Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
130/13.9TBCVD.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
MAIORIDADE
Data do Acordão: 02/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O direito a alimentos devidos a menores, inerente às responsabilidades parentais, não cessa com a maioridade (18 anos de idade), já que a obrigação mantém-se com vista a completar a formação profissional, nas condições previstas no art.1880º do CC.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 130/13.9TBCVD.E1 (2ª Secção Cível)


ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


No Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre (Juízo Local Cível de Portalegre), no âmbito dos autos de Incumprimento das Responsabilidades Parentais, instaurados em 25/09/2017, em que é requerido (…), progenitor de (…) e requerente (…) foi julgada verificada a situação de incumprimento do requerido reportado a falta de pagamento da prestação alimentícia devida ao filho, tendo sido condenado no pagamento da quantia de € 1.822,24 relativa aos meses de Julho de 2014 a Fevereiro de 2016 (mês em que foi declarado insolvente).
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Inconformado, veio o requerido interpor recurso e apresentar alegações, terminando por formular as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“I. O n.º 2 do artigo 1905º do Código Civil refere que “para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ali formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência”.
II. O referido n.º 2 do artigo 1905º, do Código Civil foi aditado pela Lei n.º 122/2015, de 01/09, e entrou em vigor no dia 1 de Outubro de 2015.
III. O (…) completou 18 anos no dia 14 de Junho de 2014.
IV. Aquando da entrada em vigor, da referida Lei, já há mais de dezasseis meses que havia cessado a obrigação de alimentos devidos ao filho do ora Recorrente, por o mesmo ter atingido a maioridade.
V. Em face da lei anterior e ainda na sua vigência, a obrigação de alimentos a que o Recorrente estava sujeito, cessou com a maioridade o que deve ser declarado.
VI. Desta forma, devem estes autos serem arquivados.
VII. No caso de não se entender assim, o que não se concede, nunca poderia o Recorrente ser condenado no pagamento dos alimentos relativamente aos meses de Julho de 2014 a Setembro de 2015, sob pena de aplicação de efeitos retroativos à Lei n.º 122/2015, de 01/09, que esta não comtempla.
VIII. De facto, tendo o (…) completado 18 anos no dia 14 de Junho de 2014, e a Lei n.º 122/2015, de 01/09, entrado em vigor no dia 1 de Outubro de 2015, só a partir dessa data é que o Recorrente poderia ser condenado a pagar os alimentos.
IX. Assim, nesse caso, os alimentos abrangidos deveriam ser aqueles vencidos, a partir de 1 de Outubro de 2015.
X. A douta decisão recorrida violou o disposto nos artigos n.º 2 do artigo 1905º, aditado pela Lei n.º 122/2015, de 01/09, e 12º, ambos do Código Civil.”

Apreciando e decidindo

O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões, a questão a apreciar prende-se em saber se a obrigação de alimentos a cargo do recorrente cessou automaticamente com a maioridade do filho, e se tem aplicação ao caso a Lei nº 122/2015, de 01/09.

Podemos considerar como assentes, porque não impugnados, como relevantes os seguintes factos:
1- Por acordo alcançado em sede de conferência de pais realizada no âmbito do Apenso A dos autos à margem referenciados, de 29 de Janeiro de 2014, e homologado por sentença transitada em julgado, quanto à Regulação das Responsabilidades Parentais referentes ao então menor (…), ficou estabelecido que:
- O jovem (…) fica à guarda da mãe, ficando a residir com a mesma, ficando no entanto ambos os progenitores com o exercício das responsabilidades parentais, relativamente às questões de particular importância para a vida do menor;
- O jovem estará com o progenitor sempre que o desejar, inclusive aos fins-de-semana e períodos de férias escolares, a combinar previamente com a progenitora e sem prejuízo do descanso e actividades escolares do jovem;
- O pai pagará a título de pensão de alimentos devido ao jovem quantia mensal de 100€ (cem euros), os quais serão pagos à mãe através de transferência bancária para o NIB indicado na Petição Inicial, até ao dia 8 de cada mês.
- O progenitor compromete-se a transferir o valor correspondente ao abono de família para a conta da mãe.
2 - O (…) nasceu a 14 de Junho de 1996 tendo completado 18 anos a 14 de Junho de 2014.
3 - Desde então, o pai, aqui requerido deixou de contribuir com a pensão mensal de alimentos para o mesmo, tal qual estava estabelecido.
4 - Apenas, durante o ano de 2014, transferiu para a conta do filho, 50 € no dia 29-7-2014, 17,76 € no mesmo dia, 30 € no dia 27 de Agosto, 50 € no dia 29 de Setembro e 30 € no dia 26 de Dezembro.
5 - O (…) continuou e continua a residir com a mãe; a depender económica e inteiramente desta, não auferindo qualquer rendimento.
6 - Frequenta, desde Setembro de 2014, o curso superior de Administração de Publicidade e Marketing, na Escola Superior de Tecnologia e Gestão, do Instituto Politécnico de (…).
7 - E, apesar dos seus 21 anos, não pode sustentar-se porque não tem emprego. E está, como então, a cargo da Requerente, que vem assumindo a título principal o encargo das despesas do mesmo.
8 – O requerido foi declarado insolvente em 15/02/2016 no processo 755/16.0T8VNG.

