Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2162/16.6T8FAR.E1
Relator: ANA PESSOA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL POR NEGLIGÊNCIA MÉDICA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
Data do Acordão: 06/15/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I. Estando em causa responsabilidade civil por ato médico, a obrigação de tratamento, a cargo da Ré, desdobrada na observação, no diagnóstico e na terapêutica, mostra-se cumprida: um médico ao seu serviço observou a autora e prescreveu a realização de intervenção cirúrgica adequada à fratura do fémur que a mesma sofreu.

II. Esta intervenção cirúrgica, como em qualquer outra do género, importa sempre dores (no pós-operatório), limitação na locomoção (adveniente, em larga medida, da zona do corpo intervencionada), assim como sujeição a tratamentos de fisioterapia, com inerentes transtornos pelo internamento, da própria cirurgia, período pós-operatório e perda de qualidade de vida.

III. Por outro lado, tendo o Réu demonstrado que cumpriu todos os procedimentos que eram adequados à realização da intervenção cirúrgica, mormente realizando o encavilhamento do fémur, adequado a tratar a fratura que existia (causada por aquele acidente), concluímos, não se apura falha na atuação do réu que possa ser apontada, nas vertentes de imprudência, incúria ou negligência, para que se possa imputar cumprimento defeituoso da prestação a cargo da ré.

IV. O que leva a que se considere que não se prova comportamento ilícito que importe a responsabilização quer da ré, quer do réu, pelos danos imputados pela autora, à luz do quadro legal acima traçado.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO.
AA intentou ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra Hospital Particular do Algarve S.A. e BB, pedindo a condenação solidária dos réus no pagamento de indemnização, na quantia de €133.992,50, sendo €8.992,50 a título de danos patrimoniais, €30.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais e €95.000,00 a título de danos patrimoniais futuros decorrentes do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que ficou a padecer, acrescida de juros de mora, contados desde a citação até integral pagamento, bem como no pagamento de todos os medicamentos, consultas médicas, tratamentos médicos, ajudas técnicas, intervenções cirúrgicas e despesas relacionadas, tais como deslocações ou transporte alojamento de que a autora venha a necessitar ao longo da sua vida e que sejam consequência do ato médico realizado pelo 2º réu em causa nos autos, e ainda no pagamento da quantia que se vier a liquidar em execução de sentença pelos danos futuros previsíveis, em consequência das sequelas sofridas pela autora, designadamente dores físicas, sofrimento, incapacidade permanente e consequências definitivas.
Para fundamentar a sua pretensão alega ter sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de sequelas produzidas pela intervenção cirúrgica realizada pelo segundo réu em estabelecimento hospitalar da primeira ré, na qualidade de médico ortopedista ao serviço desta, onde foi assistida devido a fratura do fémur que sofreu em acidente de mota de água, não lhe tendo sido prestada a assistência adequada.
*
A Ré contestou, em suma, impugnando os factos alegados, concluindo pela improcedência da ação.
*
O Réu contestou, em suma, excecionando a prescrição do direito da Autora e impugnando os factos alegados, concluindo pela improcedência da ação.
Formulou pedido de intervenção acessória das companhias de seguros Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A. (Seguradoras Unidas, S.A.) e Ageas Portugal - Companhia de Seguros, S.A..
*
Admitida a intervenção provocada acessória e citadas as Intervenientes vieram apresentar articulados, nos quais invocam a prescrição do direito da autora e impugnam os factos alegados, concluindo improcedência da ação.
*
A Autora respondeu à matéria de exceção, concluindo pela sua improcedência.
*
Foi realizada audiência prévia, na qual foi relegado para a decisão final o conhecimento da exceção perentória de prescrição, proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova, sem que tenha sido apresentada reclamação.
*
Procedeu-se à realização da audiência final, vindo a ser proferida sentença que julgando a ação improcedente, absolveu os Réus do pedido formulado pela Autora.
*
Inconformada com esta decisão, dela apelou a Autora, formulando as seguintes conclusões:
A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida nos presentes autos que julgou a ação improcedente, por não provada, e em consequência absolveu os réus do pedido formulado pela autora, aqui recorrente, tendo por objeto a reapreciação da prova gravada, com a consequente alteração de factos incorretamente julgados como provados e não provados, bem como a aplicação do direito.
B. Está em causa a realização, pelo médico 2.º réu no Hospital 1.º réu, da cirurgia de osteossíntese diafisária do fémur com encavilhamento endomedular descrita no facto provado n.º 17, que a autora não tem dúvidas ter sido realizada com quebra da leges artis e dos deveres de cuidado e vigilância e com culpa dos réus, sob a forma de negligência, a qual foi apta a causar danos à autora.
C. Foram os seguintes os factos incorretamente julgados como provados:
29- Foi confirmada a inexistência de rotação detetável entre os topos ósseos e que se encontravam alinhados, sem diástese ou fraturas iatrogénicas, com remoção do fio guia.
31- Após confirmação que o parafuso proximal se encontrava dentro da cavilha foram introduzidos dois parafusos distais, com recurso a sistema sure-shot (método de assistência computorizada).
32- Os parafusos distais e proximal ficaram colocados dentro dos orifícios correspondentes da cavilha.
34- No final da intervenção cirúrgica o réu procedeu a observação clínica do alinhamento da perna e não constatou a existência de rotação.
39- Foi realizado rx de controlo, no qual era visível o alinhamento dos topos ósseos, sem diástase apreciável, encavilhamento estático, com aparente alinhamento correto, sem rotação detetável e sem fraturas iatrogénicas.
45- A lesão na zona perineal no decurso da tração é uma consequência possível e previsível da tração esquelética realizada durante a intervenção cirúrgica de osteossíntese.
D. Os seguintes factos incluídos no elenco dos factos não provados deverão ser alterados, passando a ser entendidos como provados:
C) Após a intervenção cirúrgica era visível a rotação interna do membro inferior esquerdo da autora;
D) existia um parafuso que não estava dentro da haste;
F) essa situação teria tendência a agravar-se, caso não fosse corrigida;
G) após a intervenção cirúrgica realizada pelo réu a autora manteve tratamentos de fisioterapia e massagens no domicílio;
H) para debelar as dores e minorar as dificuldades de locomoção causadas por essa intervenção a autora teve de realizar cirurgia corretiva.
Factos provados n.ºs 29, 31, 32, 34 e 39
E. Do facto provado nº 52 resulta que o TAC realizado em 05 de outubro (de 2011) revelou a existência de uma rotação interna do membro inferior esquerdo de 33 graus, a qual foi resultado da cirurgia em causa nos autos (facto provado 110).
F. As testemunhas que depuseram em audiência não demonstraram ter conhecimento direto da cirurgia realizada na autora, mas apenas fizeram uma descrição detalhada de uma cirurgia de encavilhamento endomedular diafisário do fémur.
G. Por outro lado, apenas a testemunha Dr. CC, e cujo depoimento com a referência 20170503102230_3789699_2870817 foi prestado em duas sessões, uma no dia 24-06-2022, das 11:48:13 às 12:23:01, com continuação no dia 27-06-2022, das 09:40:03 às 11:23:50, teve contacto com a autora no pós operatório e chegada a França, tendo confirmado ter visto o raio-x, que neste era visível um parafuso fora da cavilha, que realizou exames complementares de diagnóstico e confirmou o defeito de rotação de 33 graus, esclarecendo ainda que na cirurgia corretiva o parafuso proximal, o único superior, estava frouxo, e que esse defeito de rotação era consequência de uma falha cometida na cirurgia, fosse porque o parafuso não ficou completamente colocado na cavilha ou corretamente apertado (o que faz aos 14:45 a 26:56 da primeira parte do seu depoimento e 01:34 a 31:55 da segunda parte.
H. O Prof. Dr. DD, nos esclarecimentos gravados no sistema áudio em uso no Tribunal com a referência 20170503102230_3789699_2870817, que subscreve o Relatório de Consulta Técnico-Científica de fls. 1052, prestados no dia 27-06-2022, com início às 15:09:39 e termo às 15:48:03 permite concluir o mesmo pois que esclareceu a função dos parafusos de bloqueio (04:46), não consegue negar totalmente que não seja possível visualizar o parafuso fora da cavilha, referindo aliás algumas vezes ao longo do depoimento que o parafuso estava fora (13:51 e 14:40), admitindo aliás uma rotação na radiografia pós operatória (27:27).
I. Do Relatório de Consulta Técnico-Científica, de fls. 1052 resulta que o desvio é relevante, admitindo que causasse dano funcional e mesmo estético.
J. A Autora queixou-se ao médico réu que o seu pé estava virado para dentro logo após a cirurgia, facto que foi desconsiderado pelo Tribunal a quo e se encontra provado.
K. O namorado de então da Autora, de quem esta se encontra separada há vários anos (como decorre do início do depoimento), e que foi considerado credível pelo Tribunal EE, cujo depoimento se encontra gravado com a referência 20170503102230_3789699_2870817, com início no dia 24-06-2022, das 13:54:31 às 14:40:42, refere que assistiu a essa queixa ocorreu de facto (18:08), o que a Autora também referiu por várias vezes no seu depoimento (05:06), tendo obtido do réu a resposta que se trataria de uma posição de conforto por causa da dor.
L. Os desvios rotacionais devem ser vigiados no pós operatório, desde logo porque são um erro com relativa frequência, apesar de o Perito Prof. DD ter dito que esse desvio é detetado no pós operatório quando olhamos e vemos o pé a apontar para dentro (18:24 do depoimento identificado), facto também corroborado pelo médico testemunha FF, cujo depoimento gravado no mesmo sistema, em 27-06-2022, com início às 13:54:26 e termo às 14:44:55 aos 43:33
M. O tribunal a quo não tinha razões válidas para não conferir credibilidade ao cirurgião francês que realizou a osteotomia desrrotativa na Autora, tanto mais que dá como provado que só após esta cirurgia a Autora começou a sentir melhoras. Além do mais existindo duas versões diversas, sendo uma da parte, com interesse direto na causa, e outra de uma testemunha sem qualquer interesse no desfecho dos autos, é evidente que esta mereceria maior credibilidade.
N. o Tribunal julgou incorretamente os referidos factos, os quais devem ser alterados, nos seguintes termos:
29- Não foi confirmada a inexistência de rotação detetável entre os topos ósseos.
31- Não foi confirmado que o parafuso proximal se encontrava dentro da cavilha, tendo sido depois introduzidos dois parafusos distais, com recurso a sistema sure-shot (método de assistência computorizada).
32- Os parafusos distais ficaram colocados dentro dos orifícios correspondentes da cavilha e o parafuso proximal ou ficou colocado fora da cavilha ou não foi corretamente apertado.
34- No final da intervenção cirúrgica o réu não procedeu a observação clínica do alinhamento da perna e não constatou a existência de defeito de rotação.
O. O facto provado n.º 39 deve ser alterado para não provado.
P. E resultou ainda de toda a prova produzida nos autos um facto que o Tribunal a quo deveria ter valorizado, com o seguinte teor: Novo facto 39: "Logo após a cirurgia, a autora verificou que tinha a perna virada para dentro, do que avisou o médico réu que a informou que se tratava de uma posição de conforto para minimização da dor".
Q. Também os seguintes factos deverão ser alterados para Provados, passando a englobar o elenco dos FACTOS PROVADOS:
C) Após a intervenção cirúrgica era visível a rotação interna do membro inferior esquerdo da autora;
D) Existia um parafuso que não estava dentro da haste ou que não se encontrava corretamente apertado.
Facto provado n.º 45
R. A lesão vulvar dada como provada decorreu de falta de cuidado dos réus, ao não protegerem aquela zona perineal na mesa de tração ortopédica para preparação da intervenção cirúrgica de osteossíntese, porquanto a gravidade das lesões foi confirmada pela Autora, ouvida em declarações de parte, em 27-06-2022, com início às 15:56:03 e fim às 16:42:21, aos 05:22 a 06:38 e 23:09 a 25:54.
S. Ainda que se aceitasse um hematoma ou até uma leve escoriação, não é aceitável a ferida abrasiva, com cicatriz ainda relatada no relatório pericial referido no ponto 70 dos factos provados, em 30 de dezembro de 2013.
T. Em consequência, o facto n.º 45 deve ser alterado para a seguinte redação:"45- A tração esquelética realizada durante a intervenção cirúrgica de osteossíntese associada à ausência de proteção daquela região vulvar causou na autora lesão na zona perineal, com dores intensas que se prolongaram por um mês e meio e com cicatriz ainda visível pelo menos no dia 30 de dezembro de 2013."
Factos não provados F) e H) - da necessidade da cirurgia
U. Encontra-se provado, sob o facto n.º 66 que, após a intervenção cirúrgica de osteotomia a autora deixou de ter dores e passou a andar sem apoios, o que não havia acontecido em três meses e meio, sendo que perante o diagnóstico de rotação e para debelar as dores e as dificuldades de locomoção, a autora aceitou submeter-se a esta segunda intervenção cirúrgica (factos provados 50 e 56).
V. Um desvio rotacional de 33 graus está perto do máximo que atingem desvios rotacionais internos, correspondente a 45 graus, conforme indicado pela testemunha Senhor Dr GG, cujo depoimento se encontra gravado no sistema áudio em uso no Tribunal, com a referência 20170503102230_3789699_2870817, no dia 24-06-2022, com início às 14:42:39 e fim às 15:56:14 (52:09).
W. Todas as testemunhas referiram que a necessidade da correção do desvio de rotação dependeria do caso concreto, das dores, do desconforto do doente, como referiram FF, cujo depoimento gravado no mesmo sistema, em 27-06-2022, com início às 13:54:26 e termo às 14:44:55 (48:01 a 49:00), Prof. Dr. DD, no seu depoimento com a referência 20170503102230_3789699_2870817, prestado no dia 27-06-2022, com início às 15:09:39 e termo às 15:48:03 (29:33 a 31:09) e Dr. CC na segunda parte do seu depoimento aos 15:38 a 17:48.
