Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2369/20.1T8STB.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
CESSÃO DE EXPLORAÇÃO
TRANSMISSÃO DO CONTRATO
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
PERICULUM IN MORA
REQUISITOS
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
i) o serviço de transporte de mercadorias adjudicado por uma empresa de produção não dedicada a esta atividade, no quadro de um modelo de organização próprio, regras próprias de funcionamento, constitui unidade económica, para efeitos da sua transmissão nos termos do art.º 285.º do CT.
ii) a sucessão de empresas na prestação de serviços de transporte, no contexto referido em i), acompanhada de equipamento, elementos imateriais e alguns trabalhadores da empresa anterior, sujeito a obrigações e ao controle da adjudicante, enquanto unidade económica, por prazo definido, constitui cessão da exploração de estabelecimento para efeitos do disposto no art.º 285.º do CT.
iii) os requisitos, cumulativos, para o decretamento de uma providência cautelar, desdobram-se em quatro:
1. Probabilidade séria da existência do direito;
2. Receio fundamentado;
3. Lesão grave do seu direito; e
4. Irreparabilidade ou dificuldade de reparação.
iv) a providência não será decretada se faltar algum destes requisitos. (sumário do relator)
Decisão Texto Integral:




Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelante: SNMMP – Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (requerente).
Apeladas: V…,Lda (1.ª requerida); T..., Lda, (2.ª requerida), e Linde Portugal, Lda, (3.ª requerida).

Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo do Trabalho de Setúbal, J2.

1. O SNMMP – Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas, veio, ao abrigo do disposto no artigo 5.º n.ºs 1 e 2, alínea c), do CPT exercer o direito de ação no que respeita aos interesses coletivos que representa bem como à violação de direitos individuais com caráter de generalidade dos trabalhadores seus associados, intentar o presente procedimento cautelar comum contra as requeridas, requerendo:
- A condenação na transmissibilidade dos contratos de trabalho da 2.ª para a 1.ª requerida, por força da obrigatoriedade legal da transmissão da unidade económica existente entre a 2.ª e a 3.ª requerida, que passará a existir entre a 1.ª e a 3.ª requerida.
Alega, em síntese, que entre os associados do requerente e a 2.ª requerida subsistiu uma relação de natureza laboral que veio a cessar por terem sido prescindidos os serviços da 2.ª requerente, o que reputa de ilícito, e sem que tenham sido pagas quer a compensação legal, quer as quantias devidas por força da cessação do contrato.
As requeridas ofereceram oposição:
- V… (1.ª requerida): - “(…) nenhuma unidade económica, empresa ou estabelecimento, total ou parcialmente, seja a que título for, serão transmitidos entre as requeridas, nem os novos serviços a prestar a partir de 01/07/2020 serão os mesmos que os anteriores, e até poderão vir a ser formalizados e concessionados por uma outra entidade, a L…, que não a 3,ª requerida, L…, Lda (…) não se descortina qual o prejuízo irreparável que esta providência quer acautelar, uma vez que, os trabalhadores que na realidade pertencem à T… e não à L…, não ficarão no desemprego mas continuarão ao serviço da 2.ª requerida, T…, a qual também presta o mesmo serviço a outras entidades e até parece que já terá dito aos seus trabalhadores que precisava deles para outros projetos, faltando assim o prejuízo irreparável que esta providência quer acautelar, uma vez que, os trabalhadores que na realidade pertencem à T… e não à L..., não ficarão no desemprego mas continuarão ao serviço da 2.ª requerida, TML, a qual também presta o mesmo serviço a outra entidades e até parece que já terá dito aos seus trabalhadores que precisava deles para outros projetos, faltando assim um pressuposto essencial à procedência desta providência, o qual seja: a prova da existência de lesão, ou prejuízo sério e irreparável dos trabalhadores (sejam eles quais forem), o que, também inexoravelmente determina a total improcedência da presente providência cautelar.”.
- L…, Lda., (3.ª requerida): - “(…) nunca se verificou no passado, qualquer transmissão de empresa ou estabelecimento, mas tão somente uma sucessão de contratos de prestação de serviços, distintos e independentes. (…) em maio de 2013 é assinado um contrato de prestação de serviços de entrega de líquidos criogénicos (BULK) por estrada para a Ibéria (…) note-se, desde logo, que o conjunto de serviços solicitados é distinto daqueles que se encontram contratualizados com a 2.ª requerida até final do mês de junho. (…) A 13 de março é comunicada a decisão da Linde a todos os concorrentes, dando nota que a partir de 1 de julho de 2020 a 1.ª requerida desenvolveria, em exclusivo, os serviços de PGP e de BULK em Portugal.”. Em conclusão: - “Não se encontram evidenciados os requisitos legais de que depende o decretamento desta providência cautelar, designadamente no que concerne à probabilidade séria da existência do direito invocado e ao fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável”.
No início da audiência final, foi tentada a conciliação entre as partes, sem êxito, após o que tomaram-se os depoimentos de parte e procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pelo requerente e pelas requeridas, tudo conforme consta da ata.

Após, foi proferida sentença com a decisão seguinte:
Pelo exposto, julgo o presente procedimento cautelar intentado pelo SNMMP – Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas improcedente, por não provado.

