Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1129/18.4T9MTA-A.E1
Relator: FERNANDO PINA
Descritores: REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS
NOTIFICAÇÃO
Data do Acordão: 02/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
A notificação a que alude o artº 105º, nº 4, al. b), do R.G.I.T., não tem que conter os valores exactos a pagar.
Aquilo que o legislador pretendeu foi que se concedesse ao sujeito tributário uma derradeira oportunidade de se eximir à responsabilidade criminal, procedendo ao pagamento das quantias devidas e da coima aplicável, sobre ele incidindo o ónus de se inteirar dos valores exatos em dívida junto da autoridade tributária.
Decisão Texto Integral:



ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:



I. RELATÓRIO

A –
Nos presentes autos de Processo Comum Singular que, com o nº 1129/18.4T9MTA, correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo Local Criminal de Setúbal - Juiz 1, foi proferido despacho judicial, que indeferiu as questões prévias suscitadas na contestação apresentada pelos arguidos (...), relativas à omissão do requisito de punibilidade previsto no artigo 105º, nº 4, do Regime-Geral das Infracções Tributárias e à nulidade da acusação e do despacho de pronúncia por insuficiências de narração factual.

Inconformados com este despacho judicial de indeferimento do requerido, os arguidos (...), do mesmo interpuseram o presente recurso, extraindo da respectiva motivação, as seguintes extensas conclusões (transcrição):
1. Vem o presente recurso interposto dos despachos de 28/02 e 02/03/2020, na parte em que apreciaram (o segundo coonestando o primeiro despacho) as «questões prévias invocadas na contestação», com exceção do ponto (I) - dr. pontos (II) e (III).
A. Omissão da condição de punibilidade:
2. Contrariamente ao decidido pela M. Juíza a quo, os factos de que os arguidos vêm pro­nunciados não reúnem a condição de punibilidade encerrada no artigo 105º/4, al. b). Não havendo confirmação integral do teor da acusação, a decisão instrutória não poderá quedar-se por uma simples remissão aos pontos do libelo acusatório (desde logo, porque tal se mostra ilógico).
3. Desde logo, não pode concluir-se que os arguidos pessoas singulares, foram notificados a título pessoal e individual, apenas porque as comunicações de fls. 320-327 se mostram assinadas por aqueles.
4. Com efeito, nas referidas laudas, alude-se a um "processo nº 2018004641, a correr seus termos na Unidade de Fiscalização do Alentejo do Instituto da Segurança Social IP em que é investigado o contribuinte “…, S.A.” com o NISS (…)”(sic).
5. O contribuinte investigado é, segundo o texto da notificação (o qual faz fé junto dos seus destinatários), a sociedade comercial, não os arguidos pessoas singulares.
6. Não decorre, pois, das comunicações em crise que impende qualquer responsabilidade penal sobre os arguidos pessoas singulares - pois que, vinque-se, a investigação recaía, dixit, sobre a arguida “…”, tão-somente.
7. Adite-se que a notificação prevista no art. 105º/4, b) RGIT, deve consistir numa "interpelação admonitória", de tal sorte que dela resulte que se está a conceder uma derradeira oportunidade para que o (pretenso) contribuinte relapso liquide a dívida.
8. No caso vertente, as notificações constantes de fls. 320 não assumem tal caráter terminante, desde logo porque não foram as únicas emitidas pelo Instituto da Segurança Social (v. fls ....). A notificação almejada pelo legislador deve ser única e firme. Não se pode reputar de admonitória uma sucessão de notificações (sempre se perguntará: qual delas, se alguma, é a definitiva e final?).
9. Denote-se que as comunicações de fls. 320 e 327 não veiculam que, nos termos da lei e mediante o pagamento dos valores notificados, os arguidos, aqui recorrentes, ficariam eximidos ao processo-crime, conforme a vontade do legislador ao prever a condição de punibilidade ora em pauta.
10. Com efeito, bem lido o teor de fls. 320 e 327, resulta que a preclusão do processo-crime é uma mera hipótese e não uma certeza (como impõe o legislador). De facto, o que se transmitiu foi que "o cumprimento da (...) notificação é passível de determinara eventual arquivamento do processo de inquérito atualmente em curso". Os adjetivos «passível» e «eventual», sendo pleonásticos, reforçam a ideia de que a extinção do processo-crime se salda como discricionária e incerta. Também nesta vertente, é impossível afirmar que as comunicações em apreço corresponderam ao desiderato legal e a ratio da «punibili­dade», não podendo, razoavelmente, exigir-se de quem as recebe um último esforço de alinhamento com a intimação da Segurança Social (pois, mesmo que envidassem tal es­forço, a sua exoneração não estaria garantida ...).
11. Adicionalmente, as comunicações em exame não contêm todos os elementos prescritos na lei: capital da prestação alegadamente em falta, juros de mora e valor da coima.
12. Quanto ao primeiro elemento, resulta já dos autos que a quantia total que o ISS indicou como sendo devida não o é, na realidade. Como reza a Pronúncia: “(…) haverá valores a serem subtraídos do valor global constante do ponto 12 e quadro da acusação (...)".
13. Não se pode aceitar que, para se exonerar ao pathos da ação penal, o arguido notificado para os efeitos do artigo 105º/4, al. b) RGIT tenha de arrostar com o pagamento de um valor indébito. Para além de representar um enriquecimento injustificado do Estado, tal implica que a ação penal revista foros de desproporcionalidade (violando a garantia de um processo equitativo, leal e justo) - sendo que até pode dissuadir o contribuinte que pretenda honrar a dívida de o fazer (desvirtuando a ratio da condição de punibilidade).
14. No que tange aos juros moratórias (leia-se: vencidos), as comunicações mostram-se to­talmente omissas. Note-se, aliás, que o ISS confiou (delegou) na PSP a determinação do momento da notificação (desonerando-se do cômputo dos juros vencidos até à data da expedição ou assinatura da comunicação pelos serviços).
Falta, portanto, e em absoluto, um elemento obrigatório do conteúdo das notificações sub judice.
15. No que se refere ao valor da coima aplicável, as comunicações sob análise veiculam tão­ somente um intervalo dentro do qual se poderá (quem? Quando?) encontrar o valor da coima aplicável.
16. Quando alude a «juros moratórios» e «valor da coima aplicável», o legislador pretende que a notificação prevista no artigo 105º/4, al. b) RGIT contenha quantias líquidas.
17. A lei não consente outra interpretação, sob pena de usurpação do sentido possível das palavras e do princípio da legalidade (Cfr. artigos 1º/1 CP e 29º/1 CRP), que se aplica às condições de punibilidade (v.g., Teresa Beleza e Frederico de Lacerda da Costa Pinto).
18. Acresce que a trintena prevista no RGIT corresponde ao prazo que o legislador reputou de adequado para a realização do pagamento. Donde resulta que a quantia a pagar pelo arguido deve surgir concretizada na notificação referida no artigo 105º/4, al. b) RGIT.
19. Se assim não se entender, o arguido terá de se enlear em diligências junto da Segurança Social, as quais poderão revelar-se infrutíferas no prazo improrrogável e imperativo de 30 dias. A resposta dos serviços poderá não ser (consciente ou inadvertidamente) célere - abrindo, assim, a oportunidade a que a Administração defraude o âmago e a finalidade da condição de punibilidade (com inegável detrimento para as razões de política-crimi­nal e de racionalidade do poder punitivo do Estado que inerem à referida condição) - v. fundamentação do ac. TRL de 28-11-2019; P. 2886/16.8T9LSB.
20. Admitir aligeiramentos, incluindo omissões, ao conteúdo da notificação referenciada no artigo 105º, nº 4, b) RGIT acarreta - para além de uma violação do princípio da legalidade - uma compressão (administrativa) do prazo (legal) definido para a efetivação do paga­mento das rubricas indicadas naquela alínea (o que afronta inclusivamente os princípios da separação de poderes e da legalidade, este agora entendido como vetor estruturante da atividade administrativa").
21. Independentemente do que antecede, a doutrina - v.g., Manuel da Costa Andrade e Frederico da Costa Pinto - tem apontado à condição de punibilidade em apreço a pecha (em bom rigor: inconstitucionalidade) de consentir um tratamento arbitrário e desigual dos contribuintes.
22. Divergindo agora do conteúdo das notificações, enfrentemos a questão da legitimidade da sua emissão, relativamente à qual a M. Juíza de Direito, igualmente, mas com guarda de todo o devido respeito, incorreu em erro de julgamento.
23. Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, o ISS não devia ter procedido à emissão da notificação, falecendo-lhe competência para tal ato.
24. Na realidade, a despeito do artigo 40º/2 do RGIT, a D.R.M.P. do DIAP da Moita (junto do qual o inquérito tramitou) proferiu, em 19-11-2018, despacho pelo qual "[se considera] delegada no órgão da administração tributária competente, a realização das diligências probatórias que se afigurem úteis para a descoberta da verdade e esclarecimento dos factos denunciados".
25. Este despacho - ao circunscrever a competência do I.S.S. - surtiu, por ato deliberado e vinculativo do M.P., um efeito restritivo do alcance do citado artigo 40º/2 (com o qual todo o processado subsequente se tem de coadunar, porquanto não se pode "ampliar" - para mais, por presunção - o que expressamente se "restringiu" e especificou, elidindo a tal presunção ...).
26. Sendo a categoria da punibilidade autónoma do tipo ilícito e da culpa, as condições que lhe são atinentes não são objeto de «diligências probatórias», estando vedada ao I.S.S a sua intervenção neste conspecto ...
27. A notificação em apreço deveria ter sido ordenada pelo Ministério Público, uma vez que os autos se encontravam em pleno inquérito. Como tal não sucedeu (nem ab initio nem em reparação do comportamento da Administração), estamos anteato inoperante para os efeitos do artigo 105º, nº 4, al. b) do RGIT.
Arguição expressa e separada) de inconstitucionalidade:
28. A interpretação do artigo 105º, nº 4, b) RGIT no sentido em que a notificação aí prevista não tem de liquidar os valores a pagar pelo contribuinte é inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade, proporcionalidade, separação de poderes e igualdade e do direito fundamental a um processo equitativo (v. artigos 2º, 13º, 18º/2, 20º/4 e 29º/1, todos da CRP).
29. A admitir-se que a notificação em exame pode ser realizada pela Administração Pública (o que vem contestado neste recurso), a supramencionada interpretação viola ainda os princípios da boa-fé, imparcialidade, justiça, proporcionalidade e igualdade que devem pautar a atividade administrativa (cfr. artigo 266º/2 CRP).
30. É inconstitucional a interpretação do artigo 105º, nº 4, al. b), RGIT, no sentido em que não prevê a concessão ao arguido do direito de audiência prévia relativamente ao «valor da coima aplicável» [e, acrescente-se, aos demais elementos da infração contraordenacio­nal], obrigando-o a acatar o valor (ou moldura sancionatória) indicado para que se possa isentar do processo-crime - dr. artigos 20º/4 e 32º/10, ambos da CRP.
31. Ademais, como preconiza Frederico da Costa Pinto, “a tipificação do abuso de confiança [contra a Segurança Social] a partir de uma omissão pura conjugada com uma condição objetiva de punibilidade que depende em absoluto de um ato da administração (...) constitui uma solução normativa que põe intrinsecamente em causa as exigências de legalidade, reserva de lei e igualdade no exercício do poder punitivo, decorrentes dos artigos 29º, nº 1, 165º, nº 1, al. c), e 13º da Constituição" (in A Categoria da Punibilidade na Teoria do Crime, Tomo II, Almedina, 2013, p. 701).
Tudo ponderado:
32. Atenta a não verificação da condição de punibilidade e/ou inconstitucionalidade da apli­cação do artigo 105º/4, al. b) RGIT nos termos enunciado supra, os recorrentes devem ser absolvidos da autoria do crime do qual vêm pronunciados, à luz dos artigos 368º/2, al. e), 375º/1, a contrario e 376º, todos do CPP.
B. Nulidade da acusação/pronúncia:
33. Os arguidos requereram a declaração de nulidade da acusação/pronúncia. A M. Juíza a quo considerou não cumprir aferir da (in)suficiência e coerência factual do libelo penal.
34. Para a M. julgadora recorrida: "A acusação já foi apreciada em sede de instrução, tendo sido proferido despacho de pronúncia e formada dupla conforme".
35. Salvo melhor juízo, não assiste razão ao Tribunal a quo.
36. A nulidade da acusação/pronúncia constitui questão de conhecimento oficioso e, a mais é insuscetível de sanação - cfr., taxativamente, ac. TRC de 22-05-2015; P. 368/D7.8TALRA.
37. Não se sufraga o entendimento vazado nos despachos recorridos segundo o qual a nu­lidade em crise transitou em julgado como concluiu o Juízo Local Criminal, devendo esta obediência ao decidido pelo Juízo de Instrução Criminal.
38. O caso julgado formal consiste na imodificabilidade das decisões judiciais proferidas ao longo do processo e ocorre quando a decisão já não pode ser impugnada. Esta torna-se definitiva e exequível, esgotando-se, assim, o poder jurisdicional quanto à matéria que constituiu objeto de conhecimento.
39. Nos termos do artigo 308º/3 CPP, a decisão instrutória principia por apreciar as nulida­des, questões prévias e/ou incidentais. Esta apreciação não é passível de recurso, como resulta de uma leitura concatenada do disposto nos artigos 309º/1 e 310º/1 e 3, todos da lei processual penal.
40. De facto, a decisão do Sr. Juiz de Instrução que indefira quaisquer nulidades é irrecorrí­vel sob o art. 310º/1 CPP. Somente cabe recurso da decisão instrutória se esta cometer uma concreta e única nulidade: a alteração substancial dos factos descritos na acusação pública ou do assistente ou no requerimento de abertura de instrução.
41. A irrecorribilidade da decisão instrutória no respeitante à apreciação de nulidades não significa, porém, a petrificação de tal decisão, maxime se em causa estiver, como ocorre no caso vertente, uma nulidade insanável.
42. O Sr. Juiz de julgamento terá obrigatoriamente de reapreciar as nulidades (cuja invoca­ção seja renovada pelos sujeitos processuais ou que sejam de conhecimento oficioso e não se mostrem sanadas) - cfr. Artigo 311º/1 CPP.
43. Seja como for, a defesa imputou vícios, geradores de nulidade, à própria decisão instru­tória (em causa a reformulação que o Juízo de Instrução imprimiu ao § 12 da acusação).
44. Esta nulidade decerto não poderia reputar-se de consumida quando os autos são rece­bidos no Tribunal de julgamento. Tampouco poderia motivar a interposição de recurso, mormente pela defesa, dado que a nulidade impugnável hierarquicamente é a individu­alizada no artigo 309º/1 (atento o disposto no artigo 310º/3) do CPP.
Nulidades diversas não poderiam ser recorridas e, ainda que o fossem, os arguidos sequer teriam interesse em agir, pois se tratar de um vício que os beneficia (artigo 401º/1, al. b) e 2 CPP). O MP consentiu que o libelo transitasse para a fase de julgamento com a pecha do ponto 12, nada tendo requerido ou arguido ex adverso.
45. Em face do exposto, requer-se a este Venerando Tribunal de Recurso se digne aferir da validade da acusação/pronúncia, concluindo pela sua nulidade.
46. Em violação do artigo 283º/3, al. b) CPP, o libelo contem juízos imprecisos, conclusivos, sem concretização das exatas ações imputadas aos arguidos.
47. Em especial, o § 5 foi modificado pela M. JIC in malem partem (sem que, adrede, tenha sido previamente comunicada aos intervenientes processuais).
48. A decisão instrutória concluiu inexistir indícios suficientes para sustentar o § 12 do libelo acusatório, tendo alterado a sua redação. Porém, do mesmo passo, inclui no novel artigo uma (mera) remissão para o quadro do anterior artigo .... Tendo procedido à reformula­ção do § em crise, não se mostra suficiente - nem legal - uma mera remissão (dr. Artigo 307º/1 CPP). De toda a maneira, o despacho de pronúncia remete para um artigo que ... jamais existe!...
49. Independentemente do antedito, certo é que o quadro em exame é meramente conclu­sivo, radical, totalista, não permitindo a captação a que concretos trabalhadores, remu­nerações e taxas contributivas se refere. Ora, o libelo criminal deve ser um instrumento monolítico, que encerre todos os elementos integrantes da factualidade em mérito. Ao admitir-se a dedução de acusação penal através de tabelas, com valores totais (não par­celares) e não nominativos, o julgador está a postergar o prescrito no artigo 283º/3, b) CPP (porquanto este inciso prescreve uma narrativa completa da factualidade imputada ao arguido). O que não se pode aceitar.
50. Sendo evidente (e insuprível) a nulidade do libelo, os arguidos devem ser absolvidos.
Normas jurídicas violadas:
- Artigo 105º, nº 4, al. b) ex vi artigo 107º/2 do RGIT;
- Artigo 101º/1 CP;
- Artigos 283º/1 e 3, al. b); 307º/1 e 311º/1 CPP;
- Artigos 2º; 13º; 18º/2; 20º/4; 29º/1; 32º/10 e 266º/2 da CRP.
Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se os despachos im­pugnados e absolvendo-se os arguidos/recorren­tes do crime do qual vêm pronunciados.