X. Aliás a não correção poderia causar problemas na anca, o que se infere aos 04:12 do depoimento do Dr. CC .
Y. Todos os referidos factos, associados à compensação da rotação que a autora bem explicou, ditariam a necessidade da realização da cirurgia corretiva, sob pena de um agravamento da condição da autora, pelo que os factos F) e H) deverão ser alterados, passando a integrar o elenco dos FACTOS PROVADOS:
F) "Essa situação teria tendência a agravar-se, caso não fosse corrigida".
H) "Para debelar as dores e minorar as dificuldades de locomoção causadas por essa intervenção a autora teve de realizar cirurgia corretiva".
Facto não provado G)
Z. Deveria ainda o tribunal ter considerado como provado que a recorrente realizou os tratamentos de fisioterapia recomendados pois, quer a Autora, quer o seu namorado de então, bem como os familiares diretos desta (pais e irmã) confirmaram ao Tribunal a realização de fisioterapia, o que é aliás comprovado pelos documentos n.ºs 23 e 24, faturas relativas a tratamentos realizados pelos técnicos HH e II durante o mês de setembro de 2011 (cfr. depoimento de parte da Autora, aos 03:47 e testemunha EE aos 09:24 e 12:45).
AA. O Facto G) passar a incluir o elenco dos FACTOS PROVADOS: "Após a intervenção cirúrgica realizada pelo réu a autora manteve tratamentos de fisioterapia e massagens no domicílio"
BB. Alterando-se a decisão de facto nos termos expostos, também a decisão de direito deveria ter sido diversa.
CC. O defeito da rotação do fémur, encontrando-se provado que este foi ainda notado e alertado pela autora enquanto se encontrava no Hospital réu, demonstra que ambos os réus falharam a sua obrigação de vigilância, tendo falhado também a proteção da área perineal.
DD. Relativamente à causa da referida rotação, não existem dúvidas que a mesma foi consequência direta da cirurgia pois até então a autora não tinha qualquer queixa, não tinha nenhum dos membros voltados para dentro e nunca tinha tido qualquer dificuldade de locomoção ou uma marcha compensada com o movimento da anca.
EE. O único médico que acompanhou o pós operatório da autora foi a testemunha CC e não o réu ou qualquer dos médicos ouvidos como testemunhas.
FF. A recorrente era, à data dos factos, uma jovem de 19 anos que, ou ficaria toda a vida a colocar o pé 33 graus para dentro ou então ficaria toda a vida a coxear, compensando o desvio com a rotação externa da anca, o que não é aceitável, nem saudável.
GG. O Tribunal a quo não deveria ter descurado por completo as conclusões do relatório pericial de 23.10.2018, onde se conclui ter existido quebra da leges artis.
HH. Tudo ponderado, resultam pois verificados os requisitos que comprovam a responsabilidade civil dos réus com a obrigação de indemnizar.
II. Os danos sofridos pela autora encontram-se provados nos factos provados n.ºs 37, 43, 44, 46, 50, 52, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 68 e 71 a 111.
JJ. Tal como se lê do facto provado n.º 110, da intervenção cirúrgica realizada pelo recorrido resultou edema vulvar, desvio rotacional do fémur e cicatrizes na região peri-genital.
KK. Resultou ainda, conforme se demonstrou, a necessidade de realização de nova intervenção cirúrgica de osteotomia, a qual causou a cicatriz dada como provada no facto provado n.º 58
LL. E, como maior dano para a autora, resultou a necessidade de submeter-se à cirurgia desrrotativa, novo internamento, dores e nova convalescença, retardando o seu regresso à vida ativa até ao mês de abril de 2012, ao invés do início desse ano, como previsto, e a retoma das aulas apenas em outubro de 2012, assim perdendo o ano.
MM. Todos os referidos danos, dores, sofrimento, angústia, nova cirurgia, cicatriz, perda do ano letivo, tendo sido consequência do ato médico e da negligência dos réus, deveriam ter sido valorizados pelo Tribunal a quo e a recorrente deverá ser por eles compensada em valor não inferior a €50.000,00.
NN. Todos os descritos factos deram ainda causa aos danos patrimoniais considerados provados e que não teriam ocorrido se não fosse a atuação dos réus: €2.505,39 (correspondente ao salário de €835,13 multiplicado pelos três primeiros meses de 2012), consultas e tratamentos médicos no ano de 2012 no valor de €663,23 e uma cirurgia incorretamente realizada, que não cumpriu o seu desiderato:€2.226,09, ascendendo o dano patrimonial provado a €5.394,68, em cujo pagamento devem os réus ser condenados.
OO. Estamos pois perante um caso claro de responsabilidade civil médica, encontrando-se provado o cumprimento defeituoso dos deveres médicos, a ilicitude do respetivo comportamento, a culpa dos recorridos e o nexo de causalidade entre aquele cumprimento defeituoso e os danos sofridos pela Autora.
PP. Os réus agiram pois com culpa, devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que condene os réus no pagamento à autora das indemnizações supra descritas.
QQ. A sentença recorrida violou as normas dos artigos 483.º e ss., 798.º e ss, 1154.º, 800.º, 500.º e 341.º a 396.º todos do Código Civil e 10.º do Decreto-Lei n.º 279/2009, de 6 de outubro.
*
O Réu Hospital Particular do Algarve, S.A. contra-alegou, apresentando a seguinte síntese conclusiva:
A. A Recorrente defende que os factos considerados provados sob os pontos 29, 31,32, 34, 39 e 45, deveriam ter sido considerados como não provados e que os factos não provados C), D), F); G) e H), deveriam outrossim ser considerados provados, recorrendo essencialmente ao depoimento das testemunhas da Autora e ao depoimento de parte da mesma.
B. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão, não só na documentação clínica, mas também nas declarações de parte do réu e depoimentos dos enfermeiros, nas descrições sobre o procedimento da intervenção cirúrgica oferecidas pelas testemunhas médicos ortopedistas, tendo considerado os depoimentos coerentes e isentos de contradições.
C. O Tribunal a quo recorreu também o parecer do Conselho Médico para considerar provado que a técnica cirúrgica seguida pelo réu (encavilhamento anterógrado do fémur) é o tratamento de eleição nestas fraturas.
D. E ao parecer do Conselho do Colégio da Especialidade de Ortopedia, para considerar que o edema vulvar sofrido pela Autora é consequência possível/previsível da intervenção cirúrgica realizada pelo réu.
E. Foram igualmente determinantes os RX juntos e a interpretação dos mesmos no parecer do Conselho Médico, para considerar que da cirurgia não teria resultado rotação detetável.
F. A análise de prova oferecida pela Recorrente não prejudica a conclusão do parecer do Conselho de que se evidencia na radiografia pós-operatória uma boa aposição dos topos e correta dimensão de cada cortical dos topos de fratura pelo que se admite que o cirurgião terá procurado evitar essa complicação;
G. Como não põe em causa a conclusão do mesmo parecer de que o desvio rotacional do fémur é uma complicação frequente nos encavilhamentos diafisários;
H. Esclarecendo o parecer do Conselho Médico, sem que a Recorrente o consiga contrariar, que o encavilhamento anterógrado do fémur implica a desinserção dos músculos pelvitrocantéricos na introdução do implante, com tracção do membro em mesa operatória de tracção com apoio na região púbica, o que pode explicar o aparecimento de lesão nas partes moles no pavimento pélvico.
I. O depoimento do Dr. CC, a que a Apelante recorre para pôr em causa os demais elementos de prova, foi prestado com manifesta motivação da testemunha em apontar como responsável pelos danos alegados pela Autora, o réu médico.
J. Mas o depoimento da testemunha Dr. CC não logrou concretizar em que é que o procedimento realizado na cirurgia em discussão nos autos teria falhado, ou quais seriam as causas daquilo que foi considerando no seu testemunho como um erro.
K. A testemunha Dr. CC assumiu uma postura de confronto não só com o mandatário, mas com a própria Meritíssima Juiz, não respondendo cabalmente às questões colocadas, ou seleccionado aquelas que pretendia responder.
L. As passagens dos depoimentos do perito Prof. DD e da testemunha Dr. FF, onde se debruçam sobre hipóteses colocadas em instâncias que lhes foram feitas, que a Recorrente aponta como indiciadoras de responsabilidade do réu, não só não contrariam o restante conteúdo dos respectivos depoimentos, que vão em sentido contrário, como não põe em causa, mais uma vez, o teor dos pareceres do Colégio de Ortopedistas e do Conselho Médico.
M. Relativamente à visibilidade da rotação interna do membro inferior esquerdo da autora, o “resumo da informação clínica” (processo clínico) da Autora, identifica todos os factos clinicamente relevantes relativos à intervenção cirúrgica realizada no Hospital Particular e período pós-operatório, com passagens introduzidas por um médico e oito enfermeiros nunca sendo referida a constatação da rotação do membro inferior esquerdo da Autora no pós-operatório.
N. A razão de tal desvio rotacional não ter sido detectado durante o internamento pós-operatório no Hospital Particular do Algarve é explicada pelo relatório do Conselho Médico que admite possa ter passado despercebido no pós-operatório imediato, tendo em conta o edema da coxa e as dificuldades descritas na mobilização do membro.
O. Quanto às queixas de dores da Autora, o relatório do Conselho Médico Legal refere que tais queixas podem ser facilmente explicadas pela gravidade da fratura do fémur, que pela sua violência terá seguramente danificado a integridade dos músculos da coxa e pela necessidade de uma cirurgia de encavilhamento, com a iatrogeina que é reconhecida do ponto de entrada, dano este repetido ainda com a remoção do implante, e que o desvio rotacional não seria causa das queixas de dor, sendo antes de natureza a condicionar o défice de força e sintomatologia de instabilidade fémuro-patelar.
P. No depoimento do perito relator do parecer do Conselho Médico, na audiência de julgamento, e em especial nas passagens citadas nas Alegações de apelação, nada foi dito que contrarie o entendimento defendido no relatório, nem nada foi dito por este Professor que permitisse concluir que a “situação teria tendência a agravar-se caso não fosse corrigida” ou que a cirurgia correctiva foi necessária para debelar as dores e minorar as dificuldades de locomoção causadas pela cirurgia em discussão nos Autos.
Q. Para defender que deveria ter sido considerado provado que a autora manteve tratamentos de fisioterapia e massagens no domicílio, a Recorrente sustenta que o Tribunal a quo ignorou o depoimento dos familiares directos da autora, sendo certo que a testemunha irmã da Autora, afinal, não conseguiu precisar se a sua irmã AA cumpriu o acompanhamento pós-operatório que lhe havia sido determinado, em especial no que diz respeito à fisioterapia.
R. Perante a prova produzida, não podia ser outra a conclusão do Tribunal a quo, senão dar como provados os factos que os considerou como tal e não provados os restantes, não sendo a análise da prova feita pela Apelante suficiente para colocar em crise qualquer das conclusões alcançadas na Decisão Recorrida.
*
Também a Interveniente “Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A.” respondeu ao recurso, concluindo que:
1. Entende a aqui Recorrida que a mui douta Sentença prolatada pelo Tribunal a quo não se revela merecedora de qualquer tipo de reparo, ou pelo menos, não o merece seguramente no sentido que a Recorrente pretende.
2. No caso concreto a Recorrente encontrava-se com uma fratura da diáfise do fémur esquerdo, sendo que o Réu estava vinculado a (i) avaliar o caso concreto (ii) identificar a terapêutica adequada (iii) realizar a cirúrgica de osteossíntese único método adequado para debelar a fratura sofrida pela Recorrente (iv) dispensar os cuidados de saúde adequados à sintomatologia apresentada (v) fazendo uso das regras que a ciência médica mais recente prescreve para aquela concreta patologia e tratamento.
3. Sobre a Recorrente impendia a prova do incumprimento, ou cumprimento defeituoso por parte do Réu na realização da cirurgia, nomeadamente a existência de uma divergência objetiva entre os atos praticados pelo médico e aqueles que seriam os adequados para que a cura ocorresse.
4. Segundo os depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento não resultou a existência de qualquer incumprimento ou quebra dos padrões de conduta a que o Réu se encontrava vinculado, pelo o contrário, resultou dos depoimentos das testemunhas GG (depoimento gravado no ficheiro com a referência 20220624144237_3789699_2870816) médico ortopedista que fez parte da equipa se encontrava no bloco operatório, aquando da realização da cirurgia em apreço nos autos e FF (depoimento gravado no ficheiro com a referência 202206271235424_3789699_2870816) médico ortopedista e diretor do serviço da unidade hospitalar onde a cirurgia teve lugar, que a cirurgia de osteossíntese era o único meio adequado ao tratamento da fratura da Recorrente, tendo esta sido realizada da forma perfeita por parte do Réu.
5. Nomeadamente, foram utilizadas todas as técnicas e instrumentos adequadas ao encavilhamento do fémur, colocação dos parafusos proximal e distais na cavilha para fixação e alinhamento do membro, tendo o referido alinhamento sido controlado por exame imagiológico intra-operatoriamente e no pós operatório, não tendo sido assinalada qualquer rotação de 33 graus.
6. Não se encontrando provado que que o parafuso proximal não estivesse fixo na cavilha e que tal tinha resultado num eventual desvio rotacional, sendo que ainda que este não se encontrasse devidamente apertado este não seria essencial ao alinhamento do membro inferior, mas sim os dois parafusos distais, tendo ficado por demonstrar se a eventual ausência de fixação do parafuso proximal na cavilha determinou as sequelas invocadas pela Recorrente (desvio de rotação que aponta, dismetria ou anca dolorosa ou parestesias do pé esquerdo).
7. Acresce que o próprio traumatismo sofrido pela Recorrente aquando da fratura do membro inferior escrito e a submissão a cirurgia sempre seriam originadores de momentos dolorosos e incómodos, os quais podem perdurar no tempo por um período não inferior a um ano.
8. Ficou demonstrado que a existência de um desvio rotacional do fémur, é uma complicação frequente neste tipo de encavilhamento da diáfise do fémur.