2. Inconformado, veio o requerente interpor recurso de apelação que motivou, com as conclusões que se seguem:
1. Com o presente recurso visa, o recorrente, questionar a apreciação dos factos e do direito, que deverá colocar em crise a sentença do procedimento cautelar, na medida em que segundo o Tribunal Ad Quo, apesar de se preencher o requisito do Fumus Boni luris, não se logrou provar o Periculum In Mora.
2. O Tribunal Ad Quo fez uma má apreciação dos factos relativamente ao Periculum In Mora.
3. O Procedimento cautelar foi intentado no dia 30 de abril, com vista à manutenção dos postos de trabalho dos 11 trabalhadores, tendo em conta a transferência da unidade económica que aconteceu entre as 3 recorridas.
4. O MM° Juiz Ad Quo concluiu sobre a aparência do Direito (Fumus Boni luris), a confirmar-se na ação principal, mas não concluiu sobre o risco na demora da ação principal (Periculum In Mora).
5. A ser assim, restaria aos trabalhadores reclamar a manutenção dos seus postos de trabalho na ação principal, aguardando a mesma com todas as implicações que o tempo tem na vida dos mesmos.
6. Estamos perante 11 trabalhadores que têm os seus postos de trabalho (alguns que duram há mais de 20 anos) em crise, pois a 2.ª recorrida já declarou que não tem trabalho para eles.
7. Estes 11 trabalhadores estão parados desde o dia 1 de julho, data em que a 1.ª recorrida iniciou funções na 3.ª recorrida.
8. A 1.ª recorrida já disse clara e diretamente aos 11 trabalhadores e ao Tribunal que não consegue manter os seus postos de trabalho, nem suportar os seus salários.
9. Existe efetivamente um risco sério destes trabalhadores serem severa e irreparavelmente prejudicados, pois têm compromissos assumidos com diversas entidades que não aguardarão pelo desfecho da ação principal.
10. Independentemente da aparência do bom direito que o senhor Juiz Ad Quo concluiu, a verdade é que os credores destes trabalhadores não aguardarão pelo desfecho da ação principal, para que só nesta data sejam honrados os compromissos.
11. Existem trabalhadores com o risco de perder a casa por incumprimento de pagamento, de perderem os carros, e de serem obrigados a transferir os seus filhos de estabelecimento de ensino, por não terem capacidade financeira para suportar os mesmos.
12. Estes trabalhadores auferiam duma remuneração mensal uns de € 2.100,00 e outros de € 2.500,00, estando a trabalhar há cerca de 20 anos, e a 1.ª recorrida fez-lhes como proposta de trabalho a desvinculação da 2.ª recorrida, perdendo todos os direitos adquiridos, para celebrarem um novo contrato de trabalho, com uma redução no seu vencimento de cerca de € 500,00 mensais.
13. Estes trabalhadores estando conscientes do seu Direito, reclamaram por Justiça em 30 de abril, com 2 meses de antecedência para o novo contrato (que entrou em vigor no dia 1 de julho), e, apesar do Tribunal Ad Quo confirmar o seu Direito, disse só o poder fazer na ação principal, que como sabemos poderá ser longa, ainda mais no Estado Pandémico em que nos encontramos que fez atrasar milhares de processos.
14. O Tribunal Ad Quo não avaliou bem o Periculum In Mora, pois não considerou que 11 famílias estão dependentes da remuneração destas pessoas.
15. A 2.ª recorrida já disse que não suportará os seus vencimentos, e a 1.ª recorrida já disse que não aceitará a transferência dos mesmos, fazendo-o ao arrepio de todas as normas legais.
16. Estes trabalhadores correm o risco sério de perder a sua habitação, ou outros bens, mas sobretudo de prejudicarem os estudos dos seus filhos, por não conseguirem suportar tais despesas.
17. Estamos a falar duma perca de remuneração superior a € 500,00 mensais, ou ao seu despedimento por extinção do posto de trabalho, tal como a 2.ª recorrida já veio alegar.
18. E, mesmo sabendo que têm razão, não podem aguardar a decisão da ação principal, pois nesta altura poderá já ser tarde demais.
19. Infelizmente algumas empresas vão "jogando" com os prazos judiciais, para forçar a aceitação de condições que sabem não ser lícitas, mas colocando os trabalhadores em condições precárias, acabam por conseguir, quer pela necessidade que provocam, quer pela demora da ação.
20. A função das providências cautelares é a de tutelar, de forma provisória, uma determinada situação jurídica que se encontra em perigo pela falta de uma tutela imediata.
21. É realmente a necessidade desta tutela que justifica o decretamento da presente providência cautelar.
22. A justificação que se encontra no art.º 362.º n.º 1, para as providências cautelares - o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável de um direito - tem de ser entendida, não em função de qualquer potencial violação, mas em função da demora na tutela definitiva desse direito.
23. A tutela definitiva será demasiado tardia, porque só poderá ser obtida depois de a violação do direito se ter consumado ou mesmo depois de essa violação se ter tornado irreversível.
24. A providência é apropriada se ela for adequada para acautelar o efeito útil da ação principal, isto é, se ela for concretamente adequada para assegurar a efetividade do direito ameaçado,
25. e, são admissíveis aquelas que se enquadrarem na cláusula geral constante do art.° 362.º n.º 1, isto é, aquelas que se mostrarem concretamente adequadas a assegurar a efetividade do direito ameaçado pela demora na tutela definitiva.
26. Assim, deverá a decisão recorrida ser substituída pelo provimento da providência cautelar, porque se encontram preenchidos os pressupostos para a mesma, tendo em conta que os 11 trabalhadores correm o risco sério de perderem as suas casas, veículos, e outros bens, pela demora do processo.
Termos em que V. Exas concedendo provimento ao recurso e substituindo a sentença em crise na parte em que se verifica o preenchimento do requisito do Periculum in Mora, tendo em conta que o Tribunal Ad Quo já decretou a verificação do Fumus Boni Iuris.

