Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2149/17.1T8PTM.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: UNIÃO DE FACTO
DISSOLUÇÃO
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A aquisição de bens, em compropriedade, na constância da união de facto, pagos exclusivamente com dinheiro de um dos membros da união, desacompanhada de qualquer convenção adicional, não se distingue de uma liberalidade que o direito consente; nestas situações não há lugar a restituição por enriquecimento sem causa.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2149/17.1T8PTM.E1


Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório.
1. (…), divorciado, empresário e (…), solteira, maior, residentes na Rua do (…), nº 794, moradia (…), S. (…), Alcochete, instauraram contra (…), solteira, maior, residente na Rua dos (…), nº 31-H, r/chão, Alcochete, ação declarativa com processo comum.
Alegaram, em resumo, que o A. e a R. viveram em união de facto, cerca de duas décadas e que na pendência dessa união adquiriram, em partes iguais, um imóvel, integralmente pago pelo A., combinando que, no futuro, o imóvel seria doada à autora, (…), filha de ambos.

O A. transferiu a propriedade da sua meação para a filha, mas a R. absteve-se de o fazer e, assim, quando cessou a vida dos dois em comum, a R. ficou locupletada com metade do imóvel que, na verdade, não foi por si adquirido.

Concluíram pedindo que se declare que a fração autónoma designada pela letra “F”, destinado a habitação, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal denominado “(…)”, do aldeamento Hotel (…), sito no (…), freguesia do Carvoeiro, concelho de Lagoa, é propriedade exclusiva do A. e se condene a R. a restituir ½ do valor da fração ou fazer essa restituição em espécie ao A.

A R. contestou excecionando a prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa, uma vez que a separação do casal, na sequência de alguns episódios de violência por parte do A., ocorreu em 2014 e, assim, há mais de 3 anos antes da entrada da ação em juízo, prosseguiu argumentando que contribuiu com rendimentos do seu trabalho para a vida em comum do casal, comparticipando na compra do imóvel e alegando que o A. se apropriou abusivamente de quantias que eram pertença do casal.

Concluiu pela sua absolvição do pedido e, reconvindo, pela condenação do A: (i) a reconhecer a Ré como legítima proprietária de 1/2 indiviso do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, denominado “(…)”, do Aldeamento Hotel (…), sito em (…), freguesia do Carvoeiro, Concelho de Lagos, inscrito na matriz predial urbana sob o artº (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa, sob o número (…), do Livro B-3, (ii) a pagar à Ré a quantia de € 33.443,62, (iii) a pagar à R. metade dos valores de todas as notas de liquidação de IRS, referentes aos anos de 2008 e 2009, a liquidar em execução de sentença.

O A. respondeu por forma a defender a inadmissibilidade da reconvenção e a improcedência da exceção de prescrição.


2. Foi proferido despacho que admitiu o pedido reconvencional, relegou para a decisão final o conhecimento da exceção da prescrição e afirmou a validade e regularidade da instância.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença, em cujo dispositivo designadamente se consignou:
“Pelo exposto, julga-se a presente ação procedente e condena-se a R. a pagar ao A. a quantia de € 87.241,63, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, mais se julgando improcedente a reconvenção, com a inerente absolvição do A. do contra si peticionado pela R.”


3. O recurso.
A R. recorre da sentença e conclui assim a motivação do recurso:
“1. Com a entrada do novo Código de Processo Civil, em 2013, a apresentação da Réplica ficou condicionada aos requisitos que se encontram previstos no artigo 584º do referido diploma legal.

2. De acordo com o nº 1 do referido preceito legal, o Autor só (i) pode deduzir defesa quanto à matéria da reconvenção, (ii) à reconvenção não pode opor nova reconvenção e, por último (iii) de acordo com o nº 2, nas ações de simples apreciação negativa, a Réplica serve para o autor (iv) impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e para (v) alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu.

3. Os Autores “aproveitaram-se” da Réplica, para responder, não só à Reconvenção deduzida pela Ré, mas para responder a toda a contestação que esta apresentou, incluindo aos factos que esta referiu desconhecer e que consubstanciam a causa de pedir da ação, desconhecimento esse, a que a lei, expressamente, faz equivaler a impugnação, de acordo com o preceituado no artigo 574º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

4. Os Recorridos deduziram na Reconvenção apresentada pela Apelante, pedido Reconvencional, o que lhes está vedado por lei.

5. Nesta conformidade, a Réplica apresentada pelos Autores, ao extravasar os requisitos do artigo 584º do Código Processo Civil, é legalmente inadmissível, sendo que, a apresentação da mesma, nos moldes utilizados pelos Autores, configura um ato nulo, nos termos do artigo 195º do Código de Processo Civil, o que expressamente se invoca.

6. Em consequência, deveria o Douto Tribunal a quo ter ordenado o desentranhamento da Réplica apresentado pelos Autores, ou, no limite, deveriam ter sido convidados os Autores a corrigirem a referida peça processual, em conformidade com o estabelecido por lei, qual seja, com a finalidade única, no caso sub iudice, de responder ao pedido reconvencional formulado pela Ré/Apelante.

7. Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Proc. nº 1406/14.3TBPTM-B.E1, in www.dgsi.pt, no qual se refere “Ao ato de apresentação do articulado Réplica, porque irregular, não pode ser atribuído qualquer efeito devendo ser eliminado do processo eletrónico, uma vez que a aceitação de tal articulado embora a titulo excecional, não é, no caso dos autos, imposto pelos deveres de gestão processual concedido ao juiz, nem resulta da correta aplicação do principio da adequação formal, sendo certo que vai contra a alteração legislativa introduzida no NCPC, desvirtuando-a”.

8. Também a prova documental inserta na Replica, destinado a fazer prova de factos que extravasaram a resposta ao pedido reconvencional, não poderiam ser admitidos, até porque, a alteração dos meios de prova inicialmente oferecidos (na petição) só pode ocorrer no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação e não no prazo de 30 dias previsto para a apresentação da Réplica.

9. Em conclusão, a Réplica nos moldes em que foi apresentada, é legalmente inadmissível, constituindo um ato nulo, nulidade extensível aos documentos com ela juntos e para prova dos factos constantes da mesma, donde, os factos constantes da Réplica, para além da resposta à matéria reconvencional não deveriam ser matéria a considerar nos temas de prova a elencar, designadamente, os artigos 2º a 4º, 8º a 35, inclusive, 38º, 39º, 42º, bem como a toda a matéria da reconvenção, por ilegalmente inadmissível, sob pena de violação dos artigos 423º e 552º, nº 2, do Código de Processo Civil, que aqui, expressamente se invoca.

B. POR EXCEPÇÃO – PRESCRIÇÃO DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA

10. Em sede de Contestação, referiu a Ré, aqui Apelante, ter vivido com o Autor (…), desde Julho de 1996 até ao início do ano de 2014, em situação de união de facto, entendendo-se esta, como a comunhão de leito, de mesa e de habitação entre ambos, tal como existe entre pessoas casadas, mas sem o vínculo formal do casamento.

11. Alegou, ainda, que na sequência de alguns episódios de violência por parte do Autor, que, teriam ocorrido em 2014, o casal separou-se, passando, desde então, a Ré/Apelante a pernoitar num quarto diferente do que era usual partilhar com o Autor (…), no rés-do-chão da moradia que constituía a casa de morada da família, sita em São (…), Alcochete, na Rua (…), nº 794-A.

12. Da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, resulta o seguinte: “Já no que respeita a cessação de coabitação entre as partes, a situação é assaz diferente. Aqui, a prova é bem menos concludente e espelhou alguma divergência que as partes mantêm uma com outra e que se transpôs também para prova Testemunhal produzida. (…) Quanto à separação das partes, a já referida Testemunha (…) mencionou que o autor e a ré se zangaram por diversas vezes e se reconciliaram também por diversas vezes, tornando difícil estabelecer com exatidão quando ocorreu uma separação definitiva”.

13. Não podemos concordar dom o Douto Tribunal, pois da concatenação da prova produzida em sede de julgamento, consegue retirar-se qua à data da propositura da ação, Apelante e Apelado já se encontravam separados há mais de 3 anos.

14. Da análise da prova gravada, resulta do depoimento da testemunha … (Gravação 20180627104241) “começaram a ficar cada vez mais zangados (00:04:19) chegou a um ponto que já dormiam em sítios diferentes, mas continuavam a fazer vida de casal, mas só que passaram a dormir em sítios diferentes”.

15. Resulta, igualmente do depoimento da testemunha … (Gravação 20180627100555):

(suprime-se aqui a transcrição parcial do depoimento)

16. O depoimento da testemunha … (Gravação 20180627161941_3894578_2871984), com relevo para a presente questão, foi o seguinte:

(suprime-se aqui a transcrição parcial do depoimento)

17. Com idêntico relevo, o depoimento da Testemunha … (Gravação 20180627164854_3894578_2871984), com relevo para a presente questão, do qual resultou claro conhecer Apelante há mais de 10 anos, bem como o Apelado. Referiu que a Sra. (…) viveu na casa (de S. …) até há cerca de um ano (tendo por referencia a data do julgamento) e que nessa altura dormia num quarto no rés-do-chão. Quanto às viagens, contextualizou, dizendo que as mesmas se prendiam com tentativas de reconciliação. Referiu que a Apelante quando regressava das viagens “vinha triste”.

18. Ora da concatenação de todos estes depoimentos, resulta claro que a Apelante dormia em quarto separado do quarto do autor, já não mantendo uma vida de casal, sendo que da conjugação dos depoimentos esse facto remonta à data apontada na Contestação.