9. Por outro lado, ficou demonstrado que o edema vulvar ocorreu devido à colocação da Recorrente na mesa de tração com apoio na zonal perineal, a qual era necessária à realização da intervenção cirúrgica de osteossíntese, mormente para alinhamento dos topos ósseos e posterior colocação da cavilha.
10. Não logrou a Autora demonstrar que os danos invocados resultassem de qualquer atuação ou omissão culposa por parte do Réu, tendo pelo contrário ficado amplamente demonstrado que a conduta do Réu foi adequada ao caso concreto e a realização da cirurgia de forma perfeita, tendo atuado de forma diligente, prescreveu o tratamento adequado para a fratura da diáfise do fémur, cirurgia que executou de acordo com as legis artis, com vista a debelar a lesão que a Recorrente apresentava (fémur esquerdo fraturado).
Nesta medida devem ser considerados como provados os pontos 29, 31, 32, 34, 39 e 45 e como não provadas as alíneas C), D), F), G) e H) da douta sentença ora em crise.
Donde, concluímos, que outra não poderia ter sido a decisão que não a absolvição dos Réus face à ausência de prova do comportamento ilícito do Réu médico e à prova efetiva da adequação da sua conduta aquando da realização da cirurgia da Recorrente.
*
O Réu BB veio também responder ao recurso interposto pela Autora, concluindo da seguinte forma:
I- A decisão proferida quanto à matéria de facto mostra-se devidamente fundamentada, nada justificando a sua alteração.
II- A decisão proferida quanto aos factos dos pontos 29, 31, 32, 34 e 39 da matéria provada e pontos C) e D) da matéria não provada é a que traduz a prova produzida.
III- No seu depoimento gravado no sistema H@bilus no dia 27/06/2022, entre as 16h43m33s e as 17h21m20s, o Réu BB descreveu com detalhe a sua intervenção, confirmando que, no decurso da intervenção, se assegurou da inexistência de rotação entre os topos ósseos, confirmando que estes estavam alinhados, que procedeu à colocação dos parafusos proximal e distais, tendo-os introduzido nas respetivas cavilhas, usando, no que toca aos proximais, o sistema do próprio material de encavilhamento e, quanto aos distais, o método “Sure-Shot”, que, depois da intervenção, não era detetável qualquer rotação interna do membro inferior esquerdo da Autora e, finalmente, que foi efetuado um RX de controlo, onde era visível um aparente alinhamento correto, sem rotação detetável.
IV- Esclareceu, ainda, que mesmo que o parafuso proximal estivesse fora do sítio – o que rejeita por completo – isso seria uma consequência de falha do próprio aparelho (vareta) e não do operador, já que o próprio material de encavilhamento tem um sistema próprio de orientação do parafuso, e, em todo o caso, nunca teria gerado qualquer rotação do osso, na medida em que a vareta estava devidamente perfeitamente justo, ajustado ao canal ósseo.
V- Todas estas referências podem ser encontradas nas seguintes passagens do seu depoimento gravado no sistema H@bilus no dia 27/06/2022, entre as 16h43m33s e as 17h21m20s, aos minutos 4m07s a 6m24s, 28m59s a 30m59s.
VI- No que toca aos procedimentos destinados a confirmar a inexistência de rotação depois da cirurgia, o Sr Dr BB esclareceu que a mesma nunca foi notada, que a Autora nunca se queixou da sua existência e, em qualquer caso, que tudo fez para a evitar (como resulta das passagens dos minutos 8m44s a 10m10s, 16m34s a 17m49s, 31m24s a 34m06s do seu depoimento.
VII- No que toca aos concretos procedimentos intracirúrgicos que o Sr Dr BB adotou para evitar a rotação femoral (pontos 29, 34 e 39), foi explicado pelo Réu que, no decurso da intervenção, procurou e obteve o alinhamento dos focos da fratura, o que conseguiu (Cfr passagens dos minutos 22m30s a 23m44s, 27m10s a 28m48s)
VIII- Os factos relatados pelo Réu Sr Dr BB foram confirmados pelo depoimento da testemunha GG, o qual esteve presente no decurso da intervenção cirúrgica realizada à Autora.
IX- foi atestado por esta testemunha que, no decurso da intervenção, o Sr Dr BB procurou avaliar a existência de desvio rotacional, confirmando, por amplificação de imagem, que não ocorria, já que se tinha conseguido um perfeito alinhamento dos topos da fratura, que todos os parafusos foram colocados de acordo com os procedimentos adequados e dentro das sua cavilhas, que, no final da intervenção foi, mais uma vez, confirmada a inexistência de rotação e que nenhuma era detetável ou visível e, também, que isso mesmo resultou do RX de controlo, que não evidenciou, ou evidencia, qualquer rotação, mas antes um alinhamento “topo a topo”, ou seja, perfeito (cfr passagens do depoimento da testemunha Sr Dr GG, gravado no sistema H@bilus no dia 24/06/2022, entre as 14h42m38s e as 15h56m14s, aos minutos 1m13s a 1m16s, 9m03s a 9m11s, 14m19s a 15m39, 18m49s a 24m01s, 24m32s a 31m06s, 31m35s a 31m56s, 32m58s a 33m24s, 36m09s a 37m34s, 57m57s a 59m57s, 1h00m44s a 1h02m08s, 1h04m03s a 1h05m30s.
X- Constam dos autos as imagens do RX realizado à perna da Autora em 29/08/2011 (as quais foram juntas pela 1ª Ré com a sua contestação), nas quais se confirma, tal como referiu o ora recorrido e a testemunha Dr GG, o devido alinhamento dos topos da fratura e, também, que os parafusos estavam introduzidos nos orifícios da cavilha,
XI- Ademais, a prova de cariz pericial, ou técnico, constante dos autos, corrobora o depoimento do Réu o do Sr Dr GG.
XII- Para além de se evidenciar deste parecer do Colégio de Especialidade que a atuação do recorrido foi irrepreensível e esteve de acordo com as boas práticas médicas, há a salientar que o Autor desse parecer, o Sr Prof Dr JJ, é perentório na afirmação de que o RX pós-operatório evidencia “uma redução perfeita, com alinhamento dos topos ósseos, sem diástase, sem rotação entre o fragmento proximal e distal, com cavilha bloqueada proximal e distalmente”
XIII- Ora, foi este o resultado que o ora recorrido pôde apreciar e entendeu que evidenciava a inexistência de rotação óssea e atestava o devido posicionamento dos parafusos.
XIV- No mesmo sentido surge o Parecer do Conselho Médico-Legal do INML, junto aos autos no dia 31/08/2020 (com a ref citius 8142953), no qual se refere, além do mais, que se evidencia na radiografia pós-operatória “uma boa aposição dos topos e correta dimensão de cada cortical dos topos de fratura, pelo que se admite que o cirurgião terá procurado evitar essa complicação [a rotação]. Acrescenta-se nesse parecer que “não vemos em todo o processo qualquer quebra da legis artis”.
XV- Isto é, também o parecer do CML do INML aponta no sentido de que o resultado radiológico da intervenção cirúrgica realizada pelo Réu não evidenciava a existência de qualquer rotação, a qual não era, por conseguinte detetável e, ainda, que o recorrido agiu de acordo com as boas práticas da medicina
XVI- Também o subscritor do parecer do CML confirmou, nos esclarecimentos prestados na audiência de julgamento, que o resultado da cirurgia foi uma redução que, do ponto de vista imagiológico (RX), aparentava ser perfeita, não sendo percetível que os parafusos estivessem fora do seu local. Acrescentou, ainda, que, mesmo que o parafuso proximal se encontrasse fora do sítio – o que não reconheceu – isso só se poderia dever a erro do próprio material e nunca do médico, tudo como se vê destas passagens do seu depoimento gravado no sistema H@bilus no dia 27/06/2022, entre as 15h09m39s e as 15h48m03s, aos minutos 6m16s a 16m36s.
XVII- Ainda no seu depoimento o Sr Prof Dr DD mencionou, ainda, que o desvio rotacional da Autora poderia estar mascarado pelo desvio da tíbia, não relacionado com a intervenção cirúrgica, mas sim preexistente, como se vê dos minutos 18m15s a 18m38s, 21m56s a 22m26s, 27m21s a 29m05s do seu depoimento
XVIII- E no seu parecer, o Sr Prof Dr DD admite, como o fez no depoimento, que a rotação poderia não ser detetável, nos seguintes termos “admite-se que o mesmo possa ter passado despercebido no pós-operatório imediato, tendo em conta o edema da coxa e as dificuldades descritas na mobilização do membro….”
XIX- Também a testemunha Sr Dr FF, médico, confirmou no seu depoimento que o RX pós operatório da perna da Autora atesta um alinhamento perfeito dos topos da fratura, como se vê das seguintes passagens do seu depoimento, gravado no sistema H@bilus no dia 27/06/2022, entre as 13h54m25s e as 14h44m55s, aos minutos 27m51s a 28m22s
XX- No que toca a esta matéria o depoimento da testemunha CC não é atendível.
XXI- Com efeito, no que toca aos factos dos pontos 29, 31, 32, 34 e 39 da matéria dada como provada, o “novo” ponto 39 que a Autora pretende aditar e ainda a matéria das alíneas C) e D) da factualidade dada como não provada, estão em causa acontecimentos ocorridos ainda no decurso do internamento da Autora no Hospital da 1ª Ré.
XXII- Perante este dado, é forçoso, desde logo, concluir que o a testemunha Sr Dr CC não presenciou, diretamente, os factos cuja decisão é impugnada pela Autora.
XXIII- Ademais, desconhece-se se, entre a data em que a Autora teve alta e a data em que foi observada pelo Sr Dr CC, ocorreu alguma circunstância na vida da demandante que tenha, de alguma forma, alterado a situação em que se encontrava aquando da sua saída do Hospital Particular do Algarve.
XXIV- Por outro lado, há a assinalar o facto de a testemunha em causa ter evidenciado, em diversas passagens do seu depoimento, um evidente desconhecimento, ou esquecimento, quanto aos factos sobre os quais depôs (cfr passagens dos minutos 3m23s a 6m10s, 11m07s a 13m52 do seu depoimento gravado no sistema H@bilus no dia 24/06/2022, entre as 11h48m13s e as 12h23m01s.
XXV- Esta testemunha produziu quanto aos factos propriamente ditos, há a assinalar, desde logo, que descreveu uma perceção da realidade que não foi partilhada por quem assumia, nos presentes autos, a posição de perito.
XXVI- Assim, afirmou esta testemunha no seu depoimento que, aquando da observação que fez à Autora, foram-lhe exibidos os RX pós-operatórios, cedidos pelo ora recorrido, nos quais logo se apercebeu de um parafuso mal posicionado, quando quer o ora recorrido, quer a testemunha Dr GG, quer, também, os médicos (ambos professores universitários) que subscreveram o parecer do Colégio da Especialidade e o do CML do INML, foram perentórios na afirmação de, analisando-se os RX pós-operatórios, verifica-se que todos os parafusos estavam devidamente colocados nas respetivas cavilhas.
XXVII- A testemunha Drª CC quis associar a rotação (que ocorre, relembre-se, em 25% dos casos), com má prática do médico, o que resulta afastado pelos factos provados e pela demais prova, inclusive pericial produzida.
XXVIII- Bem se percebe, pois, desta afirmação que a testemunha tem uma visão deturpada dos factos, ainda mais factos que não presenciou, nomeadamente a cirurgia levada a cabo pelo recorrido.
XXIX- Acresce que em momento algum o Sr Dr CC referiu que algum dos parafusos não se encontrava na respetiva cavilha.
XXX- Depois, não pode deixar de se notar que esta descrição feita pela testemunha mereceu muitas reservas por parte do Sr Prof Dr DD, o qual, confrontado com a afirmação de que retirou um dos parafusos sem chave disse que isso era pouco crível (cfr passagem do minuto 13m39s do depoimento do perito Dr DD)
XXXI- Mas, por outro lado, é forçoso salientar que, mais uma vez, o Sr Dr CC fez afirmações que contrariam toda a demais prova constante dos autos, ao afirmar que foi o facto de o parafuso de cima (o proximal) ter sido mal colocado que causou a rotação.
XXXII- A este propósito o autor do parecer do CM, Sr Prof Dr DD, esclareceu que um defeito na colocação do parafuso proximal não seria causa de rotação femoral;
XXXIII- Também a testemunha Sr Dr FF confirmou que, no caso, a cavilha estava tão encravada no canal que um erro na colocação do parafuso proximal não acarretaria um defeito de rotação;
XXXIV- Depois, questionado sobre o concreto erro cometido pelo ora recorrido, o Sr Dr CC não foi capaz de o identificar e descrever, antes tendo entrado num crescendo de irritação, que culminou a tentativa de por termo às suas declarações, tudo como se vê das passagens dos minutos 1h02m42s a 1h29m41s do seu depoimento.
XXXV- Ora, com todo o respeito, este depoimento não pode ser atendido, não só por ser confuso, como, também, porque contraria factos de cariz científico que foram atestados no decurso da ação.
XXXVI- Numa outra banda importa salientar que as declarações da testemunha EE não têm o valor probatório que a Autora lhes atribui.
XXXVII- Como se vê da documentação clinica que a 1ª Ré juntou aos autos em 10 de maio de 2017, a Autora foi observada por enfermeiros nos dias 28/08/2011, já depois da cirurgia, por duas vezes, por 3 vezes no dia 29/08/2011;
XXXVIII- Além disso, há a registar, ainda, as visitas que lhe foram feitas pelo ora recorrido no dia 28/08/2011 (pelas 21h), 29/08/2011 (pelas 17h45m) e 31/08/2011 (pelas 12h07m) e pelo Sr Dr KK (nos dias 30/089/2011), sem qualquer menção a queixas de rotação do pé.
XXXIX- Ora, neste contexto, as afirmações da testemunha EE de que existia essa rotação e que dela a Autora se queixou ao recorrido não passa de uma invenção, sem qualquer corroboração.
