Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
110356/17.4YIPRT.E1
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
CUMPRIMENTO
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 02/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
1. A presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão, como flui do art.º 313.º do C. Civil.
2. Nos termos do art.º 314.º do C. Civil, essa confissão poder expressa ou tácita: a primeira consiste em o devedor declarar que não pagou; a segunda deduz-se de certos comportamentos que o devedor tome em juízo: recusar-se a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou praticar atos incompatíveis com a prescrição.
3. Invocando o réu a prescrição presuntiva, inverte-se o ónus da prova, competindo ao autor ilidir a presunção, por confissão do devedor, de que o pagamento da dívida não ocorreu – art.º 344.º/1 do C. Civil.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora
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I. Relatório.
BB, residente em Bairro …, Avis, instaurou procedimento especial de injunção contra CC, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de €7.048,74, sendo a quantia de €5.402,16 a título de capital e €1.646,58 e 76,50 € a título de juros de mora.
Alegou dedicar-se á atividade de fornecimento e preparação de refeições e bebidas, no âmbito desta atividade forneceu refeições descritas nas faturas que enunciou, datadas de 1 de julho de 2013, perfazendo o total de €5. 402,16, que a requerida se obrigou a pagar, em 30 dias, e não o fez até á presente data.
O Réu foi citado e apresentou contestação, alegando o pagamento e a prescrição da dívida, nos termos do disposto no artigo 316.º e 317.º do Código Civil.
Os autos foram distribuídos como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias regulada no Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.09.
Realizado o julgamento, foi proferida a competente sentença, que julgou a ação totalmente improcedente e absolveu a ré do pedido.
Inconformado com esta sentença veio o autor interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. O recorrente vem sindicar a decisão de procedência da exceção da verificação
a existência da exceção da prescrição contida no artigo 316.º do Código Civil, proferida no douto despacho proferido em 26.02.2018, com a referência 28539987, com a consequente inversão do ónus da prova.
2. Consta expressamente do despacho recorrido proferido pela Mma. Juiz do Tribunal a quo que “(…) entende o Tribunal que no caso concreto o Réu, apesar de não ter alegado expressamente que a quantia se encontra paga, na medida em que consta do articulado apresentado pelo Réu, que “as mesmas terão sido pagas”(…)”
3. O réu em momento algum alegou expressamente que pagou, o que se impunha, uma vez a prescrição invocada, do artigo 316.º do C.C., se fundam na presunção de cumprimento, conforme dispõe ao artigo 312.º C.C.
4. Neste tipo de prescrição não basta invocar a prescrição, sendo ainda necessário que o réu alegue expressamente o pagamento, ainda que não tenha de o provar, ou pelo menos não pode alegar factualidade incompatível com a presunção de pagamento, sob pena de ilidir a presunção, o que não aconteceu.
5. Invocada prescrição presuntiva, constante do artigo 316.º da C.C., quem a invoca, para que de tal possa beneficiar, terá de produzir afirmação clara de que o pagamento reclamado já foi efetivamente feito.
6. O despacho que considerou verificada a existência da prescrição presuntiva é nulo, por erro na aplicação do direito, com violação das normas jurídicas contemplada nos artigos 312.º e 316.º do Código Civil.
7. Consequentemente impõe-se a substituição da decisão proferida, por decisão que considere não verificada a exceção da prescrição do artigo 316.º do Código Civil, e consequentemente, a não inversão do ónus da prova, conforme consta dos artigos 18.º, 19.º e 23.º da oposição apresentada pelo recorrido.
8. Acresce que, consta da fundamentação da douta sentença recorrida, nos factos provados que: 1. O Autor forneceu ao Réu dois jantares, descritos nas faturas n.ºs 21 e 22, datadas de 01.07.2013. 2. A dívida em causa venceu-se a 31.07.2013. 3. O Autor instou os representantes do Réu para procederem ao pagamento dos valores em dívida, no total de €5.402,16. (…)”
9. Pelo que, tendo ficado provado o fornecimento dos bens e serviços constantes das faturas, a data do vencimento das mesmas, e não havendo inversão do ónus da prova em virtude da não verificação da exceção da prescrição presuntiva, cabia aos réus provar que pagaram, o que não lograram fazer, deverá a decisão proferida ser revogada.
