Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2759/10.8TBSTB.E1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: INVENTÁRIO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
TRIBUNAL ESTRANGEIRO
Data do Acordão: 03/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
A acção que corre termos num tribunal estrangeiro não dá lugar à suspensão da instância desde logo devido ao regime da Revisão de sentença estrangeira.
Decisão Texto Integral:

Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 – Relatório.
AA instaurou os presentes autos de processo especial de inventário para partilha dos bens deixados por óbito de seu pai, BB.
Em 10.07.2017 foi proferida a seguinte decisão (decisão recorrida):
«Neste processo especial de inventário, instaurado por AA, para partilha dos bens deixados por óbito de seu pai, BB, vem a interessada requerer a suspensão da instância, invocando que está pendente a decisão de uma causa prejudicial face ao presente inventário, pois foi instaurada uma acção na qual é impugnada a paternidade do interessado CC e requerido o cancelamento do registo de nascimento, a qual corre seus termos sob o n.° 1007295-06.2015.8.26.0565, na 1.a Vara Cível da Comarca de São Caetano do Sul (cfr. fls. 776vs).
Veio juntar certidão da pendência da ação que identifica as partes e o pedido (cf. fls. 776vs e 777), mediante as quais se comprova a efectiva pendência da acção à qual a interessada AA alude no seu requerimento, com o objecto ali descrito.
Ouvido o interessado CC, vem o mesmo defender que não inexiste fundamente para a suspensão do processo à luz do art. 1335.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, porquanto inexiste qualquer relação de prejudicialidade entre uma ação e outra, pelo que deverá ser indeferido o pedido de suspensão apresentado.
Cumpre decidir.
Como se sabe, a instância só poderá ser objecto de suspensão por alguma das causas previstas nos art. 259.° a 212°, do Código de Processo Civil.
No caso concreto, não se verifica nenhuma das situações previstas nas alíneas a), b) e d), do n.° 1, do art. 269.°, e art.°s 270.° e 271.°, do Código de Processo Civil, nem existe acordo das partes quanto à suspensão (art. 212°, n.° 4, do Código de Processo Civil).
Termos em que, apenas por determinação do tribunal pode tal suspensão vir a ser concedida (art. 212.°, n.° 1, alínea c), do Código de Processo Civil) e somente na eventualidade de se verificar algum dos condicionalismos previstos no art. 212°, n.° 1, do Código de Processo Civil, ou seja, a pendência de uma causa prejudicial ou a existência de outro motivo atendível e nenhuma das limitações elencadas no n.° 2 do mesmo normativo.
Com efeito, “uma causa depende do julgamento de outra quando na causa prejudicial se esteja a apreciar uma questão cuja resolução por sí só possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pieíto." - cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Maio de 1994, ínCÒ do STJ, Ano II, Tomo II, 1994, p. 116 a 118.
Conforme explica o Professor Alberto dos Reis (ín “Comentário ao Código de Processo Civil”, Vol. 3.°, Coimbra Editora, 1946, p. 206), “Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da prímeíratíra a razão de ser à existência da segunda.". E “Sempre que numa acção se ataca um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, aquela é prejudicial em relação a esta.".
No específico âmbito do processo especial de inventário, dispõe o art. 1335.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, que se, na pendência do inventário, se suscitarem questões prejudiciais de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição dos direitos dos interessados directos na partilha que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, não devam ser incidentalmente decididas, o juiz determina a suspensão da instância, até que ocorra decisão definitiva, remetendo as partes para os meios comuns, logo que os bens se mostrem relacionados.
Atentando na delimitação do objecto processual configurado nestes autos, resulta evidente que existe uma relação de prejudicialidade entre a acção que corre termos sob o n.° 1007295-06.2015.8.26.0565, na 1.a Vara Cível da Comarca de São Caetano do Sul, e a presente causa, pois, caso venha a ser declarado que o interessado CC não é filho do inventariado, o mesmo deixa de ser herdeiro legitimário (constante de fls. 34 a 36), e tal decisão irá necessariamente contender com a definição dos direitos dos interessados directos na partilha, dado que terá ser diferente a composição dos respectivos quinhões hereditários.