3. As requeridas V… (1.ª requerida) e L… (3.ª requerida) responderam, contraditaram o alegado e concluíram que o apelante interpreta mal a sentença, pois esta não diz que se verifica a probabilidade séria da existência do direito, a qual não ocorre, para além de não haver o periculum in mora, pelo que a sentença deve ser mantida.

4. O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, pelo que deve ser mantida a sentença recorrida.
Notificado, não foi oferecida resposta.

5. Dispensados os vistos, por acordo, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

6. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
A questão a decidir consiste em apurar se deve ser decretada a providência.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS PROVADOS
A sentença recorrida deu como provados os factos seguintes:
REQUERENTE:
1. A 1.ª requerida, é uma empresa que se dedica ao transporte nacional e internacional de mercadorias, desempenhando serviços de carga geral e de matérias perigosas, conforme se verifica no documento retirado da sua página oficial na internet, que se junta em anexo. (vide Documento 1).
2. A 2.ª requerida, é também uma empresa que se dedica ao transporte de mercadorias, que inclui o transporte de mercadorias de matérias perigosas, conforme se verifica no documento retirado da sua página oficial na internet, que se junta em anexo. (vide Documento 2).
3. A 3.ª requerida, é uma empresa que se dedica à produção e comercialização de gases industriais, medicinais e farmacêuticos a indústrias e a áreas de cuidados de saúde, conforme se verifica no documento retirado da sua página oficial na internet, que se junta em anexo. (vide Documento 3).
4. O setor dos transportes de mercadorias encontra-se regulado por contrato coletivo de trabalho vertical, que foi revisto e publicado no Boletim do Trabalho e do Emprego n.º 45 em 8 de dezembro de 2019.
5. A 2.ª requerida prestou serviços de transporte de mercadorias de matérias perigosas à 3.ª requerida durante mais de 20 anos.
6. Para este efeito, contratou vários motoristas (alguns deles aqui assistentes no processo) que, sendo trabalhadores da 2.ª requerida, prestaram serviços em exclusivo para a 3.ª requerida.
7. Em abril de 2019, a 3.ª requerida comunicou à 2.ª requerida que iria lançar um novo concurso para a prestação daqueles serviços, e que o vencedor daquele concurso assumiria os referidos serviços a partir do dia 1 de julho de 2020.
8. O vencedor do concurso para a prestação de serviços à 3.ª requerida foi a 1.ª requerida (V…).
9. A 1.ª requerida tem vindo a selecionar outros trabalhadores para a prestação daqueles serviços a partir do dia 1 de julho de 2020.
10. A 1.ª requerida tem selecionado novos trabalhadores, e tem contactado alguns trabalhadores da 2.ª requerida, propondo-lhes um novo contrato de trabalho, com condições diferentes daquelas que estes tinham, determinando que eles deveriam desvincular-se da 2.ª requerida, o que 13 ou 14 trabalhadores desta fizeram.
11. Para assegurar a prestação de serviços à 3.ª requerida, a 2.ª requerida dispunha de 25 motoristas especializados para o efeito.
12. A partir do dia 1 de julho de 2020, a 1.ª requerida iniciou a prestação de serviços para a 3.ª requerida com 14 motoristas contratados para o efeito e que previamente se desvincularam da 2.ª requerida.
13. No passado, alguns dos motoristas da 2.ª requerida, transitaram da 3.ª requerida para esta, aquando da adjudicação dos serviços.
14. A 1.ª requerida foi interpelada pelo requerente e recusa-se a aceitar a transmissibilidade de todos os contratos de trabalho.
1.ª REQUERIDA:
15. Para além das condições remuneratórias previstas o CCT, a partir de 1 de julho de 2020, a primeira requerida oferece 850,00 de salário base, enquanto a 2.ª requerida pagava 700,00.
16. A 1.ª requerida ao sair vencedora do concurso a que a 2.ª, T…, também concorreu juntamente com outras Empresas, publicou via internet (NET-EMPREGO) um anúncio a publicitar que precisava de motoristas de pesados (Doc. 5).
17. A par deste anúncio, irá proceder também à transferência de trabalhadores/motoristas de uma empresa do grupo comercial da 1.ª requerida, a G…, Lda, para a V….
18. A 1.ª requerida V… irá operar com os seus próprios veículos, meios organizados e materiais que não provêm da 2.ª requerida T…. (Doc. 14)
19. A 1.ª requerida já providenciou pela aquisição de EPI´s, fardamento, com o logotipo da 3.ª requerida e demais equipamento necessário ao cumprimento da prestação de serviços, estimando-se um gasto superior a dois milhões de euros.
2.ª REQUERIDA:
20. Por email datado de 23 de abril de 2020, a T…, através do seu Gerente, Sr. J…, dirigido ao Dr. N…, de que se destaca: – “Desde já alerto para esta situação, pois está a trazer instabilidade e danos (custos) à nossa estrutura causada por este tipo de atitude, tendo já assumidos outros projetos que contamos com os nossos profissionais “e que abaixo se transcreve na íntegra:
“Conforme estamos a ser informados pelos nossos motoristas, que estão a ser aliciados e pressionados para trocarem de empresa e assim manterem-se no mesmo serviço!
A T… nunca bloqueou nenhum motorista que queira sair por motivos de oferta de melhores condições de trabalho e de ordenado, contudo creio que nenhum desde casos se verifica. (citado pelos próprios)
Estes profissionais criaram este nível de conhecimento na criogenia e na condução com o investimentos elevados da nossa estrutura para mantermos o grau de satisfação da L… no nível máximo.
Com custos suportados por nós ao nível da condução defensiva Rollover, manuseamento de produtos e até casso das renovações de ADR, só assim e com todo o nosso esforço estes motoristas se tomaram excelentes profissionais.
- Custos a serem somados e imputados: formação L… que foram suportados pela T… : 2 meses de salario em formação em contesto trabalho + rollover condução defensiva e manuseamento de produtos e respetivas deslocações. A somar também o não cumprimento de clientes por nós já assumidos e a contar com os nossos recursos humanos (Motoristas)”

