Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1065/10.2TBLLE.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: RESOLUÇÃO POR FALTA DO PAGAMENTO DAS RENDAS
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 03/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O direito do locador a exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, a indemnização igual a 50% do que for devido, conforme previsto no art. 1041.º, n.º 1, do CC, só pode exercer-se caso não se promova e se obtenha a resolução do contrato por falta de pagamento de rendas.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO

Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Ré: (…)

Recorridos / Autores: (…), (…), (…), e (…)

Trata-se de uma ação declarativa de condenação através da qual os AA peticionaram que fosse decretada a resolução do contrato de arrendamento que vincula as partes por falta de pagamento das rendas de Outubro de 2007 a Abril de 2010, com a condenação dos Réus na entrega imediata do arrendado livre e devoluto e no pagamento das rendas vencidas e não pagas no valor de € 5.735,00, acrescido das rendas vincendas até entrega do locado, e ainda dos juros, à taxa comercial, contados desde a citação até integral pagamento.

II – O Objeto do Recurso

Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, conforme segue:
- declara-se a extinção, por resolução, do aludido contrato de arrendamento, e condena-se a Ré (…) na entrega do arrendado, livre e devoluto, aos Autores;
- condena-se a Ré (…) a pagar aos Autores o valor de € 276,00 (duzentos e setenta e seis euros), referente a rendas vencidas até à data da petição inicial, acrescido de juros moratórios, à taxa supletiva para os juros civis, contados desde a citação e até integral pagamento;
- condena-se a Ré a pagar aos Autores os montantes da renda referente aos meses de Abril, Maio, e Junho de 2010, e, bem assim, ao mês de Janeiro de 2011 e aos subsequentes até entrega do locado;
- absolve-se a Ré (…) do mais que contra a mesma foi peticionado; e - absolve-se o Réu (…) da totalidade do pedido contra si deduzido.

Inconformada, a R apresentou-se a recorrer, sustentando que não assiste aos AA o direito à resolução do contrato. Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
«CONCLUSÕES
20. As rendas cuja falta de pagamento era invocado pelos AA. foram pagas.
21. Foram ainda pagas as últimas cinco rendas com um acréscimo de 50%.
22. Segundo o tribunal a quo entendeu, encontrar-se-ia em falta a quantia de €276,00.
23. Dos factos provados não resulta que o prédio dado de arrendamento possua licença de utilização.
24. A matéria de facto dada como provada e não provada merece reparo, em face da prova produzida, quer quanto ao valor da renda quer por omissão de factos essenciais à boa decisão da causa como seja o recebimento voluntário das rendas cuja falta os AA. vieram invocar.
25. Tratando-se de relação contratual anterior a 13 de Junho de 2001 (data do falecimento do …) para a qual o tribunal fixa uma renda atual de € 185,00, a decisão de resolver o contrato, com fundamento na falta do pagamento da quantia de € 276,00 resultará claramente injusta. Mas,
26. A invocação daquele direito pelos AA., naquelas circunstâncias, configura um claro abuso de direito.
27. Sucede ainda a verificação de apenas cerca de uma renda e meia em dívida não confere aos AA. o direito à resolução contratual.
28. Entende a R. que o tribunal violou as seguintes normas jurídicas: Arts. 334.º, 1042.º, 1048.º e 1083.º n.º 3, todos do Código Civil.»

Os Recorridos pugnam pela manutenção da sentença objeto de recurso, sustentando que não assiste razão à Recorrente nos fundamentos que invoca, salientando ainda que a questão atinente à licença de utilização, que efetivamente existe, apenas em sede de recurso foi suscitada.

Assim, atento o teor das conclusões das alegações de recurso, que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso[1], são as seguintes as questões suscitadas:
- da falta de licença de utilização;
- da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- do direito dos AA à resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas;
- do abuso do direito à resolução do contrato de arrendamento.