19. Aliás, se considerarmos as declarações da Apelante e do Apelado, compreendemos melhor o sentido geral da prova, nomeadamente a prova documental, apontando-se, neste sentido o email datado de 16 de Novembro de 2016, a fls., enviado pelo Apelado à Apelante, onde se pode ler “Bom dia, da minha parte tenho a consciência limpa… mas tu é que sabes porquê que me colocaste todos estes anos de parte…nunca procurando traçar o mesmo caminho…”, sic.

20. Ora, quando o Apelado refere “todos estes anos”, obviamente que se refere a mais do que 1 (um) ano, e embora não contextualize, no limite, sempre seriam, pelo menos, 2 (dois), pelo que, sendo o email de 2016, a circunstância da separação de facto, remonta a 2014, como a Apelante, de forma coerente, sempre defendeu.

21. Salientemos as declarações de parte da apelante (…) (Gravação 20180621100810_3894578_2871984) (…)

(suprime-se aqui a transcrição parcial do depoimento)

A propósito das férias às Maldivas em 2015 e a NY em 2016 (00:27:18) em 2015, referiu que teria ido a Cabo Verde, porque tinha uma viagem programada com a Mãe, o irmão e a filha (…), ia em família e “nessa altura o Sr. (…) não ia com a gente”, “Entretanto o Sr. (…) fez de tudo para acompanhar a família (…)

Esclarece que as viagens de NY e de Seychelles foram tentativas de reconciliação, que não resultaram.

22. Com efeito e salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, da prova carreada para os autos resulta inequivocamente, o seguinte:

a. Quanto à cessação da união de facto, o depoimento da testemunha (…);

b. Quanto ao momento em que ocorreu essa cessação, as declarações da Apelante, absolutamente coerentes, no decurso de todo o processo, tendo sido devidamente comprovadas pelas testemunhas … e … (ambas titulares de uma relação com ambos, Apelante e Apelado, frequentadoras da casa dos mesmos e confidentes da Apelante) a testemunha … (mantendo contacto diário com Apelante e Apelado na fábrica onde todos trabalham) todas elas sem qualquer interesse na decisão final do processo, prestaram um depoimento isento e coerente, do qual resulta de forma inequívoca, que (i) a união de facto terá cessado há muitos anos (mais de 3) passando desde então a Apelante a dormir em quarto diferente do utilizado para o efeito pelo Apelado, que (ii) as viagens ocorridas após a cessão da união de facto, eram fruto de tentativas de reconciliação que nunca produziram frutos, pelo que, estes depoimentos sempre teriam de ser valorados em conformidade.

23. Ora, a análise crítica às motivações de facto/fundamentação de facto valoradas pelo Douto Tribunal a quo que entendeu, com o devido respeito, submeter este pleito a um conjunto de conclusões díspares das provas que foram produzidas e que consubstanciaram os factos, impunham uma decisão diferente, designadamente, quanto as respostas dadas a matéria de facto que, ao invés, deveriam ter a seguinte redação:

“18 - Viveram, Ré e Autor, desde Julho de 1996 até ao início do ano de 2014, em situação de união de facto, entendendo-se esta, como a comunhão de leito, de mesa e de habitação entre ambos, tal como existe entre pessoas casadas, mas sem o vínculo formal do casamento.

22 - No início do ano de 2014, na sequência de mais uma discussão, que evoluiu para um episódio de violência a Ré, que passou a pernoitar num quarto diferente daquele que costumava partilhar com o Autor, fechando-se á chave, quarto este situado no rés-do-chão da moradia que constituía a casa de morada da família, sita em São (…), Alcochete, na Rua (…), nº 794-A, sendo que, partir dessa data, a Ré não regressou ao quarto do casal, limitando-se desde então a coabitar debaixo do mesmo teto que o Autor, sendo que as viagens efetuadas após 2014 foram efetuadas na expectativa de reconciliação que nunca aconteceu”.

24. Verifica-se uma situação de união de facto quando duas pessoas (…) vivem há mais de dois anos, em regime de coabitação análoga à dos cônjuges, relacionando-se sexual e afetivamente, e partilhando os encargos da vida familiar.

25. No caso em apreço, a Ré, ora Apelante, em 2014 deixou de querer viver uma comunhão plena de vida com o Autor, aqui Apelado, designadamente, de com ele ter uma vivência em comunhão de mesa e leito, limitando-se a coabitar debaixo do mesmo teto com (…).

26. Sendo certo que o nosso ordenamento jurídico consagra a livre apreciação da prova, sendo, portanto o julgador livre para apreciar as provas, a verdade é que tal apreciação é vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, que se devem incluir no âmbito do direito probatório.

27. Verifica-se, assim, que a douta sentença enferma de erro de julgamento, por uma falsa representação da realidade factual, donde, o decidido não corresponde à realidade ontológica e normativa.

28. Com efeito, de acordo com o artigo 8º da referida lei – nº 1, alínea b), a união de facto dissolve-se por vontade de um dos seus membros, ou seja, os membros da união de facto não assumem qualquer compromisso; cada um pode romper a relação quando quiser livremente e sem formalidades (e sem que o outro possa pedir uma indemnização pela rutura).

29. “A união de facto também não é apenas a convivência conjugal a que falta um ato formal e burocrático ela é mais do que isso, sendo uma vivência análoga às dos cônjuges, mas em que as partes, podendo contrair matrimónio, não o fazem por motivos pessoais (…) Na união de facto existe um acordo íntimo, não sendo este expresso por nenhum meio formal, escrito, falado, ou por outro meio qualquer, mas sim uma declaração tácita de todos os dias estar presente e querer viver uma comunhão plena de vida com a outra pessoa, uma vivência em comunhão de mesa, leito e habitação”, in Carvalho, Telma – A união de facto: a sua eficácia jurídica – Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977 – Vol. I Direito da Família e das Sucessões – Coimbra: Coimbra Editora, 2004 pp. 227 a 237.

30. Ora, no caso em apreço, tendo ficado amplamente demonstrada a cessação da união de facto, ocorrida em 2014, tendo tal facto sido amplamente esclarecido, quer pela Apelante (…), quer pelos documentos que o Apelado juntou (email datado de 2016, no qual faz referência à inexistência da vida em comum) impunha-se resposta diversa à matéria de facto, nos termos apontados.

31. Alterada que seja a matéria de facto referida nos pontos 18 e 22, no que concerne à cessação da união de facto, ocorrida há mais de 3 anos (considerando a data da propositura da presente ação) e, consequentemente, seja considerada a exceção da prescrição do direito invocado pelo Apelado, nos termos do artigo 482º do código Civil, dúvidas não existirão, que deverá, igualmente, ser alterada a decisão proferida pelo Tribunal a quo.

II - IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

32. Intentaram os Autores a presente ação declarativa de condenação, com fundamento na circunstância de o Apelado (…) e a ora Apelante terem vivido em união de facto, e na pendência dessa união, terem adquirido em partes iguais, um imóvel, que o Recorrido, só no seu entendimento, considera ser apenas seu, por o ter pago totalmente e, apontando tal circunstância para um enriquecimento sem causa da Ré.

33. Refere-se na Douta Sentença “Por um lado, aceitamos como razoável que a grande maioria dos fluxos financeiros em questão tenha tido a sua proveniência nos rendimentos do autor. Era ele quem, efetivamente, auferia, através das suas empresas, rendimentos. Isto torna mais difícil perceber quem pagou o quê, posto que é bastante plausível (tendo em conta até as regras de experiência comum e a circunstância de A. e R. viverem como um casal) que contas pertencentes ao autor fossem usadas em pagamentos da autoria da ré, como fossem os referentes a impostos onde a ré aparecia como pagadora. Por outro lado, a partir de 2010 a ré começou a auferir rendimentos que, ainda que fossem pagos por empresas de que o autor era legal representante, eram rendimentos seus (da ré). Por isso, não pode negar-se que também a ré contribuiu, com esses rendimentos, para as despesas do agregado constituído por si e pelo A. Contudo, à data da aquisição do imóvel tal ainda não acontecia”.

34. Ora, com o devido respeito por opinião contrária, quer-nos parecer, que a prova carreada para os autos e a prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, não poderia ter conduzido a essa conclusão.

35. Com efeito, do depoimento da testemunha (…) (Gravação 20180627100555_3894578_2871984 que referiu trabalhar há 19 anos na …, sociedade de que o Autor/Apelado … é sócio e gerente, desempenhando as funções de Directora Financeira Adjunta, salienta-se o seguinte:

(suprime-se aqui a transcrição parcial do depoimento)

35. Em contra interrogatório efetuado pelo Ilustre Mandatário da Ré, aqui Apelante, referiu a esta testemunha, a propósito dos rendimentos auferidos pela Apelante, o seguinte:

(suprime-se aqui a transcrição parcial do depoimento)

36. Por sua vez, e a propósito dos rendimentos percebidos pela Apelante e a sua contribuição para a vida em comum do casal, resulta das Declarações de Parte da Recorrente … (Gravação 20180621100810_3894578_2871984), o seguinte:

(suprime-se aqui a transcrição parcial do depoimento)

37. Na sequência do pedido de esclarecimentos da mandatária dos Autores, disse:

(suprime-se aqui a transcrição parcial do depoimento)

38. Ora, com o devido respeito pelo entendimento do Tribunal a quo, não pode deixar de se sustentar que, no essencial, a Declarante (…), demonstrou sinceridade, explicando de forma clara a origem dos seus rendimentos, a forma encontrada para a sua contribuição no património comum do casal, revelando até, que está, como sempre esteve, disposta a ajudar a ultrapassar todos os problemas que a empresa enfrenta, nomeadamente a iminência de uma insolvência, isto, apesar de todos os desaguisados com o Autor (…).