XL- Assim não pode senão manter-se a decisão proferida quanto a estes factos.
XLI- A testemunha GG, que esteve presente na cirurgia, atestou que a lesão do períneo é uma consequência possível e inevitável da tração do membro que deve ser efetuada e que, no caso, não foi aplicada tração excessiva, tudo como se pode ver das passagens dos minutos 11m44s a 14m17s do seu depoimento
XLII- O mesmo referiu a testemunha Sr Dr FF, no seu depoimento gravado, aos minutos 21m29s a 21m35
XLIII- Assim, sem necessidade de quaisquer outras considerações, deve improceder, a impugnação da decisão quanto ao facto do ponto 45;
XLIV- Quanto aos pontos F) e H) da matéria não provada, resulta do Parecer do CML que as dores que a Autora sentia eram resultado do traumatismo e não da cirurgia e que a rotação não poderia produzir dores.
XLV- Por outro lado, a testemunha Sr Dr FF referiu que, na sua opinião, não se justificava, no caso, a realização da osteotomia, ou cirurgia corretiva, antes se devendo aguardar, 9 meses a um ano, para avaliar o impacto da alegada rotação no dia-a-dia da paciente (cfr passagens dos minutos 22m03s a 22m23s,m 34m11s a 34m24s)
XLVI- No mesmo sentido as declarações do Réu, o qual, de forma convincente e fundamentada, esclareceu que admitia como perfeitamente possível não ser necessária a intervenção e que, em qualquer caso, o momento em que foi feita foi o pior possível (cfr passagens dos minutos 34m25s a 36m59s);
XLVII- Assim, a prova conjuga-se no sentido de que as dores que a Autora sofria eram resultado do violento traumatismo que sofreu e não de qualquer rotação, pelo que a cirurgia corretiva não tinha por efeito evitá-las e, por outro, no de que nem sequer é certo que tal cirurgia fosse necessária.
XLVIII- Como tal, o Tribunal a quo, não podia, pois, dar como não provado os pontos de facto F) e H).
XLIX- O facto do ponto G da matéria dada como não provada não se provou, conforme decidido.
L- Não é identificável qualquer erro na atuação do Réu, muito menos grosseiro.
LI- O Réu agiu de acordo com as Leis da Arte;
LII- A Autora não logrou provar que a pretensa introdução do parafuso fora da cavilha tenha resultado de um erro do Réu. Ao invés, como acima se mencionou, a prova foi unanime no sentido de que a eventual má colocação do parafuso proximal só pode resultar de uma falha do próprio material e não do cirurgião.
LIII- De resto, o que resulta da prova é que uma incorreta fixação do parafuso proximal (o que a Autora diz que estaria fora do sítio) nunca seria suscetível de gerar a rotação.
LIV- E, consequentemente, não está demonstrado o ilícito, a culpa e, tão pouco, o dano ou seu nexo de causalidade com a ação do médico.
LV- Não tendo a Autora provado o ilícito, a culpa, o dano e a relação deste com a atuação do recorrido, a ação não pode, senão, improceder.
Ampliação do objeto do recurso – Art 636º do CPC/ substituição do Tribunal Recorrido – artigo 665º n.º 2 e 3 do CPC
LVI- Na sua contestação o Réu invocou a exceção de prescrição do direito de indemnização invocado pela Autora.
LVII- Porém, tal exceção não foi conhecida na douta sentença, por se ter considerado que, face à inexistência do direito de indemnização fica “prejudicado o conhecimento da exceção perentória de prescrição desse direito”.
LVIII- Ora, o Réu pretende, a título subsidiário e caso se entenda que o recurso é procedente, que essa exceção seja conhecida.
LIX- E considera o Réu que, em face da factualidade dada como provada, se impõe a procedência dessa exceção.
LX- Perante esta factualidade, sobretudo a do ponto 55, é forçoso concluir que, pelo menos em 02/11/2011 a Autora tomou conhecimento do eventual direito de indemnização que exercer nesta ação contra o Réu
LXI- O 2º Réu só foi citado para contestar a presente acção em 30/08/2016.
LXII- Assim, mostra-se prescrito o eventual direito de indemnização da A
LXIII- Logo, deve esta questão ser agora conhecida, absolvendo-se o Réu do pedido.
LXIV- Nunca seriam devidas as prestações reclamadas.
Terminou pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
*
A Interveniente SEGURADORAS UNIDAS, S.A., atualmente designada GENERALI SEGUROS, S.A. (tal como resulta da respetiva certidão permanente – com o código de acesso 5721-8116-4102) veio aderir integralmente ao teor das contra-alegações apresentadas pelo seu segurado, o Recorrido BB.
*
II. QUESTÕES A DECIDIR.
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, impõe-se conhecer das questões colocadas pela Apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo o julgador livre na apreciação e aplicação do direito, nos termos do disposto no artigo 5º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
Assim, no caso concreto, importa apreciar e decidir:
- se procede a impugnação da matéria de facto; e
- se se mostram verificados os pressupostos de responsabilidade civil em que a Autora funda a sua pretensão e se devem os Réus e em que termos, ser condenados a pagar à Autora o montante pela mesma peticionado;
- no caso de se concluir pela afirmativa, analisar se procede a exceção de prescrição invocada.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO.
III.1. O Tribunal Recorrido considerou provados os seguintes factos:
1. A autora nasceu no dia .../.../1992 (cf. doc. de fls.100/101, cujo teor se dá por reproduzido);
2. A ré é uma sociedade comercial anónima que se dedica à prestação de serviços médicos e paramédicos através de clínicas médico-cirúrgicas que explora (cf. doc. de fls.37/47, cujo teor se dá por reproduzido).
3. O réu é médico ortopedista e exerceu funções no Hospital da Gambelas, em Faro, explorado pela ré, desde 01 de janeiro de 2010, mediante acordo para prestação de serviços.
4. No dia 25 de agosto de 2011, cerca das 17h00m, a autora seguia como passageira numa mota de água, a qual colidiu com outra mota de água.
5. A colisão provocou traumatismo torácico e traumatismo do membro inferior esquerdo da autora, do qual resultou fratura da diáfise do fémur esquerdo.
6. Devido ao seu estado de saúde a autora deu entrada, cerca das 19h56m, na Urgência do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio (CHBA).
7. Apresentava deformação grosseira do fémur esquerdo que lhe provocava dores na região do membro inferior esquerdo.
8. Efetuado rx foi-lhe diagnosticada fratura transversal do terço médio (diáfise) do fémur esquerdo, tendo sido colocada tração de 6 (seis) kg no fémur esquerdo, administrado analgésico, ficando internada no serviço de ortopedia a aguardar cirurgia.
9. A autora havia contratado seguro de assistência em viagem para vigorar nas férias que passava em Portugal e participou o acidente à seguradora Europe Assistance, S.A..
10. Por decisão da autora foi, no dia 27 de agosto de 2011, transferida para o Serviço de Ortopedia, do Hospital das Gambelas, em Faro, onde deu entrada cerca das 20h54m.
11. O réu encontrava em serviço de urgência e observou a autora confirmado o diagnóstico de fratura diafisária do fémur esquerdo, além de fratura dos 5º e 6º arcos costais, com edema acentuado da coxa, tosse e expetoração, dor torácica à esquerda, ferida infetada logo abaixo da região rotuliana esquerda e escoriações superficiais na mesma.
12. Foi comunicado à autora que teria de realizar uma intervenção cirúrgica de osteossíntese com encavilhamento endomedular do fémur, a qual consiste na reunião de fragmentos ósseos por meio de parafusos ou outros dispositivos.
13. Esta intervenção cirúrgica era a adequada a corrigir a lesão que a autora apresentava, exigindo acompanhamento médico posterior e tratamentos de fisioterapia, com eventual intervenção cirúrgica para remoção dos parafusos e não sendo certa a recuperação total.
14. A autora acedeu a realizar a intervenção cirúrgica de osteossíntese, a qual foi agendada para o dia 28 de agosto de 2011, pelas 10h30m.
15. Neste dia 28 de agosto de 2011 foram realizados rx do tórax e do fémur, sendo visível um fragmento ósseo localizado na região externa da coxa esquerda e no plano frontal no eixo do fémur.
16. O qual não constituía causa de dor ou desconforto, nem possuía indicação para extração cirúrgica, por não trazer vantagem.
17. A intervenção cirúrgica de osteossíntese foi realizada pelo réu, com colocação de encavilhamento endomedular do fémur esquerdo, com cavilha Trigen 8,5x400mm Smith & Nephrew, estática.
18. Para tal a autora foi anestesiada e colocada na mesa de tração (mesa ortopédica), com retirada da tração esquelética provisória.
19. Após foi efetuada fixação da autora à mesa ortopédica, com apoio na zona perineal e tração ao tornozelo com bota de couro almofadada.
20. Era indispensável proceder, antes do encavilhamento, à tração do membro inferior esquerdo para alinhamento dos topos ósseos.
21. Através da tração e de manipulação o réu procedeu ao alinhamento dos topos ósseos.
22. Foi utilizado como controlo rotacional rótula ao zénite, eixo longitudinal da rótula a passar pela tuberosidade da tíbia e pelo 2º metatársico e bacia horizontal.
23. Após foi realizada uma incisão junto ao grande trocânter com cerca de 11 cm e a abertura do orifício de entrada do fio-guia, com perfuração manual com punção.
24. O réu introduziu o fio-guia ao longo do canal medular para lá do fragmento proximal da fratura até à parte distal do fémur.
25. Para obter alinhamento dos dois topos ósseos e avanço do fio guia para a parte distal do fémur foi aumentada a tração.
26. O que se tornou necessário para introdução total do fio-guia e encavilhamento.
27. Como o canal medular tinha cerca de 7,9mm e a cavilha 8,5mm de diâmetro foi utilizado Rimer para brocagem do canal medular para o seu alargamento até 10mm.
28. Após efetuado o alargamento foi introduzida uma cavilha com 8,5 mm de diâmetro por 400mm de comprimento no canal medular do fémur.
29. Foi confirmada a inexistência de rotação detetável entre os topos ósseos e que se encontravam alinhados, sem diástese ou fraturas iatrogénicas, com remoção do fio guia.
30. De seguida foi colocado o parafuso proximal, através de técnica e instrumentação do sistema guia intrínseco ao material de encavilhamento.
31. Após confirmação que o parafuso proximal se encontrava dentro da cavilha foram introduzidos dois parafusos distais, com recurso a sistema sure-shot (método de assistência computorizada).
32. Os parafusos distais e proximal ficaram colocados dentro dos orifícios correspondentes da cavilha.
33. Os procedimentos realizados na intervenção cirúrgica foram acompanhados pelo réu com recurso a sistema de amplificação de imagem.
34. No final da intervenção cirúrgica o réu procedeu a observação clínica do alinhamento da perna e não constatou a existência de rotação.
35. Realizada a sutura das incisões a autora regressou ao internamento e iniciou o período de convalescença pós-operatória, com vigilância médica e de enfermeiros.
36. Pelas 21h00m do dia 28 de agosto de 2011 a autora foi observada pelo réu, não apresentando queixa álgica, estando as feridas cirúrgicas limpas.
37. Pelas 08h00m do dia 29 de agosto de 2011 foi observada por especialista em ginecologia, por apresentar edema vulvar, tendo sido prescrita a aplicação de gelo.
38. Pelas 17h45m do dia 29 de agosto de 2011 a autora foi observada pelo réu e foi mantida a medicação.
39. Foi realizado rx de controlo, no qual era visível o alinhamento dos topos ósseos, sem diástase apreciável, encavilhamento estático, com aparente alinhamento correto, sem rotação detetável e sem fraturas iatrogénicas.
40. No dia 30 de agosto de 2011 a autora iniciou deambulação, com auxílio de andarilho, com melhoria da mobilidade do membro inferior esquerdo e carga parcial.
41. Esteve internada até 02 de setembro de 2011, data em que lhe foi dada alta médica, com indicação de prosseguir acompanhamento médico e fisioterapia.
42. Nessa data conseguia deslocar-se com auxílio de canadianas.
43. Nos dias que se seguiram à intervenção cirúrgica a autora sentiu dores na zona intervencionada e devido a edema vulvar constante incómodo, dor e dificuldade em urinar e ao lavar a zona genital, com perdas sanguíneas vaginais.
44. O edema vulvar foi causado pelo posicionamento da autora na mesa de tração ortopédica para preparação da intervenção cirúrgica de osteossíntese e prolongou-se por um mês e meio.
45. A lesão na zona perineal no decurso da tração é uma consequência possível e previsível da tração esquelética realizada durante a intervenção cirúrgica de osteossíntese.
46. A autora não foi alertada para essa possibilidade pelos réus.
47. Após a alta médica a autora regressou à sua residência em França, seguindo em transporte aéreo.
48. O réu não teve intervenção nos tratamentos a que a autora se submeteu após a alta hospitalar.
49. Em setembro de 2011 a autora consultou um médico ortopedista e em outubro desse mesmo ano consultou outro médico ortopedista (Dr. CC).
50. Continuava com dores e locomovia-se com auxílio de duas canadianas.
51. O Dr. CC prescreveu a realização de exames complementares que a autora realizou em 05 e 10 de outubro e 02 de novembro de 2011.
52. O TAC realizado em 05 de outubro revelou a existência de uma rotação interna do membro inferior esquerdo de 33 graus.
53. O rx realizado em 10 de outubro revelou a presença de um fragmento ósseo situado nas partes moles ao nível da fratura.
54. O exame realizado em 02 de novembro revelou joelho direito valgo 1,5º e joelho esquerdo valgo 1,8º, com dismetria de 7 mm (à esquerda) a partir da cabeça do fémur (com báscula da anca).
55. Com base nestes exames aquele médico diagnosticou a existência de perturbação da rotação do fémur em consequência da osteossíntese.
56. Perante este diagnóstico e para debelar as dores e as dificuldades de locomoção que sentia a autora aceitou submeter-se a intervenção cirúrgica.
