Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2156/17.4T8STR.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: CONTRADIÇÃO
NULIDADE
SOCIEDADE
DESTITUIÇÃO DO ADMINISTRADOR
JUSTA CAUSA
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 01/30/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - A nulidade por contradição decorre de um vício no raciocínio lógico, não se confundindo com a contradição entre a matéria de facto. Por seu turno, a omissão da decisão de uma questão temática, não se confunde com a omissão da base factual alegada que suporte a fundamentação da decisão. Só aquelas primeiras contradição e omissão são causa de nulidade da sentença. Diversamente, a omissão da, ou a contradição entre a matéria de facto relevante, pode determinar a anulação da decisão proferida, nos termos previstos no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC
II - Atenta a regra da livre destituição consagrada pelo legislador, ao abrigo da qual a sociedade pode livremente, e a todo o tempo, destituir um administrador, na configuração do regime da destituição, a (in)existência de justa causa para a cessação antecipada do mandato releva apenas para saber se a sociedade deve ou não indemnizar o administrador destituído, ou, dito de outro modo, a justa causa apenas é necessária para que não haja lugar a indemnização, porquanto um dos pressupostos da obrigação da sociedade indemnizar o administrador é a ocorrência da destituição ad nutum.
III - No n.º 4 do artigo 403.º do CSC, o legislador usou a denominada técnica dos exemplos-padrão, elencando exemplificativamente, por via da utilização de cláusulas gerais, dois grupos de situações que, se verificadas, constituem justa causa, justificativa da destituição, quando esta tenha sido fundada em factos dos quais se extraia o preenchimento daquele conceito indeterminado, com a consequente desoneração da sociedade da obrigação do pagamento de indemnização ao administrador destituído.
IV - A determinação dos comportamentos do administrador que constituem justa causa de destituição, resolve-se casuisticamente, pela ponderação dos interesses em presença, e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes no quadro da relação estabelecida entre as partes, apreciadas objectivamente, em face do quadro abstracto da relação contratual, e em concreto, das relações estabelecidas entre as partes.
V - É entendimento pacífico que ao autor que instaura acção deduzindo pretensão como a presente, apenas cabe alegar e provar a sua qualidade de administrador, a destituição, os prejuízos e o nexo de causalidade, incumbindo à ré sociedade o ónus de alegar e provar os factos que integram a justa causa, por se tratarem de factos impeditivos do direito que aquele se arroga.
VI - A mera alegação pelo administrador das remunerações que auferiria se não tivesse sido destituído do conselho de administração, comprova apenas o ganho mensal que o autor, com a destituição, deixou de auferir, não bastando para daí se concluir que sofreu prejuízos e, por isso, ainda que se considere não verificada a alegada justa causa, nos termos gerais de direito, o autor não tem direito à peticionada indemnização. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém[1]
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I - RELATÓRIO
1. L…, notificado da sentença proferida na acção que intentou contra Sociedade …, S.A., absolvendo-a do pedido que havia formulado para a sua condenação a pagar-lhe uma indemnização no valor de 127.400,00€, acrescida de juros, interpôs o presente recurso de apelação, terminando com as seguintes conclusões:
«1. Por meio da sentença ora em crise, veio o Tribunal a quo julgar improcedente por não provada a ação intentada pelo aqui Apelante contra a sociedade Apelada, com fundamento na invocada ausência de justa causa de destituição do mesmo, na qualidade de administrador daquela, fundamentando a referida justa causa, nos termos e ao abrigo do artigo 403.º n.º 4 do CSC num duplo fundamento, que faz subsumir à violação de dever de conduta e à inexigibilidade na manutenção das funções de administração;
2. Deste modo, fundamenta a sentença, ora em crise, a justa causa de destituição do Apelante, na violação do dever de conduta de administrador, que faz subsumir à ausência da prática de ato de gestão corrente, como seja a recusa da assinatura das folhas de vencimento, bem como na inexigibilidade da manutenção desse mesmo cargo, alicerçada no conflito existente entre o Apelante e os restantes acionistas/membros do conselho de administração e na desconfiança destes últimos relativa ao fundamento e legalidade do documento intitulado “Reconhecimento de Dívida”;
3. Ora, entende o Apelante que padece a sentença dos autos de manifesto erro de julgamento da matéria de facto e de manifesto erro na aplicação do direito a essa mesma matéria de facto, devendo, ao invés, a ação dos autos ser julgada procedente, por provada, concluindo-se pela ausência de verificação da justa causa de destituição do Apelante, na qualidade de administrador, à revelia da disposição legal contida no artigo 403.º n.º 4 do CSC e pela consequente verificação do direito à indemnização peticionada;
4. De facto, com todo o respeito e consideração pelo Tribunal a quo, entende o Apelante que, na senda da posição manifestada pela sociedade Apelada nos presentes autos, mais não enferma o conteúdo da sentença em crise de manifesto abuso de direito, previsto no artigo 334.º do CC, porquanto se limita a fundamentar a justa causa de destituição daquele em matéria previamente conhecida da sociedade Apelada, à data de nomeação do Apelante como Administrador, fazendo subsumir a causa da referida destituição a factualidade comumente conhecida que consubstancia, antes, consequência do ato de destituição e não causa, conforme se faz crer;
5. Ou seja, o Tribunal a quo qualifica a matéria de facto fundamentadora da justa causa de destituição do Apelante com a gravidade exigida a fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação de administração quando, ao invés, essa mesma factualidade que agora é erigida a justa causa de destituição, com gravidade que lhe é apontada, ou era conhecida da sociedade Apelada à data da nomeação do Apelante como administrador ou é consequência da aludida decisão, unilateral e exclusiva desta última, de destituição do Apelante, nisso mesmo consubstanciando o abuso de direito vindo de referir;
6. Ora entende o Apelante que a primeira manifestação do abuso de direito, patente na sentença em crise, encontra-se vertida na decisão sufragada pelo Tribunal a quo relativa à matéria de facto, dos autos.
7. Nesse sentido, a matéria de facto contida, respetivamente, nos artigos 24.º e 25.º dos factos provados e nos artigos 22.º, 31.º, 32.º 70.º, 71.º, 73.º, 74.º, 77.º e 82.º dos factos não provados encontra-se incorretamente julgada, mal andando a sentença em crise ao decidir como decidiu, à revelia do artigo 413.º do CPC; (…) [não se transcrevem aqui as conclusões 8 a 17, a respeito da concretização dos fundamentos invocados, à qual se atenderá aquando da decisão].
18. Aqui chegados temos que, a matéria de facto apurada nos autos, nos termos vindos de referir, não permite fundamentar a justa causa de destituição do Apelante, ao abrigo do artigo 403.º n.º 4 do CSC, porquanto não se alcança da violação de qualquer dever de conduta, imputável ao Apelante, na qualidade de Administrador, cuja gravidade coloque em causa a manutenção da relação de administração com a sociedade Apelada, nem tão pouco qualquer outra factualidade, cuja ocorrência e/ou conhecimento se tenha verificado no período em que exerceu funções de administrador (fevereiro a maio de 2017) que possa ser erigida a justa causa de destituição, ao abrigo da disposição legal anterior;
19. Mais se diga que, ainda que assim não fosse, a concreta factualidade dada como provada nos autos, nos precisos termos em que o foi, pelo Tribunal a quo, não se mostra apta a integrar o conceito de justa causa de destituição, previsto no artigo 403.º n.º 4 do CSC, mal andando a sentença dos autos ao decidir como decidiu, à revelia da disposição legal anterior.
