Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
29/13.9GDCTX.E1
Relator: JOÃO GOMES DE SOUSA
Descritores: EXAME
AVALIAÇÃO
PROVA NECESSÁRIA
Data do Acordão: 10/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I - Apesar da liberdade de prova e da liberdade de apreciação da prova, os meios de prova previstos pelo C.P.P. devem ser utilizados de forma vinculada, isto é, devem ter-se como obrigatórios em termos de necessidade e credibilidade probatória, quando a situação de facto o exige.
II - Se o exame com avaliação é o meio de prova mais adequado para a prova de factos – valores – essenciais à subsunção jurídica, é uma necessidade que não deve ser substituída por “declarações” da ofendida.
Decisão Texto Integral:
Recurso Nº 29/13.9GDCTX.E1

Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório:
No Tribunal Judicial do Cartaxo correu termos o processo abreviado singular supra numerado no qual foi deduzida acusação contra A, B, C e D aos quais tinha sido imputada a prática, em autoria material, de dois crimes de furto qualificado, um deles na forma tentada.
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A final, por sentença lavrada a 10.07.2013, veio a decidir o Tribunal recorrido:
1. Absolver os arguidos da prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 203°, n° 1 e 2 e 204°, n° 2, alínea a) e alínea e) do Código Penal.
2. Absolver C da prática de um crime de fruto qualificado previsto e punido pelos artigos 203°, ns 1 e 2, 204°, n. 2, alíneas a) e e) Código Penal.
3. Condenar A pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203°, n 1 e 2 e 204°, n 2, alínea a) e alínea e) do Código Penal na pena de 4 (quarto) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período subordinada à condição de o arguido, no prazo de 6 (seis) meses contados do trânsito em julgado da presente decisão, efectuar depósito à ordem do Tribunal da quantia de € 300 (trezentos euros) para posterior entrega aos Bombeiros Voluntários do Cartaxo (artigos 50°, nOs 1 e 5 e 51°, n° 1, alínea c) Código Penal)
4. Condenar B pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203°, n" I e 2 e 204°, n" 2, alíneas a) e alínea e) do Código Penal na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada à condição de, no prazo de 6 (seis) meses contados do trânsito em julgado da presente decisão efectuar depósito à ordem do Tribunal da quantia de € 300 (trezentos euros) para posterior entrega aos Bombeiros Voluntarios do Cartaxo (artigos 50°, nOs I e 5 e 51°, n" 1, alínea c) Código Penal)
5. Condenar C pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 22°, 23°, 203°, ns 1 e 2 e 204°, n" 1, alínea a) Código Penal na pena de 20 (vinte) meses de prisão, suspense na sua execução por igual período, subordinada à condição de, no prazo de 6 (seis) meses contados do trânsito em julgado da presente decisão efectuar depósito à ordem do Tribunal da quantia de € 300 (trezentos euros) para posterior entrega aos Bombeiros Voluntários do Cartaxo (artigos 50°, n''s 1 e 5 e 51°, n° I, alínea c) Código Penal
6. Condenar D pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203°, n° 1 e 2 e 204°, n" 2, alínea a) e alínea e) do Código Penal na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada à condição de, no prazo de 6 (seis) meses contados do trânsito em julgado da presente decisão efectuar depósito à ordem do Tribunal da quantia de € 300 (trezentos euros) para posterior entrega aos Bombeiros Voluntários do Cartaxo (artigos 50°, ns 1 e 5 e 51°, n° I, alínea c) Código Penal) e no maios legal.
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Inconformados os arguidos A, B e D interpuseram recurso, com as seguintes conclusões:

I. Na humilde opinião do aqui recorrente, a presente Sentença enferma dos vícios previstos no artigo 410.º n.º 1 e n.º 2 alíneas a), e c) do C.P.P., dado que, no caso em concreto, está patente uma insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, bem como erro notório na apreciação da prova.
II. A insuficiência da prova produzida para a decisão, indicia a verificação do vício previsto no art. 410.°, n.° 2 al. a), ou seja, o Tribunal a quo fundamenta a condenação dos recorrentes em prova insuficiente para alcançar a decisão dos presentes autos, bem como a verificação do vício previsto na al. c) do mesmo preceito legal - erro notório na apreciação da prova.
III. O Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito, não fez a adequada ponderação dos factos e uma correcta aplicação do Direito in casu, uma vez que a prova produzida impunha decisão diversa da Douta Sentença recorrida.
IV. Os Recorrentes em sede de Julgamento de facto, impugnam a decisão proferida.
V. O Tribunal a quo deu erradamente como provados os factos sob o nº3, 4 e 8(este no que respeita ao valor do coche e charrete).
