Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | SÉRGIO ABRANTES MENDES | ||
Descritores: | AVERIGUAÇÃO OFICIOSA DE PATERNIDADE CADUCIDADE DO DIREITO IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA PATERNIDADE | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 09/08/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I – O prazo fixado no nº 2 do Art.º 1841º do CC, para se requer a averiguação oficiosa da paternidade, com vista à impugnação da paternidade registada, é um prazo de caducidade. II – O seu decurso impede que o MP possa tomar iniciativa de intentar a acção de impugnação de paternidade, por falta de legitimidade substantiva. III- O estabelecimento daquele prazo não contende com o princípio constitucional do “direito à identidade pessoal”, consagrado no n.º 1 do artigo 26º da Constituição ou outro, porquanto o seu decurso não preclude o direito do interessado vir a impugnar judicialmente a paternidade registada. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora No Tribunal de Família e Menores da comarca de Portimão, J……… veio interpor recurso do despacho de indeferimento liminar de requerimento inicial apresentado nos termos do disposto nos art. 202.º da OTM e 1841.º do Código Civil (requerimento para averiguação oficiosa com vista à impugnação da paternidade das menores B……………. e S…………………), indeferimento esse alicerçado no entendimento de que, face ao disposto no art. 1841.º n. 2 do CCivil, já havia decorrido o prazo de 60 dias a contar da data em que a paternidade das referidas menores se acha registada. Admitido o recurso, o recurso o recorrente produziria as competentes alegações em cujas conclusões sustenta: 1.0 A Mma. Juiz do tribunal "a quo” na sua douta decisão, considerou o pedido de averiguação oficiosa para impugnação da paternidade das menores B…………. e S………….., deduzido pelo recorrente corno extemporâneo, em virtude do prazo legal (60 dias) concedido pelo disposto no art. 1841.º, n.º 2 do CC há muito se considerar ultrapassado, tendo em conta as datas dos registos de nascimento das menores (14.08.2001 e 23.09.2004) e a data em que o presente requerimento deu entrada em juízo (25.01.2010) pelo recorrente. 2.2 O recorrente J………………, instaurou a presente acção de averiguação oficiosa para impugnação da paternidade, alegando ser o pai das menores B……………….. e S………………., em virtude de ter-lhe sido dito recentemente pela mãe das menores há cerca de 8 ou 9 meses atrás de que as mesmas não são filhas biológicas do A……………………., mas sim do ora recorrente. 3.º O recorrente face ao que lhe foi relatado por parte da mãe das menores, veio no intuito de pôr fim a toda a esta suspeição e consequente incerteza, deduzir a acção para averiguação oficiosa para impugnação da paternidade, nos termos do disposto nos arts. 1841.°, n.º 2 do CC e 202.º e segs. da OTM. 4.º Actualmente, não existe prazo de caducidade para a investigação da paternidade (Acórdãos do Tribunal Constitucional de 10 de Janeiro de 2006, publicado no Diário da República de 8 de Fevereiro de 2006, I série, e do STJ de 17 de Abril de 2008, in www.dgsi.pt). 5.º Quem se declarar pai biológico do filho beneficia do prazo de sessenta dias a contar da data em que a paternidade do marido da mãe conste do registo (art. 1841.º, n.? 2 do CC). 6.º O tribunal recorrido ao rejeitar o requerimento inicial para a acção de averiguação oficiosa para impugnação da paternidade por se encontrar excedido o prazo de sessenta dias que o requerente J……………….. tinha para interpô-la, acabou por não lhe reconhecer, em termos definitivos, o direito constitucional ao desenvolvimento da personalidade, "na dimensão de um direito de autoconformação da identidade" (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 473/07, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 18 de Janeiro de 2008), ou seja, o direito à sua "historicidade pessoal". 7.