10. Considera ainda o recorrente que ainda que se considerasse verificada a exceção da prescrição presuntiva, com a inversão do ónus da prova, sempre se deverá dar como provado que o réu não pagou, facto não provado na douta sentença recorrida. (Facto 1).
11. Considera o recorrente que dos depoimentos dos legais representantes apesar de não existir uma confissão expressa, referiram factos incompatíveis com a presunção de pagamento.
12. Mais, os referidos depoimentos conjugados com a ausência da junção dos recibos de quitação referente aos valores constantes e canhotos dos cheques como foi ordenado pelo Tribunal a quo prova que não existiu pagamento.
13. Em 13.03.2018 foi pela Mma. Juiz do Tribunal a quo proferido despacho com a referência 28572090 no qual, determinou a notificação do Réu para apresentar: - o registo do e-fatura reportado à data da emissão das faturas; - cópia da declaração modelo 22 de IRC referente ao ano de 2013, ou, - em alternativa, certidão comprovativa emitida pelo serviço de Finanças comprovativa de que o Réu não tem e-fatura e não apresentou modelo 22 de IRC referente ao ano de 2013.”
14. O réu não juntou quaisquer documentos, alegando não ter os mesmos por não ser obrigatório ter contabilidade organizada, por ser uma associação.
15. Posteriormente, já em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 27.06.2018, e na sequência do depoimento de parte do Presidente Joaquim …, da secretária Vera e da tesoureira Telma foi proferido o seguinte despacho pela Mma. Juiz do Tribunal a quo que consta da ata com a referência 28810887, determinando a notificação da Ré para em 10 dias juntar todos os recibos comprovativos que tenha em sua posse e que respeitam às faturas descritas no documento de fls. 52. -
16. Por requerimento datado de 09.07.2018, com a referência 29653018 o réu junta vários recibos comprovativos do pagamento de várias faturas ao autor, sendo que quanto às faturas em discussão nos autos, não junta qualquer recibo.
17. É o autor através do requerimento datado de 17.09.2018, com a referência 30108768 que junta aos autos: comprovativo de entrega da declaração de IVA-via internet do trimestre 2013/09; comprovativo retirado do portal das finanças dos totais mensais das faturas referentes ao ano de 2013 e ainda comprovativo da autoliquidação do IVA do trimestre em referência e ainda os originais dos recibos referentes às faturas em causa nos autos.
Nenhum dos representantes do réu disse expressamente que as faturas foram pagas, como também não disseram expressamente e de forma inequívoca que não estavam pagas, mas de facto existe factualidade incompatível com a presunção de pagamento, e que impõe a revogação da decisão recorrida.
18. Joaquim … “Depoimento gravado em 20180627102527_1020308_2871427 com inicio às 10:46:35 e fim às 10:55.05” minutos
03: a 04:25 , Minutos de 10:40 a 10:54 e 12:09 a 12:17 confirma que o que sabe é o que estava na ata de tomada de posse, mas que tudo o que se paga tem de ter obrigatoriamente recibo, e o que não está pago o réu não tem o recibo.
19. Por sua vez, Telma … “Depoimento gravado em 20180627111334_1020308_2871427 com inicio às 11:13:36 e fim às 11:24::09 Minutos 01:41 a 02:48 refere que quando tomaram posse não tinham conhecimento nem de dívida nem de fatura, portanto consideraram paga por não terem esse conhecimento.
20. Questionada a secretária da Direção sobre a forma como processam o pagamento dos serviços e bens que o réu adquire, a mesma refere que é emitida fatura, o réu paga em cheque e é entregue o recibo comprovativo do pagamento ao réu - Minutos 08:37 a 08:52
21. Finalmente, Vera … “Depoimento gravado em 20180627112442_1020308_2871427 com inicio às 11:24:43 E fim às 11:42:38 ” Minutos 01: 52 a 02:47 refere expressamente que relativamente a estas faturas, a estes fornecimentos não tem conhecimento nenhum.
