Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
265/21.4T9LLE.E1
Relator: MOREIRA DAS NEVES
Descritores: CITIUS
DIFICULDADES DE ACESSO
JUSTO IMPEDIMENTO
CONFISSÃO INTEGRAL E SEM RESERVAS
EFEITOS
Data do Acordão: 05/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. Nenhum dos operadores do sistema judicial está a salvo das falhas e dos desaires da técnica, que são uma componente inarredável do sistema de tramitação eletrónica dos processos.
II. Por vezes surgem problemas, perturbações – até irritações -, sem que isso signifique que o sistema não seja fiável. Quando tal suceda o que importa é que isso não comprometa o exercício de prerrogativas procedimentais e/ou de direitos fundamentais dos sujeitos processuais.

III. Aquele contexto permitiria efetivamente que se praticasse o ato que se preconizava (o recurso), para além do prazo legal previsto (107.º, § 2.º CPP e 140.º CPC), de acordo com as regras do justo impedimento.

IV. Na audiência de julgamento o arguido tem o direito de não prestar declarações sobre os factos que lhe são imputados, sem que isso o possa desfavorecer (artigo 345.º, § 1.º CPP). Mas prestando-as o arguido poderá confessar os factos que lhe estão imputados. Se assim for o juiz, sob pena de nulidade, assegura-se de que o faz de livre vontade e fora de qualquer coação.

V. A confissão integral e sem reservas feita nesses termos tem como consequência: o reconhecimento, por parte do arguido da prática dos factos que lhe são imputados (todos os factos); e que os reconhece tal como lhe são imputados, sem quaisquer condições ou alterações (ou seja, nos precisos termos que são imputados na acusação – artigo 344.º, § 2.º, al a) CPP).

VI. Não podendo posteriormente, em sede de recurso, numa estratégia de defesa temerária, pugnar pelo contrário do que foi confessado.

Decisão Texto Integral: I – Relatório
a. No 2.º Juízo (1) Local Criminal de …, do Tribunal Judicial da comarca de … foi o presente distribuído como processo comum, da competência do tribunal singular.

A acusação do Ministério Público imputava à arguida AA, nascida a … de 1986, com os demais sinais dos autos, a prática de um crime de ameaça agravada previsto nos artigos 153.º, § 1.º, e 155.º, § 1.º, al. a) do Código Penal (CP).

O assistente BB deduziu acusação particular contra a arguida imputando-lhe factos que qualificou como sendo integradores de um crime de injúria, previsto no artigo 181.º CP.

O mesmo BB deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida/demandada pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia indemnizatória de 2 000€ a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios desde a notificação.

O Ministério Público não acompanhou a acusação particular.

Realizado o julgamento veio o tribunal a condenar a arguida pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto nos artigos 153.º, § 1.º, e 155.º, § 1.º, al. a) CP, na pena de 70 dias de multa, à razão diária de 7€; e pela prática de um crime de injúria, previsto no artigo 181.º, § 1.º CP, na pena de 40 dias de multa, à razão diária de 7€.

Operando o cúmulo jurídico das penas correspondentes ao referido concurso de crimes, o tribunal fixou a pena única em 80 dias de multa, à razão diária 7€, perfazendo uma multa total de 560€.

b. Não conseguindo aceder à sentença no sistema informático nos dias imediatamente sequentes à leitura da sentença e depósito da mesma, veio a arguida apresentar escrito em que requereu fosse declarada «a inexistência jurídica do ato de depósito da sentença com as legais consequências».

Na sequência de informação da secretaria, confirmando o ato de depósito, referindo dificuldades no acesso ao sistema por banda da requerente e ausência de contacto com a secretaria por banda daquela, o requerimento veio a ser indeferido, por contrariamente ao pressuposto no requerimento, os atos devidos terem sido praticados e no tempo devido.

c. Inconformada com a decisão relativa a este incidente e com a condenação na sentença, delas vem a arguida recorrer, finalizando a respetiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

«1. O Tribunal “a Quo” fez errada aplicação do direito, por isso não pode o recorrente concordar com o despacho e a sentença recorrido(a), nem com a fundamentação ali invocada.

2. No dia 7 de Dezembro de 2022 foi lida a sentença à aqui arguida.

3. Contudo, até ao dia 16 de janeiro de 2023 a sentença não esteve eletronicamente visível e disponível para a mandatária, que ignorava o respetivo conteúdo, não obstante a secretaria ter lavrado termo de depósito, conforme prints screen juntos, em momento anterior à assinatura eletrónica da sentença.

4. Naturalmente que o ato de depósito eletrónico da sentença não existe e nenhum efeito produz em relação à mandatária da arguida enquanto aquela não estiver visível e disponível para si, a quem se destina, até porque o prazo para dela recorrer só então se inicia – art. 411º, nº1, al. b), do Código Processo Penal – pois só nesse momento tem conhecimento integral do conteúdo da sentença.

5. A secção, que podia e devia informar o Senhor Juiz desse facto, nada informou e abriu simplesmente conclusão ao magistrado, com o que tornou visível para a mandatária da arguida, mas só então, a sentença.

6. O despacho agora recorrido confundiu atos eletrónicos visíveis para si e aqueles visíveis para os mandatários, o que não coincide.

7. Porque assim confundiu, o despacho recorrido não indagou, como lhe competia, saber se e em que data a sentença efetivamente ficou visível e disponibilizada para a mandatária subscritora do requerimento, o que repete-se apenas aconteceu em 16.01.2023.

8. Podia e devia o senhor Juiz obter simplesmente essa informação da secção ou solicitá-la ao serviço de informática do IGFEJ.

9. Nada fazendo, o tribunal omitiu diligência essencial para a descoberta da verdade – art.120.º, n.º 2, al. d), do Código Processo Penal, o que fere o despacho de nulidade que aqui se invoca.

10. O despacho recorrido violou assim o disposto no art.º 372º, nº5, do Código Processo Penal, quando ao depósito da sentença, sendo violadora do art.411º, nº1, al.a) e b), do Código Processo Penal, a interpretação segundo a qual o prazo para interposição do respetivo recurso pelo arguido se inicia e corre antes daquela estar eletronicamente disponível para o seu defensor.

11. Tal interpretação normativa seria inconstitucional já que consubstancia uma anulação ou redução do prazo do arguido para recorrer, com violação do direito fundamental ao recurso consagrado no art.32º, nº1, da C.R.P., o que desde já se invoca.

12. Por conseguinte, declarado nulo e revogado o despacho recorrido, deve considerar-se que o prazo para a arguida recorrer só se iniciou no dia 16.01.2023 com a disponibilização efetiva para a sua defensora do teor completo da sentença, ficando novamente suspenso com apresentação deste recurso e voltando a correr quando notificada para o efeito.

13. SUBSIDIARIAMENTE

14. Caso assim não se entenda,

15. Com as limitações impostas pelo enorme encurtamento injustificado do prazo de 30 dias para recorrer da sentença, que assim viu reduzido para três dias, a arguida apresenta acautela, a fim de não se ver totalmente coartada essa possibilidade, o recurso possível.

16. A expressão configuradora da ameaça, no entender da sentença, tem o seguinte teor: “Se me apareces aqui dou te um tiro. Entregar-te a CC??? Tu bates mesmo muito mal. Voltas a tocar ela e estas morto. Aponta isso como ameaça séria. Voltas a tocar ela juro que te mato. E vou para a cadeia… Mas que te mato mato. …”

17. Ora, a ameaça assim proferida não se revela adequada a causar prejuízo à liberdade de determinação do visado com ela, pois que apenas constitui o anúncio de uma ofensa corporal que o motivará a conformar-se com o direito, respeitando a integridade física de terceiro, não praticando qualquer crime - ac RE 15-05-2012 (Ana Bacelar Cruz) www.dgsi.pt

18. No caso, a arguida disse ao ofendido que se voltasse a tocar na filha de ambos, referindo-se a contactos de índole sexual, que o matava.

19. Nem era exigível ao comum cidadão, nem à arguida, outro comportamento perante a convicção segura e o forte receio de que o ofendido molestasse sexualmente a filha, não lhe sendo censurável essa conduta.

20. Tratou-se de um apelo veemente dirigido ao queixoso para que não praticasse quaisquer contactos de cariz sexual com a sua filha menor, ou seja, ao cabo e ao resto, para que não praticasse qualquer crime.

21. Não há crime de ameaça quando, como foi o caso, a intenção da arguida era evitar que o ofendido molestasse sexualmente a filha menor de ambos.

22. A sentença violou por isso os art.s 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, ao fazer uma errada subsunção dos factos ao preenchimento dos elementos do tipo legal de ameaça.