A decisão de tal questão prejudicial irá, pois, contender com a definição dos direitos dos interessados directos na partilha e, atenta a sua natureza, bem como a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, não deve a mesma ser incidentalmente decidida neste inventário.
Por outro lado e tendo em atenção a disposição do art. 272.°, n.° 2, do Código de Processo Civil, não se pode concluir (por ausência de um concreto quadro factual que sustente tal conclusão) que existem fundadas razões para crer que a acção que consubstancia a indicada causa prejudicial foi instaurada no propósito exclusivo de obter a suspensão destes autos de inventário, nem se pode também concluir que esta causa está tão adiantada que os prejuízos advenientes da sua suspensão superarão as vantagens que dela podem surgir.
Por outro lado, caso este processo prosseguisse desde já os seus ulteriores termos, na eventualidade de aquela acção vir a ser julgada procedente, redundariam inúteis todos os subsequentes atos nele praticados, em clara desvantagem dos interessados.
Pelos expostos fundamentos de facto e de Direito, suspendo a presente instância até prolação de decisão final definitiva no processo n.° 1007295-06.2015.8.26.0565, na 1.a Vara Cível da Comarca de São Caetano do Sul.
Sem custas.
Notifique»
Inconformada com tal decisão, veio o interessado CC interpor recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição):
« 1. Vem o presente Recurso interposto do douto despacho de fls proferido em 10¬07-2017 (Ref. 84175835), que, na sequência do requerimento da aqui Apelada de 28¬03-2017, sob a referência 2686989, decretou a suspensão da instância, com fundamento na verificação de pendência de causa prejudicial - a acção de anulação do registo de nascimento do Apelante, que corre termos na 1.a Vara Cível da Comarca de São Caetano do Sul, Brasil, sob o n.° 1007295-06.2015.8.26.0565 -, por a mesma poder afectar a definição dos direitos dos interessados directos na partilha, nos termos do artigo 1335.°, n.° 1, do C.P.C. de 1995.
2. Entende, contudo, o Apelante que inexiste qualquer relação de dependência/ prejudicialidade entre a presente acção e uma acção que corre num tribunal estrangeiro.
3. Com efeito, «suspender uma causa em que as partes são portuguesas, em que a lei portuguesa é a competente para regular a relação jurídica, com fundamento em causa a correr termos num tribunal estrangeiro, seria atentar contra o preceituado nos artigos 61.°, 63.° e 85.°, todos do Código de Processo Civil» (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-05-1994, processo n.° 085370, Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano II, Tomo II - 1994, pp. 116-118).
4. Por outro lado, parece-nos linear que, atentos os elementos carreados nos presentes autos, é possível concluir que a acção de anulação do registo de nascimento do aqui Apelante, não é de natureza criminal nem administrativa.
5. Por outro lado, a sobredita acção não foi proposta em Tribunal português, mas sim num Tribunal brasileiro.
6. Ora, isto «não significa confundir um problema de competência dos Tribunais portugueses, com o da aplicação da lei, substantiva, ao caso. Nem tão pouco, recusar ao Tribunal estrangeiro, a competência para decidir a lide, caso a sua lei adjectiva, o determine. Mas, isso não conduz, nem significa retirar ao Tribunal português a competência que a sua própria lei lhe atribui. E, a esse resultado, se chegaria aceitando construção diversa da que estamos a elaborar. Deverá ainda acrescentar-se que os artigos 1094.° e seguintes do CPC, ao exigirem a revisão e confirmação das sentenças proferidas por Tribunais estrangeiros, seja qual for a nacionalidade das partes demonstra ser esta a construção jurídica mais correcta» (Cfr. supra cit. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-05-1994, p. 117).
7. Em conformidade, não são aplicáveis in casu os artigos 92.° e 272.°, n.° 1, do N.C.P.C., e, por igualdade de razão, o artigo 1335.°, n.° 2, do C.P.C. de 1995, desde logo porque não estamos perante uma “questão prejudicial” à luz dos preceitos citados.