57. Que foi realizada pelo Dr. CC, no dia 12 de dezembro de 2011, com ablação de parafuso, osteotomia de rotação no calo e reposicionamento/substituição de parafusos (proximal e distal) para correção da rotação interna.
58. E da qual resultou cicatriz localizada no terço médio da face externa da coxa com 13 cm de comprimento.
59. A autora ficou internada entre 12 de dezembro de 2011 e 19 de dezembro de 2011.
60. Após a alta hospitalar foi para o domicílio e passou a ser acompanhada em regime de ambulatório de consultas e tratamentos externos do Hospital Saint Camille em França e no Centro de Saúde da sua área de residência.
61. Por prescrição médica manteve nos meses que se seguiram o auxílio de canadianas, fisioterapia e recuperação funcional.
62. Fez tratamentos de enfermagem que consistiram em pensos secos de Biseptine de 2 a 3 dias até à cicatrização; remoção de agrafos; e numeração da fórmula sanguínea e plaquetas 2 vezes por semana.
63. Manteve a toma de medicação INNOHEP 4500: uma injeção subcutânea todos os dias; DOLIPRANE 1000: 1 comprimido 4 vezes ao dia em caso de dor durante 45 dias; TOPALGIC 100: um comprimido de manhã e à noite durante 10 dias; BACTRIM 400: um comprimido de manhã e à noite durante 5 dias; e INEXIUM 20 mg: um comprimido à noite durante 10 dias.
64. Em outubro de 2013 foi sujeita a uma intervenção cirúrgica para retirar o material de osteossíntese, com internamento.
65. Seguiu-se período de recuperação, com fisioterapia que durou por período não concretamente apurado.
66. Após a intervenção cirúrgica de osteotomia a autora deixou de ter dores e passou a andar sem apoios.
67. A autora solicitou ao Instituto Nacional de Medicina Legal- Gabinete Médico-Legal e Forense do Tâmega a realização de avaliação do dano corporal, com elaboração de relatório, que teve lugar em 30 de dezembro de 2013.
68. Na qual se concluiu que a autora apresentava como queixas.
a. Claudica quando corre e quando efetua esforços (mais que 20 minutos em posição ortostática, e quando efetua marcha mais que 5 minutos);
b. Impossibilidade de realizar algumas posições durante o relacionamento sexual devido às dores que sente na coxa esquerda sendo que por vezes tem de parar o relacionamento pois não aguenta as dores;
c. Dores na coxa e anca esquerdas, necessitando esporadicamente de medicação analgésica, que se agravam com os esforços, com as mudanças climatéricas e ao viajar de avião;
d. Parestesias no pé esquerdo;
69. E que apresentava as seguintes limitações nos seguintes atos da vida diária:
a. Dificuldade em transportar objetos pesados;
b. Dificuldade em correr;
c. Dificuldade em caminhar muito tempo seguido;
d. Dificuldade em conduzir muito tempo seguido (mais que uma hora);
e. Não consegue andar de sapatos altos, que deixou usar;
f. Necessita de usar palmilha no sapato direito;
g. Necessita de estar mais tempo sentada devido às dores;
h. Dificuldade em dançar;
i. Dificuldade na atividade de ginásio e prática de desporto.
j. Vida social mais limitada pelas dores que sente na perna - tendência para o
isolamento.
70. Foram identificadas as seguintes lesões e sequelas no corpo da autora:
a. Períneo: área cicatricial hipopigmentada, não aderente a planos profundos, com 5 por 3cm de maiores dimensões ao nível do lábio esquerdo;
b. Uma dismetria entre os membros inferiores de 4 cm, sendo o membro inferior esquerdo mais curto;
c. Cicatriz de 13 centímetros de extensão, localizada no terço médio da face externa da coxa e cicatriz, do tipo cirúrgica, rosada, localizada no terço inferior da face externa da coxa, com 6 cm de comprimento.
71. Concluiu-se nessa avaliação que a autora apresentava um Défice Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 10 pontos, com consolidação em rotação do fémur, dismetria que se traduz no encurtamento do membro inferior esquerdo em 4 cm e anca dolorosa.
72. E que a data da consolidação médico-legal das lesões era 29.11.2013, com um período de défice funcional temporário parcial de 811 dias, e um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 366 dias.
73. Apresentando um Dano Estético Permanente fixado no grau 4/7.
74. E uma Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixada no grau 2/7 e uma Repercussão Permanente na Atividade Sexual fixada no grau 4/7.
75. O Quantum doloris foi fixado no grau 5/7.
76. E na Repercussão Permanente na Atividade Profissional foi considerado que as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
77. Considerou-se ser de perspetivar a existência de Dano Futuro, o que pode obrigar a uma futura revisão do caso e que a autora necessitará permanentemente de ajudas medicamentosas, tratamentos médicos regulares e ajudas técnicas e que lhe sejam ministrados e de tomar analgésicos/antiinflamatórios, ser seguida em consulta de ortopedia, podendo necessitar de tratamentos de fisioterapia e de ajudas técnicas, nomeadamente palmilhas, calçado adaptado ou outro a serem determinados pelo médico que a acompanha.
78. A autora gostava de praticar desporto, de frequentar o ginásio quase diariamente, de correr e de andar com frequência de bicicleta.
79. Ficou, durante período não concretamente apurado, limitada nessas atividades, por ter menos força no membro inferior esquerdo, claudicar, sentir dores, cansar-se e ter menor flexibilidade.
80. Deixou, durante período não concretamente apurado, de praticar dança e zumba e de efetuar determinadas posições na relação sexual devido às dores na coxa esquerda.
81. Nas intervenções cirúrgicas realizadas a autora sofreu dores, associadas aos atos cirúrgicos e ao pós-operatório e angústias e incómodos derivados dos internamentos hospitalares.
82. Permaneceu em recuperação em domicílio até abril de 2012 e realizou tratamentos de fisioterapia, após a osteotomia, durante período não concretamente apurado.
83. A autora viveu momentos de angústia, ansiedade e revolta por receio da sua situação física ser irreversível e ver diminuída a sua autonomia e qualidade de vida.
84. Retomou o trabalho em abril de 2012 e os estudos no ano letivo seguinte.
85. O que lhe causou tristeza e receio que tal pudesse afetar o seu percurso académico e de vir a perder o emprego.
86. As cicatrizes que apresenta deformam a perna esquerda e são visíveis se usar calções ou minissaia.
87. Sentiu tristeza, frustração e angústia por se ver limitada na sua vida social e familiar e nas tarefas do quotidiano, com alteração da rotina e dos momentos de lazer e de convivência social.
88. A autora era alegre e bem-disposta, cheia de alegria de viver e com disponibilidade para conviver.
89. A diferença de comprimentos dos seus membros inferiores provoca-lhe descompensação.
90. A autora utiliza, por vezes, uma palmilha para compensar essa diferença.
91. Na data do acidente de mota de água a autora frequentava um curso de oculista, auferindo um vencimento mensal de €816,19.
92. Acabou por reprovar por faltas, devido ao tempo de recuperação da das intervenções cirúrgicas, o que lhe causou desgosto e tristeza.
93. Devido ao seu estado de saúde despendeu em consultas um total de €132,38, em serviços de enfermagem um total de €261,18, em despesas de farmácia €45,45, em exames de diagnóstico um total de €74,40 e com o exame realizado pelo INML referido em 67. o montante de €408,00.
94. A ré faturou pelos serviços médicos prestados à autora a quantia de €13.226,09, dos quais €11.000,00 foram pagos por seguradora e o remanescente pela autora.
95. A autora, à data da entrada da ação, exercia a profissão de vendedora numa ótica, em França, auferindo o salário base de €2.190,00.
96. Na perícia médico-legal realizada no Instituto de Medicina Legal-Gabinete Médico-Legal e Forense do Tâmega, em 16 de agosto de 2018, concluiu-se que a autora apresentava como queixas:
a. Claudica quando corre e quando efetua esforços (mais que 120 minutos em posição ortostática, e quando efetua marcha mais que 60 minutos);
b. Cognição e afetividade: refere evitar ver motas de água e entra em pânico;
c. Fenómenos dolorosos: na coxa esquerda, necessitando de medição analgésica esporadicamente que se agravam com os esforços, com as mudanças climatéricas e ao viajar de avião; refere paracetamol 2 ou 3 tomas por semana;
d. Parestesias no pé esquerdo.
97. E que apresentava as seguintes limitações nos seguintes atos da vida diária:
a. Dificuldade em transportar objetos pesados;
b. Dificuldade em correr;
c. Dificuldade em caminhar muito tempo seguido;
d. Dificuldade em conduzir muito tempo seguido (mais que uma hora, com
necessidade de parar de andar um pouco);
e. deixou de andar de sapatos altos;
f. Necessita de usar palmilha.
g. Necessita de estar mais tempo sentada devido às dores que refere.
98. Foram identificadas as seguintes lesões e sequelas no corpo da autora:
a. membro inferior direito: comprimento aparente 99 cm;
b. membro inferior esquerdo: cicatriz, do tipo cirúrgica, queloide, de coloração rosada, localizada na anca esquerda, com 11 cm de comprimento; cicatriz, do tipo cirúrgica, não aderente a planos profundos, localizada no terço médio da face externa da coxa e cicatriz, com 13 cm de comprimento; cicatriz, do tipo cirúrgica, localizada no terço inferior da face externa da coxa e cicatriz, com 6 cm de comprimento; comprimento aparente 98 cm; sem hipotrofias.
99. Considerou-se que apresentava um Défice Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 4 pontos.
100. E que a data da consolidação médico-legal das lesões foi 29.11.2013, com um período de défice funcional temporário total de 11 dias, um período de défice funcional temporário parcial de 811 dias, um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 366 dias e um período de repercussão temporária na atividade profissional parcial de 828 dias
101. O Dano Estético Permanente foi fixado no grau 3/7.
102. A Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer foi fixada no grau 2/7.
103. Não foi considerada Repercussão Permanente na Atividade Sexual.
104. O Quantum doloris foi fixado no grau 5/7.
105. Na Repercussão Permanente na Atividade Profissional considerou-se que as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
106. E considerou-se ser de perspetivar a existência de Dano Futuro, o que pode obrigar a uma futura revisão do caso e que a autora necessitará permanentemente de ajudas medicamentosas (analgésico e anti-inflamatórios), de tratamentos médicos regulares (consulta de ortopedia, podendo necessitar de tratamentos de fisioterapia) e de ajudas técnicas (nomeadamente palmilhas, calçado adaptado ou outro), a serem determinados pelo médico que a acompanha.
107. Na perícia médico-legal realizada no Instituto de Medicina Legal-Gabinete Médico-Legal e Forense do Tâmega, em 14 de outubro de 2020, concluiu-se que a autora apresentava como queixas:
a. Claudica quando corre e quando efetua esforços (mais que 120 minutos em posição ortostática, e quando efetua marcha mais que 60 minutos); usa palmilha do sapato esquerdo embora nem sempre; deixou de usar sapatos de salto alto;
b. Cognição e afetividade: refere que quando vê motas de água sente necessidade de sair daquele local, quando vê uma mota de água na televisão muda de canal, evitando-as;
c. Fenómenos dolorosos: no terço médico da coxa esquerda (fica adormecida); no terlo proximal face lateral da coxa esquerda constantes tipo moinha que agravam com os esforços; lombalgia esporádica.
108. E que apresentava as seguintes limitações nos seguintes atos da vida diária:
a. conduz, mas sente alguma dor na coxa esquerda ao conduzir por períodos superiores a mais que uma hora seguida;
b. fazia ginásio cerca de 3 a 4 vezes por semana, ainda retomou mas evitar ir por tal lhe acentuar a dor;
c. dificuldade em permanecer muito tempo com os filhos ao colo por agravamento da dor na coxa esquerda;
e. tem de estar muito tempo de pé pelo que faz trabalho mais sentado para evitar ortotastismo prolongado.
109. Foram identificadas as seguintes lesões e sequelas no corpo da autora:
a. região peri-genital/genital: cicatriz linear, muito ténue, na face externa do grande lábio esquerdo com cerca de 3 cm de comprimento;
b. membro inferior esquerdo: cicatriz linear nacarada com vestígios de pontos de sutura localizada no terço proximal da face lateral da coxa, com 11 cm de comprimento vertical por 0,5 cm de maior largura; cicatriz linear nacarada com vestígios de pontos de sutura localizada no terço médio da face lateral da coxa com 14 cm de comprimento vertical por 0,5 cm de maior largura; cicatriz no quadrante supero-externo do joelho esquerdo nacarada e com vestígios de pontos de sutura com 5 cm de comprimento vertical por 0,7 cm de maior largura; cicatrizes na face anterior do joelho, metade inferior, sem vestígios de pontos de sutura, com 3x1,5cm e 2x0,5cm de bordos irregulares; comprimento do membro inferior, medido da espinha antero-superior ao bordo inferior do maléolo interno, à direita= 87 cm, à esquerda= 85,5 cm (comprimento da perna direita 42 cm e da esquerda 40 cm).
110. Da intervenção cirúrgica realizada pelo réu resultou edema vulvar, desvio rotacional do fémur e cicatrizes na região peri-genital/genital resultantes da colocação na mesa de tração e no membro inferior esquerdo decorrentes da introdução da cavilha.
111. Foi considerado que essas lesões não causaram Défice Permanente da Integridade Físico-Psíquica, Dano Estético Permanente, Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer, Repercussão Permanente na Atividade Sexual, Períodos de Défice Funcional ou Repercussão Temporária na Atividade Profissional, nem importam a necessidade para a autora de ajudas técnicas permanentes.
112. O desvio rotacional do fémur é uma complicação frequente nos encavilhamentos diafisários, em cerca de 25% dos casos superiores a 10º, conforme estudos publicados.