VI. O Tribunal a quo não efectuou, salvo o devido respeito, no que se refere ao crime dos autos imputado aos arguidos e recorrentes e à fixação da pena, uma criteriosa e cuidada apreciação da prova validamente junta aos autos e produzida em julgamento.
VII. Salvo o devido respeito, não foi produzida prova segura e inequívoca que os arguidos, ora recorrentes tivessem partido a portada central que dá acesso a uma garagem pertencente á residência, tendo entrado no mesmo através da abertura dos arames que fechavam tal portada, de livre acesso pelo exterior.
VIII. O facto da Douta Sentença referir que na posse do recorrente A foi apreendida, como flui fls 45, uma tesoura de cortar ferro, não é suficiente para tirar a conclusão que foram os arguidos que partiram a portada central.
IX. Quando aos valores dos bens, nomeadamente o coche e a Charrete, a que o Douto Tribunal recorrido atribuiu os valores de 100.000,00(cem mil euros) para o coche 50.000,00(cinquenta mil euros), também não pode ser aceite pelos recorrentes.
X. O Tribunal a quo na douta Sentença refere que teve em conta a conjugação da prova produzida em audiência, designadamente, e quanto aos valores dos bens foi ponderado o depoimento de E, que sobre tal prestou declarações isentas e credíveis, essencialmente por se reconhecer que os bens em causa, coche e charrete, não são usuais, são antigos, e como tal têm um valor elevado.
XI. Não pondo em causa que se tratam de bens não usuais e antigos, o valor que o Tribunal lhes atribuiu merece a discordância dos recorrentes.
XII. Do depoimento indicado, mormente da lesada E não permite de forma alguma atribuir aos bens os valores que o tribunal especificamente lhes atribuiu de 100.000,00 para o coche e 50.000,00 para a charrete.
XIII. Na verdade, o depoimento da Lesada E (gravado em suporte digital em uso no Tribunal desde 10:45:16 a 11:01:28, de acordo com a ata de 5 de Julho de 2013), é confuso e não é preciso quanto ao valor dos bens, aliás, revela a testemunha no seu depoimento que efectivamente não sabe o valor dos bens, e , ao contrário do que o Tribunal recorrido refere, o depoimento da lesada E,quanto ao valor dos bens, não é de todo credível, pois a mesma revelou não saber o valor dos bens, limitando-se a dizer um valor que lhe veio á cabeça naquele momento.
XIV. A confusão nos valores que a Testemunha e Lesada indicou ao Tribunal é de tal forma notória, que a M.mº Juiz a quo lhe pergunta lhe fala em euros ou contos, ao ao que a lesada responde:”…pode ser contos”
XV. Ora sendo o valor dos bens, matéria importante, como já se referiu, para a verificação do tipo legal de furto qualificado, não pode ser determinada com base em suposições ou palpites, que foi na verdade o que aconteceu.
XVI. Sendo certo que não foram os bens avaliados por peritos especializados não se compreende nem aceita a precisão do Tribunal recorrido em atribuir aos bens o valor especifico que atribuiu de €100.000,00 para o coche e €50.000,00 para a charrete.
XVII. Da prova produzida em sede de audiência de julgamento, não é possível de forma segura e inequívoca dar como provada , a factualidade vertida nos citados pontos ou artigos 3,4,e 8 dos factos provados (no que respeita ao valor dos bens)ao contrário deveria ter sido dada como não provada, ou pelo menos, não ser possível de determinar o valor dos bens.
XVIII. Face à prova produzida impõe-se a alteração da matéria de facto constante dos pontos 3,4 e 8, que foi incorrectamente julgada e dada como provada.
XIX. A sentença incorreu em erro na apreciação da prova nos termos do disposto no artigo 410º, nº 2, alínea c), do CPP, devendo tais factos ser considerados como não provados.
XX. E assim sendo, consideram os recorrentes que, efectivamente, foi efectuada uma errada subsunção jurídica entre os factos dados como provados e a sua qualificação jurídica.
XXI. No que concerne ao crime de furto qualificado pelo qual os arguidos foram condenados, os recorrentes entendem que não se verifica a circunstância agravante prevista nas al. a) e e)do n.º2 do art.º 204º do C. Penal.
XXII. O tribunal a quo condenou os arguidos pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º nº1 e 2 e 204, n°2 als. a) e e) do CP.
XXIII. O crime de furto integra-se na categoria dos crimes materiais - a cuja tipicidade interessa o resultado — condicionado à lesão do património de outrem, pelo facto de se pode falar em furto quando não há uma efectiva diminuição do património do lesado.
XXIV. Todos os bens foram recuperados como a Douta Sentença refere.
XXV. O valor patrimonial da coisa constitui um elemento implícito do tipo legal de crime de furto e a punição do crime de furto está relacionada com o valor do objecto subtraído.