8. E, se assim é, também não será de aplicar o disposto no artigo 1335.°, n.° 1, do C.P.C. de 1995, desde logo, porque o mencionado preceito exige a existência de uma questão prejudicial, a qual, como vimos, não existe, uma vez que a acção de anulação de registo de nascimento corre termos perante Tribunal estrangeiro, sendo certo que a anulação (alteração) do registo de nascimento do aqui Apelante, a admitir-se, por si só, não iria modificar a definição dos direitos dos interessados directos na partilha da herança, porquanto, além de ali não se colocar em causa a paternidade do Apelante, o Inventariado, em 26 de Outubro de 1988 (ou seja, em data posterior ao registo de nascimento controvertido, que foi elaborado em 11 de Julho de 1986), reconheceu expressamente o aqui Apelante como seu filho, na sequência de exame ao ADN que fez prova positiva da relação biológica existente entre estes, no âmbito da acção de investigação paternal n.° 723/86, relativa ao Apelante, que correu termos na 4.a Vara Cível de São Caetano do Sul.
9. Por outro lado, a contrapartida da suspensão da instância prevista no artigo 1335.°, n.° 1, C.P.C. de 1995 será a remessa das partes para os meios comuns - entenda-se, perante os Tribunais portugueses - para discussão do problema (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21-09-2006, processo n.° 904/06-3, acessível em www.dgsi.pt).
10. Acresce salientar que a suspensão da instância, ao abrigo do sobredito preceito, só pode ser fundamentada na natureza ou complexidade da matéria de facto, determinante da inviabilização da apreciação incidental da questão (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02-02-2009, processo n.° 0857340, acessível em www.dgsi.pt).
11. Acontece que, no caso concreto, o Tribunal a quo, além de não ter remetido as partes para os meios comuns, baseou a decisão de suspensão da instância numa acção pendente perante Tribunal estrangeiro, a qual, por isso mesmo, sempre teria de ser submetida ao escrutínio dos Tribunais portugueses, mediante acção de revisão e confirmação de sentença estrangeira.
12. Ademais, os contornos concretos da controvérsia suscitada nos autos (recorde-se que, nos presentes autos, a Apelada nunca impugnou, contestou ou rejeitou o registo de nascimento do Apelante, sendo esta uma questão totalmente nova nos autos, suscitada apenas com a iminência da partilha da herança) não justificam o accionamento dos meios comuns, atentos os elementos probatórios já carreados nos autos (vide relatório pericial junto como doc. 1 ao requerimento do Apelante de 26¬04-2017, sob a referência 2751424; acordo de 26 de Outubro de 1988, junto como doc. 2 ao requerimento do Apelante de 26-04-2017, sob a referência 2751424; mandado junto como doc. 3 ao requerimento do Apelante de 26-04-2017, sob a referência 2751424; e a certidão de nascimento do Apelante junta ao requerimento de 28-04-2017, sob a referência 2757226), que demonstram que o Inventariado, em data posterior ao registo de nascimento controvertido, reconheceu expressamente o Apelante como seu filho biológico, na sequência de exame de ADN que veio provar, sem margens para dúvidas, a relação de paternidade.
13. Em conformidade, os eventuais vícios do registo de nascimento do Apelante, além de não poderem afastá-lo do chamamento à sucessão por morte do Inventariado, sempre teriam sido sanados em 26 de Outubro de 1998, com o reconhecimento expresso da paternidade do Apelante.
14. Consequentemente, e salvo melhor opinião, não podia o Tribunal a quo determinar a suspensão da instância com fundamento no n.° 1 do artigo 1335.° do C.P.C. de 1995.
15. Em face do supra exposto, deverá ser revogada a suspensão da instância determinada pelo douto despacho recorrido, por manifesta falta de fundamento legal e fáctico, ordenando-se o prosseguimento dos autos com vista à partilha da herança do Inventariado.