º Não se vislumbra porque razão o direito do filho a saber "quem é e de onde vem" possa ser exercido a todo o tempo, enquanto que a pessoa que se declarar pai biológico do filho em autoconformar a sua identidade apenas possa ser exercido em determinado prazo. 8.º Chamar à colação a protecção da unidade familiar ou da paz social para Justificar Jantes referida diferenciação de regimes constitui um exagero, urna vez que, falar de um quadro familiar estabilizado, à revelia da verdade biológica, com possibilidade real de o ser, é, por norma, urna realidade virtual. 9.º O sacrifício do direito fundamental de autoconformar a sua identidade, decorrente da caducidade da acção de averiguação oficiosa para impugnação da paternidade presumida, é, assim. desmotivado. 10.º A prescritibilidade da acção de averiguação oficiosa para impugnação da paternidade presumida, por parte de quem se declarar pai biológico do filho, é, pois, inconstitucional, sendo inaplicável. 11.º O confronto entre os direitos constitucionais ao conhecimento da identidade dos progenitores por parte do filho e o do impugnante, de conformar a sua esfera jurídico - pessoal é mais aparente que real, 12.º Este último direito é incompatível com a caducidade da acção de averiguação oficiosa para impugnação da paternidade. 13.9 O "direito fundamental à identidade pessoal" e o "direito fundamental à integridade pessoal", ganhando uma dimensão mais nítida, como, ainda, "o direito ao desenvolvimento da personalidade", leva, em si, a que não se coloquem desproporcionadas restrições aos direitos fundamentais consubstanciados na aludida identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade, pelo que as razões que estiveram na origem da declaração de inconstitucionalidade do mencionado art. 1817.º, n.? 1 do CC, estão outrossim, para a disposição contida no art. 184U~, n.º 2, do mesmo Código. 14.º O respeito puro e simples pela verdade biológica sugere claramente a imprescritibilidade. 15.º Essa verdade biológica consubstancia-se num "direito de conformação da própria vida, um direito de liberdade geral de acção cujas restrições tê de ser constitucionalmente justificadas, necessárias e proporcionais". 16.º O prazo previsto no art. 1841.º n. 2 do CCivil é, pois, inconstitucional * Por seu turno, nas contra alegações apresentadas, o Digno Agente do MºP.º sustenta a bondade da decisão recorrida. Foram colhidos os vistos legais. Tudo visto e ponderado, cumpre decidir: * Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas pelos recorrentes (art.684.º n.3, 690.º n.3 e 660.º n.2, todos do Código de Processo Civil), a questão essencial a dirimir prende-se em saber se o prazo de caducidade consignado no art. 1841.º n. 2 do Código Civil é inconstitucional por ofender o direito à identidade pessoal e à integridade da pessoa humana e igualmente por desrespeitar o desenvolvimento da própria personalidade. Antes de mais, importa centrar a nossa atenção na redacção do preceito legal citado. Assim, nos termos do n. 1, “ A acção de impugnação de paternidade pode ser proposta pelo Ministério Público a requerimento de quem se declarar pai do filho, se for reconhecida pelo tribunal a viabilidade do pedido “; e acrescenta o n. 2: “ O requerimento deve ser dirigido ao tribunal no prazo de sessenta dias a contar da data em que a paternidade do marido da mãe conste do registo “. Tratando-se de uma norma inovadora do Código Civil, tendente a pôr cobro aquilo que P.Lima e A.Varela denominaram de “monopólio marital da acção de impugnação” [1] , visava a mesma combater um conjunto de situações de falsas paternidades decorrentes de novos conjunturas sociais ocorridas nos anos 60 como, por exemplo, a guerra no Ultramar, os surtos emigratórios e a industrialização do próprio País. E se atentarmos no leque de intervenientes judiciários que, nesses tempos, detinham legitimidade para intervir na reposição da verdade biológica da paternidade, facilmente se concluiria que o pretenso pai se encontrava arredado de uma tal possibilidade, ficando, assim, à mercê do interesse ou desinteresse do