Só assim se fará Justiça.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, concluindo por seu turno (transcrição):
1. Por decisões judiciais proferidas a 28 de Fevereiro de 2020 e 2 de Março de 2020, foram julgadas improcedentes as questões prévias invocadas na contestação, pontos II e III. Inconformado com as aludidas decisões judiciais, dela vieram os arguidos interpor recurso.
2. Quanto à alegada falta de notificação a título pessoal dos arguidos, pessoas singulares, salvo o devido respeito, entendemos que não assiste razão aos recorrentes, porquanto das notificações constantes a fls. 320 e 327, assinadas pelos arguidos, resulta que foram notificados (...), fazendo-se constar o nº dos respetivos documentos de identificação, bem como o contribuinte “(…) S.A.” na pessoa do mesmo seu legal representante.
3. A notificação prevista no artigo 105º, nº 4, al. b) do RGIT foi realizada a cada um dos arguidos pessoas singulares, por si a título individual, e ainda na qualidade de legal representante da sociedade arguida, mostrando-se verificada a condição objectiva de punibilidade em relação a todos os arguidos, pessoas singulares e pessoa colectiva.
4. Quanto aos elementos constantes das notificações em causa (fls. 320 e 327), mostra-se indicado o imposto em dívida, os períodos em causa e o montante mínimo e máximo da coima aplicável, e quanto aos juros consta “acrescidos dos respectivos juros de mora que se continuarão a vencer até integral pagamento”. Sendo compreensível que assim seja, sendo que os juros, por estarem sempre a sofrer alterações, só podem ser calculados na data do pagamento.
5. A maioria da Jurisprudência vai no sentido que na notificação realizada ao abrigo do disposto no artigo 105º, nº 4, alínea b), do RGIT, não têm que ser indicadas as concretas importâncias em dívida, entendimento com o qual se concorda, devendo improceder, nesta matéria, o invocado pelos recorrentes.
6. Sobre esta matéria, veja-se Ac. da Relação de Évora datado de 03/11/2015, disponível para consulta em www.dgs/pt. "Interpretação esta que, no tocante aos juros devidos, já foi caucionada pelo Tribunal Constitucional, nomeadamente no Ac. Nº 151/2009 de 25/3/09."
7. Quanto à alegada incompetência da entidade notificante, em concreto a Segurança Social, para proceder à notificação prevista no artigo 105º, nº 4, al. b) do RGIT, concorda-se na íntegra com a decisão recorrida, pelos fundamentos nela explanados.
8. De salientar ainda que a lei não fixou qual a entidade competente para proceder à notificação, o que só pode ser interpretado que a concede a qualquer das entidades mencionadas, Administração Tributária, Segurança Social, ou Ministério Público ou Juiz, consoante a fase em que o processo se encontre.
9. Acresce que a investigação estava a cargo da Segurança Social, por delegação de competência, podendo realizar tal acto, na prossecução da investigação, e no momento em que surge a necessidade de proceder a essa notificação, cabendo tal acto na delegação de competências legalmente permitida. Também nesta matéria consideramos que deverá improceder o recurso.
10. Quanto às arguições de inconstitucionalidade, entendemos não assistir razão aos recorrentes, porquanto não entendemos que nenhuma das interpretações seja violadora dos princípios constitucionais invocados, não colidindo com nenhuma norma legal, nem com princípios imanentes ao sistema.
11. Em concreto, quanto à arguição da inconstitucionalidade na interpretação do artigo 105º, nº 4, al. b) do RGIT no sentido em que a notificação aí prevista não tem de liquidar os montantes a pagar pelo contribuinte, por violação dos princípios da legalidade, proporcionalidade, separação de poderes e igualdade e do direito fundamental a um processo equitativo (artigos 2º, 13º, 18º, nº 2, 20º, nº 4 e 19º, nº 1 todos da CRP), e no tocante à coima, se atentarmos à letra da lei, a mesma não faz essa exigência. O preceito fala em coima aplicável e não à coima aplicada. E os juros por estarem sempre a sofrer alterações, só podem ser calculados na data do pagamento. Acresce que os devedores que pretendam realizar o pagamento no prazo dos 30 dias da notificação, dispõe de tempo mais do que suficiente para, junto da administração pública, averiguarem qual o montante concreto a pagar, e que já terão conhecimento do montante do imposto em dívida.
E sobre esta matéria, a propósito dos juros, já foi proferido Acórdão nº 151/2009 do Tribunal Constitucional, publicado em DR nº 95/2009, Série II de 2009-05-2018, onde se decidiu não julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 105º, nº 4, alínea b), do Regime Geral de Infracções Tributárias, segundo a qual pode ser criminalmente punido quem tenha sido notificado para pagar uma prestação tributária acrescida dos respectivos juros sem que seja indicado o montante concreto desses juros nem a forma de os calcular.
12. De igual modo, entendemos não assistir razão aos recorrentes, por não violação de qualquer princípio constitucional, o entendimento que a notificação do artigo 105º, nº 4, al. b) do RGIT possa ser realizada pela Administração Pública. A lei não fixou qual a entidade competente para proceder à notificação, o que só pode ser interpretado que a concede a qualquer das entidades mencionadas, Administração Tributária, Segurança Social, ou Ministério Público ou Juiz, consoante a fase em que o processo se encontre.
13. Quanto à invocada inconstitucionalidade, relativa à interpretação do artigo 105º, nº 4, al. b) do RGIT, no sentido em que não prevê a concessão ao arguido do direito de audiência prévia relativamente ao valor da coima aplicável - artigo 20º, nº 4 e 32º, nº 10 da CRP. Importa desde logo mencionar que a notificação a que se reporta o artigo 105º, nº 4, al. b) do RGIT é realizada no âmbito do processo penal e não são aplicáveis as disposições e exigências do processo administrativo, mormente, o direito de audiência prévia. Acresce que a mencionada notificação, nos termos e para os efeitos nela previstos, trata-se de uma condição de punibilidade do processo crime, a qual, no fundo, configura uma segunda oportunidade dos devedores de efectuarem o pagamento do imposto em dívida, acrescida do valor da coima aplicável e juros, e, em contrapartida, obstar à sua punição penal. Pelo que não vislumbramos que tal interpretação viole as garantias de defesa ou que não se mostrem asseguradas e/ou que o processo não seja equitativo.
14. Vêm ainda os recorrentes alegar que a própria condição objectiva de punibilidade prevista no artigo 105º, nº 4, al. b) do RGIT padece de inconstitucionalidade, já que lia tipificação do abuso de confiança (contra a Segurança Social) a partir de uma omissão pura conjugada com uma condição objectiva de punibilidade que depende em absoluto de um ato da administração (...) constitui uma solução normativa que põe intrinsecamente em causa as exigências de legalidade, reserva de lei e igualdade no poder punitivo, decorrentes dos artigos 29º, nº 1 e 165º, nº 1, al. c) e 13º da Constituição.
15. O princípio da legalidade traduz-se essencialmente em não poder haver crime, nem pena que não resultem de uma lei prévia, escrita e certa. em de existir uma lei que declare punível a acção ou omissão. Princípio este que se mostra ligado ao princípio da tipicidade, o qual implica que a lei deve especificar suficientemente os factos que constituem o tipo legal de crime, bem como tipificar as penas. Ora, o crime de abuso de confiança contra a segurança social, configura-se como um crime omissivo puro na medida em que o facto típico previsto na norma incriminadora se verifica com a não entrega da prestação tributária, tendo-se por praticada a omissão na data em que termina o prazo para cumprimento da obrigação tributária, por força do nº 2, do art. 5º, do RGIT. O acto de notificação, previsto na lei no artigo 105º, nº 4, al. b) do RGIT, apenas veio introduzir uma condição objectiva de punibilidade, não fazendo parte dos elementos do tipo e em nada interfere com a consumação do crime. Assim, sendo, também nesta parte, consideramos não assistir razão ao recorrente.
16. Quanto à nulidade da acusação conforme validada e alterada pelo despacho de pronúncia, consideramos nada haver a apontar à decisão recorrida, concordando com os seus fundamentos, aos quais se aderem.
17. Deste modo, deverá o recurso interposto pelos arguidos ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, manter-se as decisões recorridas nos seus precisos termos.
Termos em que, Vossas Excelências farão a habitual Justiça.

Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido da improcedência total do recurso interposto.
Pese embora se entender que o presente recurso não deveria ter subido de imediato, mas só com o recurso interposto da decisão que pusesse termo à causa, artigo 407º, nº 2 e nº 3, do Código de Processo Penal, para evitar mais delongas e reclamações, passa-se a conhecer do mesmo.
Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, os recorrentes apresentaram resposta no sentido pugnado no recurso interposto.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

B -
No despacho proferido em 27-02-2020, ora recorrido, consta o seguinte:
I - Da extinção do procedimento criminal contra a arguida pessoa colectiva
A arguida é uma sociedade por quotas de natureza comercial, sujeita ao regime do Código das Sociedades Comerciais.
O artigo 160° do Código das Sociedades Comerciais estatui, a este respeito, que “A sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo do disposto nos artigos 162° a 164°, pelo registo do encerramento da liquidação". Logo, a extinção das sociedades comerciais ocorre com o registo do encerramento da liquidação, quer no que concerne às relações das mesmas com terceiros, como nas próprias relações internas, entre os sócios, com ressalva do disposto nos artigos 162° a 164°.
No Direito Penal, não existe regra que, para situações de dissolução/liquidação de pessoas colectivas, estabeleça um desvio ou regime jurídico especial que não implique a extinção do procedimento criminal, como consequência da extinção da sua personalidade jurídica/ comercial.
Afigura-se-nos, pois que, assim como a responsabilidade criminal da pessoa singular, atenta a natureza pessoal e intransmissível da mesma, se extingue quando morre a pessoa física, igualmente a responsabilidade criminal da pessoa colectiva ou jurídica se extingue quando esta “morre” definitivamente para o mundo do direito.
Mas como é entendimento unânime, só o registo da dissolução e encerramento da liquidação provoca a extinção da sociedade, equivalendo à noção de morte das pessoas singulares, para efeitos de aplicabilidade dos artigos 127° e 128° do Código Penal.
Deste modo e ao contrário do entendimento plasmado na contestação, a mera prolação de sentença de insolvência da sociedade arguido não acarreta, de forma alguma, a extinção da sua responsabilidade criminal.
Assim, aguarde-se pela junção aos autos certidão permanente actualizada da sociedade arguida, a fim de se verificar se o encerramento da liquidação já se mostra registado, como determinado no nosso despacho anterior.