III – Fundamentos

A – Os factos provados em 1.ª Instância

1. Por acordo verbal entre ambos, (…) cedeu à Ré (…), mediante uma renda a pagar pela mesma, a utilização da moradia denominada (…), sita em (…), Rua (…), 8125 Quarteira, inscrita sob o artigo (…) na matriz predial urbana da freguesia de Quarteira, correspondente ao prédio urbano que esteve descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o nº (…), Livro nº (…), da mesma freguesia.
2. (…) veio, posteriormente, a falecer, a 13 de Junho de 2001.
3. Pela Ap. (…) de 25/01/2007, foi inscrita, sem determinação de parte ou direito, a aquisição do referido prédio urbano, agora descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o nº …/20070125, a favor dos ora Autores (…), (…), (…), e (…), por dissolução da comunhão conjugal e sucessão, tendo como sujeito passivo o referido (…) casado que foi com (…) em comunhão geral.
4. Os Autores anuíram com a Ré que o pagamento da renda fosse efetuado por meio de transferência ou depósito bancário, mensal, a favor da conta com o NIB (…), aberta no Millenium BCP, titulada em nome da Autora (…).
5. Os Autores aceitaram que o depósito da renda fosse efetuado, pela Ré, no mês a que a renda respeitava.
6. A renda mensal referente a Outubro de 2007 era de € 165,00 (cento e sessenta e cinco euros), e desde Janeiro de 2009 é de € 183,00 (cento e oitenta e três euros).
7. No ano de 2007, a título de pagamento da renda, a Ré (…) efetuou os seguintes depósitos na referida conta bancária:
- a 02/10/2007, no montante de € 165,00 (cento e sessenta e cinco euros);
- a 27/12/2007, no montante de € 165,00 (cento e sessenta e cinco euros).
8. No ano de 2008, a título de pagamento da renda, a Ré (…) efetuou os seguintes depósitos na referida conta bancária:
- a 08/02/2008, no montante de € 165,00 (cento e sessenta e cinco euros).
- a 08/05/2008, no montante de € 165,00 (cento e sessenta e cinco euros);
- a 07/07/2008, no montante de € 165,00 (cento e sessenta e cinco euros);
- a 10/09/2008, no montante de € 165,00 (cento e sessenta e cinco euros);
- a 23/10/2008, no montante de € 165,00 (cento e sessenta e cinco euros);
- a 14/11/2008, no montante de € 165,00 (cento e sessenta e cinco euros);
- a 02/12/2008, no montante de € 165,00 (cento e sessenta e cinco euros);
- a 04/12/2008, no montante de € 165,00 (cento e sessenta e cinco euros), com a menção, no escrito do depósito, da renda de Dezembro de 2008.
9. No ano de 2009, a título de pagamento da renda, a Ré (…) efetuou os seguintes depósitos na referida conta bancária:
- a 08/01/2009, no montante de € 183,00 (cento e oitenta e três euros);
- a 04/02/2009, no montante de € 183,00 (cento e oitenta e três euros);
- a 06/03/2009, no montante de € 183,00 (cento e oitenta e três euros);
- a 07/04/2009, no montante de € 183,00 (cento e oitenta e três euros);
- a 05/05/2009, no montante de € 183,00 (cento e oitenta e três euros);
- a 04/06/2009, no montante de € 183,00 (cento e oitenta e três euros);
- a 13/07/2009, no montante de € 183,00 (cento e oitenta e três euros);
- a 05/08/2009, no montante de € 183,00 (cento e oitenta e três euros);
- a 09/09/2009, no montante de € 183,00 (cento e oitenta e três euros);
- a 07/10/2009, no montante de € 183,00 (cento e oitenta e três euros);
- a 05/11/2009, no montante de € 183,00 (cento e oitenta e três euros);
- a 10/12/2009, no montante de € 183,00 (cento e oitenta e três euros).
10. No ano de 2010, a título de pagamento da renda, a Ré (…) efetuou os seguintes depósitos na referida conta bancária:
- a 08/01/2010, no montante de € 183,00 (cento e oitenta e três euros);
- a 23/02/2010, no montante de € 183,00 (cento e oitenta e três euros);
- a 12/03/2010, no montante de € 183,00 (cento e oitenta e três euros);
- a 08/04/2010, no montante de € 183,00 (cento e oitenta e três euros);
- a 10/05/2010, no montante de € 183,00 (cento e oitenta e três euros);
- a 11/06/2010, no montante de € 183,00 (cento e oitenta e três euros);
- a 05/07/2010, no montante de € 183,00 (cento e oitenta e três euros), com a menção, no escrito do depósito, da renda de Julho;
- a 05/08/2010, no montante de € 183,00 (cento e oitenta e três euros), com a menção, no escrito do depósito, da renda de Agosto;
- a 06/09/2010, no montante de € 183,00 (cento e oitenta e três euros), com a menção, no escrito do depósito, da renda de Setembro;
- a 04/10/2010, no montante de € 183,00 (cento e oitenta e três euros), com a menção, no escrito do depósito, da renda de Outubro;
- a 08/11/2010, no montante de € 183,00 (cento e oitenta e três euros), com a menção, no escrito do depósito, da renda de Novembro;
- a 09/12/2010, no montante de € 183,00 (cento e oitenta e três euros), com a menção, no escrito do depósito, da renda de Dezembro. 11. A 10/02/2011, já na pendência desta ação, a Ré (…) efetuou depósito autónomo no montante de € 1.372,50 (mil trezentos e setenta e dois euros, e cinquenta cêntimos), a título de pagamento da renda relativa a cinco meses com acréscimo de 50%, cujo comprovativo de depósito juntou à contestação.