20. Concretizando e no que concerne à recusa da assinatura das folhas de vencimento, pelo aqui Apelante, fundamento da pretensa violação de dever de conduta do Administrador, sempre se diga que se não verifica, no caso em apreço, a violação de qualquer dever, em sentido técnico jurídico, imputável ao administrador, que seja dotada de gravidade bastante.
21. A assinatura das folhas de vencimento consubstancia ato de mero expediente, despojado de qualquer cariz técnico, que poderia ser praticado por qualquer outro dos administradores (a sociedade apelada obrigava-se com a assinatura de dois dos três administradores) ou pessoa habilitada, pela sociedade Apelada, para o efeito, cuja recusa do Apelante não causou qualquer prejuízo à sociedade Apelada ou a terceiros trabalhadores – tendo em conta que os vencimentos foram pagos atempadamente – não colocando em causa a relação entre as Partes no que concerne ao vínculo de administração, o que desde logo, redunda na ausência de gravidade bastante da pretendida e (inexistente) violação, a qual, sempre se diga que, em apelo a argumentos de ordem lógica e cronológica e tendo ocorrido após o conhecimento, pelo Apelante, da decisão de destituição, sendo consequência da mesma, não pode, bem está de ver, ser erigida a causa dessa mesma destituição.
22. Por último, no que concerne à inexigibilidade da manutenção da relação de administração fundada, cumulativamente na relação conflituosa entre o Apelante e os restantes membros da sociedade Apelada e na desconfiança dos restantes membros da sociedade Apelada relativa ao documento intitulado “Reconhecimento de Dívida”, sempre se diga que, ambas as matérias em apreço remontam a data anterior à nomeação do Apelante como Administrador – conforme matéria de facto dada como provada nos autos – ignorando o Tribunal a quo, mais uma vez, e sempre com todo o respeito e consideração, que o conceito de causa (de destituição do Administrador), impõe que dada factualidade tenha ocorrido no decurso do mandato em discussão nos autos – fevereiro a maio de 2017 – e/ou tenha sido conhecida no mesmo período de tempo;
23. Padecendo a sentença dos autos neste concreto ponto, cumulativamente com o erro na aplicação do direito vindo de referir, de manifesta nulidade, nos termos e ao abrigo do artigo 615.º n.º 1 c) e d) do CPC, porquanto a fundamentação deduzida pelo Tribunal a quo relativa à pretensa desconfiança por parte dos restantes membros da sociedade Apelada face ao documento intitulado “Reconhecimento de Dívida” ora se encontra omissa na matéria de facto dada como provada, ora se encontra em contradição com a mesma, inexistindo qualquer factualidade dada como provada nos autos que comprove a causa alegadamente ficcionada do documento anterior, considerada pelo Tribunal a quo na fundamentação em apreço, e encontrando-se a pretendida “desconfiança“ dos acionistas da Apelada em contradição com o efetivo conhecimento, pelos mesmos, do teor do aludido documento, dado como provado nos autos (vide artigo 19.º dos factos provados), em momento anterior à nomeação do Apelante;
24. Termos em que, pelas razões sobejamente demonstradas anteriormente, não pode proceder, igualmente, a fundamentação do Tribunal a quo relativa à inexigibilidade da manutenção da relação de administração, não podendo a mesma ser erigida a justa causa de destituição do Apelante, nos termos e ao abrigo do artigo 404.º n.º 3 do CSC, concluindo-se pela procedência da presente ação».

2. A Apelada contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

3. Observados os vistos, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[3], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente das questões cujo conhecimento oficioso se imponha.
Assim, as questões colocadas pelo Recorrente para apreciação por este Tribunal da Relação, resumem-se a saber se a sentença recorrida enferma de nulidade, se a matéria de facto deve ser modificada nos termos que preconiza, e, em consequência, se existe fundamento para indemnizar o autor pela destituição do cargo de administrador da ré.
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III – Fundamentos
III.1. – Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
«1 - A Ré é uma sociedade comercial anónima cujo objecto social consiste no exercício da indústria de destilação, nomeadamente a produção de álcool vínico, aguardentes vínicas e bagaceiras, bem como a sua comercialização. (artº 1º da petição inicial)
2 - A sociedade Ré é uma sociedade familiar cuja estrutura acionista é totalmente composta pelos membros da família B… e cujo Conselho de Administração sempre foi integrado por membros da família. (artº 2º da petição inicial e 9º da contestação)
3 – Após o falecimento do Presidente do Conselho de Administração J… em 13.11.2016, a sua herança encontra-se por partilhar. (artº 10º da contestação)
4 - O Autor foi Vogal do Conselho de Administração da sociedade Ré até 17 de agosto de 2015, data em que renunciou ao cargo. (artº 4º da petição inicial)
5 - Na sequência do falecimento em 13 de Novembro de 2016 de seu pai J…, accionista principal e Presidente do Conselho de Administração da Ré desde a aquisição desta em 1994, o Autor foi novamente designado Vogal do Conselho de Administração da Ré para o triénio 2017/2019, na sequência de deliberação tomada na Assembleia Geral da Ré de 7 de Fevereiro de 2017. (artºs 5 e 6º da petição inicial)
6 - Nessa reunião da Assembleia Geral (07.02.2017), e para além da recondução dos membros do Conselho Fiscal, foram nomeados para o Conselho de Administração para o triénio 2017/2019:
- D…, mãe do Autor, para o cargo de Presidente do Conselho de Administração;
- L…, ora Autor, para o cargo de Vogal do Conselho de Administração;
- F…, irmão do Autor, para o cargo de Vogal do Conselho de Administração. (artº 7º da petição inicial)
7 - Nos termos dos Estatutos em vigor, a sociedade Ré obriga-se com as assinaturas de dois administradores ou de administrador e procurador com poderes bastantes. (artº 33º da petição inicial)
8 - A inscrição da nomeação do A como vogal da Ré para o mandato em curso só ocorreu a 14 de Fevereiro de 2017. (artº 25º (parte) da petição inicial)
9 - Em 2 de Maio de 2017 foi expedida pelo Senhor Presidente da Mesa da Assembleia Geral, Dr. C…, aviso convocatório de Assembleia Geral extraordinária para o dia 17 de maio de 2017 cujo primeiro ponto da ordem de trabalhos era a “Destituição do administrador L…”. (artº 9º da petição inicial)
10 - A reunião da assembleia geral tomou a forma de assembleia universal uma vez que estavam presentes todos os accionistas, representando a totalidade do capital social da Sociedade Ré, e pelos mesmos foi expressamente manifestada tal vontade. (artº 10º da petição inicial)
11 - Na referida reunião extraordinária da Assembleia Geral de 17 de maio de 2017 foi apresentada a proposta de destituição com justa causa do Autor subscrita pelos acionistas da Ré, D…, A…, P… e F…, com os seguintes fundamentos: “Neste novo conselho de Administração, a relação entre os Administradores, F… e L… foi desde cedo muito complicada tendo cada um uma linha de raciocínio própria e não complementar, estratégias diferentes, abordagens aos problemas diferentes, e um sentido de responsabilidade e de educação, totalmente incompatíveis. Assim:
a) L…, entrou em meados de Março deste ano, no gabinete de F…, e ameaçou-o fisicamente;
b) L…, em diversas ocasiões criou muito mau ambiente com todos os elementos administrativos, lançando suspeitas e criando incerteza quanto ao futuro dos mesmos;
c) L…, diz que elabora relatórios e outros documentos, mas não entrega qualquer cópia dos mesmos nem aos outros elementos da administração nem a qualquer accionista, nem tão pouco nos dá conhecimento da maioria deles;
d) L… não aceita qualquer critica, opinião, ou qualquer outro facto desde que esse seja contrário ao que ele preconiza, manifestando desde logo uma atitude de "ou é como eu digo ou bloqueio."