22. Confrontada com o documento impresso do portal das finanças do e-fatura, e no qual consta o registo das faturas emitidas pelo autor ao réu, durante os anos de 2013 a 2016, e onde constam também as faturas reclamadas pelo autor, aqui recorrente, a tesoureira da Direção do réu afirma expressamente que se as faturas constam desse registo é porque existem - Minutos 10:33 a 10:39
23. Quanto ao pagamento das faturas, a tesoureira da Direção confirma que terá o réu terá de ter o recibo e ou cheque comprovativo do pagamento - Minutos 13:41 a 14:18 e Minutos 17: 18 a 17:46
24. Conforme despacho proferido em 27.06.2018 e constante na ata de audiência
de discussão e julgamento com a referência 28810887 o Tribunal a quo ordenou a junção dos referidos canhotos dos cheque, enquadrando tal pedido do recorrente no disposto no 429.º, n.º 1, do Código de Processo Civil ou seja pretende o Autor provar como lhe compete que o não pagamento das faturas em causa através de documento em poder da parte contrária, não consistindo o requerido numa inversão ao já decidido quanto ao ónus da prova nos presentes autos.
25. Sucede que o réu apesar de juntar vários canhotos de cheques de outros pagamentos feitos ao autor, de facto, os canhotos dos cheques referentes aos pagamentos das quantias constantes das faturas em discussão, não foram juntos.
26. Considera o recorrente que se impõe, pois, considerar o facto não provado em
1. Como facto provado, isto é que o réu não pagou.
27. Consequentemente, deve a decisão recorrida ser revogada, e substituída por outra que condene o réu a pagar as quantias peticionadas pelo autor.
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Não foram juntas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor, constata-se que as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a) Se a matéria de facto deve ser alterada no sentido pretendido.
b) Se ocorreu a prescrição presuntiva do direito ao crédito reclamado.
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III. Fundamentação fáctico-jurídica.
1. Matéria de facto.
Na decisão recorrida foi considerada assente a seguinte factualidade, que se mantém:
1. O Autor forneceu ao Réu dois jantares, descritos nas faturas n.ºs 21 e 22, datadas de 01.07.2013.
2. A dívida em causa venceu-se a 31.07.2013.

3. O Autor instou os representantes do Réu para procederem ao pagamento dos valores em dívida, no total de €5.402,16.

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2. Factos não provados
O Tribunal a quo deu como não provados os factos seguintes:
a) O Réu não procedeu ao pagamento da quantia referida no ponto 3. da matéria de facto provada.
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3. Reapreciação da matéria de facto.
A recorrente discorda da matéria de facto que foi dada como não provada, pretendendo que se considere provado que “O Réu não procedeu ao pagamento da quantia referida no ponto 3”, tendo em conta os depoimentos de Joaquim …, que confirmou saber apenas o que estava na ata de tomada de posse, mas que tudo o que se paga tem de ter obrigatoriamente recibo, e o que não está pago o réu não tem o recibo; de Telma …, a qual referiu que quando tomaram posse não tinham conhecimento nem de dívida nem de fatura, pelo que a consideraram paga por não terem esse conhecimento; e Vera …, que disse expressamente que relativamente a estas faturas e estes fornecimentos não tem conhecimento nenhum.
Porém, tal pretensão não pode ser atendida.
Na verdade, importa atender que na distribuição do ónus da prova subjetivo, àquele que invoque um direito compete fazer a prova dos factos constitutivos desse direito, competindo à parte contrária a invocação e prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado, sendo que em caso de dúvida os factos devem ser considerados constitutivos – art.º 342.º do C. Civil.
Decorrentemente, para fazer valer o seu direito de crédito, referente ao fornecimento das refeições ao réu, compete ao Autor, enquanto credor, alegar e provar como factos constitutivos do seu direito de crédito, a existência do contrato de venda das refeições mencionadas nas faturas e a sua entrega ao réu, bem como o prazo acordado para o seu pagamento ( art.º 342.º/1 do C. Civil).
Ao Réu competia, enquanto devedor, a prova dos factos modificativos, impeditivos ou extintivos desse direito de crédito, mais concretamente o pagamento dessas refeições - art.º 342, n.º2, do C. Civil.
Todavia, o réu, na sua oposição, invocou a prescrição presuntiva de cumprimento, nos termos dos art.ºs 316.º e 317.º, alegando que a sua razão de ser “ é a de proteger o devedor contra a dificuldade da prova do pagamento e tem em vista as dívidas que, de acordo com as regras da experiência comum, se pagam em curtos prazos, sem que o devedor exija documento de quitação (…)” – cf. art.º 20.º da oposição.