23. A arguida agiu sem culpa.

24. A arguida vinha acusada de um crime de injúrias, mas acabou por ser condenada em quatro crimes de injúria, sem que alguma alteração substancial ou não substancial lhe tivesse sido comunicada ou a arguida nessa anuísse, nos termos dos art.358º, nº1 e 3, e art.359º, nº3, do Código Processo Penal, o que configura a nulidade da sentença que aqui se invoca nos termos das disposições conjugadas dos art.s 379º, nº1, al.b), e nº2, do Código Processo Penal

25. A sentença recorrida violou entre outros os art.40 n.º 2, 71º, 77º, nº1, todos do Código Penal.

26. A arguida é primária e confessou os factos.

27. A arguida estudou até ao 12º ano. É solteira. Actualmente vive do rendimento predial de € 900,00 mensais. Encontra-se a estudar ….

28. Reside sozinha em casa arrendada, pagando € 250,00 mensais de renda. Paga € 100,00 a título de pensão de alimentos da filha CC, que reside com o pai em guarda hoje alternada

29. A arguida é considerada pessoa honesta, fiel, afável, educada e altruísta.

30. Em face dos factos provados entendeu o Tribunal a quo condenar o arguido nas penas parcelares de 70 (setenta) dias de multa e de 40 (quarenta) dias de multa para os crimes de ameaça agravada e injuria.

31. Ora, na devida ponderação valorativa das circunstâncias atenuantes apontadas, tratando-se de um ato isolado da arguida, as penas parcelares aplicadas não podem deixar de se considerar excessivas e desproporcionais à gravidade dos factos que praticou e insuscetíveis de assegurar as finalidades que estão na base da punição.

32. São as finalidades relativas de prevenção, geral e especial, que justificam a intervenção do sistema penal e conferem fundamento e sentido às suas reacções específicas.

33. A prevenção geral, enquanto prevenção positiva ou de integração, i. e. “como estabilização contrafática das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida”, assume o primeiro lugar como finalidade da pena.

34. Por outro lado, o princípio da culpa, acolhido no nosso ordenamento jurídico-penal e cujo fundamento axiológico radica no princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal, implica que a culpa seja condição necessária da aplicação da pena e, simultaneamente, que a medida da pena não possa ultrapassar a medida da culpa.

35. Estes princípios encontram expressão nos nº 1 e 2 do art. 40º do C. Penal, nos termos dos quais as penas têm como finalidade a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, e não podem em caso algum ultrapassar a medida da culpa.

36. E, bem assim, no nº 1 do art. 71º do C. Penal, de acordo com o qual a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, operação na qual, e de acordo com o nº 2 do mesmo preceito, o tribunal terá de atender àquelas circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente.

37. No caso concreto, as exigências de prevenção especial muito reduzidas, pois, como provado, a arguida confessou, mostrando arrependimento, e não tem antecedentes criminais.

38. Os factos inserem-se isoladamente num percurso de vida pautado pelo cumprimento normativo, encontrando-se a arguida social, familiar e profissionalmente inserida.

39. Por essa exata razão, o Tribunal a quo considerou que a pena não detentiva prevista na lei, é a mais adequada à situação em apreço, satisfazendo as necessidades de prevenção especial, aqui mínimas, tendo em consideração, na escolha da pena principal, precisamente aquelas circunstâncias atenuantes.

40. Também a culpa da arguida se mostra reduzida, senão excluída, em qualquer dos crimes, no contexto emotivo e motivacional em que os factos ocorreram.

41. Ora, no caso concreto, as penas de multa parcelares aplicadas são desnecessárias, desadequadas e desproporcionais às exigências de prevenção especial que o caso reclama, como ultrapassam largamente a culpa do agente revelada nos factos, quando a sanção correspondente não podia ir além de qualquer delas dentro da respetiva moldura.

42. Terá assim que se entender que as exigências de prevenção especial e culpa da arguida são diminutas, e dessa forma ser a arguida condenada numa multa mais próxima do seu limite mínimo, atenta a ligeira gravidade das condutas, com a consequente reformulação do cúmulo jurídico operado e da pena única determinada.

43. Também o quantitativo diário da pena de multa, fixado à razão de 7,00 euros/dia, é exagerado.

44. Tendo a arguida 900 euros de rendimento predial bruto de mensal, encontrando-se a estudar, tendo uma renda de 250 euros e uma pensão de alimentos de 100 euros a pagar ao ofendido, não obstante a filha menor viver alternadamente com ambos, o quantitativo de cada dia de multa não é suportável perante a situação económico-financeira do condenado e dos seus encargos pessoais (art. 47.º, n.º 2, do Código Penal), colidindo com a despesas inerentes à satisfação das necessidades económicas próprias e daqueles que de si dependem e que correspondam a direitos fundamentais que não podem ser colocados em causa, como a educação e a alimentação.

45. No caso de condenado que viva no mínimo existencial ou abaixo dele, deve ser fixado o quantitativo diário no mínimo legal de 5,00 euros/dia, o que deveria ter sido o caso.

Termos em que, e nos demais de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência revogado o despacho recorrido de 17.01.2023 (ref.126917976), que indeferiu o requerimento apresentado pela arguida, ser concedido à arguida, ressalvado o período decorrido entre 16 e 18 de janeiro de 2023, o prazo restante para interposição de recurso da sentença.

SUBSIDIARIAMENTE

caso assim não se entenda, a arguida absolvida dos crimes pelos quais foi condenada ou, assim não se entendendo, em número de dias e taxa diária de multa situadas no mínimo legal.»

d) O Ministério Público respondeu aos recursos, afirmando em síntese que:

- nenhum reparo deve ser feito ao despacho proferido que indeferiu o requerido com o qual se concorda na integra. Ainda que se pudesse aceitar que a recorrente não tivesse acesso à sentença na plataforma citius por motivos informáticos, o certo é que a contagem do prazo de recurso não se inicia com inserção da sentença na plataforma informática. A recorrente poderia e deveria ter contactado a secretaria e/ou solicitar cópia da sentença, o que não fez, tal como resulta da informação de 16.01.2023.

De acordo com o disposto no artigo 411.º n.º 1 “O prazo para interposição de recurso é de 30 dias e conta-se: (…) b) Tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria;”

A sentença foi lida e depositada no dia 7-12-2022 em conformidade com o referido artigo 411.º 1 b) do CPP, em tal data iniciou-se o prazo para interposição de recurso.

Concorda-se na integra com o douto despacho proferido, pelo que não assiste razão à arguida, ora recorrente.

A arguida confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe foram imputados em sede de acusação.

Os mesmos são integradores dos crimes pelos quais se condenou.

Em face da factualidade dada como provada e atendendo às regras e princípios penais que regem a escolha e determinação das penas entendemos que as penas aplicadas são perfeitamente proporcionais e adequadas.

e) Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância emitiu entendimento no sentido da improcedência dos recursos.

f) Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, veio o assistente, a destempo, dizer que: «ao abrigo do disposto no artigo 413.º do Código de Processo Penal, apresentar a sua resposta, ao recurso apresentado pela arguida, do despacho de 17.01.2023 e subsidiariamente da sentença recorrida no âmbito do presente processo (…)»! Mas não se pronunciou sobre o parecer do Ministério Público, sendo que era esse (e apenas esse) o objeto da notificação que lhe fora feita! A óbvia intempestividade da resposta ao recurso do despacho e da sentença impede que se atenda a tal escrito.

g) Efetuado exame preliminar e nada obstando ao prosseguimento dos recursos foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1.Objeto dos recursos O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 412.º, § 1.º CPP). (2) De acordo com as conclusões da recorrente, verificamos serem as questões aportadas ao conhecimento desta instância de recurso as seguintes: - nulidade do despacho que indeferiu a alegada inexistência de depósito da sentença na data certificada no processo; - condenação por factos diversos dos acusados; - não se verifica o crime de ameaça, por a arguida ter agido sem culpa; - as penas parcelares aplicadas a crimes são excessivas.

2. Para conhecimento do recurso da sentença (das três últimas questões enunciadas) releva extratar do teor da sentença recorrida, o seguinte:

«(…)

FACTOS PROVADOS

Da acusação:

1. A arguida e BB mantiveram entre si uma relação amorosa, entre meados do mês de Maio de 2018 e o ano de 2020, relação da qual nasceu, em … 2019, uma filha em comum, CC.

2. No dia 14 de Março de 2021, cerca das 16:59h, quando BB se encontrava na sua residência, na localidade de …, a arguida enviou àquele, em tom sério, a partir do seu telemóvel com o n.º…, para o telemóvel de BB, com o n.º …, as mensagens com o seguinte teor: - “Se me apareces aqui dou te um tiro. Entregar-te a CC??? Tu bates mesmo muito mal. Voltas a tocar ela e estas morto. Aponta isso como ameaça séria. Voltas a tocar ela juro que te mato. E vou para a cadeia… Mas que te mato mato. … Filho da puta.”