e) L…, mistura frequentemente, assuntos privados com assuntos de empresa;
f) L… tem conhecimento de todos os assuntos da administração e da sociedade, desde sempre, mas recusa-se a assinar, para vir depois dizer que não assina porque não lhe é dado conhecimento; Só assina(ou) maioritariamente cheques â ordem das suas empresas ...
g) L…, até a folha de vencimentos de todos os funcionários se recusou a assinar ultimamente;
h) L…, estando a par de toda a realidade dos assuntos que passam pela administração, até hoje não conseguiu desenvolver qualquer solução a duas tarefas que ele directamente afirma que lhe tinham sido dadas, sem dar qualquer justificação para o sucedido, tem continuamente uma atitude manifestamente inconsequente;
i) L… numa tentativa directa de "bloquear" a normal actividade da SLD, não assinando nada, vem depois dizer que ele não assina e que a sociedade obriga a duas assinaturas, não tendo sequer consciência clara de que existem outros dois administradores em funções com plenos poderes para o fazer;
j) L… com este comportamento de recusa de assinaturas, criou na actual gestão, problemas no que respeita ao financiamento da normal actividade da SLD, sendo que a solução encontrada foi a de convencer os parceiros financeiros de que D… e F… responderiam eles próprios pela sociedade. E de que a solução de sucessão tinha sido encontrada, acalmando todos os parceiros estratégicos, e não só os financeiros, por forma a defender os interesses da SLD.
k) L… está continuamente a emitir suspeitas sobre todos os outros accionistas que não ele próprio;
l) L…, enquanto Administrador e accionista, continua a reclamar uma dívida de um contrato ilegal, que ele próprio assinou com o então Presidente do Conselho de Administração, e tem dado ordens directas aos serviços administrativos, que contabilizem as facturas "falsas" de serviços, nunca prestados à SLD, e emitidas por empresas suas ou das quais tem interesses directos, à luz de uma prática que remonta de 2011.
m) O L…, tem neste momento, em seu poder três cheques emitidos a mando dele.
n) À data de hoje, o valor de recebimentos indevidos ou pagos por conta do acionista e administrador L… soma os 402.150.84€ e pagos ou suportados pela … - Sociedade …, S.A., a que se junta a listagem actualizada para que conste em acta.
o) Concluindo e após esta conduta assumida pelo L…, os restantes accionistas perderam a confiança desejável para que este possa continuar a representar a SLD e a defender os interesses da mesma.
p) A mudança de rumo e de estratégia que ele queria impor à força à SLD, não defendiam minimamente os interesses da sociedade, não servindo assim de forma alguma os interesses da maioria dos accionistas.
q) Muitos dos seus comportamentos, quer pela sua gravidade e/ou consequência, torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho entre este e a SLD e entre este e os restantes administradores, também pela sua repetitiva postura assumida de desentendimento, comprometendo a boa marcha dos negócios sociais.
r) Existe assim, decorrente de alguns dos seus comportamentos, uma violação grave dos deveres dos administradores, como a sua inaptidão para o exercício normal das suas funções decorrente dos seus actos.
s) Foram assim violados pela sua conduta os mais básicos princípios de lealdade, enquanto é exigível aos administradores, exclusivamente terem em vista os interesses da sociedade e procurarem satisfazê-los, abstendo-se, portanto, de promover o seu próprio benefício ou interesse.
t) Toma-se assim claro que com estas práticas levadas a cabo pelo administrador L… têm consequências. (artºs 11º e 12º da petição inicial e artº 15º da contestação)
12 - A proposta foi aprovada com os votos favoráveis de todos os accionistas presentes com excepção do próprio. (artº 13º da petição inicial)
13 - A administradora D… está totalmente arredada do dia a dia da vida da sociedade, possuindo o administrador F… uma procuração que lhe foi passada por ela, de que existe cópia a fls. 82, apenas e só para dar o seu aval a quaisquer letras ou livranças em que sejam intervenientes a Sociedade …, SA e a D…, SA – doc. n.º 10. (artº 34º da petição inicial e artº 55º da contestação)
14 - A R. solicitou à Ca… uma modificação aos contratos de financiamento vigentes entre esta e a Ré e um reforço do apoio à tesouraria (de € 2.000.000,00) para fazer face ao aumento das previsões de compra de matéria-prima indispensável ao relançamento da actividade da Ré. (artº 37º da petição inicial)
15 - A CCAM exigiu a prestação de aval pessoal do A., o que este recusou. (artºs. 38º e 39º da petição inicial e 46º da contestação)
16 - O A. e J…, em representação da … – Sociedade …, S.A., subscreveram o escrito particular, denominado “Reconhecimento de Dívida”, datado de 30 de Setembro de 2011, de que existe cópia a fls. 42, no qual se reconhece que a Ré tem para com o Autor uma dívida de € 500.000,00, e no qual se convenciona que a dívida será paga em 96 prestações mensais e sucessivas no montante unitário de € 5.208,33 cada uma, na conta bancária da A…, SL, que emitirá a factura. (artºs 64º e 65º da petição inicial e artº 26º da contestação)
17 - Tal acordo foi objecto de aditamento assinado em 31 de Julho de 2012, nele se estipulando que ao montante em dívida são deduzidos € 96.000,00 (noventa e seis mil euros) pelo motivo aí consignado (assunção por J… da qualidade de fiador de um empréstimo para aquisição de um imóvel por parte da H… – , Lda., em benefício de uma irmã do Autor). (artº 66º da petição inicial)
18 - O crédito do Autor tem vindo a ser pontualmente pago pela Ré, ainda que por via de prestações de periodicidade variável e de montante diverso do inicialmente convencionado. (artº 67º da petição inicial)
19 - A existência do crédito do A. é do conhecimento de todos os accionistas da Ré, pelo menos após o falecimento de J…. (artº 68º e 83º da petição inicial)
20 – A A…, SL, tem como administrador único o A. e sede em Madrid. (artº 27º da contestação)
21 - O A. é sócio-gerente da sociedade H…, Ldª., a qual tem um capital de 80% pertencente à sociedade ASESOR e os restantes 20% pertencentes ao próprio A. (artº 36º da contestação)
22 - A entrega da casa pré-fabricada ao A. ocorreu em momento anterior à sua nomeação como administrador da Ré para o mandato em curso. (artº 90º (parte) da petição inicial)
23 - Quer no período referente ao mandato em curso (Fevereiro a Maio de 2017), quer em períodos anteriores de exercício do cargo por parte do A. e do irmão F…, houve discussões de parte a parte com nítida divergência de pontos de vista quanto à gestão da Ré e das demais sociedades familiares. (artº 22º (parte) da petição inicial)
24 - O A. recusou-se a assinar a folha de vencimentos da Ré relativa ao mês de Abril de 2017. (artº 27º da petição inicial)
25 - No domínio das relações pessoais, a relação do A. com os irmãos (todos acionistas) tem sido de conflitos frequentes e discussões na presença de funcionários. (artº 7º da contestação)
26 - O A. só fala com sua mãe, tendo cortado relações com os seus três irmãos, sendo certo que a mãe é uma acionista não presente na empresa. (artº 21º da contestação)
27 – O A. tem em seu poder três cheques da R., emitidos a favor da sociedade Hervas, Lda., sem qualquer assinatura. (artºs 75º, 76º (parte) e 79º da petição inicial)
28 – Em 21 de Março de 2017, o Autor recebeu do administrador F… o e-mail, de que existe cópia a fls. 44. (artº 76º (parte) da petição inicial)
29 - A remuneração base fixada para o exercício do cargo de administrador da Ré foi de € 3.640,00. (artº 98º da petição inicial)
30 - A qual lhe foi abonada ainda no mês de maio de 2017. (artº 99º da petição inicial)
31 – F… é actualmente Presidente do Conselho de Administração da R.