XXVI. O valor da coisa furtada determina, quer a qualificação dos factos como de furto simples, de furto qualificado em 1 ° ou em 2° grau ou de furto simples por desqualificado, quer, as inerentes molduras penais abstractas.
XXVII. Assim para se afirmar o preenchimento das diversas previsões atinentes ao crime de furto, importa saber qual o valor do objecto subtraído para se incluir no valor elevado ou consideravelmente elevado ou diminuto e assim estar preenchido o tipo de furto qualificado, cm 1° e ou 2° grau (no caso de valor elevado ou consideravelmente elevado) ou perante um crime de furto simples (no caso de valor inferior a elevado ou quando existindo outras circunstâncias qualificativas, o valor for diminuto).
XXVIII. Donde, para a verificação do tipo legal de furto qualificado será ainda necessário, a acrescer aos elementos constitutivos do crime de furto simples, matriz, base, tipo, a verificação de uma qualquer das circunstâncias previstas no elenco do nº. 1 ou do n°. 2 do artigo 204° C Penal.
XXIX. Não há, nos autos, prova vinculada nem sequer, objectiva quanto ao valor dos objectos que os arguidos tinham intenção de apropriação.
XXX. Na verdade, desconhece-se o valor exacto dos bens que os arguidos pretendiam e poderiam subtrair, sabe-se apenas que são antigos, não usuais e de valor elevado, mas quanto ao seu valor exacto ou sequer aproximado não há provas mas sim meras suposições.
XXXI. A dúvida sobre se o valor exacto do objecto da tentativa de furto, porque se refere a um elemento de facto, tem de solucionar-se a favor do arguido, em obediência ao principio in dubio pro reo.
XXXII. Uma vez que se não logrou fazer a prova do valor concreto dos bens subtraídos, por aplicação directa do princípio in dubio pro reo, há que concluir que não podem os arguidos ser condenados pela prática do crime de furto qualificado, pelo nº 2 als. a) e e)do artigo 204° C Penal, que tem como pressuposto que o valor seja superior a 200 UC.
XXXIII. Daqui resultará, então, que os factos apurados são susceptíveis, tão só, de integrar a previsão do tipo legal de crime de furto qualificado p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203°/ 1 e 2 e 204°/ 1 alínea a) C Penal.
XXXIV. Pois não resulta dos autos e da audiência de julgamento, prova suficiente que permita concluir com certeza que os recorrentes incorreram na prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203°/ 1 e 2 e 204°/ 2 alínea a) e e) C Penal.
XXXV. Na determinação da medida concreta da pena e respectiva fundamentação, o Tribunal a quo não fundamentou suficientemente a sua decisão, nem esclarece o processo lógico-mental que motivou aquele concreta escolha da pena e respectiva dosimetria, numa clara violação do disposto no artigo 205°, n.° 1 e 32°. N.° 1 da Constituição da República Portuguesa.
XXXVI. Acresce que, o Tribunal a quo para além fundamentar insuficientemente a pena aplicada e o respectivo processo lógico-mental, também faz uma errada apreciação, atendendo a concreta personalidade dos arguidos, às suas condições de vida, à inexistência de antecedentes criminais no que se refere a B e D , e relativamente a A de tais registos já serem antigos, dos bens terem sido recuperados, ou seja,
XXXVII. O Douto Tribunal a quo não enquadrou devidamente os factos e todas as circunstâncias que depunham a favor dos arguidos , e que em concreto, de estarem bem inseridos na sociedade, de serem considerados trabalhadores, de terem colaborado com o Tribunal, de terem admitido o desvalor dos seus atos e a necessidade de adoptar um comportamento conforme o direito.
XXXVIII. Por tudo o exposto, entende-se que é desajustada e excessiva a pena imposta aos arguidos, não tendo sido observados os critérios de fixação da pena previstos nas normas dos artigos 40º, 71.º e 72º do Código Penal.
XXXIX. E tendo em conta o supra exposto, uma vez que se não logrou fazer a prova do valor concreto dos bens subtraídos, considerando que os mesmos bens foram recuperados,por aplicação directa do princípio in dubio pro reo, há que concluir que não podem os arguidos ser condenados pela prática do crime de furto qualificado, pelo nº 2 als. a) e e)do artigo 204° C Penal, mas antes, que os factos apurados são susceptíveis, tão só, de integrar a previsão do tipo legal de crime de furto qualificado p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203°/ 1 e 2 e 204°/ 1 alínea a) C Penal.