II - Da omissão do requisito de punibilidade previsto no artigo 105º, nº 4, do RGIT.
Trata-se aqui do significado e repercussões da alteração legislativa operada por via do art. 95°, da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, de acordo com a qual os factos previstos nos art. 107°, nº 1 e 105°, do RGIT, só são puníveis se a prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 (trinta) dias após notificação para o efeito (cfr. art. 105°, nº 4, alínea b) e 107°, nº 2, do RG.I.T.).
Foi profícua a discussão doutrinária e jurisprudencial gerada em torno da citada modificação da redacção do art. 105°, nº 4, do RG.I.T., para cuja aplicação remete o art. 107°, nº 2, do R.G.I.T., mediante a introdução da sua nova alínea b) (pois a sua nova alínea a) corresponde na íntegra ao corpo do anterior nº 4 do preceito).
Impõe-se exarar que se adere à tese que pugna pela consagração de uma verdadeira condição objectiva de punibilidade, enquanto elemento material integrante do tipo de crime, conexa à ilicitude e à culpa, mas das mesmas distinta, e não perante uma causa de exclusão da punibilidade (de direito substantivo, mas exterior ao tipo, que ao mesmo advém depois de perfeito) ou perante uma condição de procedibilidade (de direito adjectivo). Aliás, a questão em tempos discutida de saber se se trata, ou não, de verdadeira condição objectiva de punibilidade ficou definitivamente resolvida através do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n° 6/200S de 09-04-200S, publicado no DR, Iª SÉRIE, N° 94, lS-0S-200S, P.2672-26S0.
Nessa sequência, a conduta só é punível caso essa condição objectiva de punibilidade se verifique à data da consumação do facto. Ao introduzir uma nova condição de punibilidade, veio o legislador, desse modo, circunscrever e tornar mais exigente a operatividade da norma incriminadora, despenalizando, em consequência, as condutas que não preencham este novo requisito. Importa assim apreciar questão suscitada pela defesa e que se prende com a regularidade das notificações efectuadas nos termos do artigo 105°, n° 4, b) do RGIT., porquanto, na tese da contestação, os arguidos pessoas singulares não foram notificados em nome pessoal e singular, mas tão-somente na qualidade de legais representantes da arguida pessoa coletiva.
Como é sabido, os factos descritos no artigo 105°, nºs 1 a 3, do mesmo diploma, só são puníveis se tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação (al. a)), ou “se a prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos respectivos juros e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após a comunicação para o efeito” (al. b)). Esta condição da al. b) foi prevista ex novo na redacção do n° 4 do artigo 105° do RGIT introduzida pela Lei de Orçamento para 2007. São sobretudo razões de politica criminal que sustentam o artigo 105°, nº 4 do RGIT. Desde logo e em primeiro lugar, o legislador terá atendido ao facto de a entrega, ainda que fora de prazo, pôr fim ao prejuízo patrimonial do Estado provocado pelo agente; por outro lado, aquela norma constitui um incentivo ao pagamento das prestações em falta e permite ainda evitar custos que o procedimento criminal acarreta para a administração fiscal; por último, esta alteração legislativa foi sensível à necessidade de um certo lapso temporal que permita à administração fiscal o tratamento das informações fiscais relevantes, designadamente as que dizem respeito ao cumprimento dos deveres fiscais (cfr. Susana Aires de Sousa, Os Crimes Fiscais, 2006, pág. 136).
Ora, se como se lê no aresto uniformizador de jurisprudência supracitado, foi intenção publicitada do legislador, expressa de forma inequívoca na letra da lei, o objectivo de conceder uma última possibilidade de o agente evitar a punição da sua conduta omissiva, então, não obstante a notificação da pessoa colectiva e para além dessa mesma notificação, realizada através da(s) pessoa(s) física(s) que a represente(m), cada um dos arguidos pessoa singular deve ser notificado enquanto tal, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 105°, n° 4, al. b) do RGIT. Com efeito e na senda do que se lê no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06-06-2012 (in www.dgsi.pt. Processo nº3S63/07.6TAMTS.P2. Relator Pedro Vaz Pato). Na notificação realizada ao arguido pessoa singular nos termos do artigo 105°, n° 4, al. b) do RGIT, está em causa a responsabilidade criminal do próprio arguido e a responsabilidade civil que para este decorre como consequência dessa responsabilidade criminal, nos termos do artigo 129°, do Código Penal (não a responsabilidade criminal da sociedade e a responsabilidade civil para ela decorrente dessa responsabilidade criminal). Está em causa a prestação que o próprio arguido (e não a sociedade) poderá vir posteriormente a ser condenado a pagar em sede de sentença. Veja-se, na primeira instância, o Acórdão de 24/01/2007 do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santarém, processo nº 8/03.4idstr - comum colectivo, (in www.verbojurídico.net) postulando que devem ser notificados os arguidos, singularmente e em representação da sociedade. E no Tribunal da Relação do Porto, o acórdão proferido em 13/05/2009 (in www.dgsi.pt. processo n° 142/0S.61DPRT.Pl), com o seguinte sumário: "Sendo arguidos a sociedade e o gerente, a notificação deste, na qualidade de representante legal daquela, para o efeito previsto no art. 105°, n° 4, alínea b), do RGIT, não dispensa a mesma notificação em seu nome pessoal, pois são diversas as qualidades em que intervém no processo". Ainda o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26/02/2014 (in www.dgsi.pt. Processo nº 6319/11.81DPRT.P1). com o seguinte sumário: "I - A notificação do agente enquanto representante da pessoa coletiva, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 105°, nº 4, al. b), do RGIT, não dispensa a sua notificação pessoal enquanto responsável singular pelos factos de que é acusado.”
Efectivamente, repetimos, esta formalidade não pode ser omitida, pois cada arguido pessoa singular a quem é assacada responsabilidade criminal tem de ter a possibilidade de equacionar a realização de pagamento por forma a obstar à sua punição penal, a que eventualmente lhe seja singularmente aplicada uma pena (para além da que for aplicada à pessoa colectiva), a que passe a constar uma condenação do seu certificado de registo criminal, a que os seus bens próprios sejam executados caso não proceda ao pagamento de possível pena de multa, ao cumprimento de prisão subsidiária e a todas as consequências pessoais que pode ponderar evitar se for notificado pessoalmente nos termos e para os efeitos previstos no artigo 105°, n° 4, al. b) do RGIT, mais a mais se pensarmos que as notificações são em regra realizadas em momento anterior à dedução de acusação pública.
É claro que pela notificação enquanto representante legal da sociedade arguida sociedade tiveram os arguidos, pessoas singulares, conhecimento da possibilidade do exercício (pela representada) daquele direito. Mas, como se lê no acórdão que acabamos de citar, "não há que confundir". Cabe aos arguidos, pessoas singulares, o direito de serem também eles notificados, em nome próprio e enquanto arguidos, sujeitos processuais com estatuto próprio, legitimidade e posição jurídica autónomas, para nos termos consignados na lei, exercerem o seu direito de participar constitutivamente na declaração do direito no caso concreto, exercer o direito de, enfim, poder pôr termo, pela comprovação do pagamento, ao procedimento criminal.
É que, não é demais repeti-lo, “em termos processuais são diversas as qualidades em que o agente, pessoa física, intervém no processo e a pessoa que representa a pessoa colectiva”.
Ora, no caso dos autos, das notificações em crise são as constantes a fls, 320 e 327, realizadas por contacto pessoal e assinadas pelos arguidos, das quais resulta, como apontado pela Digna Magistrada do Ministério Público, que foram notificados (...), por si, fazendo-se constar o nº dos respetivos documentos de identificação, e, bem assim, o contribuinte "Siderfer - Produtos Siderúrgicos S.A.", na pessoa do seu legal representante. Ou seja, cada um dos arguidos pessoas singulares foi notificado por si, a título individual e ainda na qualidade de legal representante da sociedade arguida.
Deste modo e em suma, cremos que não assiste razão à defesa pois as notificações dos arguidos, pessoas singulares, enquanto tais, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 105°, n° 4, al. b) do RGIT foram realizadas, tendo os mesmos sido ainda notificados na qualidade de representantes legais de "Siderfer - Produtos Siderúrgicos, S.A.".