E mais alegou que essa dívida teria sido paga, porque não tinham conhecimento da sua existência quanto tomaram posse dos corpos dirigentes, nem estava na lista dos credores, pois a existir teria de constar dessa lista.
Ora, decorre do art.º 317.º, al. b) do C. Civil, que o crédito decorrente do fornecimento das refeições em causa prescreve no prazo de dois anos.
Este preceito legal reporta-se à prescrição presuntiva do pagamento do crédito, ou seja, o devedor beneficia da presunção do cumprimento, no caso, do pagamento dos bens fornecidos e descritos nas duas faturas em causa ( art.º 312.º do C. C).
E flui expressamente do art.º 313.º que “A presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão”.
E acrescenta o art.º 314.º, sob a epígrafe “Confissão tácita” que “Considera-se confessada a dívida, se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou praticar em juízo atos incompatíveis com a presunção de cumprimento”.
E beneficiando o réu de presunção legal de cumprimento, inverte-se o ónus da prova, competindo ao autor demonstrar a existência da dívida, isto é, ilidir essa presunção mediante a prova, por confissão do devedor, de que esse cumprimento não ocorreu ( cf. Mário Júlio de Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 12.ª edição, pág. 1026.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4.ª edição, em anotação ao art.º 313.º do C. C., “Visando as prescrições presuntivas (…) conferir proteção ao devedor que paga um dívida e dela não exige ou não guarda quitação, não podia admitir-se que o credor contrariasse a presunção de pagamento com quaisquer meios de prova. Exige-se, por isso, que os meios de prova do não-pagamento provenham do devedor”.
E acrescentam, “Admite-se, para afastar a presunção de cumprimento, quer a confissão judicial, quer a extrajudicial”.
Citando L. A. Carvalho Fernandes, “ Teoria Geral do Direito Civil”, 1983, 2.º, pág. 557, “A confissão judicial pode ser expressa ou tácita. A primeira consiste em o devedor declarar que não pagou; a segunda deduz-se de certos comportamentos que o devedor tome em juízo e que não se mostrem compatíveis com a prescrição”.
Também José Carlos Brandão Proença, in “Lições de Cumprimento e Não Cumprimento de Obrigações” Coimbra Editora, 2011, pág.91/92, afirma que “ o credor pode ilidir a presunção (de cumprimento) através da confissão extrajudicial escrita ou judicial (mesmo tácita) do devedor originário ou do seu sucessor mortis causa”. E, usando as suas palavras , sublinha: “Invocada a prescrição presuntiva gera-se um efeito extintivo mas de mera presunção de cumprimento (…). Como se trata de casos em que o devedor não possui prova documental do cumprimento, a presunção liberta-o dessa prova, mas não da sua invocação nos termos do art.º 303.º”[1].
Ora, a respeito da não demostração, por banda do autor, do não pagamento da dívida, ilidindo a presunção de cumprimento, exarou-se na decisão recorrida:
No que respeita à factualidade dada como não provada, constante do ponto 1., relativamente à falta de pagamento do preço, por parte do Réu, entendeu-a dessa forma o Tribunal por considerar que não realizou o Autor a prova de tal falta, pela única forma possível, confissão do devedor.
De facto, tendo prestado depoimento de parte Joaquim …, Telma … e Vera …, inexistiram por parte destes representantes do Réu qualquer admissão do não pagamento, ao Autor, das quantias em dívida.
Efetivamente, não só inexistiu uma confissão expressa, como não se verificou uma recusa em depor ou, tão pouco, foi alegada factualidade incompatível com a presunção de pagamento”.
Para daí se concluir:
Compulsados os autos, verifica-se que resultou demonstrado a prestação dos serviços parte do Autor, correspondentes aos montantes peticionados e cuja prova a si competia, atenta a falta de impugnação do Réu.
No entanto, e como supra referido, cabia ao Autor provar o não pagamento, pelo Réu, das quantias peticionadas, estabelecendo os artigos 313.º e 314.º as formas de iludir a presunção de prescrição, estabelecida no artigo 312.º, todos do Código Civil.