XL. Considera-se que a Douta Sentença recorrida violou e interpretou mal disposto nos artigos 204.°, n.º 2, al. a), do C. Penal, [quando devia ter interpretado essa norma, em face de não se ter apurado o valor exacto dos bens, mas tão somente serem bens de valor elevado, e consequentemente , como a prática, por parte dos recorrentes, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.° nº1 al.a) do C. Penal]
XLI. Assim, mostra-se adequada, proporcional e suficiente, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, como critério de escolha a melhor prossecução das finalidades da punição, no que importa atender ao disposto no artigo 40º do CP, a aplicação aos arguidos de uma pena de multa, ou caso assim não se considere,
XLII. Devem as penas aplicadas aos arguidos A( 4 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período), B(3 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período) e D(três anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução por igual período) serem consideradas excessivas e desproporcionadas, o que importa na sua substancial redução, com a inerente revogação do decidido, por erro de interpretação e aplicação do disposto nos artigos 204º nº2 als a) e e), 40º,41º 71º e 72º do CP.
XLIII. Por tudo o que supra se mencionou deverá ser revogada a douta Sentença, ora em crise, por violação das normas referidas e as demais que V. Exias suprirão, nomeadamente as contidas: - nos artigos 204°, n.° 2, al.a) e e) e os artigos 40°, n.° 1 e 2, 41°, 71°, n.° 1 e 2 e 72°, todos do Código Penal - Artº127º do C.Processo Penal, - e o principio in dubio pro reo, Preceituado no art. 32.°, n.° 2 da C.R.Portuguesa.
XLIV. O que se requer agora ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, concretamente é que:
a) Este alto Tribunal proceda à alteração da Sentença dando a matéria de facto indicada nos ponto 3, 4 e 8 (no que respeita ao valor dos bens )da decisão a quo, como não provada, e como tal considerar que não se verifica a circunstância agravante prevista nas al. a) e e)do n.º2 do art.º 204º do C. Penal , considerando que os factos apurados são susceptíveis, tão só, de integrar a previsão do tipo legal de crime de furto qualificado p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203°/ 1 e 2 e 204°/ 1 alínea a) C Penal.
b) E, consequentemente, anular a Sentença recorrida, no que respeita á pena aplicada aos recorrentes, optando pela aplicação de pena de multa, ou, caso assim não se entenda,
c) Devem as penas aplicadas aos arguidos A ( 4 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período), B(3 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período) e D(três anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução por igual período) serem consideradas excessivas e desproporcionadas, determinando-se a sua redução, aplicando-se uma pena de prisão mais leve, suspensa na sua execução.
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A Digna Procuradora-adjunta em 1ª instância respondeu ao recurso interposto, defendendo a improcedência do mesmo, com as seguintes conclusões:

1º– Por sentença, foi o arguido A condenado pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203º, nº 1 e 2 e 204º, nº 2, alínea a) e alínea e) do Código Penal na pena de 4 (quarto) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período subordinada à condição de o arguido, no prazo de 6 (seis) meses contados do trânsito em julgado da presente decisão, efectuar depósito à ordem do Tribunal da quantia de € 300 (trezentos euros) para posterior entrega aos Bombeiros Voluntarios do Cartaxo (artigos 50º, nºs 1 e 5 e 51º, nº 1, alínea c) Código Penal); o arguido B condenado pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203º, nº 1 e 2 e 204º, nº 2, alíneas a) e alínea e) do Código Penal na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada à condição de, no prazo de 6 (seis) meses contados do trânsito em julgado da presente decisão efectuar depósito à ordem do Tribunal da quantia de € 300 (trezentos euros) para posterior entrega aos Bombeiros Voluntarios do Cartaxo (artigos 50º, nºs 1 e 5 e 51º, nº 1, alínea c) Código Penal) e o arguido D condenado pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203º, nº 1 e 2 e 204º, nº 2, alínea a) e alínea e) do Código Penal na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada à condição de, no prazo de 6 (seis) meses contados do trânsito em julgado da presente decisão efectuar depósito à ordem do Tribunal da quantia de € 300 (trezentos euros) para posterior entrega aos Bombeiros Voluntários do Cartaxo (artigos 50º, nºs 1 e 5 e 51º, nº 1,alínea c) Código Penal).
2º- Não se conformando com a sobredita decisão, dela interpuseram recurso os arguidos.
3º- Por outro lado, e como é sobejamente conhecido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação (art. 412.º, n.º 1 do CPP). (vide Ac. do STJ de 09/10/2008, Proc. n.º 08B2794, (…) em cujo respectivo sumário se pode ler que “O Tribunal de recurso, afora as de conhecimento oficioso, não pode conhecer de questões que o recorrente não tenha levado às conclusões, mesmo que, no corpo alegatório, as tenha abordado”), pelo que, excepcionando a matéria de conhecimento oficioso, apenas as questões sumariadas naquelas conclusões cumpre apreciar pelo Tribunal ad quem (neste sentido também, vide Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol., 2.ª ed., Verbo, 2000, pág. 335).