3. Ao agir da forma descrita, procedendo ao envio ao ofendido BB, das mensagens supra transcritas, agiu a arguida com pleno conhecimento do significado objectivo das expressões que dirigiu àquele e de que ameaçava o mesmo com a prática de crime contra a vida, bem sabendo que tais expressões eram susceptíveis e adequadas a provocar medo em BB, fazendo-o temer pela sua integridade física e mesmo pela vida e prejudicando a liberdade de determinação do mesmo, o que sucedeu, e, não obstante, quis a arguida agir como agiu.

4. A arguida agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

Mais se provou que:

5. A arguida confessou integralmente e sem reservas os factos em audiência de julgamento.

Condições pessoais:

6. A arguida estudou até ao 12º ano. É solteira. Actualmente vive do rendimento predial de € 900,00 mensais. Reside sozinha em casa arrendada, pagando € 250,00 mensais de renda. Paga € 100,00 a título de pensão de alimentos da filha CC, que reside com o pai. Encontra-se a estudar ….

7. A arguida é considerada pessoa honesta, fiel, afável, educada e altruísta.

Registo criminal:

8. A arguida não possui antecedentes criminais.

1.1. FACTOS NÃO PROVADOS

Inexistem.

1.2. MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A convicção do Tribunal quanto à factualidade dada como provada em 1 a 4 assentou na confissão integral, livre e sem reserva da mesma pela arguida, em conjugação com os prints de mensagens juntas a fls. 8 a 11.

Quanto às condições pessoais, o Tribunal valorou as declarações prestadas pela arguida que se mostraram sérias, nada as contrariando. Mais se atendeu aos

depoimentos das testemunhas abonatórias DD, EE e FF.

Quanto aos antecedentes criminais, teve-se em consideração o certificado do registo criminal da arguida.

2. DO DIREITO

2.1. ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL

Assente a matéria de facto, cumpre proceder ao seu enquadramento jurídico-penal, sabendo-se que a responsabilidade criminal pressupõe a prática de um facto típico, ilícito, culposo e punível.

À arguida é imputada a prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de ameaça, agravada, p. e p. pelos arts. 153.º e 155.º, n.º 1 al. a) do Código Penal e um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181.º do Código Penal.

a) Do crime de ameaça agravada

Dispõe o art. 153.º, n.º 1, do Código Penal, que incorre na prática do crime de ameaça «Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação».

O bem jurídico tutelado é «a liberdade de decisão e acção de outra pessoa» (PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, ob. cit., p. 601).

O tipo objectivo traduz-se na «comunicação de uma mensagem a um destinatário com o significado da prática futura de um mal ao destinatário ou um terceiro que se encontre na mesma situação de perigo do destinatário ou numa situação de proximidade existencial da pessoa do destinatário» (PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, ob. cit., p. 601).

A mensagem poderá revestir as mais diversas formas, podendo ser apenas um mero sinal, um gesto, um escrito ou uma comunicação oral, directamente ou por interposta pessoa.

O conhecimento da ameaça por parte do seu destinatário é elemento integrante do tipo objectivo.

A ameaça, para que se considere penalmente relevante, terá de consubstanciar a prática de um mal futuro pelo agente ou por um terceiro no cumprimento de ordens deste, podendo este assumir as vestes de um crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor.

São três as características essenciais do conceito de ameaça: um mal, futuro e cuja ocorrência esteja dependente da vontade do agente, segundo um critério objectivo-individual, que atenda à perspectiva do homem comum e às características individuais da pessoa ameaçada.

Como esclarece o Acórdão do TRG de 21-05-2018 (proc. n.º 375/16.0GAVLP.G1, www.dgsi.pt), «haverá ameaça de mal futuro sempre que se não esteja perante uma execução iminente. Por outras palavras, o mal anunciado terá a característica de mal futuro desde que não se trate já duma tentativa criminosa, nos termos em que o art. 22º do Código Penal a caracteriza. Ou seja, sempre que alguém dirija a outrem uma expressão, verbal ou de outra natureza, de anúncio de causação de um mal, não acompanhando essa ação com os atos de execução correspondentes, permanecendo inativo em relação à execução do mal anunciado, todo o tempo que durar essa inação e se mantiver a possibilidade de o mal anunciado se concretizar é futuro, em termos de interpretação da expressão em causa. (…) E, o mal iminente é o mal que está próximo, que está prestes a acontecer. Por isso, o mal iminente é ainda mal futuro, porque é um mal que ainda não aconteceu, que há de ser, que há de vir, embora esteja próximo, prestes a acontecer».

Por fim, para que a ameaça se consuma basta a mera potencialidade da conduta para gerar medo, inquietação ou prejudicar a liberdade de determinação. Não se exige que, em concreto, o agente tenha provocado medo ou inquietação, ou seja, que tenha ficado afectada a liberdade de determinação do ameaçado, bastando que a ameaça seja susceptível de a afectar. Neste sentido, o «critério para ajuizar da adequação da ameaça para provocar medo ou inquietação ou para prejudicar a liberdade de determinação deverá ser objetivo e individual: - objetivo, no sentido de que a ameaça deve considerar-se adequada tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente e a suscetibilidade de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa; individual, no sentido de que devem relevar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada» (Ac. do TRG de 21-05-2018, proc. n.º 375/16.0GAVLP.G1, www.dgsi.pt).

O tipo subjectivo preenche-se através de qualquer modalidade de dolo prevista no art. 14.º do Código Penal, sendo irrelevante saber se o agente tem a intenção, ou não, de concretizar a ameaça.

O art. 155.º do Código Penal, no seu n.º 1, prevê um elenco taxativo de circunstâncias agravantes relacionadas com o desvalor da acção e cujo funcionamento é automático.

Assim, dispõe tal preceito que «Quando os factos previstos nos artigos 153.º (…) forem realizados: a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos; (…) o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, nos casos dos artigos 153.º (…)».

Quanto à agravação da alínea a) e de acordo com o Ac. do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 7/2013, de 20-03, «A ameaça de prática de qualquer um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153º do Código Penal, quando punível com pena de prisão superior a três anos, integra o crime de ameaça agravado da alínea a) do n.º 1 do artigo 155º do mesmo diploma legal».

Dito isto, vejamos o caso dos autos.

Resulta da matéria de facto provada que, no dia 14 de Março de 2021, cerca das 16:59h, a arguida enviou a BB, em tom sério, a partir do seu telemóvel com o n.º …, para o telemóvel de BB, com o n.º …, as mensagens com o seguinte teor: - “Se me apareces aqui dou te um tiro. Entregar-te a CC??? Tu bates mesmo muito mal. Voltas a tocar ela e estas morto. Aponta isso como ameaça séria. Voltas a tocar ela juro que te mato. E vou para a cadeia… Mas que te mato mato.”

Ora, tais expressões configuram anúncios claros e inequívocos ao ofendido da prática de um mal, traduzido em crime contra a vida (crime de homicídio), cuja concretização dependia unicamente da sua vontade.

Esse mal é futuro, pois que a arguida nunca fez acompanhar tal expressão ameaçadora de quaisquer actos de execução do referido crime, remetendo a respectiva consumação para outro momento.

Por outro lado, as ditas ameaças, proferida no contexto em causa são, de acordo com a experiência comum, adequadas a provocar no visado medo e inquietação.

Assim, encontra-se preenchido o tipo objectivo do crime de ameaça, que será agravada por a mesma ter sido realizada com a prática de um crime punível com pena de prisão superior a três anos (homicídio – art. 131.º do Código Penal).

Mais se provou que, ao agir da forma descrita, procedendo ao envio ao ofendido BB, das mensagens supra transcritas, agiu a arguida com pleno conhecimento do significado objectivo das expressões que dirigiu àquele e de que ameaçava o mesmo com a prática de crime contra a vida, bem sabendo que tais expressões eram susceptíveis e adequadas a provocar medo em BB, fazendo-o temer pela sua integridade física e mesmo pela vida e prejudicando a liberdade de determinação do mesmo, o que sucedeu, e, não obstante, quis a arguida agir como agiu. A arguida agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

Esta factualidade integra o elemento subjectivo do tipo de crime de ameaça (agravada no caso do arguido), na modalidade de dolo directo (art. 14.º, n.º 1 do Código Penal), uma vez que, conhecendo o carácter reprovável das suas condutas – elemento intelectual do dolo –, os arguidos quiseram levá-la a efeito, actuando com vontade de realização – elemento volitivo do dolo.

Assim, na ausência de circunstâncias que excluam a ilicitude da conduta ou a culpa, a arguida praticou, em autoria material e na forma consumada, um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal.

b) Do crime de injúria

Nos termos do art. 181.º, n.º 1, do Código Penal, «Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias».

O bem jurídico protegido na injúria é a honra enquanto bem jurídico complexo que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior (FARIA COSTA, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 629).

Pode dizer-se que a honra deverá ser hoje entendida, enquanto objecto de tutela penal, como uma decorrência directa da dignidade da pessoa humana (art. 1.° da Constituição da República Portuguesa), com correspondência constitucional (direito ao bom-nome e reputação – art. 26°, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa) e civilística (tutela da personalidade – arts. 25.º e 70.º do Código Civil).