SEM PRESCINDIR, dir-se-á ainda o seguinte:
16. A acção de anulação do registo de nascimento do Apelante não se confunde com a acção de investigação de paternidade, nem tem paralelo nas acções judiciais tipificadas nas normas adjectivas do nosso ordenamento jurídico.
17. Acresce salientar que tal acção tem por causa de pedir putativos factos que inquinam tão-somente o registo de nascimento do aqui Apelante, elaborado em 11 de Julho de 1986, não se colocando em causa a paternidade do Inventariado, que, recorde-se, foi por este expressamente reconhecida em 26 de Outubro de 1988, na sequência do exame de ADN realizado em 25 de Março de 1988 que comprovou a relação biológica existente entre Inventariado e Apelante.
18. Pelo que, ainda que se verificassem as desconformidades invocadas pela Apelada, mormente a declaração unilateral do nome do pai do Apelante, sem o consentimento deste, certo é que cerca de dois anos depois da promoção do mencionado registo, o Inventariado expressamente reconheceu o Apelante como seu filho, pelo que, a existir alguma desconformidade, o que não se admite, a mesma teria já sido sanada, com consentimento expresso do Inventariado.
19. Logo, o resultado da acção de anulação do registo de nascimento do Apelante não poderá afectar a definição dos direitos dos interessados directos na partilha da herança do Inventariado.
20. Pelo que, também por isso, inexistiria relação de prejudicialidade entre a acção aludida no requerimento a que ora se responde e os presentes autos de Inventário.
21. E assim é porquanto as relações de parentesco entre as partes e o Inventariado são incontestáveis e incontestadas, máxime face ao teor inequívoco do exame pericial ao ADN já realizado.
22. Tudo factos que a Apelada, por ser advogada, não pode razoavelmente ignorar.
23. Ainda assim, não se coibiu a Apelada de intentar a mencionada acção de anulação do registo de nascimento do Apelante, porquanto pretende, a todo o custo, protelar a partilha da herança do Inventariado, por não se conformar com o facto de este ter beneficiado o Apelante, atribuindo-lhe a quota disponível da sua herança.
24. E, para tanto, a Apelada continua a recorrer a artifícios processuais e à alteração dolosa da verdade dos factos...
25. Com efeito, na identificada acção de anulação de registo de nascimento, a Apelada alegou que o aqui Apelante «só obteve êxito judicial» na presente acção de inventário e na acção de nulidade de testamento sob o n.° 7722/11.9TBSTB «porque, como alegado pelos Juízos portugueses, as ora autoras não comprovaram a falsidade ideológica da certidão de nascimento brasileira de CC, e primordialmente, não anularam o registro de nascimento brasileiro de CC» (cfr. Requerimento junto como doc. n.° 2).
26. Afirmação que é uma absoluta mentira, porquanto na presente acção de inventário e na acção n.° 7722/11.9TBSTB nunca esteve em causa, ou foi sequer invocada pela Apelada, qualquer falsidade ideológica do registo de nascimento do Apelante!
27. Por outro lado, não se pode deixar de frisar o desespero demonstrado pela Apelada na identificada acção de anulação de registo de nascimento, que chega mesmo ao ponto de afirmar que «BB JAMAIS ACREDITOU QUE CC ERA FILHO DELE» (cfr. Petição Inicial junta como doc. n.° 1).
28. Alegação que, veja-se, nunca a Apelada teceu nos presentes autos, o que só vem demonstrar que as suas alegações vão variando ao longo do tempo, consoante a sua estratégia processual do momento...
29. De notar ainda que, na Petição Inicial da identificada acção - intentada, recorda-se, em Setembro de 2015 -, a Apelada indicou que o Apelante tinha a sua residência habitual na «Rua Joaquim … n°: …-B° Santo Antônio- S. C.Sul-SP», ou seja, São Caetano do Sul, São Paulo, no Brasil (cfr. Petição Inicial junta como doc. n.° 1), quando bem sabia que o Apelante reside há vários anos em Portugal.