39. Ora, a prova produzida em sede de audiência conjugada com a prova documental carreada para os autos, não poderia ter conduzido à conclusão jurídica plasmada na Douta Sentença, dado que o Tribunal apenas considera que a Apelante auferiu rendimentos a partir do momento em que subscreveu o contrato de trabalho com a (…), bem sabendo, que a relação laboral não tem que ser sujeita a contrato escrito e no caso de omissão, imputável, unicamente à entidade empregadora, a trabalhadora faz parte dos quadros da empresa – é efetiva.

40. Pelo que, do depoimento da testemunha (…) e das declarações da Apelante supra referidos, em conjugação com os documentos juntos aos autos, e com a experiência do Tribunal, deverão ser alteradas as respostas dadas à matéria de facto constante dos números 27 e 28, com os fundamentos a seguir enunciados:

41. A Apelante tinha, efetivamente, um vinculo laboral com a (…), auferia o vencimento constante dos recibos de ordenado,

42. Não deve colher a tese do Recorrido, de acordo com a qual, o vencimento da Apelante na (…), constante dos recibos de vencimento juntos aos autos, não correspondia ao valor real e que a indicação desse valor tinha como única finalidade, que a Apelante tivesse, no futuro uma reforma melhor,

43. Até porque, a ser assim, ficou por explicar, porque é que essa “preocupação” essa “bonomia” deixou de existir quando a Apelante outorgou contrato de trabalho com a (…), numa fase em que ainda viviam em união de facto e pelos vistos, nada faria supor, que a cessação da mesma viesse a ocorrer.

44. Ficou, contrariamente ao que o Apelado quis fazer crer, inequivocamente demonstrado, que a Apelante exerceu uma atividade remunerada na (…) (independentemente de ali se deslocar todos os dias ou não) e, mesmo, na (…), em data anterior a 2010 (por referencia à outorga do contrato de trabalho) dado ter sido esclarecedor neste ponto, o depoimento da testemunha (…) ao referir que “ela ia lá à (…) para fazer algum trabalho”, decorrendo daqui, que a mesma auferia, de facto e de direito, rendimentos, cuja existência não pode ser colocada em causa pelo simples circunstância de ser maior ou menor a comparência no local de trabalho, ainda mais, porque tal facto tivesse tido por base o acordo das partes, ou seja, o caminho escolhido por ambos, como claramente resulta das Declarações de Parte do Apelado … (Gravação 20180503153251_3894578_2871984): “(00:21:26) quando estava tudo bem comigo, ia às nove e meia para o trabalho e saía às quatro… havia dias que não ia, quando íamos de férias nem sequer se chateava…”.

45. Também no que concerne à contribuição da Apelante na aquisição do imóvel em discussão, do depoimento da testemunha … (Gravação 20180627100555), resultou o seguinte:

(suprime-se aqui a transcrição parcial do depoimento)

47. Ora, com o devido respeito por opinião diversa, a Apelante à data, não era uma funcionária qualquer! Não o era, em termos de vencimento, não o era em termos de cumprimento de horário de trabalho e, por um mero acaso (?) até era detentora de uma participação social na empresa que lhe processava o vencimento – (…).

48. É óbvio que o que está na origem da diferença do valor contratualmente estabelecido no contrato de trabalho com a (…) e efetivamente recebido pela Apelante, é a sua participação na aquisição do imóvel objeto dos presentes autos, bem como em todas as despesas decorrentes da vida em comum.

49. Nesta conformidade, discorda em absoluto a Apelante, com o que na Douta Sentença consta: “Assim, a respeito do dinheiro utilizado na aquisição do imóvel, estamos em crer que a prova que se produziu foi bastante concludente no sentido de que esse dinheiro pertencia ao autor. Tratava-se de fundos que este obtinha com o seu trabalho e com o resultado da exploração da empresa de que era legal representante. A ré, segundo se apurou, não tinha essa disponibilidade de fundos e aqueles de que usufruiu, na sua maioria adivinham do próprio contributo do autor ou do vencimento pago pelas empresas de que o autor era legal representante”.

50. Com efeito, uma vez mais, a análise crítica às motivações de facto/fundamentação de facto valoradas pelo Douto Tribunal a quo apontou para um conjunto de conclusões díspares das provas que foram produzidas – documentais e testemunhais e, como tal, impunham uma decisão diferente, designadamente, quanto as respostas dadas à matéria de facto constante dos números 27 e 28 que deveriam ter a seguinte redação:

“ 27 - A Ré (…) sempre exerceu uma atividade profissional remunerada, sendo em 2007, o seu vencimento mensal ilíquido de € 5.112,64 (Cinco Mil, Cento e Doze Euros e Sessenta e Quatro Cêntimos), conforme documentos juntos (19 a 30), valor que se manteve inalterado até 2010;

28 - À data da aquisição do imóvel, a Ré era detentora, desde Abril de 2000, de uma participação social de 25% na sociedade comercial (…), SGPS, S.A, correspondente ao capital subscrito no montante de 501.205$00 (Quinhentos e um Mil e Duzentos e Cinco Escudos)”

51. Por sua vez, verifica-se flagrante contradição entre a resposta dada ao número 26 “Durante os anos em que viveram em comum, Autor e Ré tiveram uma economia doméstica conjunta, para a qual participaram com os seus vencimentos” e as respostas dada aos números 4, 7, 9, 38, e 39, que deveriam ter uma resposta negativa, considerando-se não provados.

52. Aliás, a sustentar o alegado no número anterior, Neste sentido, as próprias Declarações de Parte do Apelado … (Gravação 20180503153251_3894578_2871984): “(00:55:57) – “aqui havia uma questão e esta foi sempre a (..) portanto eu tenho uma filha do meu primeiro casamento, portanto e ao estar com a (…), a (…) de alguma forma queria salvaguardar as coisas que nós os dois tínhamos adquirido” (apressando-se, de imediato a corrigir) “ou que eu tinha adquirido, que não fosse no rolo de um dia dessa sucessão para a minha outra filha”, sic.

53. Ao decidir, como decidiu a douta sentença enferma de erro de julgamento, por uma falsa representação da realidade factual, por um lado, e manifesta contradição entre a matéria dada como provada no número 26 e as respostas dadas aos números 4, 7, 9, 38 e 39, donde, o decidido não corresponde à realidade ontológica e normativa.

54. Por forma a melhor compreender a motivação do Apelado (…), atente-se no que o mesmo referiu em sede de Declarações de Parte: (00:22:28) “… eu estava a divorciar-me naquela altura da minha primeira mulher, da mãe da (…) e para não ter, portanto, houve a oportunidade, eu tinha 25% da (…) e houve a oportunidade de comprar a totalidade da (…), porque os sócios, alemães, eram 2 sócios alemães e 1 americano e mostraram intenção de vender a parte deles, naquela altura eu estava em processo de divórcio logicamente eu não podia colocar aquilo em meu nome”, retirando-se das mesmas que o Recorrido no termino das suas relações prejudica de forma consciente as suas companheiras.

55. Nos presentes autos, o Apelado reitera este mesmo comportamento, com a Recorrente, procurando iludir aquilo que resulta das regras da experiência, do entendimento do Homem médio e da perceção do senso comum, que não seria expectável e, muito menos, crível, que o Apelado, tivesse disposto da totalidade do valor do imóvel e que na escritura de compra e venda ficasse a constar que o mesmo era adquirido em comum e em partes iguais, com a Apelante, (…) ou, no limite, que do titulo constitutivo não tivesse ficado a constar que o dinheiro utilizado na aquisição do mesmo, pertencesse em exclusivo ao Apelado.

56. No caso em apreço, a lógica aponta no sentido, que ao fazerem registar o imóvel em nome de ambos, quando viviam em união de facto, Apelante e Apelado, manifestaram claramente o propósito de integrar o imóvel na sua economia comum, com vista à satisfação das necessidades do agregado familiar, pelo que vir agora o Apelado, uma vez cessada a união de facto, pedir a restituição de metade das quantias pagas relativamente ao mesmo, é absolutamente injusto, configurando a sua atuação, uma situação de claro abuso de direito, pelo que sempre teria de improceder a pretensão do Apelado.

III – DO PEDIDO RECONVENCIONAL

57. Da Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo, resulta o seguinte:

"No que respeita à reconvenção, para além do que já se disse, considera-se ser ainda de referir que nada mais se provou que permitisse fundar a condenação do A. no pagamento de algum montante à R. Em especial, não se provou que o A. se tivesse locupletado abusivamente com qualquer quantia cujo aproveitamento, nem que fosse em parte, devesse ser proporcionado à R. e não o tivesse sido, como fossem os montantes recebidos a título de reembolso de IRS ou de indemnização obtida em julgamento por acidente de viação. O que se apurou foi que o dinheiro foi para contas às quais a R. tinha também acesso, não se tendo logrado divisar com rigor qual o destino efetivo dessas verbas, que puderam ser usadas livremente pelas partes (e que o A., por seu turno, também alegava ter sido a R. que gastou, em exclusivo, em gastos pessoais seus).” “Não se provou, finalmente, que tivesse sido a R., com verbas suas, a suportar, por exemplo, o pagamento de despesas de impostos como o IMI. Como é bom de ver, uma coisa será a identidade de quem num dado momento se apresenta numa repartição a fazer um pagamento em concreto, ou mesmo quem é nominalmente o titular do bem que originou a receita fiscal. Outra, diversa, é a titularidade do meio de pagamento utilizado. Como tal, deverá a reconvenção improceder.”