4º- Conforme resulta das conclusões de recurso apresentado pelos arguidos, o seguinte:
5º- Referem os recorrentes que a sentença recorrida violou o disposto no artigo 410º, n.º 1 e 2, al. a) e c) do C.P.P. (insuficiência da matéria de facto dada como provada, bem como erro notório na apreciação da prova) e ainda os artigos 204º, n.º 2, al. a) e e) do C.P., 127º do C.P.P. (princípio da livre apreciação da prova) e 32º n.º2 da CRP(princípio in dúbio pro reu),
6º- Assim, entendem os recorrentes não ter sido efectuada uma apreciação criteriosa da prova no que toca ao crime imputado aos mesmos, tendo sido violados os artigos supra enunciados em 5º destas conclusões.
7º- Entendem ainda, os recorrentes, não ter sido efectuada uma apreciação criteriosa da prova no que toca à fixação da pena, pelo que, alegam que, o tribunal, para além de fundamentar insuficientemente a pena aplicada, também faz uma errada apreciação dos elementos de que dispunha para o estabelecer da medida da pena.
Entendendo os mesmos que as penas são desajustadas e excessivas, devendo antes ser substituídas por penas de multa ou, pelo menos, penas de prisão mais leves do que as aplicadas., suspensas na sua execução.
Pelo que entendem haver a violação do disposto nos artigos 40º, n.º 1 e 2, 41º, 71º, n.º 1 e 2 e 72º, todos do Código Penal.
8º- Ora, quanto aos factos dados como provados dos pontos 3, 4 e 8 da matéria de facto, entendemos tal consideração como bem ponderada e decidida , tendo em conta o depoimento da ofendida prestado em sede de audiência de discussão e julgamento, no qual foi mencionado o valor dos mesmos, de forma credível e isenta, tendo inclusive mencionado que tal valor resultava do factos daqueles bens serem antigos.
9º- Entendemos que a matéria de facto provada constante da douta sentença está devida e correctamente motivada, não se vislumbrando, assim, qualquer censura à mesma.
10º- Assim, mais não fez o Tribunal a quo, e bem em nosso entender, do que valorizar o depoimento prestado pela ofendida na audiência de julgamento, quanto ao valor dos referidos bens.
11º- Pelo que, entendemos que bem andou o Tribunal ao quo, ao condenar os arguidos, pela prática do crime furto qualificado pela alínea a) do n.º 2 do artigo 204º do CP.
12º- Tal como, pela qualificativa do n.º 2 do artigo 204º do C.P., uma vez que, atendendo à concatenação da prova constante dos autos, nomeadamente, documental e testemunhal em audiência, bem como das declarações dos próprios arguidos, apreciadas à luz de critérios de experiência e normalidade de vida, nos termos do disposto no artigo 127º do C.P.P., bem andou o Tribunal a quo ao considerar terem os arguidos/ora recorrentes partido a portada central que dá acesso à garagem da residência e logrado entrar no mesmo através de abertura de arames que fechavam tal portada.
13º- Assim, ao contrário do que alegam os recorrentes, o Tribunal a quo, não entendeu terem tais factos sido praticados por eles, apenas e só pelo facto do arguido A ser possuído de uma tesoura.
14º- O dito tribunal, o que analisou e ponderou, à luz de critérios de experiência e normalidade de vida, nos termos do disposto no artigo 127º do C.P.P., foi a conjugação de todas as provas supra enumeradas, considerando que os arguidos lograram introduzir-se em tais instalações, após partirem a dita portada central, para assim, retirarem e fazerem seus os mencionados objectos.
15º- Pelo que, não nos merece qualquer censura, bem pelo contrário, considerar como provados tais factos, fazendo-os subsumir à al. e) do n.º 2 do artigo 204º do C.P., como bem fez a Mme. Juiz na decisão que proferiu.
16º- Assim, o tribunal a quo bem andou ao considerar e dar como provado que os arguidos entraram no referido edifício após terem partido a portada central, enquadrando-se, assim, tais factos na al. e) do n.º 2 do artigo 204º do C.P. Bem como, bem andou o Tribunal a quo, ao considerar os valores enunciados pela ofendida, inquirida em sede de audiência de discussão e julgamento.
17º- Temos que a determinação da mesma é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (cfr. Artigo 71º nº 1). Por outras palavras, a prevenção geral positiva ou de integração é a finalidade primordial, entendida esta como reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança, face à violação da norma.
18º- A medida da necessidade da tutela de bens jurídicos terá que ser encontrada em concreto, segundo as circunstâncias do caso em análise e não em abstracto, já que o carácter abstracto dessa necessidade foi previamente definido pelo legislador penal ao determinar a moldura penal abstracta aplicável.