30. Tanto sabia que a Apelada indicou na Petição Inicial apresentada em 05 de Dezembro de 2011 no âmbito da acção de nulidade de testamento, que correu termos na Vara de Competência Mista de Setúbal sob o n.° 7722/11.9TBSTB, que o Apelante tinha residência habitual na Praça …, …, R/C Dto., em Setúbal! (Cfr. Petição Inicial junta como doc. n.° 3).
31. Sendo certo que, na carta de prestação de contas da administração da herança do Inventariado, datada de 05 de Fevereiro de 2015 e recebida pela Apelada em 29 de Fevereiro de 2015, o Apelante indicou como nova residência habitual a Rua das …, n.° …, em Setúbal (cfr. doc. n.° 1 junto ao requerimento do Apelante de 12-02-2016, sob a referência 1645030), pelo que a Apelada tinha pleno conhecimento de que o Apelante residia em Portugal, e não no Brasil.
32. Ainda assim, a Apelada indicou uma morada que sabia que não correspondia à residência habitual do Apelante, de modo a frustrar a citação pessoal do mesmo para os termos da acção de anulação do registo de nascimento (cfr. Certidão negativa junta como doc. n.° 4). e justificar o pedido de citação edital (insistentemente reiterado ao longo de meses!), coartando o direito de defesa do Apelante! (cfr. Requerimentos e edital juntos como docs. n.°s 2, 5 e 6).
33. Acontece que, contrariamente ao que sucedeu nos presentes autos, o logro da Apelada não foi ignorado pelo douto Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, por Sentença proferida em 30 de Maio de 2017, julgou a acção de anulação do registo de nascimento do aqui Apelante extinta, por decurso do prazo de prescrição de quatro anos para requerer a anulação do aludido acto jurídico (cfr. Sentença junta como doc. n.° 7).
34. Com efeito, a identificada acção foi intentada pela aqui Apelada mais de 29 anos após ter sido efectuado o registo de nascimento controvertido e já depois do falecimento do Inventariado...
35. Mais: os reais interesses da aqui Apelada na identificada acção de anulação de registo de nascimento foram bastante evidentes para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que concluiu que «as autoras, ao menos tacitamente, aceitaram o requerido CC como irmão e vinte e nove anos após seu nascimento, em razão da perspectiva de uma herança, querem abalar o estado resultante do seu registro», sendo, portanto, «evidente o interesse puramente patrimonial das autoras, de natureza particular, sendo inadmissível pretender a declaração da inexistência de filiação e a desconstituição do registro de nascimento após mais de 29 (vinte e nove) anos de convivência familiar» (cfr. Sentença a fls. 897 junta como doc. n.° 7).
36. Por fim, sustentou o douto Tribunal Brasileiro que «o falecido reconheceu a paternidade do réu, tanto que nunca impugnou o registro de nascimento do mesmo em vida e, ainda, no ano de 2005, o colocou como seu beneficiário em seu testamento, não havendo, por sua vez, qualquer circunstância capaz de retirar a validade do ato de reconhecimento» (cfr. Sentença a fls. 898 junta como doc. n.° 7).
37. Em suma, resultou evidente, até para o douto Tribunal Brasileiro, que a identificada acção de anulação do registo de nascimento do Apelante apenas foi intentada com uma finalidade puramente patrimonial e após a aqui Apelada ter visto goradas as várias acções judiciais por si instauradas contra o aqui Apelante - em Portugal e no Brasil - e que visavam a nulidade do testamento pelo qual o Inventariado atribuiu ao Apelante a quota disponível da sua herança deixada em Portugal e no Brasil!
38. Demonstrando um aberrante inconformismo com os bens deixados pelo Inventariado em benefício do aqui Apelante e visando protelar a partilha dos mesmos, a aqui Apelada interpôs Recurso de Apelação da identificada Sentença, assim tentando justificar a suspensão da instância determinada nos presentes autos.
39. O que, lamentavelmente, foi acolhido pelo Tribunal a quo que, sem cuidar da natureza da acção em causa (que não se confunde com uma acção de impugnação da paternidade do Apelante) nem dos fundamentos aí apresentados (já sanados com o reconhecimento expresso pelo Inventariado da paternidade do Apelante), determinou a suspensão da presente instância até à prolação de decisão definitiva na acção de anulação do registo de nascimento do aqui Apelante.