58. Ora, quer-nos parecer com o devido respeito por opinião contrária, que o Douto Tribunal a quo se pronuncia de uma forma diferente, para questões idênticas, utilizando “dois pesos e duas medidas”, incompatíveis com uma solução que se pretende justa, ao considerar as contribuições da Ré/Apelante de forma diferente das contribuições do Autor/Apelado.

59. As declarações de parte da recorrente … (Gravação 20180621100810_3894578_2871984) no que à matéria do pedido reconvencional diz respeito, são as seguintes:

(suprime-se aqui a transcrição parcial das declarações)

60. Contudo, se o Tribunal a quo, considerou na sentença que “Assim, a respeito do dinheiro utilizado na aquisição do imóvel, estamos em crer que a prova que se produziu foi bastante concludente no sentido de que esse dinheiro pertencia ao autor”, o que sem conceder não se aceita, por uma questão de justiça teria de ter considerado que a indemnização atribuída à Apelante na sequência de acidente de viação, constituía um valor pecuniário seu, de direito próprio, cujo destino a Apelante desconhece, pois como alegou e demonstrou documentalmente, em sede contestação, o valor da indemnização foi inicialmente depositado numa conta conjunta da Ré e do Autor, de que este é primeiro titular, conta nº (…) do BPI, (conforme documentos 48 e 49), tendo sido posteriormente, transferido o referido valor para uma conta bancária de que o Autor é único titular, na Caixa de Crédito Agrícola, conforme documento que com o número 50, também se juntou e cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, perdendo-lhe, dessa forma o rasto.

61. Assim no entender da Apelante os pontos 42 e 43 comportam conclusão diferente da matéria de facto apurada, ao abrigo do artigo 640º do Código de Processo Civil, que, segundo a Recorrente se encontram incorretamente julgados ou deficientemente considerados tendo o atrás mencionado.

62. Assim o número 42 deveria ter a seguinte redação: “42 - A conta para onde foram transferidos os reembolsos de IRS, era uma conta conjunta do A. e da Ré, no Banco B.P.I. (NIB: …)”.

63. A resposta ao número 43, deveria ter a seguinte redação: “43 - O montante da indemnização recebida pela Companhia de Seguros “(…)” em acordo estabelecido previamente à audiência de julgamento, no valor global de € 45.000,00 e no processo indicado pela Ré em Reconvenção, foi depositado na conta conjunta do A. e da Ré, no banco B.P.I., tendo sido posteriormente, transferido o referido valor para uma conta bancária de que o Autor é único titular, na Caixa de Crédito Agrícola, conforme documento número 50, junto com a contestação, desconhecendo a Ré qual o destino dado a esse valor”.

64. Nesta conformidade e caso o Tribunal ad quem venha a considerar que não se verifica a exceção perentória da prescrição, o que só por mera hipótese académica se admite, sempre se dirá que, com a dissolução da união de facto, extinguiu-se a causa jurídica para a deslocação monetária deixando de ter justificação a privação desses valores, por parte da Apelante.

65. É que nesse caso, estaríamos perante o superveniente desaparecimento da causa da deslocação patrimonial, que tal contribuição monetária representou, correspondente à conditio ob causam finitam consagrada no n.º 2 do artigo 473.º do Código Civil, ocorrendo, assim, uma clara situação de enriquecimento sem causa, por parte do Apelado, constituindo-se, por isso, este na obrigação de restituir.

66. Da mesma forma, no que concerne ao pagamento dos valores das notas de Liquidação de IRS, é facto incontornável que a prova da propriedade dos valores depositados numa conta conjunta não se afigura fácil, apesar de, na falta de indicação em contrário, sobre eles recair a presunção de compropriedade prevista no n.º 2 do artigo 1403.º do Código Civil, donde, no caso em apreço, não se poderá concluir, como a Douta Sentença recorrida o faz.

67. A Sentença ao não valorar o sentido da prova gravada e documental carreada para os autos formulou uma fundamentação de direito que salvo melhor opinião está desfasada da realidade dos factos em litígio o que inquinou a decisão proferida, pelo que se impugna na sua totalidade.

68. Pelo que deverá ser revogada e substituída por outra decisão que considere improcedente a ação, absolvendo a Recorrente do Pedido.

Nestes termos e nos melhores de direito, deverá ser concedido provimento ao recurso interposto pela Recorrente e ser revogada a decisão recorrida, assim se fazendo, como sempre JUSTIÇA.”

Respondeu o A por forma a concluir pela improcedência do recurso.
Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso.
O objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões da motivação do recurso, enquanto constituam corolário lógico-jurídico da fundamentação expressa na alegação, sem prejuízo das questões que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio e do conhecimento de alguma das questões suscitadas vir a ficar prejudicada pela solução dada a outras – cfr. artºs. 635º, nº 4, 639º, nº 1, 608º, nº 2 e 663º, nº 2, todos do Código de Processo Civil; vistas as conclusões da motivação do recurso, são as seguintes as questões colocadas: (i) se a réplica apresentada pelos AA configura um ato nulo, (ii) a impugnação da decisão de facto, (iii) se a restituição por enriquecimento se mostra prescrita, (iv) se a pretensão do A. configura abuso de direito, (v) se procede o pedido reconvencional.

III. Fundamentação.
1. Factos.
1.1. A decisão recorrida julgou assim os factos:
Factos Provados:
1- O A., (…), adquiriu, em compropriedade com a Ré, (…), celebrando escritura de compra e venda, no dia 25/01/2008, no Cartório Notarial de Alcochete, a fração autónoma designada pela letra “F”, que corresponde ao apartamento nº (…), situado no piso térreo do bloco B da célula, destinado a habitação, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal denominado “(…)”, do aldeamento Hotel (…), sito no (…), freguesia do Carvoeiro, concelho de Lagoa, inscrito na matriz sob. o artº (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa – Algarve, sob o nº (…), do Livro B-3 (resposta aos artºs 1º e 2º da p.i.).

2- O preço da fração autónoma, descrita em 1 destes factos provados, foi de € 135.000,00, acrescido de € 39.483,26, correspondente a obras e colocação de materiais diferenciados, efetuados pelos vendedores a pedido do comprador (…), pelo que não consta da escritura de compra e venda, mas faz parte do preço de aquisição do imóvel (resposta aos artºs 3º da p.i. e 33º da contestação).

3- A fração descrita em 1 destes factos provados foi vendida ao primeiro A., (…) e à Ré, (…), no dia 25/01/2008, em comum e partes iguais, pois que àquela data, viviam um com o outro, em união de facto, tendo desta relação nascido (…), ora segunda A. (resposta aos artºs 4º da p.i., 26º da contestação e 7º e 8º da réplica).

4- Foi o A., (…) quem pagou, na totalidade e de uma só vez, o custo do imóvel (resposta aos artºs 5º, 9º, 35º e 36º da p.i. e 2º, 35º e 60º da réplica).

5- (…), entregou ao vendedor da fração, … (e mulher), no dia 18/07/2007, o cheque nº (…), emitido sobre o (…) – Banco (…), no valor de € 174.483,26, que se encontra junto como doc. 2 da p.i. (resposta ao artº 6º da p.i.).

6- O cheque, atrás identificado assim como o valor nele aposto, pertenciam à Sociedade “(…), Lda.”, empresa de que o A. (…) é sócio e gerente, sendo que, logo no final desse mesmo mês, (…), entregou à Sociedade, o valor integral do adiantamento que esta lhe tinha feito (resposta aos artºs 7º e 8º da p.i.).

7- O A. aceitou pagar a totalidade da referida fração de (…), em Carvoeiro – Lagoa, a expensas suas, ficando a constar da Escritura Notarial de Compra e Venda, que a mesma era adquirida em comum e partes iguais, com a Ré … (resposta ao artº 10º da p.i.).

8- Autor e Ré, estipularam entre si, com o conhecimento de outros familiares e amigos que oportunamente disporiam da propriedade do imóvel a favor da aqui 2ª A., (…), filha de ambos (resposta aos artºs 11º a 13º da p.i.).

9- A Ré, que não contribuiu com dinheiro para a aquisição da fração de (…), mencionada em 1 destes factos provados, nem até hoje, despendeu qualquer quantia com a conservação do imóvel (resposta ao artº 14º da p.i.).

10- A convenção de transmissão à filha de ambos, (…), que se referiu em 8 destes factos provados não foi aposta na Escritura de Compra e Venda, nem registada, àquela data, pois que, nem o A., nem a Ré, viram necessidade de o fazer, estando convictos de que o acordo verbal a que tinham chegado, bastava (resposta aos artºs 15º e 16º da p.i.).

11- Enquanto a vida do A. e da Ré, em união de facto, fluía, o A. nunca pensou que a intenção da Ré não fosse a de colocar a sua meação na fração, em nome da filha, aqui segunda A., doando-a (resposta aos artºs 17º da p.i.).

12- No dia 14 de Maio de 2013, dia convencionado entre o A., (…) e a Ré, (…), para a celebração da Escritura de Doação a (…) em Cartório Notarial, a R., alegando compromissos seus, não compareceu (resposta ao artº 18º da p.i.).

13- O A. compareceu e celebrou a Escritura, doando a metade da fração autónoma, registada a seu favor, à filha (…), e clausulou na Escritura, entre outros, que a Doação à segunda A., sua filha, era feita com reserva de usufruto para si (resposta aos artºs 19º e 20º da p.i.).