Conhecendo da questão
Refere o recorrente que a obrigação de prestar alimentos ao seu filho cessou com a maioridade deste.
Estranha-se a posição assumida pelo progenitor, quando o acordo que regulou o exercício das responsabilidades parentais, fixando os termos da pensão alimentar aqui em questão, foi celebrado em 29/01/2014 e homologado por decisão proferida em 05/02/2014, quando o menor atingiria a maioridade daí a quatro meses, ou seja em 14/06/2014. Além de que, o recorrente depositou, depois do filho atingir a maioridade, as quantias de € 50,00, mais € 17,76 no dia 29/7/2014, € 30,00 no dia 27/08, € 50,00 no dia 29/9 e € 30,00 no dia 26/12.
No caso dos autos o menor atingiu a maioridade no dia 14/06/2014, muito antes da entrada em vigor da Lei nº 122/2015, de 01/09 (em vigor desde 1/10), e que introduziu alterações ao artº 1880º do Código Civil, aditando-lhe um número 2.
O artigo 1880º do Código Civil, na redação em vigor à data da homologação do acordo que, regulou o exercício das responsabilidades parentais, fixou a pensão alimentar a suportar pelo recorrido, dispunha:
“Se, no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o número anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”; isto é, estendeu-se a obrigação de alimentos dos pais para além da menoridade dos filhos, com a finalidade de permitir que estes completem a sua formação profissional e preparem o seu futuro após a maioridade ou emancipação.
A interpretação do artº 1880º deu lugar a acesa discussão quanto à questão de determinar se, face às normas de direito substantivo então em vigor, a obrigação alimentar fixada a menor cessava, ou não, automaticamente com a maioridade.
Com apoio na ideia de que a obrigação de alimentos se insere no âmbito do poder paternal a que os menores se encontram sujeitos até à maioridade e que o artº 1880º veio consagrar um regime de exceção a tal regra, a jurisprudência e a doutrina maioritárias (neste sentido Acs. do STJ de 31/05/2007, proc. 07B1678 e de 13/07/2010, proc.202-B/1991.C1.S1, disponíveis in www.dgsi.pt) entendiam que a prestação de alimentos fixada no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais caducavam automaticamente logo que o filho perfizesse os 18 anos de idade, data a partir da qual este deveria requerer contra os progenitores os alimentos devidos até completar a sua formação profissional.
Ao invés, alguma jurisprudência (vide Ac. TRP de 16/12/2003, proc. 0325905. e Ac. TRC de 16/01/20, proc.45-C/1992.C1), e doutrina (vide Clara Sottomayor, in Regulação das Responsabilidades Parentais em Caso de Divórcio”, 5ª ed, Almedina, 2011, 341-383), defendiam o prolongamento da obrigação de alimentos para além da maioridade na vertente da educação, dando relevância ao elemento literal da norma: a instituição de que a obrigação de alimentos se manterá após a maioridade sugere uma ideia de continuidade, apontando no sentido da não cessação da prestação, ou seja, de que, havendo alimentos fixados no período da menoridade tal obrigação deveria manter-se enquanto a sua alteração ou cessação não fosse determinada no âmbito de um incidente a processar por apenso. Segundo tal corrente, a obrigação só se extinguiria nos casos expressamente previstos no artº 2013º do Código Civil, dos quais não consta a maioridade como causa de cessação da obrigação de alimentos.
O artº 1880º do CC, não prevê um direito novo, mas extensão da obrigação alimentar dos pais para com os filhos, que se projeta na maioridade, rejeitando-se a tese da extinção automática.
O direito a alimentos devidos a menores, inerente às responsabilidades parentais, não cessa com a maioridade (18 anos de idade), já que a obrigação mantém-se com vista a completar a formação profissional, nas condições previstas no art.1880º do CC (“Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o número anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que a aquela formação se complete”).
Trata-se dos chamados alimentos educacionais” e a justificação para este regime entronca na “realização integral do dever de educação e instrução” que cabe aos pais (art.1878º, nº 1, CC), cuja obrigação não pode extinguir-se abruptamente com a maioridade, e, por isso, mesmo, à semelhança de outras legislações estrangeiras, implica a manutenção da prestação, dada a indispensável continuidade (cf. Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos, pág. 292).