Não ocorreu, não caso em apreço, confissão do Réu, seja expressa ou tácita, pelo que, não se tendo provado a falta de pagamento das referidas quantias, sendo tal pagamento presumido pelo funcionamento da prescrição, terá necessariamente de improceder a presente ação, por funcionamento da prescrição”.
Assim, não podemos de deixar de acompanhar este raciocínio, face ao citado regime jurídico da prescrição presuntiva, pois o autor não ilidiu essa presunção de cumprimento, pelas únicas formas legalmente admissíveis (confissão), sendo que a prescrição foi invocada pelo réu na sua contestação, afirmando ter sido efetuado o pagamento (art.º 19.º da contestação).
Na realidade, sendo o réu uma pessoa coletiva, o seu representante afirmou quando tomou posse a nova direção e a cessante prestou contas e deu a conhecer as dívidas existentes, não constavam as do autor e que tais faturas terão sido pagas por não constarem do passivo e lista de credores, pois se assim não fosse teriam de constar da lista de credores ( artigos 18.º, 19.º e 21.º).
Perante estas afirmações, não pode suscitar dúvidas que o réu invocou claramente esse pagamento.
E como se reafirma no Acórdão do STJ de 22/02/2004, CJ/STJ, 2004, T-II, pág. 41, “Para poder beneficiar de prescrição presuntiva, o réu não poderá negar os factos constitutivos do direito de crédito contra ele arguido. Para poder beneficiar da invocada prescrição presuntiva, o demandado terá de afirmar claramente que o pagamento reclamado já foi efetivamente feito. Essa afirmação, por conseguinte, não pode considerar-se necessariamente implícita na simples invocação da prescrição”.
Resumindo, não ocorrendo confissão judicial expressa ou tácita, por banda do réu, de não ter sido pago o crédito reclamado, pois não se recusou a depor, ou a prestar juramento, nem praticou em juízo atos incompatíveis com a presunção de cumprimento, não pode dar-se como assente esse não pagamento.
Daí ter de improceder a pretendida alteração.
Resumindo, nenhuma censura merece a decisão recorrida quanto á matéria de facto, que se mantém.
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4. O Direito.
A impugnação judicial assentou no pressuposto de se terem provado os factos que demonstram o direito de crédito da autora sobre o réu, o qual não foi pago, apesar do decurso do prazo de prescrição presuntiva.
O recorrente não coloca em causa a análise jurídica feita na decisão, assente nos factos fixados, ou seja, o recurso não versa sobre eventual erro no direito aplicável aos factos dados como assentes, mas por serem os mesmos distintos, ou seja, por não se considerar assente o não pagamento do crédito invocado.
Improcedendo a pretendida alteração sobre a matéria de facto terá de improceder o presente recurso, pois não demonstrou o recorrente, como lhe competia, os factos constitutivos do direito de crédito – art.ºs 342.º/1, do C. Civil.
Vencido no recurso, suportará o apelante as custas respetivas – art.º 527.º/1 do C. P. C.
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IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
1. A presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão, como flui do art.º 313.º do C. Civil.
2. Nos termos do art.º 314.º do C. Civil, essa confissão poder expressa ou tácita: a primeira consiste em o devedor declarar que não pagou; a segunda deduz-se de certos comportamentos que o devedor tome em juízo: recusar-se a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou praticar atos incompatíveis com a prescrição.
3. Invocando o réu a prescrição presuntiva, inverte-se o ónus da prova, competindo ao autor ilidir a presunção, por confissão do devedor, de que o pagamento da dívida não ocorreu – art.º 344.º/1 do C. Civil.
***
IV. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.
Custas da apelação pelo recorrente.

Évora, 2018/02/28
Tomé Ramião
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro

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[1] Assim também ensina Pedro Pais de Vasconcelos, in “Teoria Geral de Direito Civil”, Almedina, 2005, 3.ª edição, págs. 758/759, de que “A ratio legis é clara: passado certo tempo sem o credor exigir o cumprimento, presume-se que o devedor já cumpriu”, e que se trata de uma presunção ilidível em que o credor pode alegar e demostrar que o devedor não cumpriu, mas neste caso “a lei é fortemente restritiva no que concerne à prova admitida para a ilisão da presunção: só pode ser contrariada por confissão do devedor originário (…)”.