113. E causa de défice de força e sintomatologia de instabilidade fémuro-patelar.
114. A interveniente Ageas Portugal-Companhia de Seguros, S.A. celebrou com a Ordem dos Médicos um acordo de seguro do ramo responsabilidade civil garantindo os riscos inerentes ao exercício da profissão dos médicos associados, titulado pela apólice n.º ...09, que à data da intervenção cirúrgica realizada à autora, vigorava com o capital máximo de €30.000,00 de capital anual e de €15.000,00 por sinistro (cf. apólice junta a fls.283/332, cujo teor se dá por reproduzido).
115. A interveniente Seguradora Unidas, S.A. celebrou com o réu um acordo de seguro do ramo responsabilidade civil garantindo os riscos inerentes ao exercício da profissão de médico, titulado pela apólice n.º ...30, que à data da intervenção cirúrgica realizada à autora, vigorava com o capital máximo de €150.000,00 de capital anual, sujeito a uma franquia correspondente a 10% do valor do sinistro, no montante mínimo de €50,00 e máximo de €500,00 (cf. apólice junta a fls.368/374, cujo teor se dá por reproduzido).
116. A autora não ajustou com o réu qualquer serviço, nem lhe pagou qualquer quantia. *
III.2. Na mesma decisão foram considerados não provados os seguintes factos:
A) face à avaliação do réu, que esclareceu a autora que ficaria restabelecida, esta acedeu a realizar a osteossíntese;
B) o réu informou a autora que iria recuperar após 30 dias e que ficaria restabelecida após 90 dias da intervenção cirúrgica;
C) após a intervenção cirúrgica era visível a rotação interna do membro inferior esquerdo da autora;
D) existia um parafuso que não estava dentro da haste;
E) o fragmento situado nas partes moles e a rotação interna do membro inferior esquerdo devem-se a uma deficiente colocação da cavilha;
F) essa situação teria tendência a agravar-se, caso não fosse corrigida;
G) após a intervenção cirúrgica realizada pelo réu a autora manteve tratamentos de fisioterapia e massagens no domicílio;
H) para debelar as dores e minorar as dificuldades de locomoção causadas por essa intervenção a autora teve de realizar cirurgia corretiva;
I) da intervenção cirúrgica realizada pelo réu resultou dismetria, anca dolorosa e parestesias do pé esquerdo;
J) os tratamentos de fisioterapia realizados pela autora causaram dores, incomodidade e sofrimento;
K) a autora interrompeu os estudos e a atividade laboral devido a angústia, ansiedade e revolta;
L) as dores agravavam quando a autora estava deitada e passou a ter dificuldades em dormir, o que afetava o humor e estado de espírito e provocava irritação e ansiedade durante o dia;
M) as lesões sofridas com a intervenção cirúrgica realizada pelo réu limitaram e limitarão o seu desempenho laboral e condicionaram o relacionamento e convívio com os colegas, o que lhe causou frustração, desgosto, abatimento;
N) a tensão da articulação da anca pode degenerar num rompimento daquelas articulações e no desgaste/fratura do próprio osso, com necessidade de colocação de prótese na anca;
O) a autora apenas procurou acompanhamento médico 2 meses após a alta da intervenção cirúrgica realizada pelo réu.
*
III.3. Da impugnação do julgamento da matéria de facto.
O objeto do conhecimento do Tribunal da Relação em matéria de facto é conformado pelas alegações e conclusões do recorrente – este tem, não só a faculdade, mas também o ónus de no requerimento de interposição de recurso e respetivas conclusões, delimitar o objeto inicial da apelação – cf. artigos 635º, 639º e 640º do Código de Processo Civil.
Assim, sendo a decisão do tribunal a quo o resultado da valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação, desde que a parte interessada cumpra o ónus de impugnação prescrito pelo artigo 640º – indicando os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, e os meios de prova constantes do processo que determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos - a Relação, como tribunal de instância, está em posição de proceder à sua reavaliação, expressando, a partir deles, a sua convicção com total autonomia, de acordo com os princípios da livre apreciação (artigo 607º, nº 5, do Código de Processo Civil), reponderar as questões de facto em discussão e expressar o resultado que obtiver: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo (cf. artigo 662º do Código de Processo Civil).
*
Importa desde logo referir que se procedeu à audição integral da prova gravada e não apenas à indicada pela Recorrente, e à concatenação de tal prova com os documentos juntos aos autos.
*
A Recorrente defende que os factos considerados provados sob os pontos 29, 31,32, 34, 39 e 45, deveriam ter sido considerados como não provados e que os factos não provados C), D), F), G) e H), deveriam inversamente ser considerados provados.
Recordemos os factos em causa.
29. Foi confirmada a inexistência de rotação detetável entre os topos ósseos e que se encontravam alinhados, sem diástese ou fraturas iatrogénicas, com remoção do fio guia.
31. Após confirmação que o parafuso proximal se encontrava dentro da cavilha foram introduzidos dois parafusos distais, com recurso a sistema sure-shot (método de assistência computorizada).
32. Os parafusos distais e proximal ficaram colocados dentro dos orifícios correspondentes da cavilha.
34. No final da intervenção cirúrgica o réu procedeu a observação clínica do alinhamento da perna e não constatou a existência de rotação.
39. Foi realizado RX de controlo, no qual era visível o alinhamento dos topos ósseos, sem diástase apreciável, encavilhamento estático, com aparente alinhamento correto, sem rotação detetável e sem fraturas iatrogénicas.
45. A lesão na zona perineal no decurso da tração é uma consequência possível e previsível da tração esquelética realizada durante a intervenção cirúrgica de osteossíntese.
*
C) após a intervenção cirúrgica era visível a rotação interna do membro inferior esquerdo da autora;
D) existia um parafuso que não estava dentro da haste;
F) essa situação teria tendência a agravar-se, caso não fosse corrigida;
G) após a intervenção cirúrgica realizada pelo réu a autora manteve tratamentos de fisioterapia e massagens no domicílio;
H) para debelar as dores e minorar as dificuldades de locomoção causadas por essa intervenção a autora teve de realizar cirurgia corretiva.

Importa começar por referir que em causa nos autos não está a discussão sobre a responsabilidade na ocorrência do acidente que vitimou a ora Autora e lhe causou as gravíssimas lesões que os factos provados atestam.
Também não vem controvertida a violência do impacto sofrido, bem visível na documentação, designadamente nas imagens da fratura em causa que se encontram juntas aos autos, comentadas e esclarecidas nos autos pelos médicos da especialidade de ortopedia ouvidos nos autos (excluindo deste universo o Sr. Dr. LL, subscritor do relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito civil de folhas 739 a 744, junto aos autos em 30 de outubro de 2018 e do esclarecimento de folhas 799 a 800 junto aos autos a 1 de fevereiro de 2019, médico de saúde pública, que nas declarações que prestou logo referiu não ser especialista em ortopedia, não estando familiarizado quer com o tipo de lesão, quer com as consequências, quer ainda com o ato médico em causa, acabando por reconhecer, quando instado pela Mma. Juiz “a quo”, que deveria ter solicitado parecer a Colega da especialidade de ortopedia, e referindo que se baseou na informação médica elaborada pelo Dr. CC que tratou a ora Autora depois de regressar a França).
Tal violência pode ser ilustrada na imagem seguinte:
(…)
Na imagem é visível não só a fratura transversal do fémur esquerdo, como o fragmento do fémur ali existente, e que ali permaneceu, que, como explicaram as testemunhas GG e FF, significa que as zonas embatidas do fémur onde a fratura se deu, os topos, estiveram, no momento do embate na zona onde se encontra o fragmento, traduzindo ainda a rutura das partes moles até ao referido local, tendo sido esclarecido que tal fragmento não foi retirado por não se justificar abrir a zona traumatizada.
Não vem controvertido que tal lesão reclamou a necessidade de uma cirurgia de encavilhamento como a que foi realizada, e que tal era o meio adequado a corrigir a lesão que a autora apresentava, exigindo acompanhamento médico posterior e tratamentos de fisioterapia, com eventual intervenção cirúrgica para remoção dos parafusos e não sendo certa a recuperação total.
De assinalar que, conforme referiu o referido Dr. FF, o fémur de um jovem (a Autora tinha, à data, 19 anos) não parte com pouca energia, o que significa que o embate terá de ter sido bastante forte, que na altura em que foi transferida do hospital de Portimão a ora Autora tinha 10 gramas de hemoglobina - o valor normal da hemoglobina circulante é acima de 12 gramas por decilitro (g/dL) -, depois, no momento da intervenção cirúrgica, 8 gramas de hemoglobina, como explicou o ora Réu Dr. BB, o que significa que em consequência da alta intensidade do traumatismo, a ora Autora teria cerca de dois litros e meio de sangue na zona do mesmo, com tradução no edema acentuado que apresentava na coxa, o que tornava consideravelmente acrescida a dificuldade da cirurgia, já de si dificultada pela existência de um fragmento, que, conforme resultou das explicações do Dr. FF, quando existe faz perder a referência do encaixe.
De mencionar ainda que a Autora sofreu ainda no acidente traumatismo toráxico com fracturas dos 5º e 6º arcos costais.
Não pode, pois, deixar de aceitar-se o depoimento da testemunha Dr. GG, ortopedista que interveio na cirurgia em causa nos autos, na parte em que aferiu um período de seis meses a um ano para que as dores e o edema provocados pela fratura e pela cirurgia, desaparecessem.
Tudo isto se refere para que possa que na análise que vai seguir-se não possa perder-se de vista a gravidade das lesões sofridas pela Autora em consequência do acidente, por forma a apreciar em que medida a intervenção do ora Réu BB pode ter causado os danos cuja reparação a Autora reclama.
Como se refere no parecer relativo à Consulta Técnico Científica elaborado pelo Sr. Professor DD junto a folhas 887 e seguintes em 31 de agosto de 2020, com esclarecimentos prestados a folhas 987 e seguintes e depois a folhas 1052 e ss, “em relação às queixas que a doente apresenta, estas podem ser facilmente explicáveis por dois fatores: 1) gravidade da fratura do fémur, que pela sua violência terá seguramente danificado a integridade dos músculos da coxa e; 2) pela necessidade de uma cirurgia de encavilhamento com a iatrogenia que é reconhecida no ponto de entrada, dano este repetido ainda com a remoção do implante”.
No que aos concretos factos impugnados respeita, e relativamente aos vertidos nos pontos 29., 31.,32., 34. e 39., dos factos provados e nas alíneas C., D., F. e H. dos não provados, deve referir-se que se relacionam com os procedimentos levados a cabo pelo Réu aquando da cirurgia de encavilhamento endomedular do fémur esquerdo com cavilha Trigen 8,5x400mm Smith & Nephrew, estática, reflectindo provados e não provados, respetivamente, as versões do Réu e da Autora relativamente ao que ocorreu nos cuidados médicos prestados.
A Autora invoca em abono do seu desacordo com a decisão recorrida, as declarações prestadas pelo Dr. CC, médico ortopedista que a observou e depois a operou já após do seu regresso a França.
Refere ainda as declarações prestadas pelo Sr. Professor DD, já mencionado, por EE, na altura namorado da Autora que a acompanhou em Portugal, e ainda pelo Dr. FF.
Sucede, que o então namorado da Autora não revelou conhecimentos de ortopedia, apenas tendo referido a sua impressão da altura, que pode, como referiram os médicos e enfermeiros ouvidos, ser determinada pelos edemas e dores de que a Autora ainda padecia, bem como pela procura pela Autora de uma posição confortável para compensar as dores e mal estar que então sentia.
Por outro lado a versão dos factos apresentada pelo mencionado Dr. CC - que como se referiu, assistiu a Autora já em França, e decorridas semanas do acidente e da intervenção cirúrgica a que o ora Réu procedeu – não só não encontraram acolhimento nas declarações prestadas pelos médicos referidos, como foram, em absoluto, contrariadas por todos os médicos e enfermeiros ouvidos, bem como pelos exames periciais e pareceres (com exclusão dos elaborados pelos referido Dr. LL, pelas razões referidas), elaborados e juntos aos autos).
Assim, nos depoimentos que produziram no decurso da audiência de julgamento, quer o ora Réu Dr, BB, quer o Sr, Dr. GG, descreveram, detalhadamente, os procedimentos que o primeiro adotou na realização da intervenção cirúrgica e na fase pós operatória, confirmando, um a um, os factos dados como provados nos pontos 29, 31, 32 34 e 39 e afastando por ompleto a possibilidade de terem ocorrido os factos constantes das alíneas C) e D) da matéria dada como não provada, esclarecendo que mesmo que o parafuso proximal estivesse fora do sítio – o que rejeitaram por completo – isso seria uma consequência de falha do próprio aparelho (vareta) e não do operador, já que o próprio material de encavilhamento tem um sistema próprio de orientação do parafuso, e, em todo o caso, nunca teria gerado qualquer rotação do osso, na medida em que a vareta estava perfeitamente ajustada ao canal ósseo, o que impedia a sua movimentação, que qualquer rotação nunca foi notada e que a Autora nunca se queixou da mesma, tendo tudo sido feito para a evitar.
Esclareceram que, depois de concluída a intervenção cirúrgica à Autora, foram realizados RX de controlo, nos quais era visível um perfeito alinhamento ósseo e ainda que os parafusos proximal e distais estavam colocados nas respetivas cavilhas, as quais foram juntas pela 1ª Ré com a sua contestação, nas quais se confirma, tal como referiu o ora recorrido e a testemunha Dr GG, o devido alinhamento dos topos da fratura e, também, que os parafusos estavam introduzidos nos orifícios da cavilha, como se vê das imagens infra e que quanto a um dos parafusos distais, que o facto de se notar que existe uma “folga” entre o orifício e o parafuso (no parafuso inferior) não significa que esteja fora do seu sítio, já que, como afirmou o Réu nas suas declarações, tal espaço destina-se, precisamente, a assegurar a dinamização da cavilha em caso de necessidade.