40. Por isso, o requerimento apresentado pela aqui Apelada nos presentes autos, que culminou no douto despacho recorrido, não é mais do que uma manobra dilatória, sem qualquer fim útil ao processo ou às suas próprias pretensões, cujo único fito será o de entorpecer o normal andamento dos presentes autos...
41. Pior, tal comportamento processual da Apelada não é novo, porquanto citada para os presentes autos, deduziu incidente de oposição ao inventário, com fundamento na nulidade dos testamentos, dado que continham um suposto conjunto de informações falsas (ex.: estado civil).
42. Para tanto, em 05 de Dezembro de 2011, a Apelada intentou acção para anulação do testamento, na extinta Vara de Competência Mista deste Tribunal, que correu termos sob o n.° 7722/11.9TBSTB, a qual, por se revelar como causa prejudicial, determinou a suspensão dos presentes autos por um período de cerca de 22 meses.
43. Sendo que a referida acção foi julgada totalmente improcedente por não provada, com a consequente absolvição do Réu CC, aqui Apelante, do pedido contra ele formulado pela Autora, aqui Apelada, que foi condenada como litigante de má-fé e no pagamento de uma multa que se fixou em 5 UC's, por resultar provada a alteração dolosa da verdade dos factos (Cfr. certidão judicial junta aos autos em 12 de Abril de 2013).
44. Inconformada, na conferência de interessados, realizada nos presentes autos em 26 de Outubro de 2016, i.e. volvidos cerca de 6 anos da autuação dos presentes autos, a Apelada requereu a avaliação de todos os bens imóveis por perito judicial, assim como à avaliação da sociedade por quotas “DD, Lda.”, quando o momento próprio para o fazer teria sido a Oposição ao inventário.
45. Tal intuito dilatório foi, ao arrepio das boas práticas forenses, alcançado...
46. Agora que foram juntos aos autos todos os relatórios periciais de avaliação determinados no douto despacho lavrado em acta da referida conferência de interessados. Eis que nos deparamos com o requerimento da Apelada de 28-03¬2017, sob a referência 2686989, com mais um artifício dilatório. O qual tão-só procura perpetuar o Inventário, impedindo a partilha.
47. Posto isto, repita-se, o requerido pela Apelada, para além de infundado e dilatório, é desnecessário e impertinente para os fundamentos da acção de Inventário.
48. Nestes termos, andou mal o Tribunal a quo no douto despacho recorrido, uma vez que, atentos os elementos documentais carreados nos autos, é, por demais, flagrante o padrão de comportamento doloso assumido pela Apelada, neste e noutros processos, em Portugal e no Brasil, que, através de múltiplos artifícios processuais, tenta, a todo o custo, protelar a partilha dos bens integrantes da herança do Inventariado, por não se conformar com o facto de o Inventariado ter decidido, em testamento, beneficiar o Apelante com a atribuição da quota disponível, por este, contrariamente à Apelada, ter sido um filho presente e preocupado com o pai.
49. Aliás, a Apelada foi tão “boa filha” para o Inventariado que este chegou a apresentar queixa-crime contra esta pela prática de um crime de denúncia caluniosa e um crime de subtracção de documento, tendo outorgado, em 04 de Julho de 2007, testamento público, pelo qual, usando da faculdade prevista nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 2166.° do Código Civil, deserdava a Apelada, privando-a assim da legítima, se a mesma fosse condenada em qualquer um dos referidos crimes (Cfr. Alínea F) dos Factos Provados na Sentença proferida na acção n.° 7722/11.9TBSTB, junta ao requerimento do Apelante de 21-03-2014, sob a referência 16304173).
50. Realmente, ainda em vida, o Inventariado foi vítima da ganância desmedida da Apelada que, já nessa altura, não poupava esforços para tentar obter, à custa do património do pai, vantagens patrimoniais que nunca foram consentidas por ele e que justificaram a apresentação das competentes queixas-crime...