14- Como a Ré não tinha comparecido no Cartório Notarial, nem se disponibilizava a dedicar algum tempo à outorga da Escritura de Doação da metade da fração registada em seu nome, a favor da filha, (…), o A., no final do Ano de 2015, começou a insistir para que a Ré doasse a metade da fração registada em seu nome à filha de ambos, ora segunda A. (resposta aos artºs 21º e 22º da p.i.).

15- No Ano de 2016, a Ré intentou uma ação judicial a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Local Cível de Portimão – Juiz 2, sob o nº 19/17.2T8PTM, de Divisão de Coisa Comum, tendo por objeto a fração referida em 1 destes factos provados (resposta aos artºs 23º e 24º da p.i. e 66º da contestação).

16- A Ré deixou de viver em comunhão de facto com (…), indo habitar um outro imóvel (resposta ao artº 25º da p.i.).

17- Na habitação em que a Ré deixou de viver, em São (…), Alcochete, continuam a viver o A. e os demais filhos do mesmo, incluindo, … (resposta ao artº 26º da p.i.).

18- A Ré e o Autor viveram desde Julho de 1996 em situação de união de facto, em comunhão de leito, de mesa e de habitação entre ambos, tal como existe entre pessoas casadas (resposta ao artº 7º da contestação).

19- Da supra mencionada união de facto, existem dois filhos: (…) e (…), este perfilhado pelo A. (resposta aos artºs 8º da contestação e 9º da réplica).

20- Em 2012 a Ré apresentou queixa na esquadra da GNR de Alcochete, contra o Autor, à qual foi atribuído o NUIPC 164/12.0GCMTJ, por violência doméstica (resposta aos artºs 9º a 11º da contestação).

21- Contudo, o Autor conseguiu que a Ré retirasse queixa contra si efetuada (resposta ao artº 12º da contestação).

22- Desde o ano de 2014, na sequência de discussões entre A. e R., esta passou a pernoitar em várias ocasiões num quarto diferente daquele que costumava partilhar com o Autor, quarto este situado no rés-do-chão da moradia que constituía a casa de morada da família, sita em São (…), Alcochete, alturas em que apenas se limitava a coabitar debaixo do mesmo teto que o Autor, o que entre meados de 2015 e meados de 2016 durou quase um ano, ocorrendo, por vezes, reconciliações, em que a R. voltava a pernoitar no quarto do A. ou em que viajavam juntos, nomeadamente em de Agosto de 2016, a Nova Iorque, em Julho de 2016, percorrendo parte de Portugal e Espanha, de moto com o A., ou em Março de 2015, às Seychelles, viagens que a R. livremente quis fazer, gerando no A., nesses momentos, a convicção de que seria possível prosseguir a vida em comum com a R. (resposta aos artºs 13º a 15º e 60º da contestação e 18 e 22º a 33º da réplica).

23- A Sobre a quota ideal do Autor de ½ do imóvel registado na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob o nº (…)/19951127-H recai uma penhora, a favor da Fazenda Nacional – Serviço de Finanças de Lisboa, ao abrigo do processo executivo nº 3085201101066315 e Apensos, no montante garantido à data de 17/06/2013, no valor de € 89.666,85 (oitenta e nove mil, seiscentos e sessenta e seis euros e oitenta e cinco cêntimos) – (resposta aos artºs 31º e 32º da contestação).

24- O cheque junto como doc. nº 2 da p.i. encontra-se datado de 18 de Julho de 2007 (resposta ao artº 36º da contestação).

25- A escritura de compra e venda da fração referida em 1 destes factos provados ocorreu no dia 25 de Janeiro de 2008 (resposta ao artº 37º da contestação).

26- Durante os anos em que viveram em comum, Autor e Ré tiveram uma economia doméstica conjunta, para a qual participaram com os seus vencimentos, sendo que a R. até 2010, se ocupou principalmente da lida da casa e dos cuidados com os filhos (resposta aos artºs 40º e 41º da contestação).

27- A sociedade (…) processou até 2010 à Ré (…) o vencimento de € 5.112,64 (cinco mil, cento e doze euros e sessenta e quatro cêntimos), sendo que para o efeito o que se passava era que o A. dividia o seu vencimento ao meio, espelhando-o em 2 recibos, um em nome dele e outro em nome da Ré, sendo que tal procedimento se destinava a garantir que a Ré auferia uma reforma, com base nesse valor, e que após esse recebimento era descontado um valor, que era colocado novamente em conta do A., ficando a R. com cerca de € 900,00 líquidos por mês, mesmo sem trabalhar regularmente, pois se encontrava em casa com os filhos, sendo ainda que a partir de 2010, a R. passou a trabalhar como funcionária da (…), com um vencimento líquido da ordem dos € 1.200,00 (resposta aos artºs 43º, 44º e 46º da contestação e 36º da réplica).

28- À data da aquisição do imóvel, a Ré era detentora, desde Abril de 2000, de uma participação social de 5% na sociedade comercial (…), SGPS, S.A., correspondente ao capital de 501.205$00, mas não fez qualquer entrada desse capital (resposta aos artºs 45º da contestação e 40º e 41º da réplica).

29- Em 03/05/2010 viriam a Ré e o Autor a receber uma indemnização da Companhia de Seguros (…), em virtude dos danos sofridos na sequência de um acidente de viação que vitimou ambos, no valor de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), na sequência de um acordo efetuado, no âmbito do processo que com o n.º 622/04.0TBMTA, seguiu termos pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial da Moita (resposta ao artº 47º da contestação).

30- A indemnização mencionada no número anterior destes factos provados foi inicialmente depositada numa conta conjunta da Ré e do Autor, de que este é primeiro titular, conta nº (…) do BPI (resposta aos artºs 48º e 49º da contestação e 43º da réplica).

31-O mesmo aconteceu com os valores da liquidação do IRS, que, no que respeitou aos anos de 2008 e 2009, perfez um valor global reembolsado de € 21.877,24 (vinte e um mil, oitocentos e setenta e sete euros e vinte e quatro cêntimos) – (resposta aos artºs 51º e 52º da contestação).

32- O A. (…) só deixou de fazer transferências de verbas, algumas elevadas, para a conta da Ré, em 2017 (resposta ao artº 3º da réplica). 33- A Ré, quando se aproximou do A., já tinha dois filhos, vindo posteriormente o A. a perfilhar um deles, (…), sendo que não lhe foi possível, por impedimento legal, fazer o mesmo quanto à outra filha, … (resposta ao artº 9º da réplica).

34- Quando o A. conheceu a Ré esta trabalhava num bar de alterne e não tinha qualquer outro rendimento que não fosse desse seu trabalho (resposta aos artºs 10º a 13º da réplica).

35- O A. satisfaz todas as despesas dos seus filhos e dos filhos da Ré, convivendo com estes na mesma casa, em família à exceção de (…), filha da R., que não vive com nenhuma das partes e com quem atualmente A. e R. mantêm boas relações (resposta ao artº 16º da réplica).

36- O A. é empresário e na fábrica que dirige emprega vários familiares da Ré e a própria Ré (resposta ao artº 17º da réplica).

37- A. e Ré tinham no Banco B.P.I cada um uma conta bancária pessoal e outra conjunta (resposta ao artº 44º da réplica).

38- Da conta pessoal da Ré nunca saiu, até à separação do A., dinheiro para solver fosse que dívida fosse, relativa à fração que se discute nesta ação, melhor identificada em 1 destes factos provados (resposta ao artº 45º da réplica).

39- A conta conjunta era unicamente abastecida com dinheiro do A., fruto do seu trabalho, sendo aí depositados os vencimentos do A. e os empréstimos que a empresa lhe fazia (resposta ao artº 46º da réplica).

40- Esta conta conjunta foi aberta aquando da necessidade de o A. obter um crédito hipotecário para adquirir uma fração situada em Alcochete (resposta ao artº 47º da réplica).

41- Nesta conta o A. recebia os vencimentos que auferia das Sociedades (…) e (…), constando dos valores aí depositados durante 10 meses, os seguintes:

26/09/2008 – 2.000,00

26/09/2008 – 2.053,94

26/09/2008 – 799,84

29/10/2008 – 2.032,21

29/10/2008 – 1.900,00

27/11/2008 – 2.500,00

27/11/2008 – 2.000,00

30/12/2008 – 2.032,21

30/12/2008 – 2.000,00

28/01/2009 – 3.000,00

28/01/2009 – 1.875,25

26/02/2009 – 771,13

26/02/2009 – 1.900,00

26/02/2009 – 1.700,00

28/09/2010 – 2.573,94

28/09/2010 – 1.900,00

27/03/2009 – 74,23

27/03/2009 – 595,99

27/03/2009 – 3.444,14

28/04/2009 – 2.032,21

28/04/2009 – 790,27

28/04/2009 – 1.700,00

27/05/2009 – 2.000,00

27/05/2009 – 2.032,21,

num total de € 43.707,57, não existindo nesta conta uma única entrada de dinheiro da Ré (resposta aos artºs 48º a 50º da réplica).

42- A conta para onde foram transferidos os reembolsos de IRS, sendo conta conjunta do A. e da Ré, no Banco B.P.I. (NIB: …), era utilizada pelo A. e pela Ré como entendiam (resposta aos artºs 54º a 56º da réplica).