(…)
(…)
Ora, tal versão dos factos foi inteiramente confirmada pelo Parecer do Colégio da Especialidade de Ortopedia da Ordem dos Médicos Portugueses, o qual foi junto ao processo no dia 28/03/2018, constante de folhas 712, no qual pode ler-se, além do mais, que “o Rx obtido no pós-operatório está com uma redução perfeita, com alinhamento dos topos ósseos, sem diástase, sem rotação entre o fragmento proximal e distal com cavilha bloqueada proximal e distalmente (…).
De acordo com os elementos clínicos disponíveis o médico em questão agiu com a diligência devida e de acordo com as boas práticas médicas.
No mesmo sentido se pronunciou o Parecer do Conselho Médico-Legal do INML, junto aos autos no dia 31/08/2020 (a folhas 887 e seguintes, subscrito pelo já mencionado Sr. Professor DD, constando do mesmo ter sido aprovado por unanimidade pelo Conselho Médico-Legal, qual se refere, além do mais, que “se evidencia na radiografia pós-operatória uma boa aposição dos topos e correta dimensão de cada cortical dos topos de fratura, pelo que se admite que o cirurgião terá procurado evitar essa complicação [a rotação]”, que o resultado radiológico da intervenção cirúrgica realizada pelo Réu não evidenciava a existência de qualquer rotação, a qual não era, por conseguinte detetável e, ainda, que o recorrido agiu de acordo com as boas práticas da medicina, acrescentando-se que “não vemos em todo o processo qualquer quebra da legis artis”.
De resto, o Subscritor do referido parecer do CML e dos subsequentes esclarecimentos, já acima mencionados, esclareceu em audiência o que já havia vertido nos pareceres, no sentido de que o resultado da cirurgia foi uma redução que, do ponto de vista imagiológico (RX), aparentava ser perfeita, não sendo percetível que os parafusos estivessem fora do seu local e que, mesmo que o parafuso proximal se encontrasse fora do sítio – o que não reconheceu – isso só se poderia dever a erro do próprio material, nunca do médico, que eventual desvio rotacional da Autora poderia estar mascarado pelo desvio da tíbia, não relacionado com a intervenção cirúrgica, mas sim preexistente.
Por outro lado, os médicos ortopedistas ouvidos em audiência, todos fizeram referência à rotação como uma decorrência descrita da intervenção em causa, ocorrendo em cerca de 25% dos casos, referindo que da mesma não resulta dor, e que na maior parte dos casos é bem tolerada pela acomodação do doente à rotação, com compensação, particularmente em que a mesma não é acentuada, como a que está em causa nos autos, que, como referiu o Dr. GG, corresponde, no relógio ao ponteiro nos “cinco minutos”.
Nesse sentido é de relevar o depoimento da testemunha Dr. FF, o qual referiu que, na sua opinião, não se justificava, no caso, a realização da osteotomia, ou cirurgia corretiva, antes se devendo aguardar, nove meses a um ano, para avaliar o impacto da alegada rotação no dia-a-dia da paciente.
Assim, atenta a prova direta, pericial e profissional produzida, não pode discordar-se do juízo probatório formulado pelo Tribunal recorrido, nestes pontos, subscrevendo-se o que ali se escreveu e que aqui reproduzimos:
“Do Parecer Técnico Científico (vide ainda os esclarecimentos prestados a fls. 948, 987/988 e 1052/1054), resultou que, pela análise da documentação clínica efetuada, a rotação do fémur ocorreu após a intervenção cirúrgica realizada pelo réu, o que o próprio admitia no articulado ser uma consequência possível daquela intervenção, ainda que realizados todos os procedimentos adequados e de acordo com as legis artis, como se concluiu no Parecer.
A sustentar esta conclusão temos o exame realizado pela autora em 05 de outubro de 2011, no Hospital Saint Joseph, em França, do qual resultou evidenciado o desvio rotacional do fémur (cf. relatório a fls.766 e respetivo cd contendo o exame enviado), concluindo o Sr. perito, Dr. DD, que derivou da intervenção, o que é plausível, atendendo à frequência de casos em que ocorre (documentados na literatura científica internacional).
Pelas respostas prestadas pelo Sr. perito, quer nos esclarecimentos escritos, quer em audiência final, ficou demonstrado possuir conhecimentos técnicos na área da ortopedia, levando a considerar que o Parecer Técnico-Científico que subscreveu e respetivos esclarecimentos que prestou merecerem credibilidade, isenção e rigor científico.
Ademais, as conclusões que apresenta o Sr. perito encontram, ainda, suporte nos depoimentos das testemunhas GG e FF, os quais, embora não tenha tido intervenção nos autos na qualidade de peritos, como referimos, não deixaram de efetuar uma análise técnico-científica da situação, mercê da sua formação e qualificação.
Os referidos testemunhos e a apreciação realizada pelo Sr. perito apenas foram contraditados (em parte) pela testemunha CC, médico que realizou a segunda intervenção cirúrgica da autora, que admitindo também que a rotação femural é uma consequência frequente da osteossíntese, divergiu referindo que, no caso presente, resultou da indevida colocação do parafuso proximal na cavilha.
Como foi realçado pelos restantes médicos, o parafuso proximal é colocado com o sistema acoplado à cavilha, referindo o Sr. perito Dr. DD, nos esclarecimentos a fls.1054 e em audiência, que tal circunstância não deixa margem para erro e que a imagem com base na qual o médico CC considerou o parafuso proximal fora da haste e decidiu realizar a osteomatia não é totalmente esclarecedora (mostra perfil).
Do que se conclui que não existe evidência que este parafuso proximal não se encontrava colocado na cavilha e, consequentemente, que o réu não observou esse procedimento na intervenção cirúrgica.
Aliás, das imagens de rx juntas a fls.192/193 resulta o contrário, que o parafuso proximal se encontra na cavilha, sempre se dizendo que, mesmo que assim não fosse, ficaria por provar que essa indevida colocação provocasse a apontada rotação do fémur (o Dr. CC chegou a referir que se, em dois parafusos, apenas um parafuso ficasse mal colocado o outro evitaria a existência de rotação).
Na verdade, acerca deste aspeto, o Sr. perito, Dr. DD, foi esclarecedor em audiência, referindo que a rotação do fémur detetada ou já existia (desconhecemos a situação da autora anterior ao acidente de mota de água) e não dava sintomas mas foi agravada com a cirurgia, ou a rotação resultou da operação, embora o rx pós-operatório revele bom alinhamento/correção, pelo que considera pouco provável que fosse o parafuso a causa dessa rotação.
Dito por outras palavras, inexiste evidência científica nos autos que aponte para que a causa da rotação do fémur, detetada na autora no referido exame de 05 de outubro de 2011, foi a deficiente colocação do parafuso proximal, que esta apontava como causa dessa rotação.
Pese embora esta circunstância, também não existe evidência que já sofresse de desvio de rotação do fémur, sempre se dizendo que, após a fratura do fémur, esse desvio não seria percetível, dada a intervenção cirúrgica entretanto realizada.
As declarações de parte prestadas pelo réu não divergem da avaliação efetuada por este Conselho Médico-Legal, no sentido de terem sido realizados todos os procedimentos terapêuticos adequados à situação clínica da autora.
Ou seja, perante o tipo de fratura que apresentava, decorrente do acidente que sofreu, impunha-se a realização da osteossíntese (cirurgia fechada), da qual resultou a rotação femoral, mas que não é causa de dores, quando muito de défice de força ou sintomas de instabilidade fémuro-patelar.
Não será, ainda, de olvidar que se apura nos exames médicos que juntou que a autora padecia de joelhos valgos, o que, como analisado pelo Sr. perito, é causa de rotação externa que, em conjunto com a rotação interna do fémur, poderá ter ocasionado as dores que afirmou sentir e que a levaram a consultar outro médico e a submeter-se a nova
Acresce, ainda, que a autora sofria de desvio de rotação da tíbia, osso que não foi objeto de intervenção cirúrgica, pelo que, tudo associado, explicará essas dores que manifestava e que foram corroboradas pelos familiares.
Para aferir da necessidade de recorrer a esta nova intervenção e no confronto de declarações/depoimento dos médicos responsáveis pelas intervenções cirúrgicas realizadas pela autora, era crucial recorrer a meio de prova isento, distanciado e revelador de conhecimentos técnicos adequados a responder a esta questão.
Assim, temos evidenciado dos documentos juntos aos autos, analisados pelos peritos do IML, que a autora apresentava rotação interna do fémur, revelada em TAC realizado em 05 de outubro de 2011– cf. parecer e esclarecimentos.
Da circunstância de tal rotação do fémur ser consequência possível, existente em 25% de operações de osteossíntese, como nos referiu o próprio réu, as testemunhas GG e FF, bem como no referido Parece do Conselho Científico, resultou a convicção que a mesma surgiu com a intervenção realizada pelo réu (assim como o edema vulvar e as cicatrizes operatórias).
Pelo que se considerou fidedigna a avaliação efetuada na segunda perícia e tudo conjugado levou a que fosse considerada provada a factualidade referida nos pontos 107. a 113. e não provados os factos constantes das alíneas d) e e)..
A documentação médica e clínica junta pela autora, a fls.60/63 (corrigido o lapso no depoimento da testemunha que subscreveu), 66/67, 75 e 103, e a que foi solicitada pelo Tribunal, a fls.481//482, 510/533, bem como a que juntou, posteriormente, a fls. 766/781, confirmam os exames e as intervenções a que se sujeitou, bem com o acompanhamento médico, após regresso a França, diagnóstico realizado pelo médico que a observou, tratamento prescrito e intervenções cirúrgicas realizadas naquele país.
Mais resultou do declarado pela própria e por esse médico, a testemunha CC, que após a osteotomia a autora deixou de sentir dores e dificuldade de marcha.
A testemunha CC descreveu o procedimento cirúrgico que realizou, justificando que visava corrigir a intervenção cirúrgica realizada pelo réu, na origem da rotação interna do fémur que foi detetada, porque o procedimento (encavilhamento) foi incorretamente realizado, pois o parafuso proximal não estava bem colocado.
Esta justificação para a realização de nova intervenção cirúrgica encontra o seu maior suporte (para além das dores manifestadas pela paciente) no referido exame de 05 de outubro de 2011 que, como analisado pelo Sr. perito, Dr. DD, não é totalmente esclarecer (apenas perfil e em contraste com o rx pós-operatório que revela a colocação desse parafuso na cavilha).
E diremos, ainda, em contraste também como o exame realizado em 02 de novembro de 2011, ao qual aquela testemunha CC também teve acesso, do qual se evidencia a colocação da cavilha e do parafuso proximal na haste (cf. fls.770).
Donde, concluímos, confrontando esta versão do médico que realizou a segunda intervenção (parafuso mal colocado), com a versão do réu (bem colocado), que encontra suporte nos depoimentos dos restantes médicos ouvidos e no Parecer do Conselho Médico-Legal, nos mereça maior credibilidade a segunda versão.
Ademais, como se verificou no decurso do depoimento daquela testemunha, quando as perguntas se relacionavam com a justificação da intervenção a sua resposta era pronta, o mesmo não sucedendo quando lhe foram solicitados esclarecimentos acerca do erro no procedimento médico, nomeadamente qual o erro na origem daquela indevida colocação, em que recusou continuar a prestar depoimento.
Pelo que, no entender do Tribunal, pela falta de isenção demonstrada por esta testemunha e demais meios de prova coligidos, mormente depoimentos, rx de fls.103/104, Parecer do Conselho Científico do IML e rx de fls.770, tenha sido considerada provada a factualidade referida no ponto 32.” (o destacado é nosso).

Improcede, pois, a pretensão recursiva no que a estes pontos respeita.
*
Insurge-se a ora Autora contra a decisão recorrida, na parte em que considerou que a lesão vulvar causada na autora em resultado da cirurgia, considerando-a como uma consequência normal deste tipo de cirurgias e da utilização da mesa de tração - facto vertido no ponto 45 dos factos provados – enferma de erro, por considerar que demonstrou que tal lesão decorreu de “incúria dos réus, de um absoluto descuido para com a autora”.
Mas não lhe assiste razão.
Na verdade, a convicção da Autora a este respeito, não passa disso, mesmo, de uma opinião, certamente causada pelo enorme desconforto que a lesão em causa lhe terá causado, não só a nível físico, mas igualmente a nível psíquico.
E no relatório que invoca em sustento da sua tese, que consta de folhas 90 e seguintes (documento 10 junto com a petição inicial) não colhe apoio para tal entendimento.
Por outro lado, no âmbito do parecer pedido ao Colégio da Especialidade de Ortopedia o perito foi expressamente questionado sobre se “A lesão do períneo no decurso da tracção do membro inferior esquerdo é uma consequência possível e inevitável, mesmo seguindo as boas práticas médico-cirurgicas?” (quesito 10), questão a que o perito respondeu : “A lesão do períneo no decurso da tração do membro superior esquerdo pode acontecer e está descrita”.
Também no parecer do CML do INML o perito esclareceu que “no hospital Particular do Algarve foi submetida no dia 28/08/2011 a encavilhamento anterógrado do fémur, tratamento de eleição nestas fraturas, que implica a violação dos músculos pelitrocantéricos na introdução do implante. Este procedimento é realizado em marquesa operatória de tração, com apoio na região púbica e tal pode explicar o aparecimento de equimose ou lesão de partes moles no pavimento pélvico e em última instância lesão neurológica. No caso concreto houve lesão iatrogénica da região vulvar que, lesão esta identificada e devidamente avaliada e orientada para ginecologia”.
Também a testemunha Dr. GG, que esteve presente na cirurgia, atestou que a lesão do períneo é uma consequência possível e inevitável da tração do membro que deve ser efetuada, garantindo que no caso, não foi aplicada tração excessiva.
Não podia, pois, o Tribunal Recorrido deixar de dar como assente o facto que verteu no ponto 45 dos factos provados, porquanto o edema vulvar ocorreu devido à colocação da Recorrente na mesa de tração com apoio na zona perineal, a qual era necessária à realização da intervenção cirúrgica de osteossíntese para tratamento da grave lesão óssea que a Autora sofreu em consequência do acidente, mormente para alinhamento dos topos ósseos e posterior colocação da cavilha, sendo esta uma lesão decorrente da realização da própria cirurgia, como resulta dos meios de prova descritos.