3.ª REQUERIDA:
21. A L… é uma sociedade portuguesa (integrante do Grupo L…) que se dedica à produção e respetiva comercialização de gases industriais, medicinais e farmacêuticos,
22. Gases esses que são considerados matérias perigosas, tendo regras específicas em matéria de segurança especialmente quanto ao seu transporte – quer o transporte seja feito em cisterna ou ar líquido (BULK).
23. As 1.ª e 2.ª requeridas são duas das empresas com as quais a L… celebrou no passado contratos de prestação de serviços com vista a assegurar o transporte por estrada destes gases a nível ibérico.
24. O que importa assegurar é, na perspetiva da L…, o cumprimento das regras de segurança impostas ao nível do transporte terrestre de matérias perigosas, como é o caso dos gases em BULK ou PGP.
25. Na qualidade de entidade beneficiária dos serviços prestados pelas 1.ª e 2.ª requeridas, que atualmente asseguram a distribuição dos gases em BULK e PGP, cabe à Linde garantir o conhecimento e cumprimento por parte destas empresas das regras de segurança específicas do transporte destas matérias.
26. Dando inclusivamente formação específica nesta matéria com vista a permitir, ao máximo, a redução dos riscos associados ao transporte destas matérias,
27. E exige das transportadoras um compromisso contratual quanto ao cumprimento das diretrizes de segurança.
28. O único elemento que estes contratos têm em comum é o facto de a beneficiária da prestação de serviços ser a L….
29. As três empresas relacionam-se comercialmente, mas não existe, nem nunca existiu, qualquer compromisso de exclusividade entre elas.
30. A 1.ª e/ou a 2.ª requerida têm, como tiveram, outros clientes que não a L…, assegurando em benefício dos mesmos a prestação de serviços de transporte terrestre destas ou de outras matérias ou produtos,
31. Mantendo a sua atividade de forma autónoma e independente como até aqui.
32. Os Serviços consistem na entrega de mercadorias por estrada para a L…, gases a granel, a partir dos centros de produção da L…, ou localizações a partir dos quais a L… forneça as suas mercadorias aos destinos propostos pela L… de acordo com programas diários emitidos pela L…. (vide ponto 1.1. do Anexo I ao contrato de prestação de serviços em vigor entre a 2.ª requerida e a Linde)
33. A L… produz os gases que comercializa nas suas instalações, e os motoristas da 2.ª requerida, com a qual a L… celebrou um contrato com vista ao transporte destas mercadorias, devem proceder à recolha e à entrega das mercadorias junto dos clientes da L…,
34. No caso concreto da 2.ª requerida, os pedidos de distribuição de líquido criogénico (BULK) são recebidos do cliente por diferentes vias, sejam o telefone, o email ou o fax e são gerados diretamente pelos planificadores (trabalhadores da L… em Barcelona) em função das existências no próprio cliente através de telemetria.
35. Os planificadores submetem os pedidos no Liquid Control System (“LCS”), que é o sistema integral de gestão utilizado pela L… que contém, entre outros elementos, os dados dos clientes e das fontes de abastecimento dos produtos, bem como as rotas, veículos disponíveis e dos motoristas.
36. A informação referente aos motoristas constante do sistema LCS tem por objetivo o controlo, por parte da L…, das respetivas habilitações individuais para o transporte deste tipo de matérias, assim assegurando o cumprimento das regras de segurança que sobre si impendem quer perante o cliente quer perante terceiros e, bem assim, a possibilidade de emissão dos documentos de transporte legalmente exigidos (vide o ponto 5.1 do Doc. 1 junto em anexo).
37. Os veículos são da propriedade da 2.ª requerida, ao passo que as cisternas são, em regra, propriedade da L…, ou alugadas, embora exista uma nova por estrear adquirida em parceria com a 2.ª requerida.
38. Uma vez organizada a viagem, os planificadores contactam com a pessoa designada para o efeito pela 2.ª requerida, no caso o Senhor J…, para que este, por sua vez, contacte e distribua os motoristas pelas rotas definidas.
39. Uma vez dotado dos nomes dos motoristas que efetuarão os serviços, os planificadores introduzem os respetivos dados no sistema LCS para emissão dos documentos legais de transporte.
40. É enviado um email diário por parte da L… à 2.ª requerida, com a combinação dos condutores e dos veículos que estarão em operação, para que a 2.ª requerida possa informar e dirigir os seus trabalhadores na organização do seu trabalho, em conformidade com o plano definido, de que é um exemplo o email que se junta em anexo (Doc. 7).
41. Os motoristas pertencem à empresa de transportes, até 30/06/2020 era da 2.ª requerida, após, 01/07/2020 da 1.ª requerida.
42.A disponibilidade e alocação dos mesmos às rotas dependem da L…, com o acordo prévio do planificador.
43.Cabe à L…, alocar tantos motoristas quanto o número de cisternas a funcionar.
44. O planificador tratará de ativar e desativar os motoristas no LCS (doc. 6)
45. Do contrato de prestação de serviços de transporte celebrado entre a 2.ª requerida e a L..., consta que é da responsabilidade da 2.ª requerida «(…) garantir que os condutores têm a licença adequada para o veículo e a carga que transportam. O condutor tem a suas licenças atualizadas. O diretor local da L… pode pedir a sua revisão em qualquer momento.» (cláusula 5.1.2., Doc. 1)
46. Foi lançado um concurso internacional aberto a várias entidades do setor.
47. Foram apresentadas várias propostas, tendo sido selecionada aquela que objetivamente apresentava melhores condições.