43- O montante da indemnização recebida pela Companhia de Seguros “(…)” em acordo estabelecido previamente à audiência de julgamento, no valor global de € 45.000,00 e no processo indicado pela Ré em Reconvenção, foi depositado na conta conjunta do A. e da Ré, no banco B.P.I. e foram prestadas contas, tanto ao A. como à Ré, pela mandatária dos mesmos no referido processo, sendo que à R. caberia, de acordo com as mesmas, a quantia de € 7.764,36, que foi absorvida por gastos pessoais dos membros do casal (resposta aos artºs 57º a 59º da réplica).

44- Foi transferido um valor de € 10.000,00 para uma conta da Caixa de Crédito Agrícola, resultante de uma mobilização de depósito a prazo (resposta ao artº 43º da réplica).

Consideraram-se não provados os arts. 5º, 6º, 20º, 21º, 30º e 35º da contestação e 4º, 14º, 37º, 38º e 53º da réplica.

Não se respondeu aos arts. 27º a 34º e 37º a 40º da p.i., 1º a 4º, 16º a 19º, 22º a 25º, 27º a 29º, 34º, 38º, 39º, 42º, 50º, 53º a 59º e 61º a 65º da contestação e 1º, 5º, 6º, 15º, 19º a 21º, 42º, 50º, 52º e 61º a 64º da réplica, por se considerar o respetivo teor conclusivo.

1.2. Impugnação da decisão de facto

1.2.1. A R. impugna os pontos 18 e 22 da decisão de facto, defendendo que se prova o seguinte: “18 - Viveram, Ré e Autor, desde Julho de 1996 até ao início do ano de 2014, em situação de união de facto, entendendo-se esta, como a comunhão de leito, de mesa e de habitação entre ambos, tal como existe entre pessoas casadas, mas sem o vínculo formal do casamento”; “22 - No início do ano de 2014, na sequência de mais uma discussão, que evoluiu para um episódio de violência a Ré, que passou a pernoitar num quarto diferente daquele que costumava partilhar com o Autor, fechando-se á chave, quarto este situado no rés-do-chão da moradia que constituía a casa de morada da família, sita em São (…), Alcochete, na Rua (…), nº 794-A, sendo que, partir dessa data, a Ré não regressou ao quarto do casal, limitando-se desde então a coabitar debaixo do mesmo teto que o Autor, sendo que as viagens efetuadas após 2014 foram efetuadas na expectativa de reconciliação que nunca aconteceu.

A essência da alteração preconizada prende-se com a data da dissolução da união de facto; a R. alegou que viveu em união de facto com o A. “até ao início do ano de 2014” (artº 7º da contestação) e a decisão recorrida julgou provado que a R. deixou de viver em união de facto com o A. (ponto 16 dos factos provados), sem haver fixado qualquer data.

A decisão recorrida motivou detalhadamente as respostas que encontrou para a matéria impugnada e analisou criticamente as provas produzidas; alguns depoimentos foram contraditórios (… e … versus … e …), alinhando-se respetivamente pela versão da parte que os trouxe a juízo e o depoimento da testemunha (…), filha da Ré, permitiu à 1ª instância ultrapassar o empecilho probatório que resultava de tais contradições.

A impugnação funda-se nos depoimentos das testemunhas (…), (…), (…) e (…) e nas declarações de parte prestadas pelo A e pela R, considerando a R. que, valorados adequadamente, conduzem às alterações que preconizam; a divergência consiste, pois, na valoração dos depoimentos e, ainda assim, na sua valoração parcial, uma vez que a motivação da decisão recorrida partiu duma base probatória mais abrangente.

Segundo o artº 662º, nº 1, do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, constituindo, aliás, ónus do impugnante, de acordo com o artº 640º, nº 1, al. b), especificar os concretos meios de prova que imponham sobre os pontos da matéria de facto impugnados decisão diversa da recorrida.

Não basta, pois, que os meios de prova que fundamentam a impugnação tornem possível a solução preconizada pelo impugnante, sendo necessário que a imponham.

Como já escrevemos no Ac. desta Relação de 23/11/2017 (proc. nº 7334/16.0T8STB.E1), “a impugnação da matéria de facto não visa derrogar o princípio da livre apreciação das provas pelo juiz, consagrado, entre outros, no artº 607º, nº 5, do CPC e, assim, a (re)apreciação da prova na 2ª instância, deve conciliar-se com este princípio, o que significa que a impugnação da matéria de facto não se basta com a simples evocação de uma convicção probatória formada pelo impugnante que divirja da ajuizada em 1ª instância, é necessário a especificação de concretos meios probatórios que imponham decisão diversa da decisão recorrida (artº 640º, nº 1, al. b), do CPC), o que não se verifica quando o fundamento da impugnação consiste numa avaliação diferente da prova produzida a propósito do facto impugnado”.

Entendimento que resulta, aliás, com mais propriedade, do acórdão do Tribunal Constitucional nº 198/2004 [Diário da República n.º 129/2004, Série II de 2004-06-02], ao expressar: “A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão.”

No caso dos autos, a divergência centra-se na valoração da prova, ou seja, a impugnante visa a substituição da convicção de julgador pela convicção que ela própria adquiriu por via dos depoimentos produzidos essencialmente pelas testemunhas (…) e (…); não se questionando a liberdade da R. formar uma convicção própria sobre a prova e até de seccionar esta por forma a reter aquela que melhor se ajusta à defesa dos seus interesses, há-de concordar-se, que uma tal convicção, em si, é irrelevante para impor a alteração que preconiza, uma vez que a convicção não é prova produzida, mas tão só uma das suas possíveis leituras.

Depois, a prova que fundamenta a impugnação corresponde parcialmente à prova que concorreu para as respostas impugnadas mas não a esgota; assim, e admitindo, o que nos basta, que dos depoimentos e declarações que fundamentam a impugnação resulta, como possível, a solução que a R preconiza, não a impõe, precisamente porque as respostas tiveram uma motivação mais abrangente que, na parte não questionada, permanece incólume.

As razões que fundamentam a impugnação não impõem decisão diversa da recorrida, improcedendo, nesta parte, a impugnação.

1.2.2. A R. impugna os pontos 27 e 28 da decisão de facto, defendendo que se prova o seguinte: “27 - A Ré (…) sempre exerceu uma atividade profissional remunerada, sendo em 2007, o seu vencimento mensal ilíquido de € 5.112,64 (cinco mil, cento e doze euros e sessenta e quatro cêntimos), conforme documentos juntos (19 a 30), valor que se manteve inalterado até 2010”; “28 - À data da aquisição do imóvel, a Ré era detentora, desde Abril de 2000, de uma participação social de 25% na sociedade comercial (…), SGPS, S.A., correspondente ao capital subscrito no montante de 501.205$00 (quinhentos e um mil e duzentos e cinco escudos)”.

Resulta do “contrato de sociedade” junto aos autos pela R. (fls. 51 a 57) que o capital social da (…), SGPS, S.A. é de € 50.000,00, representado por dez mil ações, com o valor nominal de cinco euros cada uma e que a R. subscreveu 500 ações; a subscrição das 500 ações corresponde uma participação de 5% no capital social {[(500x100):(10.000)] ou [(2500x100):(50.000)]} tal como se julgou provado em 1ª instância e não a 25% como defende a R.

A impugnação do ponto 27 dos factos provados visa expurgar o segmento em que nele se dá como provado que o vencimento da R. não correspondia a uma contrapartida do trabalho prestado na empresa que o processava e se destinava a permitir-lhe efetuar descontos para efeitos de reforma.

A decisão recorrida motivou assim a resposta a esta matéria:

(…) as testemunhas (…), diretora adjunta do departamento financeiro da (…), Empresa de que o autor é gerente, tal como (…), advogado, que durante décadas tratou dos assuntos desta empresa e dos assuntos do próprio autor, prestaram depoimentos claros e coerentes. Dos mesmos retirou-se que efetivamente o rendimento que a ré auferia até 2010 era pago através de uma empresa de que o A. era gerente, a (…), sendo que o vencimento que era pago, independentemente do efetivo trabalho da R., e que chegava a rondar os € 5.000 mensais, apenas tinha como finalidade que a ré pudesse auferir de uma reforma com base nesse vencimento. O dinheiro retornaria depois a conta bancária do autor. Depois de 2010, confirmam-no, em geral as testemunhas que sobre este ponto depuseram (as já referidas ou a testemunha …, a que adiante nos referiremos), já a ré passou a trabalhar com regularidade e a ser remunerada em conformidade com este trabalho, mas com um vencimento mais baixo.”

A impugnação tem como exclusivo fundamento probatório as declarações de parte da R., são estas que pela sua sinceridade justificam, na economia do recurso, a preconizada alteração.

No essencial, a razão da impugnação, prende-se, uma vez mais, com a valoração da prova, também aqui a R. ao defender que as suas declarações de parte se devem sobrepor aos depoimentos das testemunhas que fundamentaram o juízo recorrido visa, em última análise substituir a convicção probatória judicial pela sua própria convicção, o que evidencia a sua falta de razão atento o supra exposto (1.2.1.); ainda assim, as declarações de parte desacompanhadas de qualquer outro meio de prova corroborante, como se afigura ser o caso, não reúnem as condições probatórias mínimas para se poder formar uma opinião quanto à matéria impugnada.

A impugnação improcede quanto a esta matéria (pontos 27 e 28 dos factos provados).

1.2.3. Considera a R. que se verifica flagrante contradição entre a resposta dada ao número 26 (…) e as respostas dada aos números 4, 7, 9, 38, e 39, que deveriam ter uma resposta negativa, considerando-se não provados, em essência, por excluir a vida em comum (provada em 26) a possibilidade do A. haver adquirido com dinheiro próprio a fração a que os autos se reportam.