19º- Assim, o tribunal ponderou devidamente os critérios de determinação da medida concreta das penas, levando em consideração a culpa dos arguidos e das exigências de prevenção bem com todas as circunstâncias previstas no artigo 71º nº 2 do Código Penal.
20º- Inexistem dúvidas que os arguidos B e D há data dos factos não tinham quaisquer antecedentes, A, de tais registos já serem antigos, encontrando-se socialmente inseridos, pelo que não se mostram muito elevadas as necessidades de prevenção especial positiva ou de integração/socialização.
21º- Contudo, já o mesmo não se poderá dizer no que concerne às necessidades de prevenção geral, uma vez que estas se mostram elevadas, atendendo, ao tipo de ilícito em questão. Há assim fortes exigências de prevenção geral sendo que, em consequência, o mínimo de pena imprescindível ao restabelecimento da confiança colectiva na validade das normas violadas se situa acima do limite mínimo da moldura penal.
22º- Deste modo, tendo em conta o que supra se expendeu, às circunstâncias do caso que revelam uma culpa e ilicitude de graus elevado, entendemos ser ajustada e adequada as medidas das penas encontradas na decisão, não merecendo as mesmas qualquer censura.
Nestes termos, deverá ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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O Exmº Procurador-geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.
Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º n.º 2 do Código de Processo Penal.
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B - Fundamentação:
B.1.1 - O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos (entre outros que, de momento, não relevam):
1- No dia 3 de Fevereiro de 2013, os arguidos A, B e D, combinaram em comunhão de esforços e mediante um plano previamente estabelecido entre si, subtrair os objectos que se encontrassem no interior da Quinta (…), sito na (…), Aveiras de Cima, pertença de E, para se apropriarem dos mesmos.
2- Assim, pelas 02,00H horas desse dia, deslocaram-se apeados ao local e acederam ao interior de tal quinta através do portão que se encontrava aberto.
3- Após, os arguidos lograram partir a portada central que dá acesso a uma garagem pertencente á residência, tendo entrado no mesmo através da abertura dos arames que fechavam tal portada, de livre acesso pelo exterior.
4- De seguida, retiraram do interior da garagem um coche com o valor de €100.000,00, contendo no seu interior diverso material de coudelaria de valor não apurado.
5- Após, abandonaram o referido local apropriando-se de tais objectos pertença da ofendida.
6- Mais tarde, A contactou com C a solicitar a presença deste na Quinta (…) com a sua viatura e o semi-reboque propriedades deste, A.
7- Após, os arguidos, A, B e D, voltaram novamente á Quinta (…), em Aveiras de Cima, para o mesmo local onde se tinha deslocado C fazendo uso da viatura marca Mercedes e do semi-reboque.
8- Naquele local, entraram na garagem, supra aludida, tendo retirado do seu interior os seguintes objectos pertença da ofendida: -Uma charrete com o valor de €50.000,00, -uma cadeira em palhinha, -dois tabuleiros de madeira em mogno e pegas de metal com o valor de €10,00 cada um, -um candeeiro de valor não concretamente apurado, -uma balança em ferro, -quatro varais em madeira, -duas selas, -dois forros de varais, -uma coelheira, -uma base de banco, -três estribos, -dez correias em cabedal
9- De seguida, os arguidos colocaram os aludidos objectos no semi-reboque visando a apropriação dos mesmos.
10- Contudo, quando se preparavam para sair da referida Quinta, os arguidos foram surpreendidos por militares da GNR que ali se deslocaram, tendo sido detidos.
11- Os arguidos A, B e D, autuaram livre deliberada e conscientemente em conjugação de esforços e propósitos e lograram aceder ao interior da Quinta e da garagem da residência pertença da ofendida, E, tendo para o efeito aberto os arames que fechavam a porta central do mesmo e fizeram-no com intenção de se apropriarem dos objectos que se encontravam no interior de tal garagem fazendo-os seus tendo logrado a apropriação do coche no valor de cem mil euros que ali se encontrava.
12- Agiram também com intenção de fazer seus os demais objectos que se encontram no interior da garagem da residência da ofendida e descritos em 8 onde actuaram em conjugação de esforços e termos com C que atuou igualmente de forma livre, deliberada e consciente e com intenção de fazer seus os referidos objectos desiderato que apenas não lograram alcançar por razões estranhas á sua vontade dado a intervenção dos militares da GNR que os impediram.