51. Mercê do supra exposto, tendo em conta que o requerimento da Apelada de 28-03¬2017, sob a referência 2686989, é fruto de manifesta vontade de protelar o presente inventário, sendo a Apelada useira e vezeira em manobras dilatórias, carece a decisão em crise de ser substituída por douto Acórdão que determine o indeferimento do requerimento da Apelada e ordene o prosseguimento dos autos, mais se condenando a Apelada na taxa sancionatória excepcional, nos termos do disposto no artigo 531.° do C.P.C.
A decisão sob censura violou, entre outros, os seguintes preceitos legais:
- Artigos 92.° e 272.°, n.° 1, do N.C.P.C.;
- Artigo 1335.°, n.° 1, do C.P.C. de 1995.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o Venerando Tribunal da Relação de Évora dar provimento ao presente recurso e, por via dele, revogar o douto despacho de fls proferido em 10-07-2017 (Ref.84175835) pelo Tribunal a quo, ordenando o prosseguimento dos presentes autos.
Fazendo-se, assim, a habitual e necessária JUSTIÇA!»
Não houve contra-alegações.
Dispensados os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Os factos com relevância para a decisão do recurso são os que constam deste relatório.

2 – Objecto do recurso.
Única questão a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões da sua alegação, nos termos do artigo 684.º, n.º 3 do CPC:
Saber se o inventário deve ser suspenso devido à pendência de acção no Brasil, na qual é requerido o cancelamento do registo de nascimento do interessado.

3 - Análise do recurso.
O interessado CC vem recorrer da decisão que suspendeu a presente instância até prolação de decisão final definitiva no processo n.° 1007295-06.2015.8.26.0565, na 1.a Vara Cível da Comarca de São Caetano do Sul.
O recorrente discorda desta decisão, argumentando que não há razão para a suspensão porque não há prejudicialidade e porque não se pode suspender à espera de uma acção que corre termos num tribunal estrangeiro.
E tem razão.
Vejamos:
«Artigo 272.º
Suspensão por determinação do juiz ou por acordo das partes
1 - O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
2 - Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens. (…) .»
Mas esse artigo implica que a causa prejudicial corra termos em Portugal.
A especificidade do caso advém da causa estar pendente num tribunal estrangeiro, o que desde logo implica a consideração das regras de Revisão de sentença estrangeira.
Entendemos que se a acção em causa correr termos no estrangeiro a instância não deve ser suspensa – neste sentido Ac. STJ de 26-05-1994, processo n.° 085370, Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano II, Tomo II - 1994, pp. 116-118.
Por outro lado, entendemos que não resulta demonstrada a prejudicialidade, pois incorrectamente a decisão parte do pressuposto (no nosso entender incorrecto) da possibilidade da acção em causa declarar que o interessado AA não é filho do inventariado.
Mas, a anulação (alteração) do registo de nascimento do aqui Apelante, a admitir-se, por si só, não iria modificar a definição dos direitos dos interessados directos na partilha da herança, pois é uma acção que apenas pressupõe a demonstração de que a inscrição daquele facto não se podia verificar (aliás consta dos autos certidão dos Registos Centrais de Lisboa de nascimento do interessado, onde consta a paternidade em causa, declarada pelo próprio pai – fls. 27 e ss).
Logo, não estamos perante uma questão prévia à dos presentes autos que determine o seu resultado .
Além de que como refere o recorrente Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, vol. I, p. 205: «a suspensão com fundamento em acção pendente e conexa, pode eternizar as partilhas, dificulta a administração de cada um e os interessados só tardiamente entram na posse do que lhes vem a pertencer».
Em suma:
A acção deve prosseguir, procedendo assim o recurso.

Sumário:
A acção que corre termos num tribunal estrangeiro não dá lugar à suspensão da instância desde logo devido ao regime da Revisão de sentença estrangeira.

4 – Dispositivo.
Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto, revogando-se a decisão e ordenando-se o prosseguimento dos autos.
Sem custas.

Évora, 22.03.2018
Elisabete Valente
Ana Margarida Leite
Bernardo Domingos