Conclusão ou aceção que assenta num inicial e essencial pressuposto não demostrado, ou seja, que a vida em comum na união de facto, em abstrato ou em concreto, supõe também comum o dinheiro ou rendimentos dos membros da união; pressuposto que não decorre da lei, nem decorre, no caso dos autos, de um qualquer acordo celebrado entre o A. e a R. com vista a disciplinar os efeitos patrimoniais da sua união.

A contradição vem inferida dum pressuposto inexistente e, como tal, não se verifica.

A impugnação improcede quanto a esta matéria.

1.2.4. Com fundamento nos documentos juntos aos autos a fls. 49 e 50 e nas suas declarações de parte, a R. impugna os pontos 42 e 43 da decisão de facto, defendendo que se prova o seguinte: “42 - A conta para onde foram transferidos os reembolsos de IRS, era uma conta conjunta do A. e da Ré, no Banco B.P.I. (NIB: …)”, 43 - O montante da indemnização recebida pela Companhia de Seguros “(…)” em acordo estabelecido previamente à audiência de julgamento, no valor global de € 45.000,00 e no processo indicado pela Ré em Reconvenção, foi depositado na conta conjunta do A. e da Ré, no banco B.P.I., tendo sido posteriormente, transferido o referido valor para uma conta bancária de que o Autor é único titular, na Caixa de Crédito Agrícola, conforme documento número 50, junto com a contestação, desconhecendo a Ré qual o destino dado a esse valor.”

A decisão recorrida motivou assim a resposta à matéria impugnada: “(…) perante aas posições das partes e o que as testemunhas declararam (e a que se foi fazendo referência), a prova documental junta nem sempre foi suficientemente esclarecedora, ressalvando-se casos pontuais em que foi perfeitamente possível divisar de modo claro fluxos que constavam de documentos (permitindo, nomeadamente, a resposta aos arts. 48º a 50º da réplica). Se das declarações do A., corroboradas pelas das testemunhas (…), (…), (…) e (…) resultou que durante anos foi o A. que com os seus rendimentos sustentou a R. e se não é verdadeiramente controvertida a existência de conta bancária conjunta, tal, por um lado, não permite com clareza estabelecer se o A. se apoderou de valores que seriam do casal, embora da prova referida resulte que os montantes depositados no banco seriam usados normalmente pela R., também não se colheu prova minimamente segura que permitisse estabelecer que o A., durante o tempo que durou a união com a R., transferiu para a mesma mais de € 180.000,00”.

A divergência prende-se com o destino de metade da quantia de € 45.000,00 proveniente de uma indemnização, por acidente de viação, que a R. alega haver sido transferida pelo A. de uma conta conjunta para uma outra conta da exclusiva titularidade deste último.

A decisão recorrida considerou que a prova produzida (declarações do A. corroboradas pelas testemunhas …, …, … e …) não permitiu formar uma opinião quanto à apropriação, pelo A., de valores do casal.

As cópias do extratos bancário da conta de depósitos à ordem nº (…) do BPI (fls. 61 vº e 62), fundamento da impugnação, não permitem concluir que a referida indemnização haja sido transferida para uma conta da exclusiva titularidade do A., pois se é certo que discrimina, entre outras operações, um crédito por “entrega de valores” de € 45.000,00 em 3/5, em 30/8 apresentava um sado negativo de € 91,63 e as transferências que a R. afirma constituírem apropriação do A. desta quantia (débito de € 10.000,00 por “TRF0000022P/0045503040046425911252 CAIXA Central Cred” em 31/8 e transferências a débito, para a mesma conta, nos valores de € 10.000,00 em 31/8, € 5.000,00 em 31/8 e € 15.300,00 em 2/9) e cuja autoria ou titularidade da conta de destino este não questiona, surgem na sequência do provisionamento da conta com a quantia de € 40.500,00, por mobilização de um depósito a prazo.

A mera consulta dos movimentos bancários não permite concluir que o A. se apoderou de qualquer quantia pertencente à R., tal como se decidiu e as declarações de parte da A., desacompanhadas de outros qualquer meio de prova corroborante, como é o caso, não permitem formar uma opinião favorável à R. quanto a esta matéria.

A prova que fundamenta a impugnação não impõe decisão diversa quanto à matéria impugnada, improcedendo a impugnação também quanto a esta matéria.

2. Direito

2.1. Se a réplica apresentada pelos AA configura um ato nulo

Considera a R. que a réplica apresentada pelos AA., em resposta à reconvenção, extravasou a sua causa/função porquanto, por via dela, os AA responderam “a toda a matéria da contestação” comportando, assim, por violação do artº 584º, nº 1, do CPC, um ato parcialmente nulo, nulidade extensível aos documentos que a instruíram na parte em que se destinam a demonstrar factos que extravasam a resposta à reconvenção.

Notificada da réplica, a R. qualificou-a de nula e requereu o seu desentranhamento (cfr. fls. 72 a 74), os AA responderam por forma a considerarem justificada a apresentação da réplica, porquanto destinada a responder à matéria da reconvenção e das exceções (fls. 105 e 106) e, em sede de despacho saneador, devidamente notificados às partes (fls. 115 e 166), consignou-se: “Não se verifica a existência de nulidades”.

A nulidade da réplica, admitindo por mera necessidade de raciocínio a sua existência, não constitui um vício da sentença (nem a R. a configura como tal) constitui uma irregularidade do procedimento; notificada do despacho que, por forma tabelar, afirmou a inexistência de nulidades, a R. poderia escolher, em tese, um de dois caminhos: considerar que o despacho não conheceu da nulidade que suscitou e reclamar no prazo de dez dias (artºs 195º, nº 1, 199º, nº 1 e 149º, nº 1, do CPC) ou recorrer do despacho (artº 644º, nº 3, do CPC).

A R. não observou nenhum destes procedimentos, ou seja, não reclamou do não conhecimento (admitido em tese) da nulidade que suscitou, nem recorre do despacho que genericamente afirmou a inexistência de nulidades e, assim, seja porque a nulidade se mostra sanada, seja porque transitou em julgado o despacho que a apreciou, não pode validamente a pronúncia do recurso conhecer desta questão.

O recurso improcede nesta parte.

2.2. Se a pretensão do A. configura abuso de direito

Cessada a união de facto, que vigorou entre o A. e a R. cerca de duas décadas, o A. veio a juízo pedir a propriedade exclusiva de uma fração, por ambos adquirida, em partes iguais, na constância da união de facto, ou a restituição de ½ do valor pago pela fração, alegando que foi ele quem pagou, em exclusivo, a totalidade do preço da fração.

Feita a prova do pagamento do preço da fração, a decisão recorrida, depois de anotar divergências na jurisprudência a propósito dos efeitos patrimoniais em casos de dissolução da união de facto, condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 87.241,63, a título de restituição por enriquecimento sem causa.

A R., argumentando sobretudo de facto, defende que o A. não tem o direito a que se arroga e, com clareza, coloca a questão da injustiça da sua condenação e do abuso de direito [cclª 56].

O abuso do direito supõe a existência do direito e é por aqui que iniciaremos.

A Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio introduziu medidas de proteção das uniões de facto, mas não regulamenta os efeitos patrimoniais decorrentes desta união e consequentemente é omissa quanto ao regime da partilha de bens em caso de dissolução da união de facto.

Esta regulamentação não pode suprir-se pela aplicação do estatuto patrimonial especial que resulta do casamento – regime de bens – precisamente porque os membros da união não celebram este contrato, colocando-se a coberto do núcleo de deveres jurídicos que o caracteriza (artº 1672º, do C.Civ.) e que justifica os seus efeitos patrimoniais o que obsta, à analogia das situações (artº 10º, do Cód. Civil); existindo, porém, património gerado com o contributo de ambos os membros da união de facto e dissolvendo-se esta, não se questionará o direito à divisão de tal património, ou mais propriamente à obtenção de uma decisão sobre o destino dos bens.

As regras sobre o destino dos bens consequente à dissolução da união de facto pode, em primeira linha, emanar da vontade dos membros da união; embora não expressamente prevista como noutras legislações [v.g. o artº 1.725 do Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406, de 10/1/2002 que dispõe: “Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”[1] e o artº 515º-1 do Código Civil Francês que prevê um contrato – denominado Pacte Civil de Solidarité – celebrado por duas pessoas maiores de idade destinado a organizar a sua vivência em comum[2]], os membros da união podem fixar livremente, dentro dos limites da lei, a disciplina que tiverem por adequada aos efeitos patrimoniais da união e, no âmbito destes, sobre o destino dos respetivos bens em caso de dissolução, v.g., como já se escreveu, “inventariando os bens que levam para a união, fixando regras sobre a propriedade dos bens móveis ou dos valores depositados em contas bancárias, regulando a contribuição de cada um para as despesas do lar, o pagamento das dívidas, a divisão dos bens que sejam adquiridos no decurso da união de facto, etc., naquilo que vulgarmente se designou apelidar de “contratos coabitação”, contanto que não colidam com normas de ordem pública e bons costumes.”[3]

Omitida esta regulamentação e subsistindo o direito à decisão sobre o destino dos bens importará, caso a caso, atender à concreta situação patrimonial criada pela união de facto e daí partir para a solução jurídica que as normas do regime geral das relações obrigacionais e reais justificarem; se um dos membros da união adquiriu em seu nome determinado bem, com o dinheiro de ambos, não poderá o formal adquirente ficar com o bem sem restituir ao outro membro aquilo com que injustamente se locupletou, segundo as regras do enriquecimento sem causa (artºs 473º a 482º, do Cód. Civil), se ambos adquiriram a propriedade sobre a mesma coisa, a sua divisão deverá observar as regras da compropriedade (artºs 1403º a 1413º, do Cód. Civil) e, enfim, se ambos contribuíram, como bens ou serviços, para o exercício de uma atividade económica, que não seja de mera fruição, a partilha do ativo que resta após o pagamento das dívidas deverá ser efetuada de acordo com as regras estabelecidas para o contrato de sociedade (artºs 980º a 1021º do Cód. Civil)[4].