Improcede, pois, também nesta parte, a apelação.
*
Entende Recorrente que deveria ter sido considerado como provado que após a cirurgia esta manteve tratamentos de fisioterapia e massagens ao domicílio – facto não provado vertido na alínea G.
Contudo tal, afirmação não resulta de qualquer prova produzida em sede de audiência de julgamento, antes se afigurando, perante a versão dos factos relatada pela Autora, que refere não poder suportar sequer um lençol ou roupa em cima do corpo, pouco provável que tal tivesse ocorrido.
Como se refere na sentença recorrida, “as declarações dos familiares, os quais não conseguiram identificar/descrever as terapeutas/massagistas (a irmã referiu recordar-se de um enfermeiro, não de fisioterapeuta). Por outro lado, não resulta das regras de experiência que após a fratura grave que sofreu e a osteossíntese se optasse por realizar fisioterapia e massagens (nem se percebe qual a cura que estas visavam) no domicílio. Acresce que nenhum dos supostos profissionais foi arrolado como testemunha, nomeadamente para descrever os sintomas que a autora apresentava, nem tão-pouco junto qualquer comprovativo do pagamento desses serviços, o que adensa ainda mais as dúvidas acerca da realização dos tratamentos (note-se que nem nas declarações de parte a autora referiu que tipo de massagens ou fisioterapia realizou).
Pelo que outra não poderia ser a decisão da sentença recorrida que não considerar tais factos como não provados, inexistindo qualquer censura a levar a cabo, neste ponto.
Improcede, pois, a impugnação da matéria de facto.
A decisão da matéria de facto mantém-se inalterada, pelo que nos dispensamos de a voltar a reproduzir.
*
III.3. Os factos e o direito.
Como resulta dos autos, a apelante formula a sua pretensão indemnizatória com fundamento em responsabilidade médica.
Mantendo-se inalterada a factualidade provada, afigura-se de manter o enquadramento jurídico adequadamente realizado pelo Tribunal recorrido.
Na verdade, é hoje pacificamente aceite, na doutrina e na jurisprudência, que a prestação de cuidados de saúde, mormente de serviços médicos, pode ser objeto de regulação por via contratual, entre o paciente e o profissional de saúde (v.g. médico) ou uma instituição prestadora de serviços de saúde, na esfera do princípio da autonomia privada proclamado no artigo 405.º do Código Civil, ainda que com as limitações e imposições à liberdade de celebração e de estipulação decorrentes das normas legais imperativas, das normas deontológicas e de certos costumes e usos respeitantes ao exercício das profissões de saúde, ou inerentes à natureza indisponível do bem jurídico envolvido, como é o complexo psico-somático do paciente, tutelado pelos direitos de personalidade - a prestação de serviços de saúde, no sector privado, se pode reconduzir a uma diversificada tipologia de fontes jurídicas, consoante o perfil de cada caso concreto.
Assim, há casos em que as prestações dos cuidados de saúde são realizadas sem a prévia ou concomitante negociação entre o prestador do serviço e o paciente, não se gerando, por isso, qualquer vínculo negocial. Daí que a ocorrência de lesão do paciente, no quadro da realização dessa prestação, deva ser equacionada em sede de responsabilidade civil extracontratual ou delitual, nos termos dos artigos 483º e seguintes do Código Civil.
Já quando a prestação do serviço de saúde tiver sido objecto, de algum modo, de negociação entre o prestador de serviço (médico ou instituição prestadora de cuidados de saúde) e o paciente, impõe-se reconduzir o não cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação assumida pelo prestador ao instituto da responsabilidade contratual, nos termos dos artigos 798º e seguintes do Código Civil, sem prejuízo de eventual concurso deste título de responsabilidade com a responsabilidade delitual.
Qualquer que seja o ponto vista sobre o qual se encare, para um/a Autor/a ser ressarcido/a, sempre terão de se mostrar reunidos os pressupostos - genericamente enunciados pelo artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil - da responsabilidade civil, consistindo esta "na obrigação de reparar os danos sofridos por alguém. Trata-se de indemnizar os prejuízos de que esse alguém foi vítima" - cf. Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6.ª edição, Coimbra Editora, 1989, página 194.
Nessa base, a relação jurídica de matriz convencional entre o médico e o paciente tem vindo a ser configurada, à luz do nosso ordenamento legal, como um contrato social e nominalmente típico, de natureza civil, consensual, subsumível ao tipo de contrato de prestação de serviço previsto no art.º 1154.º do Código Civil, em regra oneroso, podendo ainda ser perspetivado como contrato de consumo.
Em todas essas circunstâncias um qualquer médico consciencioso, cumpridor dos seus deveres legais e deontológicos e ciente das vicissitudes de qualquer operação cirúrgica, apenas se pode comprometer seriamente com a utilização dos meios que, em concreto, se ajustarem à respetiva situação, cumprindo a sua obrigação quando, depois de esclarecer devidamente o doente dos riscos associados à intervenção cirúrgica, emprega os conhecimentos e as técnicas ditadas pelas leges artis da especialidade, usando para o efeito de toda a diligência, profissionalismo, dedicação ou perícia que as concretas circunstâncias exigirem.
Assim, o Acórdão do STJ de 26/04/2016, proferido no processo n.º 6844/03.4TBCSC.L1.S1[2], considerou que no contrato de prestação de serviços médico-cirúrgicos com colocação de prótese, o médico assume uma obrigação de resultado quanto à elaboração da prótese adequada à anatomia do paciente, e uma obrigação de meios quanto à aplicação da mesma no organismo do paciente segundo as leges artis.
Como se refere na decisão recorrida:
“A obrigação do réu para com a autora não consistia na sua cura, dada a impossibilidade de garantir um tal desenlace, mas em fazer o que estivesse ao seu alcance, dentro dos meios e conhecimentos especiais de que dispunha, no sentido dessa cura ou, pelo menos, no sentido da melhoria do estado de saúde. (…)
Não resulta provado qualquer ato que o réu não tivesse praticado, que podia e devia ter sido realizado, nem se apura qualquer ato que praticou que não podia ou não devia.
Assim se evidenciando terem sido aplicados os conhecimentos teóricos e práticos por parte do médico, aliados aos indicadores científicos existentes em medicina, para permitir o tratamento da fratura que a autora apresentava.
Na verdade, perante a fratura do fémur, impunha-se a realização da intervenção cirúrgica de osteossíntese, e, como se provou, era esse o tratamento que era adequado.
Por outro lado, verificamos que o réu procedeu ao encavilhamento do fémur, reduzindo a fratura, ou seja, a cavilha ficou colocada, para permitir que o membro inferior esquerdo da autora voltasse a ser utilizado.
Não se comprova, como alegado pela autora, que o parafuso proximal não tivesse ficado colocado na cavilha, originando o desvio de rotação do fémur.
Como se refere no citado Ac. do STJ de 06.01.2020, in www.dgsi.pt., só a alegação e ulterior demonstração, por um lado, das regras conhecidas pela ciência médica em geral como sendo as apropriadas à execução da intervenção cirúrgica em causa, considerando o estado do doente- as leges artis- e, por outro, da sua não utilização com perícia e diligência por parte do médico, permitiriam que se afirmasse a ilicitude da conduta deste.
Ora, como vimos referindo, a autora não demonstra que o réu praticou ato durante a intervenção cirúrgica que não devia, ou que omitiu ato que devia ter executado, mormente que não colocou o parafuso na cavilha.
De todo o modo, mesmo que se considerasse a existência de um parafuso proximal fora da cavilha, sempre ficaria por demonstrar ser essa a causa do desvio de rotação que aponta, ou de outras das sequelas que indica (dismetria ou anca dolorosa ou parestesias do pé esquerdo).
Isto para dizer que recaía sobre a autora o ónus da prova da ilicitude da conduta do réu, conduta defeituosa essa que, na sua ótica, foi causa do desvio de rotação, da dismetria, da anca dolorosa ou das parestesias.
Por outro lado, ficou demonstrado que o edema vulvar ocorreu devido à colocação da autora na mesa de tração com apoio na zonal perineal, a qual era necessária à realização da intervenção cirúrgica de osteossíntese, mormente para alinhamento dos topos ósseos e posterior colocação da cavilha.
Trata-se, salvo melhor opinião, de lesão da integridade física exigida para cumprimento da obrigação assumida, ou seja, para a realização da intervenção cirúrgica de osteossíntese.
Donde, podemos dizer, do contexto fáctico apurado não se prova ilicitude na conduta do médico, ou falta de cumprimento do dever objetivo de diligência ou de cuidado, imposto pelas leges artis.(…)
A obrigação de tratamento, a cargo da ré, desdobrada na observação, no diagnóstico e na terapêutica, mostram-se cumpridas: um médico ao seu serviço observou a autora e prescreveu a realização de intervenção cirúrgica adequada à fratura do fémur que
Esta intervenção cirúrgica, como em qualquer outra do género, importa sempre dores (no pós-operatório), limitação na locomoção (adveniente, em larga medida, da zona do corpo intervencionada), assim como sujeição a tratamentos de fisioterapia, com inerentes transtornos pelo internamento, da própria cirurgia, período pós-operatório e perda de qualidade de vida.
Por outro lado, o réu demonstrou que cumpriu todos os procedimentos que eram adequados à realização da intervenção cirúrgica, mormente realizando o encavilhamento do fémur, adequado a tratar a fratura que existia (causada por aquele acidente).(…)
Donde, concluímos, não se apura falha na atuação do réu que possa ser apontada, nas faladas vertentes de imprudência, incúria ou negligência, para que se possa imputar cumprimento defeituoso da prestação a cargo da ré.
O que leva a que se considere que não se prova comportamento ilícito que importe a responsabilização quer da ré, quer do réu, pelos danos imputados pela autora, à luz do quadro legal acima traçado.
Donde, não lhe assiste o direito a ser indemnizada, nos termos peticionados, ficando prejudicado o conhecimento da exceção perentória de prescrição desse direito.
Para concluir, assim, perante o quadro fáctico apurado e juridicamente enquadrado, que soçobra a pretensão indemnizatória da autora, improcedendo a ação na totalidade.”
A responsabilidade no âmbito do contrato de prestação de serviços médicos depende, pois, da prova duma situação que traduza incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação. E, tratando-se, como é o caso, de prestação de serviços médicos, a responsabilidade médica, por negligência, por violação das leges artis, tem lugar quando, por indesculpável falta de cuidado, o médico deixe de aplicar os conhecimentos científicos e os procedimentos técnicos que, razoavelmente, face à sua formação e qualificação profissional, lhe eram de exigir: a violação do dever de cuidado pelo médico traduz-se precisamente na preterição das leges artis em matéria de execução da sua intervenção.
Na sua maioria, os contratos de prestação de serviços médicos integram, como se referiu, uma obrigação de meios, não implicando, assim, a não obtenção do resultado final visado com os tratamentos e intervenções, a inadimplência contratual, cabendo por isso ao paciente provar a falta de diligência do médico, a falta de utilização de meios adequados de harmonia com as leges artis, o defeito do cumprimento, ou que o médico não praticou todos os atos normalmente considerados necessários para alcançar a finalidade desejada: é essa falta que integra erro médico e constitui incumprimento ou cumprimento defeituoso. E só depois dessa prova funcionará, no domínio da responsabilidade contratual, a dita presunção de culpa.”
No caso dos autos, não podemos deixar de entender que a obrigação do Réu não pode deixar de ser qualificada como uma obrigação de meios – a de colocar à disposição da ora Autora os seus melhores conhecimentos cirúrgicos tendo em vista a pretendida remoção, redução da fratura do fémur de que a mesma foi vítima fratura que lhe provocou todos os enormes danos físicos que os autos espelham, seguramente muito dolorosos, incómodos e morosos. Mas repita-se, tal fratura resultou do acidente, que nada tem de ver com a intervenção do Réu.
E neste procedimento cirúrgico, não podia o Réu, pela natureza do procedimento, garantir a ausência de dores ou de processos inflamatórios pós-operatórios, de edemas, de desconforto incomensurável – ao Réu cabia cumprir as regras da leges artis relativas ao procedimento cirúrgico em causa, não podendo garantir que “nada corria mal”.
E se é certo que a Autora se queixa de eventos pós operação, certo é que não se demonstrou o incumprimento pelo Réu da «leges artis», nem qualquer outro ato ilícito de que decorra a obrigação de indemnizar.
Demonstrou-se, por outro lado, que o Réu realizou todos os procedimentos cirúrgicos adequados à lesão em causa, tendo deixado de acompanhar a doente, na justa medida em que a mesma, por motivos alheios à vontade do Réu, teve de regressar a França, escassos dias após a difícil situação por que passou.
Tudo para concluir pela impossibilidade de responsabilizar o Réu pelos danos q cuja reparação a Autora reclama.
Note-se que não se diz que a Autora não sofreu lesões ou danos físicos. Sofreu seguramente muito, com todos os procedimentos, com as lesões e com os edemas causados.
O que se concluir é que os mesmos são resultado do acidente que sofreu, e das lesões decorrentes do mesmo, bem como dos tratamentos que as mesmas impunham, e não de qualquer ato imputável a qualquer dos Réus.
Concluindo-se desta forma, prejudicada fica a apreciação da exceção de prescrição, pretensão que o Réu formulou no âmbito de ampliação do recurso, apenas para o caso de se entender que o recurso da Autora era de julgar procedente.
*

IV. Decisão.
Em face do exposto, acordam em julgar parcialmente improcedente a apelação, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente – artigo 527º do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
*
Évora, 2023-06-15

Ana Pessoa (Relatora)

José António Moita (1º Adjunto)

Maria da Graça Araújo (2ª Adjunta)

__________________________________________________

[1] Da exclusiva responsabilidade da relatora.

[2] Disponível em www.dgsi.pt.