B – O Direito

Da falta de licença de utilização

A Recorrente invoca que dos factos provados não resulta que o prédio dado de arrendamento possua licença de utilização.

Na verdade, assim é. Porém, de tal circunstância não resulta provado o seu contrário, ou seja, que o prédio dado em arrendamento não possua tal licença. Trata-se de questão que não foi suscitada em 1.ª Instância, sobre a qual o Tribunal a quo não foi chamado a pronunciar-se, pelo que inexiste menção atinente a tal circunstância.

Por via disso, também nesta instância recursória não será emitida pronúncia sobre a matéria (que, aliás, nem sequer esteve sujeita a contraditório ou a instrução). O recurso constitui o meio processual de modificar decisões e não de criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre. Tem em vista a reapreciação ou a reponderação das questões submetidas a litígio, já vistas e resolvidas pelo tribunal recorrido e não a pronúncia sobre questões novas. Donde, é unanimemente sustentado que não cabe invocar em sede de recurso questões que não tenham sido suscitadas perante o tribunal recorrido, conforme resulta do regime inserto nos arts. 627.º, n.º 1 e 635.º, n.º 3, salvo se a lei expressamente determinar o contrário (art. 665.º, n.º 2, do CPC) ou nas situações em que a matéria é de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, do CPC).[2]

Termos em que não se toma conhecimento de tal questão suscitada pela Recorrente.

Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto

A Recorrente sustenta, nas conclusões da sua alegação de recurso, que «a matéria de facto dada como provada e não provada merece reparo, em face da prova produzida, quer quanto ao valor da renda quer por omissão de factos essenciais à boa decisão da causa como seja o recebimento voluntário das rendas cuja falta os AA vieram invocar.»

Já no corpo da respetiva alegação de recurso, invoca que «o valor da renda foi fixado sem suporte factual; deveria o tribunal a quo ter dado por provado que as rendas cujas AA invocam a falta de pagamento, à data da audiência de julgamento, já se encontravam pagas e que as AA receberam voluntariamente as rendas depositadas e referentes aos meses cuja falta de pagamento invocavam. As considerações quanto aos factos resultam da inquirição das declarações de parte da A., único depoimento produzido em audiência; resultam ainda da dinâmica dos demais factos e da argumentação que alicerça a fundamentação.
(…)
O tribunal fixa uma renda atual de € 185,00 e decide resolver o contrato, com fundamento na falta do pagamento da quantia de € 276,00. Sendo que o tribunal a quo não identifica, em concreto, na sua decisão, quais as rendas cuja falta de pagamento fundamenta a resolução contratual.»

Ora, causa desde logo perplexidade tal alegação perante o facto de o Tribunal de 1.ª Instância ter fixado o montante da renda desde Janeiro de 2009 em € 183 (tal como, aliás, sustentado pela ora Recorrente na contestação por si apresentada), e não em € 185.

De todo o modo:
Nos termos do n.º 1 do art. 640.º do CPC, “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

O n.º 2 de tal preceito, por sua vez, estabelece que “no caso previsto na al. b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;”

Trata-se de um regime espartano, que estabelece quais são os requisitos formais das alegações de recurso em que seja colocada em crise a decisão sobre a matéria de facto. Tem em vista definir concretamente o que está sujeito a instância recursional e aquilo que resulta cristalizado e imutável, transitado em julgado. Dele decorre que a matéria de facto provada apenas há-de ser colocada em causa na medida em que seja expressamente indicado pelo recorrente, não bastando mera alusão encapotada; só assim, aliás, se possibilita o exercício do contraditório de modo pleno e eficaz.