A honra abrange, em primeiro lugar, a dignidade inerente a todo o ser humano, pelo simples facto de ser pessoa, portador das características estruturais e dinâmicas que condicionam de forma mais ou menos estável o seu temperamento, carácter, intelecto e parte somática.

Inclui, também, a auto-estima, enquanto imagem que cada um faz do seu próprio valor, enquanto conteúdo íntimo e projecção exterior das suas características.

Por fim, abrange manifestações sociais, ou seja, a consideração que os outros têm para com aquela concreta pessoa, em virtude da imagem que esta projecta de si mesma.

A honra, em síntese, pode-se entender como o direito a que a imagem externa – aquilo que a pessoa é para os outros – não seja desfigurada; a consideração, por sua vez, é o juízo que o público forma, ou pode formar, no sentido de considerar alguém como um bom elemento social.

O tipo objectivo do crime de injúria permite defini-lo como um crime de execução livre, porquanto o art. 182.º do Código Penal – ao dispor que «à] difamação e à injúria verbais são equiparadas as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão» – leva a subsumir a esta incriminação todo o género de condutas, desde que lesivas da honra e, claro está, praticadas na presença da vítima.

Trata-se de um crime de perigo, na medida em que não é necessária a verificação de um evento danoso (a efectiva lesão da honra e consideração da vítima) para que o crime se tenha como consumado, bastando a susceptibilidade ou idoneidade das expressões para ofender (produzir o dano).

O tipo objectivo consiste na imputação de um facto (directa ou insinuada, isto é, sob a forma de suspeita) ou na direcção de palavras ofensivas da honra ou consideração de uma pessoa fisicamente presente ou com quem se comunica directamente.

Por facto há-de entender-se todo o acontecimento ou situação, pertencente ao passado ou ao presente e susceptível de prova; por juízo, toda a afirmação contendo uma apreciação relativa, não à existência de uma coisa ou de uma ideia, mas ao seu valor.

Imputar significa atribuir um facto, apresentá-lo como correcto ou verdadeiro, segundo a convicção ou perspectiva do imputante.

Relativamente às palavras, hão de ser proferidas num quadro situacional em que não haja dúvidas de que exprimem e carregam um indesmentível desvalor objectivamente ofensivo, o que não se confunde com a utilização quotidiana de uma linguagem desbragada (FARIA COSTA, ob. cit., p. 630).

Em princípio, o sentido vilipendioso de um vocábulo aferir-se-á pelo contexto em que se profere e não no termo em si mesmo. Todavia, isto «não quer significar, nem por sombras, que não haja palavras cujo sentido primeiro e último seja tido, por toda a comunidade falante, como ofensivas da honra e consideração» (FARIA COSTA, ob. cit., p. 630).

E, nas palavras de BELEZA DOS SANTOS, citadas no Ac. do TRE de 24-01-2017 (proc. n.º 642/15.0T9STR.E1, www.dgsi.pt), «aquilo que razoavelmente se não deve considerar ofensivo da honra ou do bom nome alheio, aquilo que a generalidade das pessoas (de bem) de um certo país e no ambiente em que se passaram os factos não considera difamação ou injúria, não deverá dar lugar a uma sanção reprovadora, como é a pena», podendo ser censurável em termos éticos, profissionais, mas não o ser em termos penais.

No plano dos elementos subjectivos do tipo, é necessário o dolo, em qualquer das suas modalidades, bastando que o agente proceda com consciência de que as expressões utilizadas são aptas a ofender a honra e consideração de uma pessoa, considerando o meio social e cultural, e a sã opinião da generalidade das pessoas.

Revertendo ao caso dos autos, ficou provado que, no dia 14 de Março de 2021, cerca das 16:59h, a arguida enviou ao ofendido, em tom sério, a partir do seu telemóvel com o n.º …, para o telemóvel de BB, com o n.º …, a mensagem com o seguinte teor: - “Filho da puta.”

Tal expressão é manifestamente ofensiva da honra e consideração do ofendido, pela carga pejorativa que comporta atendendo ao significado social que lhe corresponde e ao ambiente em que o foi, sendo objectivamente idónea a desprestigiar e diminuir o ofendido perante si própria e em face da generalidade das pessoas.

Acresce que «a protecção penal conferida à honra só encontra justificação nos casos em que objectivamente as expressões que são proferidas não têm outro sentido que não seja o de ofender, que inequívoca e em primeira linha visam gratuitamente ferir, achincalhar, rebaixar a honra e o bom nome de alguém» (Ac. do TRP por último cit.).

É manifestamente o caso dos autos, na medida em que a expressão é proferida num contexto de formulação de ameaças e sem se possa retirar de tal contexto qualquer outro sentido que não fosse a pura e simples ofensa da dignidade do ofendido.

Não se verifica um qualquer exercício legítimo do direito de expressão da arguida.

Mostra-se, pois, preenchido o tipo objectivo do crime de injúria.

Provou-se, ainda, que a arguida agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

Portanto, demonstrou-se que a arguida agiu com dolo directo (art. 14.º, n.º 1, do Código Penal), encontrando-se preenchido o tipo subjectivo do crime.

Não se verificam circunstâncias que excluam a ilicitude da conduta ou a culpa do arguido.

Assim, conclui-se que a arguida praticou, em autoria material, um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181.º, n.º 1 do Código Penal.

2.2. DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO CRIME

Efectuada a qualificação jurídica dos factos, é chegado o momento de determinar a pena a aplicar ao arguido.

As finalidades das penas são, como expressamente decorre do disposto no art. 40.º, n.º 1 do Código Penal, «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade». Através deste normativo, que resulta da reforma penal de 1995, o legislador instituiu no ordenamento jurídico-penal português a natureza exclusivamente preventiva das finalidades da punição, excluindo, pois, qualquer finalidade retributiva: a pena visa prevenir a prática de futuros crimes. E esta prevenção de delitos futuros passa pela coexistência e combinação de finalidades quer de prevenção geral (isto é, dirigida à sociedade), quer de prevenção especial (isto é, dirigida ao próprio agente do crime).

Tal coexistência implica que a finalidade primordial visada pela pena seja a protecção de bens jurídicos, enquanto confirmação da validade da norma incriminatória e da consequente tutela da confiança da comunidade na sua vigência (prevenção geral positiva), e, sempre que possível, a reintegração do agente na sociedade, entendida como a capacidade de nela viver sem praticar crimes (prevenção especial positiva), actuando a culpa como limite inultrapassável daquela (art. 40.º, n.º 2, do Código Penal).

2.2.1. DA ESCOLHA E MOLDURA DA PENA

O crime de ameaça agravada é punido com pena de prisão ou de multa (arts., 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, als. a), do Código Penal), pelo que se coloca a questão da escolha da pena aplicável entre aquelas duas sanções criminais.

O crime de injúria é punido com pena de prisão de 1 a 3 meses ou com pena de multa de 10 a 120 dias (arts. 41.º, n.º 1, 47.º, n.º 1, 181.º, n.º 1, do Código Penal).

O art. 70.º do Código Penal estabelece um critério geral de escolha da pena, segundo o qual o tribunal dá preferência à pena alternativa não privativa de liberdade (portanto, à multa) em detrimento da pena privativa de liberdade (prisão), «sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição», ou seja, as finalidades preventivas referidas no art. 40.º, n.º 1, do Código Penal e supra explicitadas. Na verdade, as penas privativas da liberdade constituem a ultima ratio da política criminal, em obediência ao princípio da proporcionalidade das sanções penais (art. 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa) e do favor libertatis (art. 27.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa). Trata-se, por conseguinte, de um poder-dever do tribunal, ao qual competirá o dever de fundamentação (negativa) da não aplicação da pena não privativa.

São somente tais finalidades preventivas que justificam a preferência pela pena não privativa da liberdade, desempenhando a culpa a sua função de limite da pena estritamente ao nível da determinação da sua medida concreta. Em caso de conflito entre as funções de prevenção geral e especial, deverão prevalecer as exigências da primeira (MARIA JOÃO ANTUNES, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2018, p. 77).

No caso sub judice, as exigências de prevenção geral do crime de ameaça agravada são significativas, posto que o crime em causa se repercute no sentimento comunitário de afectação dos valores tutelados, quer pela inquietação da liberdade do visados, cujo receio se projecta ao seu ambiente circundante, quer ainda pela frequência da sua prática.

As exigências de prevenção geral do crime de injúria são medianas, atento o bem jurídico tutelado pela infracção, a moderada gravidade objectiva do facto praticado e a inexistência de repercussão pública, pelo que o sentimento comunitário de afectação dos valores em causa não é de molde a obstar à aplicação da pena não privativa da liberdade.

No que respeita às exigências de prevenção especial, as mesmas afiguram-se reduzidas, na medida em que a arguida confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe eram imputados, o que inculca a ideia de interiorização do desvalor da sua conduta e da necessidade de não voltar a repetir comportamentos semelhantes no futuro, e a ausência de antecedentes criminais.