E foram considerados “Factos não provados”, os seguintes:
Da petição inicial:
22º (parte) - Não tendo, porém, tal acarretado qualquer prejuízo para a gestão corrente da actividade da Ré ou para a tomada colegial de decisões e deliberações que essa mesma gestão necessariamente convoca.
25º (parte) - (…) e a actualização das fichas bancárias da Ré só se efectuou durante o mês de Março de 2017 (sob o pretexto de alegada inépcia dos serviços jurídicos várias vezes avançado pelo administrador F…), pelo que, entre a sua nomeação e tal actualização, o Autor esteve impedido – por motivo a que era alheio - de assinar quaisquer documentos de gestão que implicassem a vinculação da Ré perante terceiros. (artº 25º da petição inicial)
28.º Com efeito, a 23 de Março de 2017, porque nenhuma informação lhe era transmitida a esse respeito não obstante os pedidos que fazia, o Autor, numa manifestação de gestão criteriosa e ordenada própria do exercício das funções que lhe estavam atribuídas, solicitou à colaboradora Isabel de Sousa que lhe remetesse, por correio electrónico, o mapa de transferências que se realizavam para pagamento de vencimentos, para ter essa informação e exercer a vigilância e controlo que se lhe impunha enquanto administrador. (artº 28º da petição inicial)
29.º - Não tendo, contudo, obtido qualquer resposta à sua solicitação. (artº 29º da petição inicial)
31.º - O que, aliado ao facto de nunca lhe ter sido apresentado até então qualquer documento de gestão para efeitos de assinatura, levou a que o mesmo se recusasse assinar a folha de vencimentos referente ao citado mês de Abril de 2017. (artº 31º da petição inicial)
32.º - Facto que, como é bom de ver, não causou qualquer prejuízo à Sociedade Ré e aos seus trabalhadores, pois não só a Ré não ficou impedida de pagar tais vencimentos como também os mesmos não deixaram de ser pontualmente pagos. (artº 32º da petição inicial)
37.º (parte) - Com efeito, após o falecimento do Presidente do Conselho de Administração da Ré e a nomeação dos membros do Conselho de Administração para o mandato em curso, o Autor promoveu, com a necessária aquiescência dos demais administradores, um relatório de análise e de diagnóstico da situação económico-financeira da Ré, tendo, do ponto de vista financeiro na sequência das medidas sugeridas em tal relatório.
70.º - Tratando-se, apenas e só, da regularização de uma dívida contraída pela Ré perante o Autor relacionada com fornecimento, na década passada, de aguardantes e destilados por parte da V…, S.A., sociedade comercial espanhola detida pelo Autor, e pelo facto deste último ser responsável pela compra para a Ré de produtos intermédios em Espanha entre 1996 e 2008. (artº 70º da petição inicial)
71.º Com o falecimento do Pai do Autor, e estando, desde então, projectada a sua nomeação como administrador da Ré, este tomou a decisão de suspender a emissão de quaisquer facturas para pagamento da dívida, procurando, ex abundante cautela, junto dos demais accionistas, seus familiares, fosse por estes expressamente reconhecida a dívida quer por via da aposição das assinaturas destes num novo acordo de reconhecimento de dívida, quer pela tomada de uma deliberação do Conselho de Administração sobre o assunto. (artº 71º da petição inicial)
72.º Assim, desde então, só foram depositados em conta bancária do Autor € 10.000,00, em 14 de Dezembro de 2016, relativos a três cheques sacados pelo próprio Presidente do Conselho de Administração da Ré sobre a sua conta bancária pessoal em Maio, Junho e Novembro desse mesmo ano. (artº 72º da petição inicial)
73.º Em meados de Março de 2017, o Autor abordou pessoalmente o assunto com os outros dois administradores, D… e F…, tendo estes manifestado o seu acordo ao pagamento da dívida remanescente. (artº 73º da petição inicial)
74.º Acrescentando, porém, o Senhor F… que não assinaria quaisquer cheques para pagamento das prestações da dívida, mas que não se oporia a que os mesmos fossem assinados pelo próprio Autor e pela Presidente do Conselho de Administração, D…. (artº 74º da petição inicial)
77.º Pensava o Autor que a situação teria de ser resolvida e arbitrada pelos demais accionistas e, por conseguinte, tratou de redigir uma minuta que denominou de “Protocolo de Acordo Familiar” que entregou, no dia seguinte, à sua Mãe D… e a que aludiu na mensagem de correio electrónico com que respondeu ao administrador F…. (artº 77º da petição inicial)
78.º Documento esse sobre o qual não obteve qualquer resposta. (artº 78º da petição inicial)
82.º Muito embora se tenha já afirmado que o reconhecimento de dívida em apreço era do conhecimento dos acionistas da Ré com responsabilidades de gestão desde o início, a proposta de destituição anexa à ata da Assembleia Geral que constitui o documento ora junto sob o n.º 2 permite demonstrar que o administrador F… sabia da existência de pagamentos feitos ao Autor para pagamento do acordo de reconhecimento de dívida desde, pelo menos, julho de 2015.
