário definir o que, para efeitos do presente diploma, se entende por dias úteis, de modo a estabelecer um regime uniforme para todos os trabalhadores em matéria de contagem do período de férias.».
Assim, reafirma-se, tendo o período anual de férias a duração mínima de 22 dias úteis, na contagem destes consideram-se (todos) os dias da semana de segunda a sexta-feira, com excepção dos feriados, independentemente do regime de horário de trabalho (neste sentido, veja-se o acórdão deste tribunal de 16-04-2015, Proc. n.º 644/11.5TTLSB.E1, relatado pela aqui 1.ª adjunta e disponível em www.dgsi.pt).
Só assim se alcança uma igualdade entre todos os trabalhadores, independentemente do respectivo regime de trabalho, no que ao regime de férias diz respeito.
Neste sentido acompanha-se o entendimento da empregadora, constante da conclusão x), de que a disposição legal do n.º 2 do artigo 238.º do Código do Trabalho visa «(…) equiparar as férias de todos os trabalhadores de modo a que, independentemente dos dias em que efectivamente trabalhem (dias “úteis” (de trabalho), terão sempre direito a 22 úteis dias de férias, sendo esses dias úteis, não aqueles em que trabalhem, mas aquelas que assim são considerados legalmente (segunda a sexta-feira)».
Porém, nos termos do n.º 3 do artigo 238.º do Código do Trabalho, introduzido pela Lei n.º 23/2012, de 25 Junho, e que entrou em vigor a partir de 1 de Agosto de 2012, caso os dias de descanso do trabalhador coincidam com dias úteis de segunda a sexta-feira, são considerados para efeitos de cálculo dos dias de férias os sábados e domingos que não sejam feriados.
Como sublinha Luís Miguel Monteiro em anotação ao referido artigo (in Código do Trabalho Anotado, de Pedro Romano Martinez et alli, 2013, 9.ª Edição, Almedina, págs. 559-560), «[a]o contrário da regra até agora em vigor no nosso ordenamento – e que, não obstante, continua a ser afirmada no n.º 2 – os períodos diários de gozo de férias relevantes para cálculo da duração destas deixam de ser fixados, em abstrato, de segunda a sexta-feira, ambas inclusive, para coincidirem com os dias em que efetivamente presta trabalho cada um dos trabalhadores aos quais é reconhecido o referido direito, incluindo o sábado e domingo».
Todavia, não está em causa nos autos a aplicação do regime que decorre deste n.º 3 do artigo 238.º pois como já se deixou assinalado, a questão referente aos peticionados créditos de 2013 a 2015 já se mostra transitada.
Restam, por isso, os créditos anteriores, em relação aos quais são aplicáveis o n.º 2 do artigo 213.º do CT/2003 e, após a entrada em vigor do CT/2009, o n.º 2 do seu artigo 238.º, sendo que, nunca é demais relembrar, para efeito de cômputo de período de férias são considerados, em abstracto, os dias úteis da semana de segunda a sexta-feira, com excepção dos feriados.

É altura de regressarmos ao caso que nos ocupa.
De acordo com a matéria de facto (n.ºs 10 e 11), o Autor prestava serviço em regime de horário concentrado e ao longos da relação laboral a Ré esta permitiu-lhe o gozo de pelo menos 17 dias úteis de férias em cada ano, dias esses que correspondiam, no horário concentrado do Autor, a dias de trabalho efectivo.
Aqui chegados, pergunta-se: poder-se-á considerar/ficcionar que esses 17 dias úteis referentes a dias que seriam de trabalho efectivo correspondiam aos 22 dias úteis contados nos termos previstos nos n.ºs 2 dos artigos 213.º do CT/2003 e 238.º do CT/2009?
A nossa resposta, adiante-se já, é negativa.
Expliquemos porquê.