Ponderando todo este circunstancialismo, afigura-se-nos ser ainda possível manter um juízo de prognose favorável quanto à conduta futura da arguida e concluir que, devidamente doseada, a pena de multa afastá-lo-á da prática de crimes desta natureza, criando no seu íntimo a reprovação daquela, o que significa que as exigências de prevenção geral e especial ficarão suficientemente acauteladas.

2.2.2. DA MEDIDA DA PENA

Tendo-se optado pela pena de multa, cumpre agora determinar a sua medida concreta.

A moldura abstracta da pena de multa do crime de ameaça agravada é de 10 a 240 dias (arts. 41.º, n.º 1, 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, als. a), do Código Penal).

A moldura abstracta da pena de multa do crime de injúria é de 10 a 120 dias (arts. 47.º, n.º 1, e 181.º, n.º 1, do Código Penal).

A determinação da medida concreta da pena faz-se, nos termos do art. 71.º, n.º 1, do Código Penal, dentro dos limites da moldura penal abstracta, «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». Culpa e prevenção são, pois, os dois critérios legais para medir concretamente a pena: a primeira significa a censurabilidade pessoal do agente pelo facto ilícito praticado, quando podia e devia ter actuado de acordo com o dever-ser jurídico-penal; e prevenção significa prevenção geral e especial, nos termos já descritos (art. 40.º, n.º 1, do Código Penal).

A pena é, como se disse, limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa (art. 40.º, n.º 2, do Código Penal). Consubstanciando a prevenção geral positiva a finalidade primordial da pena, será a medida da necessidade de tutela de bens jurídicas, em concreto, a fornecer a medida da pena, através de uma «moldura de prevenção» (dentro da moldura abstracta), constituída por um limite superior correspondente à medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se propõe alcançar e por um limiar mínimo, correspondente à defesa do ordenamento jurídico, abaixo do qual a fixação da pena já não é comunitariamente suportável. E será dentro desta moldura concreta de prevenção geral que actuarão os pontos de vista de prevenção especial (em regra positiva e só excepcionalmente negativa), os quais determinarão, em última instância, a medida concreta da pena (FIGUEIREDO DIAS, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2009, pp. 107-112).

A fixação da pena de multa obedece ao sistema dos dias de multa, mediante o qual a sua determinação é operada em dois actos autónomos, nos quais se consideram, separada e sucessivamente, os factores relevantes para a culpa e para a prevenção, e os relevantes para a situação económico-financeira do condenado (art. 47.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal).

Deste modo, o juiz deve determinar, em primeiro lugar, o número de dias de multa, dentro dos limites legais e nos termos expendidos (art. 71.º, n.º 1, ex vi art. 47.º, n.º 1, do Código Penal).

Para o efeito, o Tribunal atende a todas as circunstâncias que depuserem a favor do agente ou contra ele, desde que não façam parte do tipo de crime – pois, nesse caso, já foram tomadas em consideração pelo legislador ao estabelecer a moldura penal (princípio da proibição da dupla valoração - art. 71.º, n.º 2, do Código Penal) –, «sem prejuízo de a medida concreta da pena poder variar em função da intensidade ou dos efeitos do preenchimento de um elemento típico» (MARIA JOÃO ANTUNES, ob. cit., p. 46).

Os concretos factores da medida da pena, enunciados exemplificativamente no art. 71.º, n.º 2, do Código Penal, relevam ora para a culpa, ora para a prevenção, ou para ambas (inclusivamente de forma antinómica, no sentido de terem uma ponderação antagónica consoante relevem para a culpa ou para a prevenção) e referem-se quer à execução do facto (als. a), b), c), e e), parte final), quer à personalidade do agente (als. d) e f)), quer à sua conduta anterior e posterior ao facto (al. e)).

Descendo ao caso dos autos, o grau de ilicitude dos factos do crime de ameaça é significativo, atendendo às várias expressões utilizadas e à relação que existiu entre arguida e ofendido.

Como consequência do ilícito a registar há o efectivo temor provocado no ofendido.

Quanto ao crime de injúria, o grau de ilicitude dos factos é moderado, pois releva-se, por um lado, ter sido somente uma singela expressão a ser proferida e o teor da mesma, mas, por outro lado, há que considerar o local onde foi proferida e a relação entre arguida e ofendido com o correspondente dever acrescido de respeito mútuo.

A intensidade do dolo é elevada, porquanto a arguida actuou sempre com dolo directo, ou seja, na modalidade do dolo que representa um maior desvalor jurídico-social e o mais alto grau de censura jurídico-penal.

A arguida encontra-se perfeitamente inserida na sociedade e é bem considerada no seu meio.

No demais referente às exigências de prevenção geral e especial remete-se para o que acima se deixou exposto em sede de escolha da pena.

Sopesados todos os aspectos vindos de referir, considera-se justa, adequada e proporcional a aplicação ao arguido das seguintes penas:

- 70 (setenta) dias de multa quanto ao crime de ameaça agravada;

- 40 (quarenta) dias de multa quanto ao crime de injúria.

*

Determinada a medida da multa, o Tribunal fixa entre € 5 e € 500 o quantitativo de cada dia de multa, em função tão-só da situação económico-financeira do condenado e dos seus encargos pessoais (art. 47.º, n.º 2, do Código Penal), mas devendo ter em consideração que, para atingir o fim da pena, esta deve produzir desconforto e sacrifício ao condenado.

Para este efeito, deverão relevar todos os rendimentos próprios do condenado, independentemente da sua fonte (ou, na sua falta, aquilo que disponha para proveito pessoal, como mesada ou subsídio de desemprego), aos quais serão deduzidos os gastos com impostos, contribuições para a segurança social, prémios de seguro, prestações de alimentos ou obrigações voluntariamente assumidas (MARIA JOÃO ANTUNES, ob. cit., pp. 48-49) cuja razoabilidade resulta da própria vida em sociedade, para além, naturalmente, das despesas inerentes à satisfação das necessidades económicas próprias e daqueles que de si dependem e que correspondam a direitos fundamentais que não podem ser colocados em causa, como a educação e a alimentação (Ac. do TRC de 29-06-2011, proc. n.º 206/09.7GACDN.C1, www.dgsi.pt).

No caso de condenado que viva no mínimo existencial ou abaixo dele, deve ser fixado o quantitativo diário no mínimo legal (MARIA JOÃO ANTUNES, ob. cit., p. 49).

Ora, considerando a situação económica a arguida fixada nos factos provados, considera-se equitativo fixar o quantitativo diário em € 7,00 (sete euros).

2.2.3. DO CÚMULO JURÍDICO

Nos termos do art. 77.º, n.º 1, do Código Penal, «quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles», determina-se uma pena única que corresponderá à punição dos diversos crimes integrantes do concurso.

Assim, de acordo com a norma enunciada e como primeiro pressuposto, exige-se que o agente tenha, através da sua conduta, cometido vários crimes, determinando-se o número de crimes «pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente» (art. 30.º, n.º 1, do Código Penal).

O segundo pressuposto reside na exigência de que o cometimento dos crimes tenha tido lugar em momento anterior ao trânsito em julgado da condenação por qualquer deles. Dito de outro modo, terá de se verificar «uma pluralidade de crimes cometidos pelo mesmo agente antes de qualquer deles ter sido objecto de uma sentença com trânsito em julgado» (MIGUEZ GARCIA/CASTELA RIO, Código Penal - Parte Geral e Especial, Almedina, 2014, p. 384).

In casu, a arguida praticou dois crimes em concurso efectivo, não se tendo verificado condenação transitada em julgado em relação a qualquer deles, devendo, por isso, aplicar-se-lhes as regras relativas à punição em caso de concurso.

No que concerne ao regime da punição, dispõe art. 77.º, n.º 2, do Código Penal que «a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes».

No caso, a moldura abstracta do concurso tem como limite máximo o somatório das penas supra apuradas, ou seja, 110 dias de multa, e como limite mínimo a pena mais elevada de entre elas, isto é, 70 dias de multa;

Determinada a moldura abstracta do concurso, cumpre determinar a medida concreta da pena conjunta a aplicar ao concurso em função da «culpa do agente e das exigências de prevenção» (art. 71.º, n.º 1, do Código Penal), mas considerando «em conjunto, os factos e a personalidade do agente» (art. 77.º, n.º 1, 2ª parte). Tal significa que «na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está, pois, ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso. Na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) deve ser ponderado o modo como a personalidade se projecta nos factos ou é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa uma personalidade propensa ao crime, o que constitui critério agravativo da pena], ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente» (Ac. do STJ de 27-02-2013, proc. n.º 455/08.5GDPTM, www.dgsi.pt).

Concretizando os critérios apontados no caso presente, pondera-se, como atenuante, o mesmo circunstancialismo de tempo e lugar dos vários factos praticados e a sua homogeneidade.