B) APRECIAÇÃO

B1) A providência cautelar comum

O apelante conclui que o tribunal recorrido entendeu que existe a aparência do direito, mas não se verifica o requisito do periculum in mora. Discorda do entendimento do tribunal quanto à verificação deste último requisito, considerando que se mostra preenchido.
As apeladas entendem que não se verifica qualquer um dos requisitos para o decretamento da providência cautelar requerida.
O art.º 32.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho prescreve que aos procedimentos cautelares aplica-se o regime estabelecido no Código de Processo Civil para o procedimento cautelar comum.
O art.º 362.º do CPC prescreve:
1. Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.
2. O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor.
3 - Não são aplicáveis as providências referidas no n.º 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas no capítulo seguinte.
4 - Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado.
Por sua vez, o art.º 368.º n.º 1 do CPC prescreve que a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.
Em face das normas jurídicas citadas, são quatro os requisitos para o decretamento da providência cautelar:
1. Probabilidade séria da existência do direito;
2. Fundado receio da sua perda;
3. Lesão grave; e
4. Difícil reparação.
Importa, pois, apurar se ocorrerem estes requisitos no caso concreto.

B2) A existência de estabelecimento

A questão colocada nos autos enquadra-se na eventual transmissão de estabelecimento, regulada no art.º 285.º do CT, o qual prescreve:
1. Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral.
2. O disposto no número anterior é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.
3. Com a transmissão constante dos n.ºs 1 ou 2, os trabalhadores transmitidos ao adquirente mantêm todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos.
4. O disposto nos números anteriores não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica, nos termos do disposto no artigo 194.º, mantendo-o ao seu serviço, exceto no que respeita à responsabilidade do adquirente pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral.
5. Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.
Este artigo está em consonância com a Diretiva n.º 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de março, relativa à aproximação das legislações dos Estados membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos.
O legislador entende que estabelecimento, para efeitos da sua transmissão e dos contratos de trabalho, é uma unidade económica (art.º 285.º n.º 1 do CT). Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer atividade económica, principal ou acessória (art.º 285.º n.º 5 do CT).
Por sua vez, a cláusula 87.ª do CCTV, celebrado entre a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias - ANTRAM e outra e a Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações - FECTRANS e outros - Revisão global, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 45, de 8/12/2019, aplicável aos autos, estipula que:
1. Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral.
2. O transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão, durante o ano subsequente a esta.
3. O disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessação ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessação ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.
4. O disposto nos números anteriores não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica, nos termos do disposto no artigo 194.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, mantendo-o ao seu serviço, exceto no que respeita à responsabilidade do adquirente pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral.
5. Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.
6. A presente cláusula é aplicável em todas as situações de transmissão de estabelecimento.
7. A transmissão operada nos termos do número anterior determina a garantia, para o trabalhador transferido, de todas as condições praticadas no momento em que se verificar a transmissão, designadamente as decorrentes do presente CCTV em matéria remuneratória e de organização do tempo de trabalho.
8. Não há lugar à aplicação do regime anteriormente previsto aos trabalhadores contratados, por qualquer via, nos últimos seis meses por referência à data de início do contrato de prestação de serviços que venha a ser celebrado.
A atividade contratada com a 2.ª requerida (T…) e depois com a 1.ª requerida (V…), tem por objeto garantir o transporte dos produtos produzidos pela 3.ª requerida (L…)
O objeto do serviço a prestar, por força da adjudicação do serviço de transporte, está bem delimitado e definido e é autonomizado em relação à produção dos bens a transportar.
O múnus da 3.ª requerida é produzir os bens e o múnus das 1.ª e 2.ª requeridas é a prestação de serviços de transporte de bens.
Do ponto de vista da 3.ª requerida, o transporte dos produtos é uma atividade acessória da sua produção, mas também importante, pois sem este os bens não chegam aos clientes finais. Do ponto de vista das 1.ª e 2.ª requeridas, a sua atividade principal é o transporte de mercadorias. O que é apenas acessório na 3.ª requerida é essencial na atividade das 1.ª e 2.ª requeridas.
A atividade essencial exercida pela 3.ª requerida (L…) tem natureza muito diversa da prestação dos serviços de transporte assegurados pelas 1.ª e 2.ª requeridas.
Esta última atividade constitui um núcleo autónomo, separável da atividade exercida pela 3.ª requerida. Esta atividade de transporte, como se vê através dos factos provados, é exercida de forma organizada e tem um valor económico. Certamente a 3.ª requerida paga um preço às requeridas, empresas de transporte, para estas se encarregarem de satisfazer esta necessidade acessória, mas indispensável para que os produtos sejam entregues aos clientes da 3.ª requerida.
Embora a atividade de transporte de mercadorias não seja a atividade nuclear exercida pela 3.ª requerida, o certo é que ela é necessária para a prossecução organizada e profícua do seu objeto, em tranquilidade, de forma a potenciar ganhos de produtividade, segurança no transporte e entrega dos bens que produz.
O que acabamos de dizer, que resulta dos factos provados, leva-nos à conclusão de que os serviços de transporte das mercadorias produzidas pela 3.ª requerida têm um modelo de organização próprio, regras próprias de funcionamento e um valor económico.
As 1.ª e 2.ª requeridas prestam um serviço de transporte e entrega dos bens produzidos pela 3.ª requerida, em vez desta.
Embora não esteja mencionado o preço do serviço, é de presumir o pagamento de uma contrapartida, em face dos factos alegados e provados. O preço pago às empresas transportadoras constituirá o valor desta unidade económica individualizada.
A 3.ª requerida teria, sempre, em qualquer caso, de suportar um custo pela satisfação da necessidade consistente no transporte dos bens que produz, quer o prestasse por si, através de pessoal por si diretamente contratado, quer o fizesse, como no caso concreto, através de empresas especializadas neste serviço.
O estabelecimento comercial, como há longa data é definido pela doutrina e jurisprudência, é mais do que a mera soma atomística dos seus elementos. O conjunto dos elementos supera o valor individual de cada um se for isoladamente considerado.
Acresce que o estabelecimento comercial tem elementos corpóreos e incorpóreos, que juntos determinam o seu valor de mercado.
Há casos em que os elementos incorpóreos têm um valor dominante ou até único. A organização concreta de fatores produtivos pode consistir apenas em elementos não fisicamente tangíveis.
O que acabamos de mencionar leva-nos a concluir que os serviços de transporte dos bens produzidos pela 3.ª requerida constituem um conjunto de meios organizados, que se apresentam sob a forma de uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa, com identidade própria, com o objetivo de exercer a atividade económica. A atividade económica exercida pelas 1.ª e 2.ª requeridas consiste precisamente no transporte dos bens produzidos em substituição da 3.ª requerida, utilizando meios fornecidos (materiais e imateriais) por aquela e por estas.
Podemos, assim, concluir, em face dos factos assentes de forma perfuntória, que a atividade de transporte dos bens produzidos pela 3.ª requerida deve considerar-se estabelecimento para efeitos do art.º 285.º do CT e da cláusula 87.ª do CCTV, na medida em que constitui uma unidade económica que pode sobreviver só por si no mercado, com organização própria, como decorre do objeto social das 1.ª e 2.ª requeridas, que se dedicam exclusiva ou predominantemente a esta atividade.

B3) Verificar se ocorreu transmissão ou cessão de exploração do estabelecimento e a probabilidade da existência do direito