13- (…)
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B.1.2 - E como não provados os seguintes factos:
a) - C tenha participado ou tomado conhecimento dos factos dados como provados em 1 a 5.
b) - Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 2 dos factos provados, os arguidos deslocaram-se ao referido local utilizando para o efeito a viatura de marca Mercedes e matricula (…) á qual se encontrava acoplado um semi-reboque sem matrícula.
c) - Colocaram o coche referido em 4 no interior do semi- reboque.
d) - Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 8 os arguidos retiraram do interior do salão um coche.
e) - A charrete referida em 8 tem o valor de €70.000,00.
f) - Os dois tabuleiros referidos em 8 tem o valor de €500,00.
g) - O candeeiro referido em 8 tem o valor de €1.500,00.
h) - O valor global dos bens referidos em 8 ascende a €202.500,00
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Cumpre conhecer.
B.2 - O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência, ou não, dos vícios indicados no art. 410°, n.° 2, do Código de Processo Penal de acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95.
O recorrente suscita as seguintes questões nas suas longas conclusões:
Os vícios de facto previstos no 410º, n.º 1 e 2, al. a) e c) do C.P.P., supostamente a insuficiência da matéria de facto dada como provada para a decisão, bem como erro notório na apreciação da prova.
Associa a estes dois vícios a errada subsunção ao tipo penal contido no artigo 204º, n.º 2, al. a) e e) do C.P., a violação do princípio da livre apreciação da prova (artigo 127º do C.P.P.) e do princípio in dubio pro reo (artigo 32º n.º2 da Constituição da República Portuguesa);
E isto por se terem dado como provados os factos que permitem a qualificação do crime de furto, o facto de os recorrentes terem partido o portão central que dá acesso a uma garagem pertencente à residência, tendo entrado no mesmo através da abertura dos arames que fechavam tal portada, de livre acesso pelo exterior e o dar como provados os valores do coche e da charrete, ou seja, os pontos 3, 4 e 8 da matéria de facto.
Por fim suscita a questão das medidas concretas das penas de prisão impostas.
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B.3.1 – Quanto à primeira questão, é sabido que o recurso de facto nos apresenta duas vias de invocação: (1) invocação dos vícios da revista alargada (410º, nº 2 do Código de Processo Penal) por simples referência ao texto da decisão recorrida; (2) alegação de erros de julgamento por invocação de prova produzida e erroneamente apreciada pelo tribunal recorrido, que imponham diversa apreciação.
Se no primeiro caso ao recorrente se pede, apenas, a sua alegação, aliás, não essencial, já que de conhecimento oficioso (pois que são os vícios extremos, em absoluto não tolerados pela ordem jurídica), já no segundo caso se impõe ao recorrente o cumprimento do ónus de impugnação especificada contido nos números 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal.
Isto é, se o recorrente pretende invocar vícios de facto para além da simples narrativa judicial e fazer apelo a outros elementos de prova, aí já terá que cumprir o seu ónus de impugnação especificada.
Ora, o recorrente denota a pretensão à invocação de dois vícios de revista alargada, a insuficiência factual e o erro notório na apreciação da prova.
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B.3.2 – Quer-nos parecer que o primeiro vício invocado não ocorre.
De facto o conceito de “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” não tem o significado que os recorrentes lhe assacam, já que não significa a “insuficiência de prova para dar como assente determinada matéria de facto”.
Já se afirmava no acórdão do STJ de 11-11-1998 (Proc 98P1093 – Cons. Leonardo Dias) que:
I - A insuficiência a que se refere o artigo 410, n. 2, alínea a), do C.P.Penal é a que decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa e que sejam relevantes para a decisão, ou seja, é aquela que resulta da circunstância de o tribunal julgador não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão.
II - Logo, o mencionado vício não tem nada a ver, nem com a insuficiência da prova produzida, nem com a insuficiência dos factos provados para a decisão de direito proferida.

Mais recentemente o STJ tem sido claro na delimitação dos contornos de tal conceito, reservando-o para os casos em que “o tribunal recorrido não esgotou como devia o objecto do processo, assim deixando a matéria de facto exposta ao vício de insuficiência a que alude o artigo 410.º, n.º 2, a), do Código de Processo Penal” – acórdão do STJ 15-03-2007 (Cons. Pereira Madeira – Proc. 07P648)
E fê-lo de forma a não deixar espaço à confusão entre os dois conceitos, de que também é exemplo o acórdão de 21-06-2007 (Cons. Simas Santos, proc. 07P2268), este no sentido de afirmar a “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” como a “insuficiência que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão, que constituam o objecto da discussão da causa, ou seja os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia, segundo o art. 339.º, n.º 4 do Código de Processo Penal”. Na verdade, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre quando, da factualidade vertida na decisão em recurso, se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição e decorre da circunstância do tribunal não ter dado como provados ou não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão; daí que aquela alínea se refira à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º), que é insindicável em reexame da matéria de direito”.