Quanto à ilicitude do conjunto dos factos, o juízo de desvalor da ordem jurídica pela lesão de bens jurídico-criminais é de considerar moderado, atento o número de crimes e os bens jurídicos tutelados.

Ademais, é de considerar o ilícito global como resultado de uma pluricosasionalidade, não revestindo ainda a carga necessária para se falar de uma tendência criminosa radicada na personalidade da arguida.

Pelo exposto, entende este Tribunal que deve ser aplicada à arguida uma pena única de 80 (oitenta) dias de multa, à já referida taxa diária de € 7,00 (sete euros).

IV. DA RESPONSABILIDADE POR CUSTAS

Nos termos conjugados dos arts. 513.º e 514.º do Código de Processo Penal, o arguido condenado em primeira instância é responsável pelo pagamento de taxa de justiça, a título individual, e dos encargos a que a sua actividade houver dado lugar, sendo a taxa de justiça fixada pelo juiz, a final, nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais. Por força do disposto no art. 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, a taxa de justiça é fixada de acordo com a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela III, situando-se estes entre 2 e 6 UC. Processo: 265/21.4T9LLE

No caso concreto, atendendo à simplicidade dos autos, afigura-se adequada a fixação da taxa de justiça em 2 UC.

Contudo, deve atender-se ao artigo 344.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, que dispõe que, em caso de confissão integral e sem reservas, a taxa de justiça deve ser reduzida em metade.

Assim, atenta a confissão integral e sem reservas da arguida em audiência de julgamento, cumpre condenar o mesmo no pagamento de 1 UC.

V. DECISÃO

Em face de todo o exposto, decide-se:

a) CONDENAR a arguida AA pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros).

b) CONDENAR a arguida AA pela prática de quatro crimes de injúria, p. e p. pelo art. 181.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros).

c) Em CÚMULO JURÍDICO, CONDENAR a arguida AA na pena única de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz a quantia de € 560,00 (quinhentos e sessenta euros).

d) CONDENAR a arguida no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC.»

3. Apreciando

3.1 Da nulidade do ato de depósito da sentença (do recurso do despacho interlocutório)

Alega a recorrente que a sentença foi publicamente lida no dia 7 de dezembro de 2022, mas até ao dia 16 de janeiro de 2023 a mesma não esteve visível no Citius e (ali) disponível para consulta pela sua mandatária. Daí que entenda que o ato de depósito, não obstante ter sido lavrado nos autos, inexiste! Mais alega que «o despacho recorrido não indagou, como lhe competia, saber se e em que data a sentença efetivamente ficou visível»! E «nada fazendo, o tribunal omitiu diligência essencial para a descoberta da verdade – art.120.º, n.º 2, al. d) CPP. Por seu turno o Ministério Público, na sua resposta, refere que a sentença foi lida e depositada no dia 7-12-2022, em conformidade com o referido artigo 411.º, § 1, al. b) do CPP, sendo essa a data do termo inicial do prazo para interposição de recurso. Tendo-se dado o caso de a sentença não estar visível à mandatária da recorrente, esta deveria ter contactado a secretaria do tribunal e solicitar ali cópia da sentença. Mostram os autos que no dia 14 de dezembro de 2022, a arguida, através da sua mandatária, requereu ao tribunal o seguinte: «Pese embora a declaração de depósito se encontre inserida na plataforma CITIUS datada de 7 de dezembro de 2022, com a referência: … (…) certo é que a sentença propriamente dita nunca foi inserida na referida plataforma, não se encontrando disponibilizada na plataforma CITIUS (…) Requer a Vossa Excelência que se digne a declarar a inexistência jurídica do ato de depósito da sentença com as legais consequências, designadamente determinação do termo inicial do prazo de recurso, sob pena de prejudicar o direito de defesa e de recurso constitucionalmente consagrado, nos termos do artigo 32º da CRP.» Na sequência deste requerimento a secretaria prestou a seguinte informação ao M.mo Juiz:

«Em 23-01-16, consigna-se que foi inserido no registo de sentenças, a sentença proferida nestes autos, na data em que foi efetuado o depósito da mesma -. 07.12.2022, aliás o símbolo que aparece no lado esquerdo do documento no "histórico" atesta que essa inserção foi efetuada.

Mais se consigna que algumas vezes os Ilustres Advogados contactam com a secção a informar que, efetivamente, não conseguem aceder ao registo de sentenças, por alguma deficiência informática e, nesses casos, a secção disponibiliza, por e-mail as decisões finais.

No caso em apreço não foi rececionado qualquer comunicação telefónica ou outra por parte do escritório da Ilustre Mandatária subscritora do requerimento entrado em 14-01-2023.»

O despacho judicial impugnado tem o seguinte teor:

«Indefere-se o requerido, uma vez que, compulsados os autos eletrónicos, se verifica que a sentença foi inserida no Citius na data da leitura, assim como o depósito foi efetivado nessa mesma data. Notifique.»

Compulsado o processo (eletrónico) evidencia-se, confirmando, que a sentença foi efetivamente proferida publicamente no dia 7dez2022, como resulta da ata respetiva; que depois de lida foi, nesse mesmo dia, exarada nos autos; estando a declaração de depósito também certificada nos autos nesse dia, em plena conformidade. Anote-se que quando afirmamos que «a sentença foi efetivamente proferida publicamente no dia 7dez2022», é porque sabemos que não há quanto a isso nenhuma (rigorosamente nenhuma) dúvida, porquanto a certificação da data e assinatura eletrónica aposta na sentença é disso mesmo garantia, até porque tal certificação é da competência de entidade externa ao tribunal e ao sistema judicial. Nada disto significa, evidentemente, que a ilustre mandatária da arguida não se tenha deparado com a dificuldade que referiu, de não ter logrado através do seu acesso eletrónico (da sua porta de entrada no sistema Citius), aceder a estes atos processuais nos dias em que consultou o processo eletrónico. Decerto que assim foi, tal como se expôs no requerimento endereçado ao tribunal no dia 14 de dezembro de 2022. Mas daí não decorre a precipitada conclusão que se esgrimiu perante o tribunal a quo: que a sentença não fora inserida no processo (eletrónico) no dia 7 de dezembro de 2022; e que a certificação de depósito feita nos autos era desconforme ao acontecido (era «juridicamente inexistente»). Nenhum dos operadores do sistema judicial está a salvo das falhas e dos desaires da técnica, que são uma componente inarredável do sistema. Por vezes surgem problemas ou perturbações (até irritações), sem que isso signifique que o sistema não seja fiável – pelo contrário: ele é confiável. Importa é que quando sucede alguma perturbação desse jaez isso não comprometa o exercício de prerrogativas procedimentais e/ou de direitos fundamentais dos sujeitos processuais, designadamente (para o que aqui releva) o direito ao recurso. Ao invés da conclusão apressada (e injusta) assumida pela requerente e da imputação (malévola) de falsidade de atos processuais, melhor fizera se realizara o que estava ao seu alcance para esclarecer a desconformidade perturbadora, face à normalidade expectável. E um simples telefonema para o tribunal, manifestando a estranheza e solicitando esclarecimentos, teria decerto permitido ultrapassar a dificuldade de acesso (externo) à integralidade do processo eletrónico. Certamente lhe seria de imediato facultado por e-mail ou por telecópia (ou por fotocópia se o contacto fosse presencial) uma cópia da sentença (que como visto já tinha sido proferida publicamente e regularmente depositada). Anote-se que o realização dessa diligência, normal e ao alcance do operador perturbado com os «humores» do sistema informático, mais que possível, é devida, (3) evitando, ademais, o adensamento da perturbação. A realização de tal diligência (esclarecedora) evitaria que se requeresse (e agora se reiterasse em recurso) que fossem declarados inexistentes atos inequivocamente existentes e regularmente praticados! Preferindo dirigir requerimento ao tribunal – como acabou por suceder – era razoavelmente expectável que a arguida a mais de informar da desconformidade verificada (comprovando a afirmação com as imagens retiradas do sistema) e da perturbação gerada na gestão do tempo para preparar o recurso, informasse também que dado esse contexto iria invocar justo impedimento, com referência à interposição de recurso. Aquele contexto permitiria efetivamente que se praticasse o ato que se preconizava (o recurso), para além do prazo legal previsto (107.º, § 2.º CPP e 140.º CPC). «A relevância do evento que constitui justo impedimento decorre do facto de o mesmo obstar à prática do ato no respetivo prazo, não suspendendo nem interrompendo esse prazo. Assim, o regime legalmente estabelecido impõe que o requerimento com invocação de justo impedimento seja acompanhado do ato processual a praticar, bem como das provas respetivas, no prazo de três dias contados do termo do prazo fixado, quando o justo impedimento já tiver cessado naquela data, ou da cessação do impedimento, quando este se manteve para além do termo do prazo legal.» (4) Em suma: o despacho recorrido não colocou em causa direitos de defesa da arguida, designadamente o direito ao recurso. Limitando-se o tribunal a decidir o que lhe fora pedido. Certo sendo que não poderia declarar inexistentes atos inequívoca e regularmente existentes e regularmente praticados. Daí que a nulidade do despacho invocada no recurso se não verifique, na medida em que com a sua decisão o tribunal a quo não preteriu qualquer ato ou diligência que fossem devidos nem dessa decisão decorreu restrição do exercício de qualquer direito processual da arguida – nomeadamente o de recorrer (da sentença e do próprio despacho).