Só pode transferir-se o que existe. Verificada a existência de um estabelecimento, cumpre agora apreciar se foi transferido para a 1.ª requerida, na aceção do art.º 285.º do CT e da cláusula 87.ª do CCTV aplicável.
O art.º 1.º da Diretiva 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de março de 2001, prescreve:
1. a) A presente diretiva é aplicável à transferência para outra entidade patronal de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento, quer essa transferência resulte de uma cessão convencional quer de uma fusão.
b) Sob reserva do disposto na alínea a) e das disposições seguintes do presente artigo, é considerada transferência, na aceção da presente diretiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, seja ela essencial ou acessória.
c) A presente diretiva é aplicável a todas as empresas, públicas ou privadas, que exercem uma atividade económica, com ou sem fins lucrativos. A reorganização administrativa de instituições oficiais ou a transferência de funções administrativas entre instituições oficiais não constituem uma transferência na aceção da presente diretiva.
2. A presente diretiva é aplicável se e na medida em que a empresa, o estabelecimento ou a parte de empresa ou de estabelecimento a transferir esteja abrangido pelo âmbito de aplicação territorial do Tratado.
O Supremo Tribunal de Justiça[1] apreciou um caso em que a questão jurídica era semelhante, na parte em que se tratava de apurar se tinha havido transmissão de estabelecimento, após reenvio prejudicial no próprio processo e decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), de 17.10.2017.
O TJUE[2] apreciou as questões prejudiciais colocadas no processo, quanto à transmissão do estabelecimento, e interpretou nos termos seguintes:
“ 26. Para determinar se esta condição está efetivamente preenchida, há que tomar em consideração todas as circunstâncias de facto que caraterizam a operação em causa, entre as quais figuram, designadamente, o tipo de empresa ou de estabelecimento de que se trata, a transferência ou não de elementos corpóreos, como os edifícios e os bens móveis, o valor dos elementos incorpóreos no momento da transferência, a integração ou não do essencial dos efetivos pelo novo empresário, a transferência ou não da clientela, bem como o grau de semelhança das atividades exercidas antes e depois da transferência e a duração da eventual suspensão destas atividades. Estes elementos devem ser apreciados no âmbito de uma avaliação de conjunto das circunstâncias do caso concreto e não podem, por isso, ser considerados isoladamente (v., neste sentido, acórdão de 26 de novembro de 2015, Aira Pascual e Algeposa Terminales Ferroviarios, C-509/14, EU:C:2015:781, n.o 32 e jurisprudência referida).

27. Em particular, o Tribunal de Justiça considerou que o órgão jurisdicional nacional, na sua apreciação das circunstâncias de facto que caracterizam a operação em questão, deve especialmente ter em conta o tipo de empresa ou de estabelecimento em causa (v., neste sentido, acórdão de 26 de novembro de 2015, Aira Pascual e Algeposa Terminales Ferroviarios, C-509/14, EU:C:2015:781, n.o 33).
228. Daqui resulta que a importância respetiva a atribuir aos diferentes critérios da existência de uma transmissão, na aceção da Diretiva 2001/23, varia necessariamente em função da atividade exercida, ou mesmo dos métodos de produção ou de exploração utilizados na empresa, no estabelecimento ou na parte do estabelecimento em questão (acórdão de 26 de novembro de 2015, Aira Pascual e Algeposa Terminales Ferroviarios, C-509/14, EU:C:2015:781, n.o 34).
29. O Tribunal de Justiça declarou assim que, num setor em que a atividade assenta essencialmente na mão-de-obra, a identidade de uma entidade económica não pode ser mantida se o essencial dos seus efetivos não for integrado pelo presumido cessionário (acórdão de 26 de novembro de 2015, Aira Pascual e Algeposa Terminales Ferroviarios, C-509/14, EU:C:2015:781, n.o 35).
330. Quando, em contrapartida, a atividade se baseia essencialmente em equipamentos, o facto de os antigos trabalhadores de uma empresa não serem integrados pelo novo empresário para o exercício dessa atividade, como sucedeu no processo principal, não basta para excluir a existência de uma transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, na aceção da Diretiva 2001/23. Uma interpretação diferente iria, com efeito, contra o objetivo principal da referida diretiva, que consiste em manter, mesmo contra a vontade do cessionário, os contratos de trabalho dos trabalhadores do cedente (acórdão de 26 de novembro de 2015, Aira Pascual e Algeposa Terminales Ferroviarios, C-509/14, EU:C:2015:781, n.o 41).