Da contestação:
43.º A sociedade Ré tem necessidade de frequentes financiamentos por parte da Banca, nomeadamente Ca….
44.º Em vida do pai do A., era este, conjuntamente com a mulher, que avalizavam as operações de débito ou financiamento à Ré.
45.º Com a morte do administrador J…, a CA… passou a exigir que em substituição do falecido J… fosse dado aval de todos os administradores da Ré.
49.º Nas últimas presenças do A. na empresa, não se coibia de tecer comentários denegrindo a situação da empresa e dirigindo-se aos próprios funcionários da Ré afirmava que bem podiam queixar-se pois os seus postos de trabalho estavam em perigo.
50.º De igual forma o A., pertencendo ao conselho de administração, utilizou empregados, maquinas e equipamentos da Ré ao seu serviço pessoal e até na sua casa, que foram faturados à Ré .
51.º O A. quando havia discussões e nomeadamente após a morte de seu pai, só ele queria impor a sua vontade não acatando e procurando consensos com os demais administradores.
52.º Estas desinteligências havidas já há meses foram do conhecimento de colaboradores da Ré, parceiros de sociedades e da própria direção da Ca…, o que nada tem abonado o bom nome e credibilidade da Ré.
70.º Na verdade, o A. é administrador e desenvolve atividades comerciais e industriais no país e em Espanha, nas quais aufere e pode auferir ainda mais rendimentos como aliás resulta ate de documentos que se juntam a estes autos e o A. por virtude da cessação das funções de administrador e com a disponibilidade de tempo que passou a ter consegue auferir, se assim o entender, rendimentos superiores aos 3.460 € que diz perder por não desempenhar as funções de administrador.
71.º Só em terrenos agrícolas possui mais de 12 hectares que pode desenvolver mais e melhor em diversas atividades».
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III.2. - O mérito do recurso
III.2.1. - Nulidade da sentença
Invoca o Recorrente que a sentença em crise enferma de manifesta nulidade por contradição dos seus fundamentos, nos termos e ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, porque o Tribunal não pode, simultaneamente, dar como provado (no artigo 19.º dos factos provados) e não provado (no artigo 82.º dos factos não provados) o conhecimento da existência do crédito do Apelante, ancorado no documento intitulado Reconhecimento de Dívida, sob pena de contradição insanável nos seus fundamentos.
Aduz ainda o Apelante, que a parte da fundamentação expressa na sentença, que transcreve, “não encontra qualquer sustentação na matéria de facto dada como provada nos autos, encontrando-se ora omissa, ora em contradição com esta última, padecendo a sentença em crise de manifesta nulidade, nos termos e ao abrigo do artigo 615.º n.º 1 c) e d)”.
Vejamos.
Decorre da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Esta causa de nulidade da sentença é facilmente compreensível se atentarmos que os fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão estão intrinsecamente ligados, impondo-se que a decisão proferida seja o corolário lógico dos respectivos fundamentos.
Assim, se as premissas em que assentou a fundamentação estiverem em contradição com o silogismo judiciário que das mesmas devia decorrer, existe a referida contradição, fulminando a decisão com a nulidade pelo invocado fundamento que ocorre quando «na fundamentação da sentença o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente»[4], sendo então a oposição causa de nulidade da sentença.
Por seu turno, estabelece a referida alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta causa de nulidade da sentença consiste, portanto, na omissão de pronúncia, sobre as questões que o tribunal devia conhecer; ou na pronúncia indevida, quanto a questões de que não podia tomar conhecimento[5].
Esta nulidade está em correspondência directa com o vertido no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, que impõe ao juiz a resolução de todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras, não podendo, porém ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo as que sejam de conhecimento oficioso, constituindo, portanto, a sanção prevista na lei processual para a violação pelo juiz do dever estabelecido no referido artigo[6].
Conforme lembra o Conselheiro FERREIRA de ALMEIDA[7] «[i]ntegra esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes).
Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão de abordagem de uma qualquer questão temática central integra o vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes».
Ora, no caso em apreço, basta uma leitura minimamente atenta da sentença ora recorrida para se concluir que não existe a apontada contradição entre os fundamentos e a decisão, e, bem assim, que a sentença recorrida se pronunciou sobre todas as questões temáticas suscitadas.
Na realidade, o que acontece é que a nulidade por contradição decorre de um vício no raciocínio lógico, não se confundindo com a contradição entre a matéria de facto. Por seu turno, a omissão da decisão de uma questão temática, não se confunde com a omissão da base factual alegada que suporte a fundamentação da decisão. Só aquelas primeiras contradição e omissão são causa de nulidade da sentença. Diversamente, a omissão da, ou a contradição entre a matéria de facto relevante, pode determinar a anulação da decisão proferida, nos termos previstos no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC.
De facto, quando a fixação da matéria de facto que incorpora a sentença padecer de deficiência, obscuridade, contradição ou falta de motivação da decisão, aplica-se o regime do artigo 662.º, n.º 2, alíneas c) e d), do CPC, cabendo à parte interessada na sua ampliação ou modificação o ónus de, no recurso da sentença, impugnar a decisão da matéria de facto (sem prejuízo dos casos em que a Relação pode, mesmo oficiosamente, determinar a ampliação da base factual relevante para a decisão da causa)[8].
Na situação em presença, verifica-se que o Recorrente discorda do entendimento expresso na sentença a respeito da decisão da matéria de facto que indicou e das questões jurídicas que suscitou em fundamento da acção, mormente a invocada inexistência de justa causa para a sua destituição do cargo de administrador da ré. Porém, essa discordância não configura nulidade, não sendo também a arguição das indicadas nulidades que justifica a sua discordância quanto ao que foi decidido[9], enquadrando-se antes no eventual erro de julgamento, já que aquilo que o Apelante pretende salientar é que a decisão tomada pelo Tribunal a quo está errada, tanto quanto à formação da sua convicção quanto aos factos impugnados, como relativamente ao erro de julgamento sobre a vertente jurídica da causa.
Concluindo, no caso em apreço, a sentença recorrida não enferma das invocadas nulidades por contradição entre os fundamentos e a decisão, nem por omissão de pronúncia, cumprindo antes aquilatar seguidamente, conforme igualmente suscitado pelo Recorrente, se nessa apreciação, o julgador incorreu ou não em erro de julgamento[10].
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III.2.2. - Impugnação da matéria de facto
Dissente o Apelante da matéria de facto contida nos artigos 24.º e 25.º dos factos provados e nos artigos 22.º, 31.º, 32.º 70.º, 71.º, 73.º, 74.º, 77.º e 82.º dos factos não provados, considerando que a mesma foi incorretamente julgada, designadamente por violação das regras contidas no artigo 413.º do CPC, isto porque, a seu ver, que a prova testemunhal produzida nos autos, aliada à prova documental nele contida - que, porém, não indicou -, impunha decisão diversa da recorrida.
Conforme é consabido, quando impugna a matéria de facto, o recorrente tem de cumprir os ónus que sobre si impendem, sob pena de rejeição, conforme preceituado no artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) a c), e n.º 2, alínea a), do CPC.