Termos em que se mostra improcedente este fundamento do recurso.

3.2 Do recurso da sentença

3.2.1 Da condenação por factos diversos dos acusados A recorrente alega que foi acusada da prática de um crime de injúria, acabando por ser condenada em quatro crimes, sem que nenhuma alteração substancial ou não substancial lhe tivesse sido comunicada (nos termos dos artigos 358.º, § 1.º e 3.º ou 359.º, § 3.º CPP, o que configura nulidade da sentença, nos termos do artigo 379.º, § 1.º, al. b) e § 2.º CPP. O Ministério Público, por seu turno, na resposta ao recurso refere que o dispositivo da sentença contém apena um mero lapso de escrita quando se refere a «quatro crime de injúria», mas que na realidade a arguida foi acusada e condenada apenas por um crime de injúria. Fazendo uma leitura generosa da argumentação recursiva nesta parte diremos que a recorrente se não apercebeu de um notório (evidente) lapsus calami (erro de escrita) contido da sentença, que nos parece quase impossível dele se não dar conta! Para arredar quaisquer dúvidas faremos «o percurso das pedras» mostrando os aspetos mais evidentes desse erro de escrita. No relatório da sentença refere-se que «o assistente BB deduziu acusação particular, para julgamento em processo comum e com intervenção de tribunal singular, contra a mesma arguida, imputando-lhes os factos descritos na acusação de fls. 172 e ss., integrativos da prática de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181.º do Código Penal.»

Nas considerações de direito acerca da subsunção de uma dada factualidade a esse tipo de ilícito, a sentença refere-se a uma só atuação (14 de março de 2021, cerca das 16:59h), referindo que «a arguida enviou ao ofendido, em tom sério, a partir do seu telemóvel com o n.º …, para o telemóvel de BB, com o n.º …, a mensagem com o seguinte teor: - “Filho da puta.”» E nenhuma outra. Depois, nas considerações relativas ao cúmulo jurídico das penas correspondentes ao concurso de crimes, refere a sentença: «a arguida praticou dois crimes em concurso efetivo [com referência ao concurso de um crime de ameaça com um crime de injúria] não se tendo verificado condenação transitada em julgado em relação a qualquer deles, devendo, por isso, aplicar-se-lhes as regras relativas à punição em caso de concurso.» E finalmente no dispositivo (na parte decisória da sentença) grafou-se (por manifesto erro de escrita) terem sido cometidos «quatro crime de injúria». Mas logo de seguida, ao aludir-se ao crime de injúria praticado, refere-se uma só pena: « … p. e p. pelo art. 181.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de 7€.» De tão notório e inequívoco se mostra o (mero) erro de escrita que se dispensam quaisquer outras considerações, exceto a afirmação categórica de que (contrariamente ao alegado pela recorrente) a mesma foi condenada pela prática de (apenas) um crime de injúria. Termos em que, em conformidade com o que prevê o artigo 380.º, § 1.º, al. b) e § 2.º CPP, se determinará que na al. b) do dispositivo da sentença recorrida, onde se lê «quatro crimes de injúria» deverá ler-se «um crime de injúria».

3.2.1 Do crime de ameaça

Está provado que «no dia 14 de março de 2021, cerca das 16:59h, a arguida enviou a BB, em tom sério, a partir do seu telemóvel com o n.º …, para o telemóvel de BB, com o n.º …, as mensagens com o seguinte teor:

- “Se me apareces aqui dou te um tiro. Entregar-te a CC??? Tu bates mesmo muito mal. Voltas a tocar ela e estas morto. Aponta isso como ameaça séria. Voltas a tocar ela juro que te mato. E vou para a cadeia… Mas que te mato mato”.» Considera a recorrente que estes factos não são integradores do crime de ameaça agravada pelo qual o tribunal a quo a condenou, porquanto o seu contexto exclui a culpa. Na verdade terá dirigido as expressões em causa ao seu ex-companheiro, querendo referir-se a que se ele «voltasse a tocar na filha de ambos, referindo-se a contactos de índole sexual, que o matava.» Acrescentando que nesse contexto não era «exigível ao comum cidadão, nem à arguida, outro comportamento perante a convicção segura e o forte receio de que o ofendido molestasse sexualmente a filha, não lhe sendo censurável essa conduta.» Sobre este aspeto do recurso refere o Ministério Público que:

«com base na confissão integral e sem reservas da arguida e sem qualquer oposição de nenhum dos sujeitos processuais, que foram expressamente instados para tal, designadamente, a Ilustre Mandatária da arguida, o tribunal determinou não haver lugar à ulterior produção de prova, considerando provados todos os factos constantes da acusação, em conformidade com o disposto no artigo 344.º do CPP, incluindo a factualidade relativa ao elemento subjetivo que a arguida, ora recorrente pretende por em causa.

Face ao exposto é nosso entendimento que em face da confissão livre, integral e sem reservas da arguida que todos os factos da acusação devem, como foram em sede de sentença, ser dados como provados, sendo que os factos dados como provados preenche os elementos do tipo objetivo e subjetivo dos crimes pela qual a arguida foi acusada e condenada, designadamente, no que toca ao crime de ameaça.»

Tem razão o Ministério Público. E não a tem a recorrente. A arguida foi efetivamente condenada como autora de um crime de ameaça agravada, previsto nos artigos 153.º e 155.º. § 1.º, al. a) CP, na sequência de confissão integral e sem reservas. Tendo o M.mo Juiz aquilatado da liberdade da declaração de confissão, conforme evidencia a ata da audiência. Consta da ata: (…)

Após a leitura da acusação, o arguido declarou pretender confessar de forma livre, integral e sem reservas o que fez, tendo igualmente prestado declarações sobre as suas condições familiares e sócio-económicas e as suas declarações foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal, com o seu início aos “00”00” e o seu términus ao “08”16”.

*

Perguntado pelo Mm.º Juiz de Direito, disse que tal confissão é de livre vontade, fora de qualquer coação, integral e sem reservas.

Dada a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público e ao ilustre defensor presente, pelas mesmas foi dito nada terem a opor a que se fizesse consignar a confissão livre, integral e sem reservas do arguido.

Nessa sequência, pelo Mmº Juiz de Direito foi proferido despacho no sentido de que atenta a confissão integral e sem reservas por parte da arguida, resulta prejudicada a necessidade de produção de prova relativamente aos factos que lhe são imputados, nos termos do art. 344.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal.

Notifique.

Após foi chamado o Demandante BB à sala tendo sido obtida a seguinte transação entre o mesmo e a demandada AA quanto ao Pedido de Indemnização Cível:

1 - O demandante BB reduz o PIC à quantia de €200,00 (duzentos euros).

2 - A demandada AA confessa-se devedora de tal quantia ao demandante e obriga-se a pagá-la até ao dia 31 de Janeiro de 2023.

3 - O pagamento será feito por transferência bancária para o IBAN do demandante que a demandada já tem conhecimento.

(…)» No direito processual penal o arguido tem o direito de não prestar declarações sobre os factos que lhe são imputados, em qualquer fase do processo (artigo 61.º, § 1.º, al. d) CPP). Mantendo-se esse mesmo direito na audiência de julgamento: tendo o arguido o direito de prestar declarações ou de não as prestar, sem que isso, em qualquer caso, o possa desfavorecer (artigo 345.º, § 1.º CPP). Pretendendo prestar declarações o arguido poderá confessar os factos que lhe estão imputados. E se assim for o juiz, sob pena de nulidade, pergunta-lhe se o faz de livre vontade e fora de qualquer coação, bem como se se propõe fazer uma confissão integral e sem reservas (artigo 344.º, § 1.º CPP). E foi isso mesmo que sucedeu, conforme resulta da ata (cf. transcrição supra). Nos termos previsto no § 2.º do artigo 344.º CPP, a confissão integral e sem reservas implica: a) Renúncia à produção da prova relativa aos factos imputados e consequente consideração destes como provados; b) Passagem de imediato às alegações orais e, se o arguido não dever ser absolvido por outros motivos, a determinação da sanção aplicável; c) Redução da taxa de justiça em metade.