Como se salienta em Acórdão desta Relação[3], «essa disposição impõe a indicação concreta dos pontos de facto a alterar e dos meios probatórios relevantes para tal alteração, com indicação dos depoimentos em que se funda a impugnação, por referência ao assinalado na ata. É necessário que haja uma indicação especificada dos pontos de facto a alterar – i.e., tem de haver uma indicação ponto por ponto (facto a facto/quesito a quesito) do que deve ser alterado, em que sentido (resposta positiva, negativa ou restritiva) e com que particular fundamento, com referência a concretos trechos de depoimentos, embora sem necessidade de transcrição (ou outros meios probatórios) (cfr. Lebre de Freitas et alii, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3.º, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, pp. 53-55).»

Como é sabido, a jurisprudência que vem sendo consolidada pelo STJ no que respeita ao sentido e alcance do regime inserto no art. 640.º do CPC assenta, designadamente e no que aqui importa salientar, nos seguintes vetores:
- no recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorretamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe[4];
- servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso[5];
- na impugnação da decisão de facto, recai sobre o recorrente “um especial ónus de alegação”, quer quanto à delimitação do objeto do recurso, quer no que respeita à respetiva fundamentação[6];
- na delimitação do objeto do recurso, deve especificar os pontos de facto impugnados; na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspetiva, impunham decisão diversa da recorrida (art. 640.º, n.º 1, do CPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exatidão as passagens da gravação em que se funda (art. 640.º, n.º 2, al. a), do CPC)[7];
- o incumprimento de tais ónus – prescritos para a delimitação e fundamentação do objeto do recurso de facto – impedem a Relação de exercer os poderes-deveres que lhe são atribuídos para o respetivo conhecimento[8].

No caso em apreço, a Recorrente não indica, com precisão (por referência aos concretos números do rol dos factos provados ou do rol dos factos provados, ou ainda por referência a concreta alegação constante dos articulados apresentados), os factos que considera indevidamente julgados. Para além, disso, reportando-se às declarações de parte da A, que foram objeto de gravação, não assinala (por referência à hora/min/seg do registo efetuado em ata) as concretas passagens de tal meio de prova que implicariam em decisão diversa.

O que implica na rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

Do direito dos AA/Recorridos à resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas

A Recorrente coloca em causa a decisão proferida em 1.ª Instancia alinhando os seguintes argumentos:
- as rendas cuja falta de pagamento era invocado pelos AA. foram pagas;
- foram ainda pagas as últimas cinco rendas com um acréscimo de 50%;
- segundo o tribunal a quo entendeu, encontrar-se-ia em falta a quantia de € 276,00.
- fixada a renda atual de € 185,00, a decisão de resolver o contrato, com fundamento na falta do pagamento da quantia de € 276,00 resultará claramente injusta;
- a verificação de apenas cerca de uma renda e meia em dívida não confere aos AA. o direito à resolução contratual.