Ou seja, a insuficiência é de factos, não de prova.
O cerne da alegação do recorrente assenta na ideia de que o tribunal não podia dar como provada a matéria de facto por, no seu entender a prova ser insuficiente.
Não há, portanto, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
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B.3.3 – “Erro notório na apreciação da prova” é o que é evidente para qualquer indivíduo de médio discernimento e deve resultar do texto da sentença conjugado com as regras da experiência comum.
Nos termos expressivos do acórdão do STJ de 12-11-1998, o erro na apreciação da prova só pode resultar de se ter dado como provado algo que notoriamente está errado «que não pode ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, sendo o erro de interpretação detectável por qualquer pessoa.» (BMJ 481-325).
«Erro notório na apreciação da prova é aquele de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta.» (Ac. STJ, de 9.12.98, BMJ 482 - 68).
Ocorrerá esse vício no caso em apreço?
Parece-nos evidente a resposta afirmativa por mera leitura (e audição) da decisão recorrida.
De facto, é patente que dois factos que permitem a qualificação jurídica revelam vícios de conhecimento oficioso, sendo que o erro notório ocorre quanto ao valor dos bens, designadamente do coche e da charrete.
Para dar como provados esses valores o tribunal recorrido socorreu-se de prova testemunhal da ofendida quando se impunha a realização de exame nos termos definidos no artigo 171º do C.P.P.
Ou seja, os bens objecto de furto e de tentativa de furto deveriam ter sido “avaliados” no decurso da realização de um “exame” que os descrevesse fisicamente e concluísse pelo seu valor para efeitos de integração jurídica.
Aliás, tal “exame” (com avaliação) impunha-se ter sido realizado em inquérito, pois que a dedução da acusação pela prática de “tipos” penais qualificados também nos surge sem prova bastante que a sustente indiciariamente.
E repete-se aqui o que se afirma a propósito de perícias. Apesar da liberdade de prova e da liberdade de apreciação da prova, os meios de prova previstos pelo C.P.P. devem ser utilizados de forma vinculada, isto é, devem ter-se como obrigatórios em termos de necessidade e credibilidade probatória, quando a situação de facto o exige. [1]
E aqui exige a realização de exame com avaliação já que esse é o meio de prova mais adequado para a prova de factos – valores – essenciais à subsunção jurídica, é uma necessidade que não pode ser substituída por “declarações” da ofendida.
Desta forma, a convicção judicial é, no caso concreto, criticável em sede de erro de apreciação factual.
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B.3.3 – Mas há mais. Há contradição insanável entre factos provados.
A contradição insanável na fundamentação sobre matéria de facto pode desdobrar-se em várias hipóteses: contradição entre factos provados que mutuamente se excluem numa versão lógica da “história”; contradição entre factos provados e factos não provados que conduzem à indeterminação quanto à verdade judicial que pretendia ser narrada por esses factos; contradição entre os factos (dados como provados e não provados) e razões contraditórias constantes da fundamentação que deixam dúvida inultrapassável sobre o acerto da convicção factual do tribunal recorrido e que não permitem o julgamento da causa.
No caso sub iudicio foi dado como provado no ponto 3 dos factos considerados provados que “ … os arguidos lograram partir a portada central que dá acesso a uma garagem pertencente à residência” e, depois mas no mesmo facto, é dado como provado que os arguidos entraram “ … no mesmo através da abertura dos arames que fechavam tal portada, de livre acesso pelo exterior”.
Daqui parece-nos ser evidente que o lograr “partir a portada” se encontra em contradição não só com o “livre acesso pelo exterior”, como com a simples “abertura dos arames”. Estes dois factos não podem subsistir com o “partir a portada”.
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Estes dois vícios impõem o reenvio dos autos com dois objectivos: a realização de exame e avaliação dos objectos furtados, o que abrange os factos dados como provados em 4) e 8) e o esclarecimento cabal da matéria de facto dada como provada em 3).
É por demais evidente que esta conclusão, tornando inútil a apreciação da violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo, prejudica por ora a apreciação relativa à medida das penas.
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C - Dispositivo
Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto e, em consequência, determinam o reenvio parcial dos autos – nos termos do artigo 426º, n. 1 do C.P.P. – para conhecer, nos termos sobreditos, dos factos dados como provados em 3), 4) e 8).
Sem tributação.
(elaborado e revisto pelo relator antes de assinado).

Évora, 21 de Outubro de 2014

João Gomes de Sousa
Felisberto Proença da Costa

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[1] - “A prova pericial não é facultativa, mas obrigatória como resulta do artigo 151° do Código Penal” – Acórdão da Relação de Guimarães de 25-02-2008 – Desembargador Cruz Bucho.