Acrescenta a defesa que as notificações expedidas não continham os elementos necessários e taxativos para que os arguidos pudessem satisfazer os valores alegadamente em dívida ao erário da Segurança Social. Acrescenta que as quantias de juros vencidos (não, naturalmente, os vincendos) e o valor da coima aplicável não foram comunicados aos Arguidos, impedindo, desta forma, que pudessem, no prazo concedido para o efeito - caso entendessem devidos (sem conceder) - liquidar os ditos montantes, exonerando-se do processo-crime.
A propósito do rigor necessário quanto aos valores a pagar e a referir aquando na notificação realizada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 105°, n° 4, al. b) do RGIT veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15/02/2012 (proferido no processo n° 267/10.61DBRG.Gl, disponível na base de dados jurídica Almedina, In http://bdiur.almedina.net/iuris.php?field=nodeid&value=1755371), de acordo com o qual, no que concerne ao valor da prestação tributária em dívida, o agente tem de ter o concreto conhecimento do seu valor, para em função disso poder tomar a decisão de proceder ou não ao seu pagamento, sendo que tal conhecimento é absolutamente indispensável à tomada da correspondente decisão (neste sentido, veja-se o Acórdão da Relação do Porto de 03/11/2010, referente ao processo nº 61/05.61DPRT-B.P1, disponível no sítio www.dgsi.pt/jtrp). E ainda o referido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03/11/2010 (in Biblioteca Digital da Justiça Portuguesa, Processo n° 61/05.61DPRT-B.P1, ttp://biblioteca.mi.pt/ Acordao TRP .aspx? DocId = 81098BBCE25COC65802577F40059008D)
“I - No que concerne ao valor das prestações tributárias em dívida, objecto da notificação determinada pela al. b) do nº 4, do art. 105°, do RGIT, há que distinguir conforme o processo esteja ainda em fase de inquérito ou tenha sido já deduzida acusação: no primeiro caso, a notificação deve indicar as concretas prestações tributárias que estão em dívida; no segundo caso, o arguido tem conhecimento, através da acusação, das omissões de pagamento que lhe são atribuídas, pelo que a notificação não tem que as referir, expressamente.”
Ora, no caso dos autos, tendo sido realizadas as notificações em momento anterior à dedução de acusação, deve existir por parte da Administração Fiscal um maior rigor na definição dos montantes comunicados para os efeitos previstos no artigo 105°, n° 4, al. b) do RGIT, não só com base em princípios de transparência e confiança mas principalmente porque é sério o processo de decisão de proceder ao pagamentos da quantia em dívida acrescida de coima e juros, considerando as diferentes consequências que da mesma resultam, mormente a de se considerar não verificada a condição objectiva de punibilidade.
Contudo, analisadas as notificações em causa (fls, 320 a 327), mostra-se indicado o imposto em dívida, os períodos em causa e o montante mínimo e máximo da coima aplicável, sendo que aí vem referido, quanto a juros "acrescidos dos respectivos juros de mora que se continuarão a vencer até integral pagamento", o que se compreende, sabendo-se que os juros, por serem mutáveis, só podem ser calculados com exactidão, na data do pagamento. Aliás, esta ressalva em matéria de juros, é formulada na jurisprudência citada em sede de contestação, no seu artigo 31. Deste modo, cremos que não assiste razão à defesa.
Mais se aduz em sede de contestação que a notificação prevista no artigo 105°, n° 2, al. b) do RGIT não poderia ter sido feita pelo Instituto de Segurança Social, LP..
Ora, o Ministério Público é o titular da ação penal (artigo 48° do Código de Processo Penal), cumprindo-lhe, entre o mais, dirigir o inquérito (artigos 53°, n° 2, al. b) e 267°, ambos do Código de Processo Penal). De harmonia com o artigo 270°, n° 1 do Código de Processo Penal, o Ministério Público "pode conferir a órgãos de policia criminal o encargo de procederem a quaisquer diligências e investigações relativas ao inquérito".
Dispõe o artigo 40° do RGIT, o seguinte:
“Artigo 40°
Inquérito
1 - Adquirida a notícia de um crime tributário procede-se a inquérito, sob a direcção do Ministério Público, com as finalidades e nos termos do disposto no Código de Processo Penal.
2 - Aos órgãos da administração tributária e aos da segurança social cabem, durante o inquérito, os poderes e funções que o Código de Processo Penal atribui aos órgãos e às autoridades de polícia criminal, presumindo-se-lhes delegada a prática de atos que o Ministério Público pode atribuir àquelas entidades, independentemente do valor da vantagem patrimonial ilegítima.
3 - A instauração de inquérito pelos órgãos da administração tributária e da administração da segurança social ao abrigo da competência delegada deve ser de imediato comunicada ao Ministério Público.”
A notificação em causa, tendente á extinção do procedimento criminal, a nosso ver, ainda pode ser considerada um acto de inquérito, sendo que nos termos do n° 2 do artigo 40° do RGIT, a competência do ministério Público para a prática de actos se presume delegada nos órgãos da segurança social. Aliás, vistas as notificações de fls- 320 e 327, verifica-se que as mesmas foram realizadas pela "Unidade de Fiscalização", aí se identificando como OPC, tal como permitido pelos preceitos acabados de referir.
No que tange em concreto ao argumento no sentido de não poder ser a Segurança Social a realizar a notificação do artigo 105°, nº 4, al. b) do RGIT, porquanto o despacho de delegação de competência somente referiu a realização de diligências probatórias, refere-se a defesa ao despacho de 19/11/2018, no qual a Exma. Sra. Procuradora-Adjunta declarou "delegada no órgão da administração tributária competente, a realização das diligências probatórias que se afigurem úteis para a descoberta da verdade e esclarecimento dos factos denunciados"
Salvo o devido respeito, cremos que a realização de tais notificações, em face das características a que assacamos supra às condições objectivas de punibilidade, para além de encontrarem correspondência na delegação de competências legalmente permita, cabem na delegação de competências que foi realizada em concreto nos presentes autos, sendo que uma eventual falta de pagamento na sequência da realização da notificação do artigo 105°, nº 4, al. b) do RGIT, constitui em si um facto, como de resto vem amplamente sufragado pela defesa no ponto III da contestação.
III. Nulidade da acusação conforme validada e alterada pelo despacho de pronúncia.
Mais invoca a defesa que a acusação do Ministério Público, em face do disposto no artigo 283° do Código de Processo Penal, não contempla uma narração factual suficiente para satisfazer os requisitos de validade da acusação. Idêntico vício aponta ao despacho de pronúncia proferido nos autos.
A acusação já foi apreciada em sede de instrução, tendo sido proferido despacho de pronúncia e formada dupla conforme. Assim, não cumpre a este tribunal voltar a sindicar a factualidade descrita na acusação.
Com efeito, tendo sido proferido despacho de pronúncia, foi este o objecto do recebimento realizado por este tribunal de julgamento e não a acusação pública.
Por outro lado e como se lê no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29-10-2007 (in www.dgsi.pt. processo n° 1632/07-2, relator Sr. Desembargador Cruz Bucho):
“Tendo havido instrução, o juiz de julgamento, antes de designar dia para a audiência, limita-se a sanear o processo, decidindo as nulidades e demais questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa de que possa, desde logo, conhecer (art. 311°, nº 1), estando-lhe vedado receber ou deixar de receber a pronúncia, nem alterá-la, corrigindo-a. Como a jurisprudência dos tribunais superiores tem repetidamente afirmado, no intervalo entre a pronúncia e o julgamento não é possível alterar os factos e a sua qualificação jurídica tal como foram definidos pela pronúncia, pois essa alteração só pode dar-se com a realização da audiência e prolação da sentença.”
No mesmo sentido ensinam os Ex.mos Srs. Juízes Conselheiro Henriques Gaspar e Conselheiro Armindo Monteiro (in https: II www.stj.pt/wp- content/uploads/2018/01/criminaI2012.pdf Proc. nº 56/11.0GAVZL.S1.S2 – 3ª Secção 09-02-2012 (relator): reconhecendo que “tendo sido emitida pronúncia, (...) o formalismo legal a observar é de âmbito mais simplista, limitando-se ao saneamento do processo, como se extrai do nº 2, do art. 311º, do CPP”.
Assim, não cumpre, salvo o devido respeito por opinião contrária, aferir das apontadas insuficiências de narração factual e consequentes nulidades, quer da acusação, quer da pronúncia.
IV - Da inexistência de ilícito criminal
Relegamos a apreciação deste ponto para apreciação em sede de sentença, como não poderia deixar de ser, não se tratando de questão prévia, mas antes do mérito da causa.