Analisados o corpo e as conclusões das alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente consideramos que não existe um suficiente cumprimento pelo mesmo dos ónus previstos no indicado preceito a respeito da motivação das razões de discordância, desde logo porque, importa ter presente que a reapreciação da matéria de facto se destina primordialmente a corrigir invocados erros de julgamento que - atento o preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, que rege sobre a modificabilidade da decisão de facto -, se evidenciem a partir dos factos tidos como assentes, da prova produzida ou de um documento superveniente, por forma a imporem decisão diversa. Significa esta formulação legal que não basta que a prova produzida nos autos permita decisão diversa, necessário é que a imponha. Por isso que, se exige ao Recorrente que motive as alegações de recurso, dizendo as razões que determinam, em seu entender, diverso juízo probatório, para que a Relação possa aquilatar se os meios de prova por aquele indicados impõem ou não decisão diversa da recorrida quanto aos concretos pontos de facto impugnados, formando a sua própria convicção.
No caso vertente, em motivação da indicada matéria de facto, expendeu-se na sentença recorrida que «A convicção do tribunal resultou da apreciação de toda a prova produzida, conjugada e concatenada, designadamente, da documentação junta nos autos, dos depoimentos das testemunhas e das declarações do A. Com relevância para os autos, tomaram-se em consideração os seguintes documentos…» passando a julgadora a indicar um extenso rol de documentação junta aos autos por cada uma das partes.
Como é bom de ver, a convicção do Tribunal, quer de primeira instância, quer da Relação, não se funda meramente na prova oral produzida, sendo a mesma conjugada com todos os demais meios de prova que a podem confirmar ou infirmar, e sendo evidentemente apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador, de acordo com um exame crítico de todas as provas produzidas.
Ora, pese embora o Apelante tenha referido que as declarações de parte do autor, e a prova testemunhal, nas partes que transcreveu, aliada à prova documental contida nos autos, impunha decisão diversa da recorrida, o certo é que não indicou um único dos documentos, ínsitos no extenso acervo a que a decisão recorrida fez referência que, quanto aos concretos factos impugnados, impusesse a diversa decisão pretendida.
Por isso que se considere que o Recorrente não deu cabal cumprimento ao ónus de motivar a deduzida impugnação da matéria de facto, o que por si só justificaria a rejeição do segmento do recurso referente à sua reapreciação, nos termos previstos no artigo 640.º, n.º 1, alínea b) do CPC.
Mas, mesmo que assim não se considerasse, por razão de ordem formal, também em substância se verifica ser uma evidência a manifesta improcedência da pretensão deduzida pelo apelante de modificação da matéria de facto considerada provada nos pontos 24 e 25, respectivamente, com o seguinte teor: «o A. recusou-se a assinar a folha de vencimentos da Ré relativa ao mês de Abril de 2017. (artº 27º da petição inicial)»; e «no domínio das relações pessoais, a relação do A. com os irmãos (todos acionistas) tem sido de conflitos frequentes e discussões na presença de funcionários. (artº 7º da contestação)»
Em fundamentação deste segmento da decisão recorrida, disse a julgadora que «Quanto à matéria dos nºs. 22, 23, 24, 25 e 26 dos factos provados, a sua demonstração resulta da confissão do A. constante dos artigos 90º, 22º, 27º da petição inicial (22, 23 e 24) e do depoimento das testemunhas, complementado com as declarações do A. (25 e 26).
Ora, basta cotejar o indicado ponto de facto 24, com o referido artigo da petição inicial, para concluir que não assiste qualquer razão ao recorrente quando pretende que o mesmo seja considerado não provado, pela simples mas evidente razão de que no artigo 27.º da petição inicial, o autor afirmou: «admite o autor, contudo, ter-se recusado a assinar a folha de vencimentos da Ré relativa ao mês de abril de 2017», passando nos artigos seguintes a justificar a razão dessa sua postura.
Portanto, não se vê como pretenderia agora ver modificado tal ponto de facto provado em virtude de alegação que o próprio admitiu.
Quando ao ponto 25 da matéria de facto provada, pese embora tenha a redacção constante do indicado artigo da contestação, o certo é que vai em sentido semelhante ao que o próprio havia igualmente referido no artigo 22.º da petição inicial, onde afirmou que «é certo que, quer no período referente ao mandato em curso (…) quer em períodos anteriores de exercício do cargo por parte ambos, houve discussões de parte a parte com nítida divergência de pontos de vista quanto à gestão da ré e demais sociedades familiares», ambiente que o mesmo confirmou nas suas declarações de parte prestadas na audiência de 09.04.2019, quando afirmou que «a situação do dia a dia era insustentável», e se dúvidas existisse sobre o tipo das relações pessoais entre os irmãos, bastaria atentar nos documentos que o autor juntou aos autos que fazem fls. 23v.º e ss. 26 v.º e ss., e na carta com a qual o autor apresentou a sua demissão do conselho de administração, em 2015, para concluir que as discussões, mesmo no tempo do pai, chegavam a ocorrer ou na presença de funcionários ou a serem audíveis por estes as vozes altas, conforme declararam designadamente J…, I…, Ma…, e a mãe do Apelante e do irmão que igualmente referiu que assistiu às discussões entre os filhos, expressando-se num tom de voz mais alto, mas não ameaças (note-se que estas não foram consideradas provadas).
Concluindo, pelas razões expostas, também a prova indicada pelo Recorrente não imporia decisão diversa a respeito dos indicados pontos da matéria de facto provada, não se verificando qualquer erro do tribunal a quo na apreciação da prova produzida, mas antes a sua adequada apreciação, de acordo com o princípio da livre apreciação que enforma a convicção do julgador, e que subscrevemos.
Vejamos agora se ocorre a imputada contradição entre o facto provado 19 e o não provado 82, a determinar erro no julgamento de facto, cuja modificação se imponha.
Também a respeito desta arguição a resposta não pode deixar de ser negativa.
Na realidade, o que acontece no caso vertente, é que consta no artigo 19.º considerado provado que «a existência do crédito do A. é do conhecimento de todos os accionistas da Ré, pelo menos após o falecimento de J…. (artº 68º e 83º da petição inicial)» dizendo o Recorrente que tal é contraditório com o vertido no artigo 82.º dos factos não provados no qual consta que «Muito embora se tenha já afirmado que o reconhecimento de dívida em apreço era do conhecimento dos acionistas da Ré com responsabilidades de gestão desde o início, a proposta de destituição anexa à ata da Assembleia Geral que constitui o documento ora junto sob o n.º 2 permite demonstrar que o administrador F… sabia da existência de pagamentos feitos ao Autor para pagamento do acordo de reconhecimento de dívida desde, pelo menos, julho de 2015». Não se vê, pois, onde se encontra a apontada contradição, isto porque, em ambos os indicados pontos da matéria de facto se refere concretamente o conhecimento por parte dos administradores, incluindo naturalmente o administrador F…, sendo que enquanto no primeiro ponto está provado que tal conhecimento ocorria, pelo menos, desde o falecimento de J…, em 13.11.2016, no segundo diz-se que não se provou que tal conhecimento ocorresse, pelo menos, já em Julho de 2015. Portanto, conhecer pelo menos a partir daquela data não significa que não conhecesse antes, mas não contradiz que se tenha considerado não provado que já conhecesse pelo menos desde Julho de 2015, isto porque, entre os dois apontados períodos temporais decorre mais de um ano.