331. Por conseguinte, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, à luz das considerações precedentes e tendo em conta todas as circunstâncias de facto que caraterizam a operação em causa no processo principal, se esta deve ser considerada uma transferência de empresa, na aceção da Diretiva 2001/23”.
E acrescenta: “A este respeito, há que recordar que a circunstância de os elementos corpóreos indispensáveis ao exercício da atividade em causa no processo principal e retomados pelo novo empresário não pertencerem ao seu antecessor, mas terem sido simplesmente disponibilizados pelo contratante, não pode levar a excluir a existência de uma transferência de empresa ou de estabelecimento na aceção da Diretiva 2001/23 (acórdão de 26 de novembro de 2015, Aira Pascual e Algeposa Terminales Ferroviarios, C-509/14, EU:C:2015:781, n.os 38 e 39)”.
O TJUE interpreta a Diretiva 2001/23, que o ar.º 285.º do CT, transpôs para a ordem jurídica interna (art.º 2.º, alínea l), da Lei n.º 07/2009, de 12.02, que aprovou o CT), no sentido de que é necessário ter em conta as caraterísticas específicas de cada caso, para apurar se ocorreu a transferência de uma unidade económica, conforme os exemplos que enumera exemplificativamente. O que releva no essencial é que tenha sido transferida para a nova entidade uma unidade económica, autónoma, embora possa ser explorada sem fins lucrativos, mas com valor de mercado, no sentido de que a sua exploração tem um valor económico.
A adjudicação do serviço de transporte dos bens produzidos pela 3.ª requerente às 1.ª e 2.ª requeridas, em face dos factos indiciariamente provados, preenche estes requisitos.
Os factos deixam entender que não se trata de uma transmissão do estabelecimento em si, mas de uma cessão de exploração, que o artº 285.º n.º 2 do CT equipara à sua transmissão.
O estabelecimento continua na titularidade da adjudicante, a 3.ª requerida, que, por força dos contratos celebrados com as 1.ª e 2.ª requeridas, cede a sua exploração a estas entidades.
O serviço de transporte não é transmitido definitivamente, mas sim por prazos definidos e sujeito a deveres e ao controle da adjudicante e que não ocorreria em caso de transferência do estabelecimento em si.
Os contratos celebrados configuram uma cessão de exploração ou transmissão da exploração desta parte do estabelecimento da 3.ª requerida.
O caso enquadrar-se-á, assim, na previsão do art.º 285.º n.º 2 do CT, que equipara a transmissão, cessão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, à transmissão do estabelecimento, seja a que título e for.
Em face da jurisprudência do TJUE citado, e dos factos provados indiciariamente, podemos concluir que:
- A 1.ª requerida tem contactado alguns trabalhadores da 2.ª requerida, propondo-lhes um novo contrato de trabalho, com condições diferentes daquelas que estes tinham, determinando que eles deveriam desvincular-se da 2.ª requerida e que 13 ou 14 trabalhadores desta já o fizeram, o que indicia eventual fraude à lei, com vista a evitar que o negócio possa ser qualificado como cessão da exploração do estabelecimento, ao não assumir desde logo a titularidade dos contratos de trabalhos dos trabalhadores ao serviço no transporte das mercadorias que lhe foi ou será adjudicado e que constituiria um indício.
- A 3.ª requerida está presente na organização e desenvolvimento da prestação do serviço de transporte contratado, que continua no contrato celebrado com a 1.ª requerida, o que mostra a disponibilização de elementos incorpóreos.
- Os veículos são da propriedade da 2.ª requerida, ao passo que as cisternas são, em regra, propriedade da L…, ou alugadas, o que mostra a disponibilidade de meios corpóreos.
- O serviço de transporte transmitido para a 1.ª requerida reconduz-se àquele que era prestado pela 2.ª requerente, necessitando aquela de motoristas que vai recrutar a esta, impondo-lhe novas condições de trabalho.
Analisados os factos, podemos constatar indiciariamente que a unidade económica de que era titular a 2.ª requerida é transmitida à 1.ª requerida.
Embora não sejam transferidos todos os elementos físicos da unidade económica, a verdade é que ocorre a transmissão dos elementos incorpóreos, consubstanciados na vertente organizativa.
Neste contexto, temos de concluir que existe a probabilidade séria de ter ocorrido a cessão de exploração do estabelecimento da 2.ª requerida para a 1.ª requerida.
Esta transferência da exploração do estabelecimento implica a transmissão dos contratos de trabalho dos trabalhadores, que aí prestam as suas funções, para a 1.ª requerida, nos termos do art.º 285.º do CT e cláusula 87.ª do CCTV.
Damos assim como verificado o primeiro requisito exigido para o decretamento da providência cautelar: a probabilidade séria da existência do direito.