No despacho proferido em 20-03-2020, também recorrido, consta o seguinte:
Visto.
Nada a acrescentar ao despacho que, entretanto, proferimos nos autos.
Proceda-se nos termos da última parte do requerimento, junto do processo de insolvência.
Notifique.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1 - Âmbito do Recurso

De acordo com o disposto no artigo 412º, do Código de Processo Penal e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19-10-95, publicado no D.R. I-A de 28-12-95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui e pela própria natureza do recurso, não têm aplicação.

No caso em apreço, atendendo às conclusões, as questões que se suscitam são as seguintes:

- Omissão da notificação constante do artigo 105º, nº 4, alínea b), do Regime Geral das Infracções Tributárias, aos arguidos/recorrentes.
- Inconstitucionalidade da interpretação efectuada pelo Tribunal “a quo” do disposto no artigo 105º, nº 4, alínea b), do Regime geral das Infracções Tributárias.
- Nulidade da acusação e da pronúncia, por insuficiente narração da matéria de facto.

- Da omissão da notificação constante do artigo 105º, nº 4, alínea b), do Regime Geral das Infracções Tributárias.
Alegam os recorrentes que não pode concluir-se que os arguidos pessoas singulares, foram notificados a título pessoal e individual, apenas porque as comunicações de fls. 320-327 se mostram assinadas por eles.
Resulta do disposto no artigo 105º, nº 1, do RGIT, que “quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7.500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias” e, da alínea b), do nº 4, da mesma disposição legal, resulta que os factos só são puníveis se “a prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito”, aplicável ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social por força da remissão do artigo 107º, nº 2, do mesmo diploma.
Com esta alínea b), o legislador visou “evitar a proliferação de procedimentos criminais, a melhoria da eficiência do sistema, bem como distinguir em lei expressa o comportamento do arguido cumpridor das suas obrigações declarativas perante a administração fiscal e a segurança social daqueles outros que ocultam tal informação, por não serem atuações com a mesma valoração criminal”.
Através do acórdão de uniformização de jurisprudência nº 6/2008, o Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, pôs termo à controvérsia gerada a respeito da interpretação de tal preceito, fixando jurisprudência no sentido de que “A exigência prevista na alínea b) do nº 4 do artigo 105º do RGIT, na redação introduzida pela Lei 53-A/2006, configura uma nova condição objetiva de punibilidade que, nos termos do artigo 2º, nº 4, do Código Penal, é aplicável aos factos ocorridos antes da sua entrada em vigor. Em consequência, e tendo sido cumprida a obrigação de declaração, deve o agente ser notificado nos termos e para os efeitos do referido normativo (alínea b) do nº 4 do artigo 105º do RGIT)”.
Pode ler-se na fundamentação desse aresto que “suportados na letra da lei, mas fazendo apelo a um critério teleológico na sua interpretação e com plena consciência de que o direito criminal se dirige à proteção de valores, ou bens jurídicos, não vislumbramos uma outra intenção do legislador que não a de evitar a criminalização de condutas que podiam ter um mero tratamento de natureza administrativa. Então, a denominada proliferação de inquéritos será evitada dando àquele que assumiu a sua obrigação declarativa perante a administração fiscal a possibilidade de regularizar a sua situação tributária. Os elementos teleológico e histórico convergem, assim, em abono de uma interpretação segundo a qual o legislador terá pretendido descriminalizar o facto nos casos em que, tendo havido declaração da prestação não acompanhada do pagamento, este vem a ser efetuado após intimação da Administração para que o «indivíduo» regularize a sua situação tributária.
Pretendeu-se alcançar tal objetivo fazendo surgir para administração fiscal a obrigação de notificar o contribuinte em mora (e não em falta de declaração) e para este a condição de pagamento do montante em falta como condição de não acionamento do procedimento criminal pelo crime de abuso de confiança fiscal. (…)
A alteração legal produzida, repercutindo-se na punibilidade da omissão e ligada, de forma inextricável, ao tipo de ilícito, é, todavia, algo que é exógeno ao mesmo tipo. (…)
As condições objetivas de punibilidade são, assim, circunstâncias que se situam fora do tipo de ilícito e da culpa e de cuja presença depende a punibilidade do facto, ou seja, são um pressuposto para que o atuar antijurídico importe consequências penais.(…)”.
Alegam os arguidos a falta da sua notificação pessoal e não a título de legais representantes da pessoa colectiva, contudo das notificações de fls. 320 e 327, mostram-se assinadas pelos arguidos e constam os números dos seus documentos de identificação, resultando manifesto e óbvio que foram notificados pessoalmente e na qualidade de legais representantes da contribuinte “… S.A.”.
Assim, resulta inequívoco que cada um dos ora arguidos foram notificados a título individual e pessoal e, na qualidade de legais representantes da pessoa colectiva, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105º, nº 4, alínea b) do RGIT.
Alegam ainda a imprecisão dos termos da notificação efectuada, pois nela é referido que o pagamento é “passível de determinar o eventual arquivamento”, o que nos parece óbvio, pois a decisão final sobre o arquivamento não poderá resultar da notificação, ou seja, da verificação da condição objectiva de punibilidade, da notificação efectuada nos termos do disposto no artigo 105º, nº 4, alínea b), do RGIT, constituindo esta apenas uma circunstância, que se situada fora do tipo de ilícito e da culpa e de cuja presença, depende a punibilidade do facto, ou seja, é apenas um pressuposto para que o actuar antijurídico importe consequências penais, não podendo conter um juízo final sobre o termo do processo em causa.
Alegam também os recorrentes que as notificações não continham as menções obrigatórias por lei, pois estão absolutamente omissos os montantes dos juros (pelos menos os vencidos) e a coima aplicável, entendendo que a notificação deve ter os exactos montantes a pagar pelo contribuinte.
Não perfilhamos o entendimento dos recorrentes, que consideram essencial a indicação, na notificação, dos valores exatos a pagar, antes sufragando a orientação que, em sentido contrário, defende que a lei não exige a menção expressa de tais montantes na notificação realizada.
Na verdade, a não se entender assim, sempre que da prova produzida resultasse uma redução do valor considerado em dívida na acusação, haveria que concluir no sentido da não verificação da condição objetiva de punibilidade, o que seria absurdo.
Aquilo que o legislador pretendeu foi que se concedesse ao sujeito tributário uma derradeira oportunidade de se eximir à responsabilidade criminal, procedendo ao pagamento das quantias devidas e da coima aplicável, sobre ele incidindo o ónus de se inteirar dos valores exatos em dívida junto da autoridade tributária.
Ao arguido que esteja interessado em efetuar o pagamento caberá diligenciar junto dessa entidade pelo apuramento do montante exato em dívida e do total a pagar, sendo certo que o valor das prestações retidas e não pagas serão do seu conhecimento, porque as declarou, o mesmo sucedendo com eventuais pagamentos parcelares que, entretanto, tenha efetuado.
Daí que seja defensável o entendimento de que a notificação em apreço não se destina a dar conhecimento ao sujeito tributário, com exatidão, das prestações ainda em dívida, uma vez que ele próprio delas terá conhecimento, mas sim conceder-lhe uma nova oportunidade para pagar, agora já com os juros de mora respetivos e o valor da coima aplicável, a fim de se eximir à sua responsabilidade criminal.
Decisivo para a verificação da condição objetiva de punibilidade é que o arguido não venha a ser condenado por falta de pagamento de prestações tributárias em relação às quais não lhe foi dada a oportunidade de proceder à respetiva regularização, o que, manifestamente, não é o caso dos autos.
Aliás, importa realçar que a condição de punibilidade não reside, em si mesma, no conteúdo concreto da notificação efetuada pela entidade tributária, mas sim na atitude que o contribuinte toma perante ela, liquidando ou não as quantias em dívida.
Nas notificações de fls. 320 e 327, constam as prestações em falta e os respectivos os períodos, o montante mínimo e máximo da coima aplicável, pois do artigo 27º, do RGCO, resulta que “sem prejuízo dos limites máximos fixados (…), a coima deverá ser graduada em função da gravidade do facto, da culpa do agente, da sua situação económica e, sempre que possível, exceder o benefício económico que o agente retirou da prática da contra-ordenação (…) se a contra-ordenação consistir na omissão da prática de um acto devido, a coima deverá ser graduada em função do tempo decorrido desde a data em que o facto devia ter sido praticado” pelo que resulta impossível de fixar o valor concreto da coima a aplicar sem o conhecimento de todos os elementos do processo, nomeadamente a audição dos arguidos, e a referência expressa que serão devidos os juros vencidos até integral pagamento, pois os mesmos só nessa precisa data poderão ser liquidados.
Por fim alegam os recorrentes, a incompetência da Segurança Social para proceder à notificação determinada pelo artigo 105º, nº 4, alínea b), do RGIT.
Resulta do disposto no artigo 40º, nº 2, do RGIT, que: “aos órgãos da administração tributária e aos da segurança social cabem, durante o inquérito, os poderes e funções que o Código de Processo Penal atribui aos órgãos e às autoridades de polícia criminal, presumindo-se-lhes delegada a prática de atos que o Ministério Público pode atribuir àquelas entidades, independentemente do valor da vantagem patrimonial ilegítima”.
Resultando do artigo 111º, nº 2, do Código de Processo Penal que: “a comunicação é feita (…) por agente (…) administrativo (…) que for designado para o efeito e se encontrar devidamente credenciado”.
Assim, encontrando-se a investigação a cargo da Segurança Social, por delegação de competência do Ministério Público, a notificação efectuada decorre dessa mesma delegação de competências legalmente admitida e realizada.
Pelo exposto, inexiste, pois, qualquer razão para não considerar validamente realizada a notificação prevista no artigo 105º, nº 4, alínea b), do RGIT, posta em causa pelos recorrentes.