Conclui-se, pois, inexistir qualquer contradição, desde logo dificilmente configurável entre matéria de facto provada e não provada, a determinar alteração de qualquer um dos pontos de facto.
Visto isto, e agora relativamente aos identificados pontos de facto da matéria não provada, antes de mais cumpre esclarecer que, ao contrário do que parece perpassar em vários momentos das alegações do recorrente, considerar não provado um facto não significa que se mostra demonstrado o seu oposto.
Porém, conforme temos vindo a afirmar, para o Tribunal da Relação efectuar a reapreciação da prova produzida em primeira instância, deve ter-se presente o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, consagrado no artigo 130.º do CPC, sob a epígrafe “princípio da limitação dos actos”, de acordo com o qual “não é lícito realizar no processo actos inúteis”.
Aplicando o referido princípio à pretendida reapreciação da matéria de facto, deve entender-se que «o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa.
Se o facto ou factos cujo julgamento - ou falta dele - é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância. Isso sucederá sempre que, mesmo com a substituição ou, no caso de deficiência, com o suprimento da decisão daquela instância, a solução e o enquadramento jurídicos do objecto da causa permanecerem inalterados, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação.
Os poderes de controlo da Relação no tocante à decisão da matéria de facto da 1ª instância não devem ser actuados se os factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhum dos enquadramentos jurídicos possíveis do objecto do recurso»[11].
Neste mesmo sentido se pronunciou mais recentemente o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 17-05-2017, afirmando que: «O princípio da limitação dos actos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os actos processuais em geral, proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de actos no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – que não se revelem úteis para alcançar o seu termo. Nada impede que tal princípio seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir»[12].
Ora, tal é precisamente o que acontece na situação em apreço, porquanto, pelas razões que melhor explicaremos infra, para evitar repetição desnecessária, mas que desde já se adianta serem concernentes ao ónus de alegação e prova, não vemos qualquer utilidade na reapreciação da identificada matéria de facto não provada, toda ela alegada pelo Autor e transcrita dos correspondentes artigos da petição inicial.
Não obstante, o artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, impõe ainda ao juiz que na fundamentação da sentença tome em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida, analisando criticamente a prova não vinculada segundo a sua livre convicção acerca de cada facto, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais elementos que foram decisivos para a sua convicção, tendo em vista as questões que ao tribunal cumpre solucionar, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras de experiência, preceito este que, com as devidas adaptações, se aplica à elaboração do acórdão, por força da remissão efectuada pelo artigo 663.º, n.º 2, do CPC.
Deste modo, em face dos indicados preceitos legais, e atento o teor da Certidão Permanente da matrícula da Ré, Sociedade…, SA, que faz fls. 110 a 124 dos autos, consideramos ainda provado que:
i) A sociedade obriga-se, designadamente, pelas assinaturas de a) Dois administradores; b) Um administrador e um procurador com poderes bastantes.
ii) Nos triénios de 2005/2007, 2007/2009, 2011/2013, 2014/2016, mostra-se registado que o Conselho de Administração era composto pelo Presidente, J…, e pelos vogais, L… e F….
iii) Pelas Ap. 6 e 7, de 31.08.2015, foi registada a cessação de funções, por renúncia, de L…, e a sua substituição, na posição de vogal, por D….
iv) Após a destituição do Autor, consta registado que o actual presidente do Conselho de Administração é F…, tendo sido designada vogal, P….
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III.2.3. – O direito aplicável
A título de enquadramento introdutório importa referir que a presente acção foi instaurada com fundamento no disposto no artigo 403.º, n.º 5, do Código das Sociedades Comerciais[13], com fundamento na inexistência da invocada justa causa de destituição, geradora da obrigação de indemnizar.
No caso, é pacífico que o Autor, na Assembleia-Geral da sociedade ocorrida em 7 de Fevereiro de 2017, foi nomeado para o respectivo conselho de administração, e também que, na reunião extraordinária da Assembleia-Geral da Ré que teve lugar em 17 de Maio de 2017, foi deliberada a sua destituição.
Estabelece o artigo 403.º, n.º 1, do CSC, que “qualquer membro do conselho de administração pode ser destituído por deliberação da assembleia geral, em qualquer momento”, o que significa que o legislador consagrou o princípio básico da livre destituibilidade, «isto é: o de livre revogabilidade da sua situação, por ato unilateral e discricionário da sociedade»[14].
Porém, de acordo com o referido número 5 do preceito, “se a destituição não se fundar em justa causa o administrador tem direito a indemnização pelos danos sofridos, pelo modo estipulado no contrato com ele celebrado ou nos termos gerais de direito, sem que a indemnização possa exceder o montante das remunerações que presumivelmente receberia até ao final do período para que foi eleito”.
Assim, atenta a regra da livre destituição consagrada pelo legislador, ao abrigo da qual a sociedade pode livremente, e a todo o tempo, destituir um administrador, urge concluir que na configuração do regime da destituição, a (in)existência de justa causa para a cessação antecipada do mandato releva apenas para saber se a sociedade deve ou não indemnizar o administrador destituído[15], ou, dito de outro modo, a justa causa apenas é necessária para que não haja lugar a indemnização[16], porquanto um dos pressupostos da obrigação da sociedade indemnizar o administrador é a ocorrência da destituição ad nutum[17].
Conforme flui da matéria de facto provada, a sociedade ré invocou um conjunto de fundamentos, acima transcritos nas diversas alíneas do ponto 11 que, a seu ver, justificavam a destituição do ora Apelante, concluindo que «Muitos dos seus comportamentos, quer pela sua gravidade e/ou consequência, torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho entre este e a SLD e entre este e os restantes administradores, também pela sua repetitiva postura assumida de desentendimento, comprometendo a boa marcha dos negócios sociais. Existe assim, decorrente de alguns dos seus comportamentos, uma violação grave dos deveres dos administradores, como a sua inaptidão para o exercício normal das suas funções decorrente dos seus actos. Foram assim violados pela sua conduta os mais básicos princípios de lealdade, enquanto é exigível aos administradores, exclusivamente terem em vista os interesses da sociedade e procurarem satisfazê-los, abstendo-se, portanto, de promover o seu próprio benefício ou interesse. Toma-se assim claro que com estas práticas levadas a cabo pelo administrador L… têm consequências».
Concordando com a qualificação dos factos provados como integrando o conceito de justa causa, entendeu a primeira instância que estavam verificados fundamentos graves mercê dos quais não era exigível à sociedade manter a relação com o administrador, justificando-se pela sua verificação, a destituição do administrador da ré, ora Apelante.