B3) O periculum in mora

Cumpre agora apurar a verificação do requisito consubstanciado no fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito.
Este requisito desdobra-se em três cumulativos: receio fundamentado; lesão grave do seu direito e dificilmente reparável.
Os factos mostram que o receio do requerente é fundado: a 1.ª requerente não admite a transmissão dos contratos de trabalho dos trabalhadores que prestam serviço na unidade económica transmitida.
Os factos também deixam antever que é grave a lesão do direito dos trabalhadores, na medida em que não são admitidos a continuar a prestar a sua atividade, a não ser que celebrem um novo contrato de trabalho com a 1.ª requerida.
Aqui, de duas, uma: ou os trabalhadores aceitam as condições impostas pela 1.ª requerida e continuam a receber a sua retribuição; ou não aceitam e ficam desocupados e sem a auferir. A retribuição é em geral a única ou principal fonte de rendimento dos trabalhadores por conta de outrem, daí a gravidade da violação do seu direito.
Já quanto à irreparabilidade da lesão do seu direito, os factos apurados não permitem concluir pela sua verificação.
Em caso ganho de causa na ação principal, as requeridas, na medida em que o sejam, serão condenadas a reparar os danos causados aos trabalhadores, nomeadamente a reintegração no posto de trabalho e indemnizações concomitantes.
Em suma, a lesão será sempre reparada sem grande dificuldade. Não estão alegados factos de onde se possa extrair que os trabalhadores ficam sem acesso a bens essenciais em consequência do não recebimento da retribuição ou/e que deixarão de cumprir contratos em vigor.
Nesta conformidade, entendemos que não se verifica o requisito consubstanciado na irreparabilidade ou difícil reparação da lesão do direito dos trabalhadores.
Assim, por falta deste requisito, improcede a apelação e confirma-se a sentença recorrida.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo apelante, sem prejuízo da proteção de que beneficia.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Évora, 11 de fevereiro de 2021
Moisés Silva (relator)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço (voto a decisão)
______________________________________
[1] Ac. STJ, de 06.12.2017, processo n.º 357/13.3TTPDL.L1.S1, www.dgsi.pt/jstj (citado também na sentença recorrida e pela apelante).
[2] Ac. TJUE, de 19.10.2017, processo n.º C-200/16; https://eur-lex.europa.eu.