O Autor alegou e provou que manteve a existência de um contrato de trabalho com a Ré e que, por virtude do mesmo, tinha direito ao gozo de 22 dias úteis de férias (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Tendo alegado ter gozado apenas 17 dias úteis de férias em cada ano, sobre a Ré, como facto extintivo do direito daquele, incumbia a prova de que o Autor gozou os 22 dias úteis de férias (artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil).
Ora, ressalvado o devido respeito por diferente entendimento, tal prova não se mostra efectuada.
É que sendo embora certo, por um lado, que os 17 dias úteis gozados o foram em dias que corresponderiam a dias de trabalho efectivo e, por outro, que a contagem dos dias úteis de férias se deverá fazer de segunda a sexta-feira, com excepção dos feriados, não o é menos que a Ré não alegou e, consequentemente, não provou em que concretas datas o Autor gozou esses 17 dias: e só perante essas concretas datas seria possível concluir se esses 17 dias correspondiam aos 22 dias úteis contados de segunda a sexta-feira.
Note-se que se desconhece, por exemplo, se esses 17 dias de férias foram seguidos ou interpolados (do depoimento da 1.ª testemunha supra referida parece ter resultado que seriam, ao menos na sua maioria, de forma interpolada), as escalas de serviço do Autor, etc.
E não se afigura que se possa fazer, em abstracto, um mero cálculo aritmético, para concluir que 17 dias de férias gozados em dias que seriam de trabalho efectivo corresponderiam a 22 dias úteis de segunda a sexta-feira, quando à Ré competia alegar e provar os concretos dias de férias gozados pelo Autor, sendo que só perante esses dias gozados se poderá concluir se correspondem ou não a 22 dias úteis.
Assim, pese embora se entenda, tal como sustenta a Ré, que na contagem dos dias úteis de férias de 2003 a 2012 se devem considerar os dias da semana de segunda a sexta-feira, com excepção apenas dos feriados, o certo é face à matéria de facto não é possível fazer em concreto essa contagem.
E como a prova de tal factualidade competia à Ré, não poderá a questão deixar de ser decidida contra ela (artigo 414.º do Código de Processo Civil e 342.º, n.º 2 do Código Civil).
Nesta conformidade não poderá a Ré deixar de ser condenada no pagamento de 5 dias anual de férias no período de 2003 a 2012.
Não resulta da matéria de facto qual o valor da retribuição do Autor nesse período.
Todavia, não vêm postos em causa na acção os concretos valores apurados pelo Autor e que constam do artigo 15.º da petição inicial.
Assim, e considerando nos termos do referido artigo da petição inicial que aos 5 dias de férias não gozadas anualmente corresponde a retribuição de € 524,70, obtém-se o valor total, referente ao período de 2003 a 2012, de € 5.247,00 (€ 524,70 x 10 anos).
Por consequência, deve a Ré ser condenada a pagar ao Autor este montante, acrescido, como peticionado, de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento (artigos 804.º, 805.º, n.º 1 e 806.º do Código Civil).
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5. As custas, em ambas as instâncias, deveriam ser suportadas por cada uma das partes, na proporção do respectivo decaimento (artigo 527.º do Código de Processo Civil).
Todavia, uma vez que o Autor delas se encontra isento [artigo 4.º, n.º 1, alínea h) do RCP], suportará apenas a Ré as custas, na proporção do respectivo decaimento.

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em:
1. julgar procedente o recurso do Autor, revogando a decisão recorrida na parte em que declarou a prescrição dos créditos do Autor referentes ao período de 2003 a 2012;
2. Alterar o facto provado sob o n.º 11, nos termos referidos supra;
3. Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 5.247,00, referente a dias de férias não gozadas no período de 2003 a 2012, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Custas em ambas as instâncias pela Ré, na proporção do respectivo decaimento, sendo certo que o Autor delas se encontra isento.
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Évora, 12 de Julho de 2018
João Luís Nunes (relator)
Paula do Paço
Moisés Silva
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[1] Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Paula do Paço, (2) Moisés Silva.