Tais efeitos apenas se verificarão nos casos em que os crimes pelos quais o arguido está acusado não forem puníveis com pena de prisão superior a cinco anos – como era aqui o caso (artigo 344.º, § 3.º, al. c) CPP). A confissão integral e sem reservas tem como consequência: o reconhecimento, por parte do arguido da prática dos factos que lhe são imputados (todos os factos); e que os reconhece tal como lhe são imputados, sem quaisquer condições ou alterações (ou seja, nos precisos termos que são imputados na acusação – artigo 344.º, § 2.º, al a) CPP). Ao confessar na audiência de julgamento integralmente e sem reservas os factos de que estava acusada, a arguida encontrava-se livre na sua pessoa e plenamente consciente do significado dessa declaração, conforme se certificou o M.mo juiz a quo, nos termos revelados pela ata da audiência. Sendo o enquadramento completado ainda por estas referências: o ofendido foi companheiro da arguida; sendo ambos pais de uma filha em comum; e a arguida logo em ato seguido à confissão integral e sem reservas transacionou quanto ao pedido civil contra si apresentado, com referência aos factos praticados, aceitando pagar ao ofendido uma indemnização de 200€. Vir agora, assim, a seco, numa estratégia de defesa temerária (para se dizer o mínimo) – a qual em verdade a desqualifica -, não lhe serve de nada. Até porque a factualidade provada não foi questionada - e mostra-se inquestionável. Não podendo deixar-se entrar pela janela o que a lei não permite que entre pela porta. E, logo por isso, desconsidera-se, totalmente, o que a este propósito a recorrente alega.

Debrucemo-nos, pois, sobre o preenchimento dos elementos típicos do crime de ameaça. Para tanto recordemos o modo como o tribunal recorrido enquadrou os factos pertinentemente provados:

«Resulta da matéria de facto provada que, no dia 14 de março de 2021, cerca das 16:59h, a arguida enviou a BB, em tom sério, a partir do seu telemóvel com o n.º …, para o telemóvel de BB, com o n.º …, as mensagens com o seguinte teor: - “Se me apareces aqui dou te um tiro. Entregar-te a CC??? Tu bates mesmo muito mal. Voltas a tocar ela e estas morto. Aponta isso como ameaça séria. Voltas a tocar ela juro que te mato. E vou para a cadeia… Mas que te mato mato.”

Ora, tais expressões configuram anúncios claros e inequívocos ao ofendido da prática de um mal, traduzido em crime contra a vida (crime de homicídio), cuja concretização dependia unicamente da sua vontade.

Esse mal é futuro, pois que a arguida nunca fez acompanhar tal expressão ameaçadora de quaisquer actos de execução do referido crime, remetendo a respectiva consumação para outro momento.

Por outro lado, as ditas ameaças, proferida no contexto em causa são, de acordo com a experiência comum, adequadas a provocar no visado medo e inquietação.

Assim, encontra-se preenchido o tipo objectivo do crime de ameaça, que será agravada por a mesma ter sido realizada com a prática de um crime punível com pena de prisão superior a três anos (homicídio – art. 131.º do Código Penal).

Mais se provou que, ao agir da forma descrita, procedendo ao envio ao ofendido BB, das mensagens supra transcritas, agiu a arguida com pleno conhecimento do significado objectivo das expressões que dirigiu àquele e de que ameaçava o mesmo com a prática de crime contra a vida, bem sabendo que tais expressões eram susceptíveis e adequadas a provocar medo em BB, fazendo-o temer pela sua integridade física e mesmo pela vida e prejudicando a liberdade de determinação do mesmo, o que sucedeu, e, não obstante, quis a arguida agir como agiu. A arguida agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

Esta factualidade integra o elemento subjectivo do tipo de crime de ameaça (agravada no caso do arguido), na modalidade de dolo directo (art. 14.º, n.º 1 do Código Penal), uma vez que, conhecendo o carácter reprovável das suas condutas – elemento intelectual do dolo –, os arguidos quiseram levá-la a efeito, actuando com vontade de realização – elemento volitivo do dolo.

Assim, na ausência de circunstâncias que excluam a ilicitude da conduta ou a culpa, a arguida praticou, em autoria material e na forma consumada, um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal.»

No crime de ameaça, previsto no artigo 153.º CP, visa-se tutelar a liberdade de decisão e de ação, comporta três características essenciais: ocorrência de um mal; no futuro; dependente da vontade do agente do crime. Sendo ainda necessário que a ameaça seja adequada a provocar no ameaçado medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação. O tipo de ilícito não exige que, em concreto, se tenha provocado medo ou inquietação, bastando que a ameaça seja apropriada (idónea) a provocar no ameaçado medo ou inquietação. Sendo que a adequação da ameaça em vista a provocar na pessoa do ameaçado um sentimento de insegurança, intranquilidade ou temor há de aferir-se em função de um critério objetivo-individual (5). As expressões dirigidas pela arguida ao ofendido são ameaçadoras e, dadas as circunstâncias, idóneas a provocar medo no ofendido e a prejudicar a sua liberdade de determinação. E como o bem jurídico ameaçado foi a vida deste (cf. artigos 155.º, § 1.º, al. a) e 131.º CP) tal ameaça é agravada, não se vendo razão nenhuma para divergir do juízo realizado pelo tribunal a quo.

3.2.2 Da medida das penas

Entende o recorrente que as penas parcelares, aplicadas a cada um dos crimes, são excessivas.

Lembremos que a arguida foi condenada na pena de 70 dias de multa, à razão diária de 7€, pelo crime de ameaça agravada, previsto nos artigos 153.º, § 1.º, e 155.º, § 1.º, al. a) CP; e na pena de 40 dias de multa, à razão diária de 7€, pela prática de um crime de injúria, previsto no artigo 181.º, § 1.º CP.

O crime de ameaça agravada é punível com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias; e o crime de injúria com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.

Atentemos que conforme eloquentemente já se afirmou em acórdão deste Tribunal da Relação (6), «o sistema de recursos no processo penal português visa corrigir o que de errado ocorreu na primeira apreciação judicial sobre o objeto do processo, quer na vertente de facto, quer na vertente do direito aplicado. Por isso se lhe atribui a qualidade de “remédio jurídico”.» Quer-se dizer, o tribunal de recurso só deve intervir na pena, alterando-a, quando detetar incorreções ou distorções no processo da sua aplicação, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Isto é, a sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, no patamar da deteção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e as operações de determinação impostas por lei. Não abrangendo esta sindicância a determinação/fiscalização do quantum exato de pena que, decorrendo duma correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada.

Nesta margem de atuação, consigna este tribunal da Relação o acerto no processo aplicativo desenvolvido na sentença recorrido, no qual avulta uma ponderação correta dos fatores relevantes. Consideramos que tendo em conta a moldura abstrata dos crimes cometidos, a sentença evidencia uma correta compreensão do quadro legal punitivo e uma exata graduação das penas concretas relativas a cada um dos ilícitos praticados, tendo sido corretamente valoradas todas as circunstâncias referidas aos factos e à própria arguida, de acordo com os parâmetros pertinentes aos fins das penas (artigo 40.º CP), o que igualmente sucede na fixação da pena única correspondente aos crimes em concurso, no quadro da moldura abstrata do concurso de crimes (moldura abstrata de 70 a 110 dias de multa – artigo 77.º, § 2.º CP) e no quantitativo diário, próximo do limite mínimo, atendendo à condição da arguida.

Tudo razões pelas quais os recursos da arguida AA não são merecedores de provimento.

III – Dispositivo

Destarte e por todo o exposto acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, em:

a) determinar, em conformidade com o que prevê o artigo 380.º, § 1.º, al. b) e § 2.º CPP, que na al. b) do dispositivo da sentença recorrida, onde se lê «quatro crimes de injúria» deverá ler-se «um crime de injúria».

b) Negar provimento aos recursos e, em consequência, manter o decidido do despacho e na sentença recorridos;

c) Custas pela arguida/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.

Évora, 9 de maio de 2023

J. F. Moreira das Neves (relator)

Maria Clara Figueiredo

Fernanda Palma

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1 A utilização da expressão ordinal (1.º Juízo, 2.º Juízo, etc.) por referência ao nomen juris do Juízo tem o condão de não desrespeitar a lei nem gerar qualquer confusão, mantendo uma terminologia «amigável», conhecida (estabelecida) e sobretudo ajustada à saudável distinção entre o órgão e o seu titular, sendo por isso preferível (artigos 81.º LOSJ e 12.º RLOSJ).

2 Cf. acórdão do STJ n.º 7/95, de 19/10/1995 (Fixação de Jurisprudência), publicado no DR, I-A, de 28/12/1995.

3 Neste sentido veja-se p. ex. acórdão do TRLisboa, de 4nov2021, proc. 32/14.1JBLSB-U.L1-9, Des. Calheiros da Gama.

4 Cf. acórdão deste Tribunal da Relação, de 7mai2019, proc. 252/16.4PCSTB-A.E1, Desemb. António João Latas.

5 Neste sentido cf. Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, 1999, Coimbra Editora, pp. 348; e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Portuguesa Editora, 2008, pp. 412/413.

6 Ac. TRÉvora, de 26abr2022, proc. 10/19.4GAGDL.E1, Desemb. Gomes de Sousa