Por isso, segundo determinado entendimento, o art.1880º do CC não prevê um direito novo, mas a extensão da obrigação alimentar dos pais para com os filhos, que se projeta na maioridade, rejeitando-se a tese da extinção automática (cf., por ex. Maria Inês Pereira da Costa, A Obrigação de Alimentos Devida a Filhos/as Maiores que Ainda não Completaram a Sua Formação – Uma Visão Comparada de Crítica ao Critério da Razoabilidade, UCP, 2013).
Foi face à incerteza então existente quanto à interpretação da norma do artº 1880º do CC, que surgiu a Lei nº 122/2015, de 01/09 (em vigor desde o dia 01/10/2015), que veio introduzir alterações ao regime de alimentos em caso de filhos maiores ou emancipados, aditando um número ao artº 1905º do CC com a seguinte redação:
“2 - Para efeitos do disposto no artº 1880º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência”.
A jurisprudência maioritária (vide Acs. TRP de 16/06/2016, proc.422/03.5TMMTS-E.P1; TRL de 14/6/2016, proc.6954/16.8T8LSB.L1-7 e de 30/6/2016, proc. 5637-11.0TBCSC-A.L1-6; TRC de 15/11/2016, proc. 962/14.0TBLRA.C1, todos disponíveis in www.dgsi.pt) vem entendendo que, limitando-se o nº 2 do artº 1905º a consagrar uma das interpretações jurisprudenciais possíveis, a citada norma assume natureza interpretativa do art.1880º, como parece resultar do próprio texto (“para efeitos do disposto no art.1880 entende-se (…)”, procurando superar-se a controvérsia jurisprudencial sobre a tese de cessação automática. integrando-se na lei interpretada, pelo que esta passa a aplicar-se com o sentido que aquela lhe imputa, abrangendo todas as situações nela passiveis de serem subsumidas desde que a lei interpretada surgiu, gozando de retroatividade nesse sentido (ressalvados os efeitos já produzidos por sentença transitada em julgado).
Também no mesmo sentido se pronunciou Tomé d’Almeida Ramião, in Regime Geral do Processo Tutelar Cível, 2015, 127, onde refere: ”Na realidade, o legislador veio regular o conteúdo dos alimentos fixados durante a menoridade do filho, abstraindo dos factos que lhe deram origem, estendendo essa obrigação para além da maioridade do filho e até que complete os 25 anos de idade, salvo as circunstâncias aí referidas. Por isso, não faz sentido que esse regime não se aplique aos alimentos já fixados no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais, para efeitos do artº 1880º do C Civil.”
Como se afirma no Acórdão do TRP de 06/03/2017, no proc. 632/14.0T8VNG.P1, disponível em www.dgsi.pt: “Estabelecendo o nº 2 do artº 1905º do CC uma presunção legal (ainda que iuris tantum) de necessidade de alimentos até que o filho maior complete 25 anos de idade, inverteu-se o ónus do impulso processual, isto é, competirá ao progenitor obrigado a prestar alimentos por decisão proferida na menoridade do filho, requerer a alteração da pensão estabelecida, solicitando a sua adequação às necessidades do alimentado e às possibilidades do alimentante, ou então, à sua extinção, demonstrando que estão preenchidos os pressupostos da respetiva cessação”.
Ora, no caso em apreço, o recorrido até à data em que foi proferida a decisão impugnada, não veio requerer a alteração da pensão estabelecida ou a sua extinção, demonstrando que estavam preenchidos os pressupostos da respetiva cessação.
Pelo que, teremos de concluir que a pensão alimentar fixada no âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais não se extinguiu, pelo que se justifica, tal como foi reconhecido na sentença impugnada, a condenação do recorrente nos pagamentos em falta, nos termos consignados.
Nestes termos, irrelevam as conclusões apresentadas pelo recorrente, não se mostrando violados os preceitos legais cuja violação foi invocada, sendo de confirmar a decisão recorrida.
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DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.

Évora, 22 de Fevereiro de 2018
Maria da Conceição Ferreira
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes