Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
236/15.0GBABF.E1
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: CONEXÃO DE PROCESSOS
APENSAÇÃO
Data do Acordão: 10/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I - Em princípio, a conexão prevista no artigo 25.º do CPP Penal pressupõe pluralidade de crimes cometidos pelo mesmo arguido (para cuja apreciação sejam competentes tribunais com sede na mesma comarca) e uma unidade de acusado.

Sumariado pela relatora
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No Processo Comum n. º 236/15.0GBABF do Tribunal de Comarca de Comarca de Faro - Albufeira, foi proferido despacho a validar a apensação aos autos do proc. nº 2498/14.0GBABF.

Inconformado com a decisão de apensação, recorreu o Ministério Público, concluindo:

“1.ª O despacho proferido neste processo 236/15.0GBABF no dia 13-10-2017 declarou a competência do respectivo juízo criminal para o julgamento das duas arguidas acusados no processo 2498/14.0GBABF.

2.ª Em consequência dessa declaração o processo 2498/14.0GBABF foi apensado a este.

3.ª O fundamento legal para a verificação da apensação de processos foi a norma de competência por conexão do artigo 25.º do Código de Processo Penal,

4.ª Porém, esta norma pressupõe unidade de acusado em ambos os processos.

5.ª Com a apensação do processo 2498/14.0GBABF, os presentes autos passaram a integrar a arguida Pilar dos Reis, que não é arguida acusada no despacho de 02-07-2015.

6.ª Esta circunstância (existência de arguido diferente) não permite ter por verificado o pressuposto ínsito no artigo 25.º do Código de Processo Penal relativo à unidade de agentes.

7.ª Com a apensação determinada nestes autos violou-se o disposto no artigo 25.º do Código de Processo Penal.

8.º É de interpretar aquele artigo 25.º no sentido de a existência de um arguido novo não permitir a verificação do pressuposto “o mesmo agente”.

Nestes termos, deverá declarar-se não verificado o pressuposto para a conexão prevista no artigo 25.º do Código de Processo Penal e determinar-se a desapensação do processo 2498/14.0GBABF..”

Não houve resposta ao recurso

Neste Tribunal, o Sr. Procurador-geral Adjunto acompanhou o recurso, nada acrescentando. Não houve resposta e, colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

2. O despacho recorrido tem o seguinte teor:
“Por se verificarem os legais requisitos, concordo com a apensação ordenada nos processos n.º 2498/14.0GBABF e 1923/16.0GBABF, ambos deste juízo criminal e, em conformidade, declaro este juízo competente para o julgamento de ambos os processos ora apensos.

Com a apensação dos processos n.º 2498/14.0GBABF e 1923/16.0GBABF, aos presentes autos, os crimes pelos quais a arguida HR vem acusada, ultrapassam, em concurso, os 5 anos de prisão, pelo que a competência para o respetivo julgamento é do tribunal coletivo (artigo 14º, n.º 2, al. b), do Cód. de Processo Penal.

Tendo em conta que o conhecimento de tal concurso é superveniente (resulta da apensação decretada), cabe abrir vista ao Ministério Público para, querendo, fazer uso do artigo 16º, n.º 3, do Código de Processo Penal, se entender que estão reunidos os respetivos requisitos.

Face ao exposto, determina-se que se abra vista ao Ministério Público para, sendo caso disso, fazer uso do artigo 16º, n.º 3, do Código de Processo Penal.”

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, a questão a apreciar respeita à admissibilidade legal da apensação de processos e à verificação concreta dos pressupostos do artigo 25.º do CPP, na vertente do pressuposto da “unidade de agentes”.

Considera o recorrente Ministério Público que a apensação determinada nos autos viola o art. 25.º do CPP no que respeita à exigência implícita do pressuposto “unidade de agentes”. Sempre na tese do recorrente, a norma aplicada deve interpretar-se no sentido de a existência de um arguido novo não permitir a verificação do pressuposto “o mesmo agente”.

No despacho recorrido assim não foi considerado, tendo-se aceite a apensação de um processo que pendia contra ainda um outro arguido, para além da arguida comum a ambos os processos, “por se verificarem os legais requisitos”, como nele singelamente se disse.

Reconhecendo-se, é certo, que os demais “legais requisitos”, ou pressupostos para a apensação, se verificam aqui, não sendo essa matéria, aliás, alvo de controvérsia, o certo é que as razões desenvolvidas pelo Ministério Público na motivação do recurso quanto ao ponto polémico merecem adesão. Daí que, por economia de meios e atenta a simplicidade do tema, se proceda a transcrição.

Diz o recorrente, a propósito da interpretação do art. 25º, que correctamente propõe:

“Esta é uma norma excepcional. Em princípio, a cada crime corresponde um processo. Tratando-se de um mesmo arguido, a alteração desta regra funda-se no benefício processual que pode existir na apreciação conjunta dos factos (maior economia processual) e bem assim, na compreensão que a apreciação conjunta pode permitir sobre a pessoa que está a ser julgada, suas motivações de vida e condições pessoais.

No caso, nos dois processos só um dos arguidos, HR está acusada em ambos. PR não é arguida neste processo.

Ora, salvo o devido respeito por melhor entendimento, o artigo 25.º do Código de Processo Penal, pressupõe a existência de um único agente comum na prática dos crimes, e não de vários agentes como acontece no caso do processo 2498/14.0GBABF. Julgar neste processo 236/15.0GBABF, para além dos demais, PR é considerar que o artigo 25.º não pressupõe uma unidade de acusado.

Mas não será assim. “A conexão prevista no artigo 25.º do C. P. Penal importa, em princípio, unidade de acusado e pluralidade de crimes cometidos pelo mesmo para cuja apreciação sejam competentes tribunais com sede na mesma comarca“ – veja-se neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21-05-2015, processo 52/15.9YREVR, relator, Desembargador Fernando Ribeiro Cardoso, disponível em WWW.dgsi.pt. Ainda, o Código de Processo Penal Anotado por Simas Santos e Leal-Henriques, Volume I, 2.ª edição, página 192.

Não queremos, de forma alguma, contrariar o benefício que apresenta para a arguida o julgamento conjunto dos factos ou para o processo a realização dos actos com menor dispêndio de meios e de tempo, evitando a repetição das mesmas provas, a duplicação de procedimentos de notificação ou de peças processuais, ou a existência de julgamentos contraditórios em vários processos.

Contudo, por via de um arguido em comum alargar-se o processo a outro arguido que no processo não era acusado (como é o caso de PR), tornando-o, por isso, mais amplo quanto ao número de pessoas a julgar e de mais penosa tramitação, não está compreendido no espírito da norma invocada para determinar a apensação. Por isto, parece-nos que não se mostra verificado o pressuposto de conexão subjectiva previsto no artigo 25.º do Código de Processo Penal. Assim sendo entendido, deverá o despacho de 13 de outubro de 2017 proferido nestes autos ser substituído por outro que não determine a apensação do processo 2498/14.0GBABF.”

Acrescente-se que o elemento histórico de interpretação converge no mesmo sentido.

Dá nota Maia Gonçalves (em anotação ao art. 24º do seu CPP Anotado), que o actual regime da conexão de processos “rejeitou o alargamento irrestrito da conexão subjectiva em moldes idênticos aos previstos no CPP de 1929, geradores de situações de desaforamento (…)”. O sistema do CPP de 1929, como refere o mesmo anotador, “além de complicado era fonte de morosidade no andamento dos processos penais”.

Na verdade, o novo Código de Processo Penal procurou resolver um problema de excessiva morosidade e de ineficiência do sistema decorrente das regras de conexão de processos e de apensações do CPP de 1929. Sistema que, por exemplo, permitia que a um processo pendente contra um único arguido fossem apensados processos pendentes contra este e contra um número indeterminado de co-arguidos, e assim sucessivamente, sem limite.

De acordo com o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 78/87 de 17 de Fevereiro, que aprovou o Código do Processo Penal actual, “a procura da celeridade e da eficiência”, “a aceleração processual”, “a representação - que se quis tão aproximada e verdadeira quanto possível - dos principais estrangulamentos e desvios registados na praxis dos nossos tribunais e responsáveis pela frustração de uma justiça tempestiva e eficaz” foram uma forte preocupação na elaboração do novo diploma.

O elemento histórico de interpretação converge assim no sentido sufragado. Ou seja, aponta para que se conclua que a norma-critério em causa (o art. 25º do CPP) foi pensada para prosseguir a compatibilização de interesses processuais legítimos, mas não de molde a permitir, em princípio, o alargamento irrestrito e descontrolado do “objecto do julgamento”.

Note-se que o alargamento do objecto do julgamento que decorre das regras de conexão de processos e da apensação processa-se sempre à custa do desaforamento de processos. E este é de natureza excepcional, o que contraria também o alargamento do sentido da interpretação.

Por último, também Henriques Gaspar adverte para que, “sendo regras objectivas de competência, os critérios de conexão não são discricionários nem manipuláveis pela (aparente) conveniência operativa”. E chama a atenção para a “rigorosa aplicação das regras de conexão” que reputa essenciais para “evitar a sobreposição e acumulação, que podem originar processos muito complexos na gestão e decisão (em “jargão”, os “mega-processos”) nos quais, em rigor, em alguns casos, podem não ter sido respeitados os critérios de determinação da competência por conexão” (CPP Comentado, António Henriques Gaspar e Outros, anot. art. 24º).

Daí que se conclua que, no presente caso, e tal como se decidiu já no citado acórdão do TRE de 21-05-2015, “a conexão prevista no artigo 25.º do CPP importa, em princípio, unidade de acusado e pluralidade de crimes cometidos pelo mesmo para cuja apreciação sejam competentes tribunais com sede na mesma comarca”.

4. Face ao exposto, acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão na parte em que aceitou a apensação aos autos do processo nº 2498/14.0GBABF, determinando-se que seja antes ordenada a sua desapensação.

Sem custas.

Évora, 22.10.2018

(Ana Maria Barata de Brito)

(Leonor Vasconcelos Esteves)