A decisão recorrida declarou extinto, por resolução decorrente da falta de pagamento de rendas, o contrato de arrendamento. Dessa decisão consta, designadamente, o seguinte:
«os AA alegaram a falta de depósito das rendas em Novembro de 2007, Janeiro, Março, Abril, Junho e Agosto de 2008, e em Outubro de 2009. Num total de 7 (sete) meses.
A Ré logrou provar ter efectuado o depósito da renda em Outubro de 2009. Mas assim já não sucedeu a respeito dos meses de Novembro de 2007, Janeiro, Março, Abril, Junho e Agosto de 2008, num total de 6 (seis meses), cujas rendas ascenderam a €990,00 (novecentos e noventa euros). Ao qual acresce a indemnização devida pela Ré por virtude da mora no pagamento dessas rendas, no montante de € 495,00 – art. 1041º, nº 1, do Cód. Civil. Num total de € 1.485,00 (mil quatrocentos e oitenta e cinco euros).
(…)
depois da operação de imputação de cada um dos depósitos ulteriores à satisfação das rendas vencidas anteriormente e cujo pagamento a Ré não logrou provar, no final de 2008 encontravam-se por satisfazer 5 (cinco) rendas (Julho, Agosto, Setembro, Outubro, e Novembro de 2008, cada qual no montante de € 165,00) no montante global de €825,00 (oitocentos e vinte e cinco euros).
A que acrescia o sobredito montante indemnizatório pela mora, devida pela Ré, no montante de € 495,00. E a que acresceu ainda novo montante indemnizatório, no valor de 50% destas cinco rendas (Julho, Agosto, Setembro, Outubro, e Novembro de 2008), na quantia de € 412,50, posto que, em função da imputação do cumprimento a rendas vencidas anteriormente, quanto a estas se verificou também a mora da Ré.
(…)
Efectuando, por último, a imputação de cada um dos depósitos efectuados entre o mês de Janeiro de 2009 e o mês de Junho de 2010, primeiro à satisfação daquelas 5 (cinco) rendas (Julho, Agosto, Setembro, Outubro, e Novembro de 2008), e, depois, a imputação de cada um dos subsequentes depósitos ao pagamento de renda anterior paga em função da antecedente imputação, verifica-se que, do universo de rendas vencidas à data da entrada da petição inicial, ficou por satisfazer uma parcela da renda referente ao mês de Fevereiro de 2010 no valor de € 93,00 e a renda referente ao mês de Março de 2010 no valor de € 183,00, num total de € 276,00 (duzentos e setenta e seis euros).
A cuja quantia se soma a indemnização devida pela Ré por virtude da mora no pagamento das 15 (quinze) rendas referentes aos meses de Janeiro de 2009 a Março de 2010 (15 rendas), no montante de € 1.372,50 (mil trezentos e setenta e dois euros, e cinquenta cêntimos) – art. 1041º, nº 1, do Cód. Civil.
Em suma, a dívida de rendas vencidas à data da entrada da petição em juízo, e não pagas até à contestação, cifrou-se em € 276,00, mas a dívida de indemnização na proporção de metade das rendas em que se verificou a mora da Ré cifrou-se em
(…) Ora, a Ré efectuou ainda, até à sua contestação, o depósito de € 1.372,50 (mil trezentos e setenta e dois euros, e cinquenta cêntimos), o que foi suficiente para satisfazer o crédito de rendas vencidas à data da entrada da petição em juízo, mas não foi o bastante para satisfazer o crédito indemnizatório dos AA por virtude da mora no pagamento das rendas – art. 1041º, nº 1, do Cód. Civil.
(…)
A mora da Ré persistiu, portanto, e persistiu por mais de dois meses – art. 1042º, do Cód. Civil.
(…)
Em suma, perante a mora em que incorreu a Ré, aos AA assiste o direito à resolução do referido contrato de arrendamento urbano.
A Ré não logrou demonstrar a cessação da mora, nem a caducidade do direito à resolução.»

Ora, desde logo ressalta do que se deixa exposto que se decretou, em satisfação de concreta pretensão dos AA, a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas e, a par disso, adjudicaram-se verbas aos AA a título de indemnização decorrente da mora no pagamento de rendas, a coberto do disposto no art. 1041.º, n.º 1, do CC. Indemnização essa que os AA nunca peticionaram (bem assim procedendo, atento o disposto no art. 1041.º, n.º 1, do CC).

Na verdade, nos termos do disposto no art. 1041.º, n.º 1, do CC, «constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito a exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento.»

Tal normativo consagra um direito do locador, o direito a exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, a indemnização igual a 50% do que for devido. Tal direito, no entanto, só pode exercer-se caso não se promova e se obtenha a resolução do contrato por falta de pagamento de rendas. «A específica e agravada indemnização moratória ali prevista não tem cabimento se o locador optar pelo exercício do direito potestativo à resolução do contrato com fundamento no incumprimento da obrigação de solver pontualmente a renda e o contrato vier a ser efetivamente resolvido com tal fundamento, nomeadamente por o locatário não ter optado por purgar a mora, nos termos consentidos pelo art. 1048.º do CC.»[9]

Constituindo um direito alternativo ao direito à resolução com base na falta de pagamento, cabe ao locador expressamente declarar qual desses direitos exerce. O Tribunal, por seu lado, apenas está legitimado a conhecer das questões e dos direitos esgrimidos pelas partes litigantes, salvo em caso de conhecimento oficioso (cfr. arts. 3.º n.º 1 e 608.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC).

Considerando, no entanto, o pedido formulado pelos AA nesta ação e, bem assim, a causa de pedir que o sustenta, importa atentar no facto de que se trata de uma ação constitutiva através da qual é exercitado o direito potestativo à resolução do contrato por falta de pagamento de rendas. Então, fixados que estão os factos provados, cabe apreciar se, à data da propositura da ação, estavam por pagar rendas vencidas de tal forma que haja fundamento para exercício do direito à resolução do contrato e, na afirmativa, se os RR, até ao termo do prazo da contestação, purgaram a mora, implicando na caducidade do direito de resolução.

Sendo certo que «os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso (…)»[10], importa atentar nos seguintes segmentos da decisão recorrida:
- «do universo de rendas vencidas à data da entrada da petição inicial, ficou por satisfazer uma parcela da renda referente ao mês de Fevereiro de 2010 no valor de € 93,00 e a renda referente ao mês de Março de 2010 no valor de € 183,00, num total de € 276,00 (duzentos e setenta e seis euros)»;
- «a dívida de rendas vencidas à data da entrada da petição em juízo, e não pagas até à contestação, cifrou-se em € 276,00»;
- «a Ré efetuou ainda, até à sua contestação, o depósito de € 1.372,50 (mil trezentos e setenta e dois euros, e cinquenta cêntimos), o que foi suficiente para satisfazer o crédito de rendas vencidas à data da entrada da petição em juízo».

Ora, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 1083.º do CC, na versão em vigor à data da propositura da presenta ação, «É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas, ou de oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo seguinte.» Em face do citado regime legal, considerando que a presente relação locatícia vigora pelo menos desde 13/06/2001 (data do falecimento de …) e que o valor da renda se cifrava em € 183, ascendo o montante em dívida à data da propositura da ação para resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas à quantia de € 276, tal incumprimento não assume gravidade nem consequências que torne inexigível às Recorridas a manutenção do contrato – art. 1083.º, n.º 2 e 3, do CC.

Ainda que assim não fosse, o depósito da quantia de € 1.372,50 efetuado pela Recorrida e comprovado na contestação que apresentou «foi suficiente para satisfazer o crédito de rendas vencidas à data da entrada da petição em juízo»[11] e, bem assim, para pagamento da quantia de 50% do referido valor em dívida – cfr. arts. 1048.º, n.º 1 e 1041.º, n.º 1, do CC. Cabe proceder ao pagamento de 50% do valor que for devido, do valor que esteja em falta, e não já 50% do valor das rendas que tinham sido já pagas à data da propositura da ação, ainda que fora do prazo legal ou convencionado. Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela[12], «Relativamente ao montante da indemnização que condiciona, nos termos do art. 1048.º do Código Civil, a eliminação do direito de resolução do contrato, resulta do texto e do espírito da lei que ela abrange 50% da soma de todas as rendas em dívida (…). A mora só se considera purgada para o efeito da eliminação da resolução, quando a indemnização abranger 50% do que for devido; e devidas são todas as rendas não pagas, que não tenham sido extintas por prescrição ou outra causa extintiva».

Sempre resultaria, assim, caducado o direito à resolução do contrato de arrendamento.

Com o que resulta prejudicado o conhecimento da questão atinente ao abuso do direito potestativo de resolução do presente contrato de arrendamento – cfr. art. 608.º, n.º 2, aplicável ex vi art. 663.º, n.º 2, ambos do CPC.

Procede, pois, o presente recurso.

As custas recaem sobre os Recorridos – art. 527.º, n.º 1, do CPC.

Concluindo:
- o direito do locador a exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, a indemnização igual a 50% do que for devido, conforme previsto no art. 1041.º, n.º 1, do CC, só pode exercer-se caso não se promova e se obtenha a resolução do contrato por falta de pagamento de rendas;
- constituindo um direito alternativo ao direito à resolução com base na falta de pagamento, cabe ao locador expressamente declarar qual desses direitos exerce;
- o Tribunal, por seu lado, apenas está legitimado a conhecer das questões e dos direitos esgrimidos pelas partes litigantes, salvo em caso de conhecimento oficioso.


IV – DECISÃO

Nestes termos, decide-se pela procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, absolvendo a R dos pedidos contra si formulados.

Custas pelos Recorridos.

Évora, 22 de Março de 2018
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho dos Santos

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[1] Cfr. arts. 637.º, n.º 2 e 639.º, n.º 1, do CPC.
[2] V. Ac. do STJ de 01/10/2002, in CJ-STJ ano X, 3, 65 e de 29/04/98, in BMJ 476/401; Ac. TRP de 12/01/2015 (Manuel Domingos Alves Fernandes).
[3] Proferido a 04/11/2009 (Mário Serrano).
[4] Ac. STJ de 01/10/2015 (Ana Luísa Geraldes).
[5] Ac. STJ de 01/10/2015 (Ana Luísa Geraldes).
[6] Ac. STJ de 22/09/2015 (Pinto de Almeida).
[7] Ac. STJ de 22/09/2015 (Pinto de Almeida).
[8] Ac. STJ de 19/02/2015 (Maria dos Prazeres Beleza).
[9] Ac. STJ de 10/04/2014 (Lopes do Rego).
[10] Art. 635.º, n.º 5, do CPC.
[11] Tal como afirmado na sentença exarada em 1.ª Instância.
[12] Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 4.ª edição, p. 508.