marido da mãe (e seus parentes). Embora a reforma de 1977 (DL n. 496/77 de 25 de Novembro) tenha introduzido um leque alternativo ao “statu quo” existente, conferindo à mãe, ao marido, ao filho e também ao pretenso pai, a legitimidade para impugnar a paternidade, no último caso (do pretenso pai) existia o entendimento de que só pela via do Ministério Público se poderia concretizar uma tal intenção, revestindo-se, porém, o “iter processualis” de características muito específicas, com a imposição de um prazo de 60 dias para a participação do facto ao tribunal. Ora, nada no texto legal autoriza que seja outro o entendimento sobre a natureza de um tal prazo, nomeadamente, que a contagem do seu início não se processe a partir do momento em que a paternidade do marido da mãe fique registada, tal como determina o art. 329.º do CCivil. Se, eventualmente, não fosse esta a interpretação defensável, o legislador não deixaria de, expressamente, o afirmar, conferindo para este preceito legal o mesmo regime que previu no art. 1842.º n. 1 alínea a) para a hipótese de o marido da mãe impugnar a paternidade, ou seja, fazia depender a contagem do prazo de caducidade do momento “ . . desde que teve conhecimento das circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade “. O decurso de tal prazo, porém, sem a iniciativa por parte de quem se arroga da paternidade do menor nascido na constância do matrimónio, não afasta, hoje em dia, a possibilidade de o pretenso pai poder recorrer à acção ordinária de impugnação da paternidade, contrariamente, como já vimos, ao entendimento que, até há alguns anos, era preponderante. Como se escreveu recentemente no Ac. STJ do passado 25 de Março (sendo relator o ilustre Conselheiro Hélder Roque, “ . . . se o filho pode impugnar a paternidade, sem limitação de prazo, também, a impugnação do presumido progenitor pode sempre ser intentada, sob pena de inaceitável discriminação de um dos elos da relação jurídico-filial “ (in www.dgsi.pt). Serve isto para dizer que toda a argumentação jurídica desenvolvida pelo apelante nas doutas alegações de recurso, têm inteira aplicação, não ao caso vertente, mas ao entendimento (já ultrapassado quer em termos doutrinais e quer em termos jurisprudenciais) sobre a caducidade do direito de acção outrora defendido para as acções judiciais de investigação e impugnação da paternidade/maternidade. Como já defendemos num outro aresto por nós relatado, “ . . importa fazer notar, com recurso à doutrina constante do Acórdão n.486/04 (em que foi relator o ilustre Conselheiro Paulo Mota Pinto), que “ O parâmetro constitucional mais significativo para aferição da legitimidade das limitações ao direito de investigar a paternidade encontra-se, porém, no “direito à identidade pessoal”, com que abre logo o n.º 1 do artigo 26º da Constituição “, direito este que, extravasando também para o plano da integridade pessoal, não respeita apenas ao filho mas também ao seu progenitor e respectivos sucessores [2] . No caso concreto, o plano teórico/jurídico defendido pelo apelante, para além de não ser aplicável aos casos previstos no art. 1841.º do CCivil, acha-se prejudicado, como se disse, pela possibilidade de se lançar mão da competente acção judicial de impugnação da paternidade com vista a um eventual restabelecimento da verdade biológica. Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando, assim, a douta decisão recorrida. Custas pelo apelante. Notifique e Registe. Évora, 8 de Setembro de 2010 SERGIO ABRANTES MENDES LUIS MATA RIBEIRO SÍLVIO JOSÉ DE SOUSA ___________________________________ [1] CCivil anotado, vol V, pg.200. [2] Para o Prof. Guilherme de Oliveira, o conhecimento da ascendência verdadeira é um aspecto relevante da personalidade individual e uma condição de gozo pleno desses direitos fundamentais (Impugnação da Paternidade, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra – Suplemento XX, Coimbra, 1973, pág. 193; em Separata, Coimbra, 1979, pág. 66). |