Visto o caso dos autos à luz destas considerações evidencia-se, a nosso ver, uma distinção relevante: não estamos perante um bem adquirido por um dos membros da união com recursos de ambos, nem perante um bem adquirido por um deles com recursos do outro a justificar divisão, mas perante um bem já dividido, ou seja, o que está em causa é saber se o membro da união que pagou em exclusivo um bem, adquirido por ambos em partes iguais, tem o direito de exigir do outro metade do que pagou.

Dir-se-á que nos primeiros casos o património comum é um efeito da vida em união, o património existe por causa objetiva dela e cessando a causa, com a dissolução da união, justificar-se-á a restituição do enriquecimento, por injustificado, mas no nosso caso, a fração já dividida, não surge por efeito objetivo da união (apesar da constância da união de facto a fração poderia ser adquirida validamente apenas pelo A.) e esta a ser causa dela sê-lo-á apenas subjetivamente (enquanto motivo psicológico prosseguido pelo A, sem expressão no contrato de aquisição) e, neste estrito sentido, não justifica proteção.

“O ordenamento jurídico, ao proteger o ato, abstrai, em princípio, do interesse que cada um possa ter na atuação da respetiva função económico ou social, e só a esta atende, em si considerada.”[5]

O A. procurou proteção no instituto do enriquecimento sem causa e a decisão recorrida concedeu-lho considerando, em essência, “(…) que a obrigação de restituir pode ter por objeto “o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir” e que “[o] autor apenas entendeu financiar a aquisição deste imóvel porque na altura ele e a R. eram, quando isso aconteceu, um casal. Como era o autor que tinha rendimento, foi ele que comprou o imóvel, na perspetiva de que ele e a ré continuassem a ser um casal”; a causa do enriquecimento da R. (1/2 da fração) teria deixado de existir porquanto, com a dissolução da união de facto, se goraram as perspetivas do A. de continuar a formar um casal com a primeira.

Aceção que nos coloca sérias dúvidas quando ao pressuposto de direito que a motiva e as maiores dificuldades quanto ao pressuposto de facto em que assenta.

Segundo o artº 473º, nº 2, do CC, a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que foi indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.

A obrigação de restituir, fundada num enriquecimento, supõe que não exista uma causa jurídica justificativa da deslocação patrimonial, seja porque ela nunca existiu, seja porque, tendo existido, desapareceu, mas a lei não estabelece o conceito da causa do enriquecimento e a multiplicidade de situações que, em tese, para ele concorrem criam as maiores dificuldades à sua enunciação doutrinária.

Na anotação de P. Lima e A. Varela, o “enriquecimento carece de causa justificativa porque, segundo a própria lei, deve pertencer a outra pessoa (…). Trata-se de um puro problema de interpretação e integração da lei, tendente a fixar a correta ordenação jurídica dos bens. Quando o enriquecimento criado está de harmonia com a ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema, pode asseverar-se que a deslocação patrimonial tem causa justificativa; se, pelo contrário, por força dessa ordenação positiva, ele houver que pertencer a outrem, o enriquecimento carece de causa.”[6]

E também assim na lição de Galvão Telles, “[p]arece que tudo se reconduz à interpretação da lei, à determinação da vontade legislativa, isto é, saber se a ordem jurídica considera ou não justificado o enriquecimento e se portanto acha ou não legítimo que o beneficiado o conserve. O enriquecimento tem ou não causa justificativa consoante, segundo os princípios legais, há ou não razão de ser para ele. Cumpre ver em cada hipótese, no âmbito do instituto jurídico aplicável, se o enriquecimento corresponde à vontade profunda da lei.”[7]

Construído um património comum na constância da união de facto seria, de facto, ilegítimo ou injusto que, dissolvida a união, apenas um dos seus membros beneficiasse do património comum, ou de parte dele e um tal desmerecimento justifica correção em vista à correta ordenação jurídica dos bens, por forma a repartir o enriquecimento pelos membros da união a quem deve pertencer, mas não cremos que seja exatamente assim nos casos em que os unidos de facto adquirem em compropriedade, um bem com dinheiro apenas de um deles, abstraindo-se de convencionarem uma qualquer condição. Nestas circunstâncias não encontramos na lei qualquer indicação ou princípio, que permita afirmar que o bem deve pertencer ao membro da união que o pagou; entendimento contrário passa por admitir, a nosso ver, uma hipotética cláusula resolutiva – a destruição dos efeitos do negócio aquisitivo relativamente ao membro da união enriquecido, em caso da dissolução da união – cujo escopo final passaria por amarrar, o enriquecido, à união para toda a vida, esta sim uma desproporcionalidade injustificada.

A aquisição de bens, em comum, na constância da união de facto à custa dos rendimentos de um dos seus membros, desacompanhada de qualquer convenção adicional, não se distingue de uma liberalidade que o direito, a nosso ver, não reprova e, pelo contrário, consente.

Mas ainda que assim não se considere e se admita, em tese, ocorrer, em tais casos, enriquecimento injustificado, o A. não demonstra (nem podia demonstrar porque alegou o oposto), a falta de causa do enriquecimento.

Considerou a decisão recorrida que “[o] autor apenas entendeu financiar a aquisição deste imóvel porque na altura ele e a R. eram, quando isso aconteceu, um casal. Como era o autor que tinha rendimento, foi ele que comprou o imóvel, na perspetiva de que ele e a ré continuassem a ser um casal”; ilações que os factos provados, a nosso ver, não comportam.

Sobre os motivos e circunstâncias da aquisição, para além do pagamento do preço, prova-se o que consta nos pontos 3 e 8 dos factos provados, ou seja, que “a fração descrita em 1 destes factos provados foi vendida ao primeiro A., (…) e à Ré, (…), no dia 25/01/2008, em comum e partes iguais, pois que àquela data, viviam um com o outro, em união de facto, tendo desta relação nascido (…), ora segunda A. e que “Autor e Ré, estipularam entre si, com o conhecimento de outros familiares e amigos que oportunamente disporiam da propriedade do imóvel a favor da aqui 2ª A., (…), filha de ambos”.

Factos que não caracterizam a falta de causa do enriquecimento e, ao invés, apresentam uma causa para ele.

Inicialmente porquanto deles não decorre, com a necessária clareza, que a união de facto foi a causa da aquisição em comum [a circunstância de à data da aquisição A. e R. viveram um com o outro, em união de facto, que é o que se prova, é um contexto neutro para este efeito; adquirir uma coisa na constância da união não é necessariamente o mesmo que adquiri-la por causa dela] e depois não se prova, nem foi alegado, que a aquisição em comum teve como pressuposto a continuidade da união que vem a ser a causa que deixou de existir, razão última do pedido [neste sentido, o Ac. desta Relação de 20-10-2016: “(…) para lograr obter a restituição pretendida por essa via teria o Autor de ter provado (…) que a deslocação patrimonial ocorrida se havia verificado no pressuposto, posteriormente cessado, da existência e continuidade da união de facto”[8]].

Acresce dizer, com idêntica relevância, que a deslocação patrimonial, tida por injustificada, decorre do incumprimento da estipulação, segundo a qual A. e R. acordaram que oportunamente disporiam da propriedade do imóvel a favor da 2ª A. (ponto 8 dos factos provados) – houvesse a R. honrado o compromisso e o enriquecimento não se verificaria – causa algo insondável, é certo, mas ainda assim uma (alegada e provada) causa do enriquecimento.

E assim concluir que o A. não demonstra, como lhe incumbia (artigo 342º, nº 1, do CC), a falta de causa da deslocação patrimonial e, como tal, a ação não merece proceder.

Razões que justificam a procedência do recurso, com a revogação da decisão recorrida, mostrando-se prejudicado o conhecimento das remanescentes questões nele colocadas, inclusive o pedido reconvencional, formulado e admitido no pressuposto da procedência da ação que se declina.

2.3. Custas.

Vencido no recurso, incumbe ao apelado (…) o pagamento das custas (artº 527º, nºs 1 e 2, do CPC).


Sumário (da responsabilidade do relator – artº 663º, nº 7, do CPC)
(…)

IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto na procedência do recurso em:
a) revogar a sentença recorrida;
b) julgar improcedente o pedido formulado pelos AA.
Custas, nesta instância, pelo Apelado.
Évora, 27 de Junho de 2019
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho

Isabel de Matos Peixoto Imaginário__________________________________________________
[1] In www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm
[2] Disponível em www.legifrance.gouv.fr/content/download/1966/13751/.../Code_41.pdf
[3] Ac. RC de 23-02-2011, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Para além do acórdão supra citado, cfr. Acs da R.L de 23/11/2010 e da RC de 28/1/2014 que perfilham algumas destas soluções.
[5] Inocêncio Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, 4ª ed., pág. 292.
[6] Código Civil, anotado, vol. 1º, 4ª ed. pág. 455.
[7] Direito das Obrigações, 3ª ed., pág. 132.
[8] Proferido no processo 1769/12.5TBCTX.E1, disponível em www.dgsi.pt.