- Da inconstitucionalidade da interpretação efectuada pelo Tribunal “a quo” do disposto no artigo 105º, nº 4, alínea b), do Regime geral das Infracções Tributárias.
Alegam os recorrentes a inconstitucionalidade da interpretação do artigo 105º, nº 4, alínea b), do RGIT, no sentido em que a notificação aí prevista não tem de liquidar os montantes a pagar pelo contribuinte, por violação dos princípios da legalidade, proporcionalidade, separação de poderes e igualdade e do direito fundamental a um processo equitativo (artigos 2º, 13º, 18º, nº 2, 20º, nº 4 e 19º, nº 1 todos da Constituição da República Portuguesa).
Desde logo cumpre afirmar que tal não resulta do texto da lei em causa.
Por outro lado, resulta expressamente do Acórdão nº 151/2009, do Tribunal Constitucional, publicado em DR nº 95/2009, Série II de 2009-05-2018, “não julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 105º, nº 4, alínea b), do Regime Geral de Infracções Tributárias, segundo a qual pode ser criminalmente punido quem tenha sido notificado para pagar uma prestação tributária acrescida dos respectivos juros sem que seja indicado o montante concreto desses juros nem a forma de os calcular”.
Assim, relativamente ao concreto montante dos juros já existe Jurisprudência do Tribunal Constitucional em julgar de acordo com a Constituição da República Portuguesa, a não determinação dos juros em dívida.
Por outro lado, conforme supra, referido, impossível resulta face ao disposto no artigo do artigo 27º, do RGCO, a determinação concreta da coima a aplicar, pelo que face a tal impossibilidade manifesta, não se mostra violado qualquer princípio constitucionalmente tutelado ou norma da Constituição da República Portuguesa.
De igual modo, não assiste razão aos arguidos/recorrentes, na invocação da inconstitucionalidade na interpretação que admite a realização da notificação constante do artigo 115º, nº 4, alínea b), do RGIT, pela Segurança Social, desde logo porque legalmente admissível, conforme supra exposto e, porque não resulta violado qualquer princípio constitucionalmente tutelado ou norma da Constituição da República Portuguesa.
Alegam também a inconstitucionalidade da interpretação do artigo 105º, nº 4, alínea b) do RGIT, quando não admite ao arguido do direito de audiência prévia relativamente ao valor da coima aplicável - artigo 20º, nº 4 e 32º, nº 10, da Constituição da República Portuguesa.
Conforme bem salienta o Ministério Público, na sua resposta ao recurso interposto, “a notificação a que se reporta o artigo 105º, nº 4, al. b), do RGIT, é realizada no âmbito do processo penal e não são aplicáveis as disposições e exigências do processo administrativo, mormente, o direito de audiência prévia. Acresce que a mencionada notificação, nos termos e para os efeitos nela previstos, trata-se de uma condição de punibilidade do processo crime, a qual, no fundo, configura uma segunda oportunidade dos devedores de efectuarem o pagamento do imposto em dívida, acrescida do valor da coima aplicável e juros, e, em contrapartida, obstar à sua punição penal.
Pelo que não vislumbramos que tal interpretação viole as garantias de defesa ou que não se mostrem asseguradas e/ou que o processo não seja equitativo”.
Assim, por aderirmos integralmente a tal argumentação, damos aqui como nossa a mesma e, neste sentido, por legalmente não ser admissível a audiência prévia dos arguidos, para a verificação da condição objectiva de punibilidade prevista no artigo 105º, nº 4, alínea b), do RGIT, não resulta violado qualquer princípio constitucionalmente tutelado ou norma da Constituição da República Portuguesa.
Por fim, alegam ainda os recorrentes a inconstitucionalidade da condição objectiva de punibilidade prevista no artigo 105º, nº 4, alínea b) do RGIT, porque faz depender a tipificação do crime de abuso de confiança (contra a Segurança Social), que resulta de uma omissão pura, de uma condição objectiva de punibilidade que depende em absoluto de um acto da administração, o que põe em causa, os princípios da legalidade, de reserva de lei e de igualdade no poder punitivo, decorrentes dos artigos 29º, nº 1 e 165º, nº 1, alínea c) e 13º, da Constituição da República Portuguesa.
O crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelo artigo 105º, nº 1, “ex vi” do disposto no artigo 107º, do RGIT, corresponde a um crime omissivo puro, pois o facto típico previsto na norma incriminadora da omissão da entrega da prestação para a Segurança Social, cuja prática se consuma na data em que termina o prazo para cumprimento da obrigação tributária, por força no artigo 5º, nº 2, RGIT, “as infracções tributárias omissivas consideram-se praticadas na data em que termine o prazo para o cumprimento dos respectivos deveres tributários”.
A notificação prevista no artigo 105º, nº 4, alínea b) do RGIT, constitui uma condição objectiva de punibilidade, conforme entendimento Jurisprudencial uniforme, não integrando os elementos típicos do crime de abuso de confiança à Segurança Social, não desqualificando a conduta típica, mas, apenas, eliminando a sua punibilidade penal.
Assim, também nesta perspectiva, não temos como violado qualquer princípio constitucionalmente tutelado ou norma da Constituição da República Portuguesa.
Por tudo o exposto, improcede a invocada inconstitucionalidade da interpretação efectuada pelo Tribunal “a quo” do disposto no artigo 105º, nº 4, alínea b), do Regime geral das Infracções Tributárias.

- Da nulidade da acusação e da pronúncia, por insuficiente narração da matéria de facto.
Vêm os recorrentes alegar a nulidade da acusação e do próprio despacho de pronúncia nos termos do disposto no artigo 283º, nº 3, alínea b), do Código de Processo Penal, por insuficiente narração da matéria de facto.
Desde logo cumpre citar o artigo 310º, nº 1, do mesmo Código de Processo Penal, que afirma: “a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283º ou do nº 4 do artigo 285º, é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento”.
Contudo resulta do disposto no artigo 311º, do mesmo diploma legal que tendo havido instrução, o juiz de julgamento, antes de designar dia para a audiência, terá de sanear o processo, decidindo as nulidades e demais questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa de que possa, desde logo, conhecer.
Como bem assinala Germano Marques da Silva, “A apreciação destas questões tem lugar quer tenha havido ou não instrução, pois não obstante deverem ser resolvidas na decisão instrutória (art. 308º, nº 3), pode suceder que algumas dessas questões não pudessem ter sido conhecidas então e já o possam ser no despacho preliminar da fase de julgamento e outras podem ter surgido ou sido suscitadas apenas depois da pronúncia, como é, v. g., o caso do requerimento de intervenção do tribunal do júri.” Curso de Processo Penal, 2ª ed., Verbo, 2000, vol. III, pág. 204.
A narração dos factos é, na sua essência, a descrição dos factos que integram os elementos objectivos e subjectivos de um crime, sem os quais o arguido não pode vir a ser condenado por algum crime em pena ou medida de segurança.
Além desses factos, podem ser incluídos nessa narração, mas só se for possível, outros relativos ao lugar, ao tempo, à motivação da prática desses factos, ao grau de participação que o agente neles teve e a quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada — elementos que não são indispensáveis para se aplicar uma pena ou medida de segurança ao arguido, embora algumas delas possam vir a ter influência na fixação da sanção a aplicar.
No caso concreto quer a acusação, quer o despacho de pronúncia, contêm a descrição dos elementos objectivos do crime imputado, sendo totalmente inteligível e compreensível, a factualidade constante e resultante do quadro integrante das mesmas peças processuais, sem prejuízo da apreciação que o tribunal de julgamento venha a realizar sobre a factualidade expressa nesse mesmo quadro, sendo que tal forma de expressão da factualidade objectiva, permite a apreensão e a compreensão dos trabalhadores concretos e respectivas remunerações e taxas contributivas, não violando qualquer garantia de defesa dos arguidos.
A acusação e a pronúncia mostram-se assim válidas para determinar o julgamento do mérito da respectiva acção penal e, nestes termos os eventuais vícios previstos no artigo 311º, nº 3, incluindo a alínea d), apenas poderão vir a relevar na apreciação do mérito da causa de acordo com o regime processual aplicável em audiência e ao direito substantivo igualmente aplicável e já não enquanto vício formal lesivo da validade da acusação ou da pronúncia.
Pelo exposto, nestes termos improcede também nesta parte o recurso interposto.

Nestes termos improcedem, portanto, todas as pretensões constantes da motivação do recurso interposto pelos arguidos (...), confirmando-se consequentemente o despacho recorrido.

Em vista do decaimento total no recurso interposto pelos arguidos (...), ao abrigo do disposto no artigo 513º, nº 1 e, nº 3, do Código de Processo Penal, 8º, nº 5, com referência à Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais, impõe-se a condenação individual de cada um dos recorrentes nas custas, fixando-se a taxa de justiça individual em 4 (quatro) unidades de conta, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que gozem.


III - DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

- Julgar improcedente o recurso interposto pelos arguidos (...), confirmando-se o despacho recorrido.

Custas a cargo dos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça individual em 4 (quatro) unidades de conta, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que gozem.


Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários.
Consigna-se, ainda, não ter sido realizada conferência presencial, mas por teleconferência.
Évora, 23-02-2021

Évora, 23-02-2021

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(Fernando Paiva Gomes M. Pina)
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(Beatriz Marques Borges)