Estatui o n.º 4 do artigo 403.º do CSC que “constituem, designadamente, justa causa de destituição a violação grave dos deveres do administrador e a sua inaptidão para o exercício normal das respectivas funções”.
Verifica-se, pois, que à semelhança do que acontece em outros casos no nosso ordenamento jurídico[18], o legislador usou a denominada técnica dos exemplos-padrão, elencando exemplificativamente, por via da utilização de cláusulas gerais, dois grupos de situações que, se verificadas, constituem justa causa, justificativa da destituição, quando esta tenha sido fundada em factos dos quais se extraia o preenchimento daquele conceito indeterminado, com a consequente desoneração da sociedade da obrigação do pagamento de indemnização ao administrador destituído.
Como refere BAPTISTA MACHADO[19], a justa causa será “qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual e segundo a boa-fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer os pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação”.
Na doutrina surpreendem-se duas orientações distintas, a propósito do conceito de justa causa de destituição, assim sintetizadas[20]:
«i. Uma orientação “mais laboral”, nos termos da qual só haverá justa causa de destituição cumprido o pressuposto da culpa do administrador. Ou seja, a justa causa consubstanciaria um comportamento culposo do administrador que pela sua gravidade justificava a destituição – MENEZES CORDEIRO, “Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, Lex, Lisboa, 1997, pág.380; JORGE PINTO FURTADO, “Código Comercial Anotado, II/1, pág. 91.
ii. Do outro lado, uma orientação “civilista”, segundo a qual não é exigível um comportamento culposo do administrador para haver justa causa de destituição. Basta ser apresentado um justo motivo que será apreciado livremente pelo tribunal. – PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “Código Civil Anotado”, ob. cit., pág. 731; COUTINHO DE ABREU, “Governação…”, ob. cit. pág 161; ILÍDIO DUARTE RODRIGUES, “A Administração das Sociedades…”, ob. cit. pág. 245; JOÃO LABAREDA, “Questões…”, ob. cit., pág. 79».
Na jurisprudência, em face desta opção do legislador, e concordantemente com o que ocorre nos referidos lugares paralelos do nosso sistema jurídico, o julgador efectua a densificação do conceito de justa causa, em face das particularidades do caso concreto. Assim, a determinação dos comportamentos do administrador que constituem justa causa de destituição, resolve-se casuisticamente, pela ponderação dos interesses em presença, e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes no quadro da relação estabelecida entre as partes, apreciadas objectivamente, em face do quadro abstracto da relação contratual, e em concreto, das relações estabelecidas entre as partes.
Deste modo, podemos genericamente afirmar que existe justa causa de destituição, quando da factualidade subjacente decorra que, na ponderação dos interesses em presença e da situação de facto que gerou a destituição, a gravidade e consequências do comportamento do administrador na vida societária, e o carácter das relações estabelecidas entre as partes, permita concluir que a cessação unilateral do vínculo, se mostra justificada.
“Por conseguinte, o conceito de justa causa liga-se à inviabilidade do vínculo contratual e corresponde a uma crise contratual extrema e irreversível”[21], por isso que, cumpra avaliar, “se o facto ou situação imputados prejudicam de tal modo o interesse social que impõem a ruptura do vínculo; se afrontam a atuação de um gestor criterioso e ordenado, em benefício do interesse social e tendo em conta o interesse dos sócios”[22].
Importa ainda ter presente que, “para integrar o conceito de justa causa a que se refere este preceito não basta a mera retirada da confiança pela Assembleia Geral no seu administrador, devendo prevalecer o entendimento no sentido de que a justa causa tem que ser apreciada de um prisma objectivo (não como uma falta de confiança subjectiva e superveniente do mandante no mandatário), considerando-se como tal toda a circunstância que torne contrário aos interesses do mandante o prosseguimento da relação jurídica”[23]. Este aspecto assume especial relevância porquanto antes da “reforma de 2006, em matéria de justa causa de destituição, importavam os arts.º 257º/6 (relativo aos gerentes das sociedades por quotas) e o art.º 430º/2 (relativo ao administradores das sociedades anónimas), ambos do CSC. Enquanto o primeiro permaneceu intocado depois da reforma, o art.º 430º/2 remete, agora, para o art.º 403º/4/5. Desta forma, foi eliminada a referência à “retirada de confiança pela assembleia geral” como justa causa de destituição”[24].
Efectuado o necessário enquadramento, diremos que, a nosso ver, a destituição do autor do cargo que exercia, ao invés do considerado na sentença recorrida, não se encontra justificada por comportamentos seus, que no curto período deste mandato, constituíssem fundamento que tornassem inexigível à ré sociedade a manutenção da relação estabelecida com o Autor, isto porque, percorridos os factos provados, a sua esmagadora maioria já provém de situações anteriores, isto é, nem os pagamentos indevidos decorrentes de reconhecimento de dívida anterior ao autor, nem os desentendimentos graves, na presença de funcionários, constituíram comportamentos exclusivos do período deste mandato.
Na realidade, o Autor foi administrador da Ré no período compreendido entre 2005 e 2015, existindo pagamentos desde 2012, necessariamente do conhecimento do co-administrador, que actualmente exerce as funções de Presidente do Conselho de Administração da sociedade, pelo menos desde a morte do pai, em novembro de 2016. As difíceis relações familiares, também não eram novidade, à data. Assim, todos esses factos, não podem constituir justa causa de destituição, pela simples mas evidente razão, de que eram conhecidos à data em que a Ré, com a sua nomeação para o cargo, não os considerou obstativos do exercício das funções. Como assim, admitir que os mesmos pudessem ser atendidos, constituiria sufragar um verdadeiro venire contra factum proprium.
Restam assim, os factos referentes à falta de assinatura da folha de vencimentos e à recusa do aval.
Por isso, é agora tempo de olhar para a questão já aflorada respeitante ao ónus de alegação e prova que impende sobre cada uma das partes.
A este respeito é entendimento pacífico que ao autor que instaura acção deduzindo pretensão como a presente, apenas cabe alegar e provar a sua qualidade de administrador, a destituição, os prejuízos e o nexo de causalidade, incumbindo à ré sociedade o ónus de alegar e provar os factos que integram a justa causa, por se tratarem de factos impeditivos do direito que aquele se arroga.
Conforme consta da clarividente síntese efectuada no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.07.2006[25], «Os administradores das sociedades anónimas podem ser destituídos por deliberação da assembleia geral.
A deliberação pode ser tomada com invocação de justa causa ou ad nutum.
Justa causa da destituição será aquela que tenha por fundamento a verificação de um motivo grave, de tal modo que não seja exigível à sociedade manter a relação de administração.
A justa causa da destituição é matéria de excepção, pelo que incumbe á sociedade ré o respectivo ónus da prova.
Ao autor cabe provar a sua qualidade de administrador, a destituição, os prejuízos e o nexo de causalidade.
Sendo a destituição ad nutum dá lugar a indemnização pelos prejuízos causados, valendo, quanto aos danos patrimoniais, a teoria da diferença.
Trata-se de um caso de responsabilidade por facto lícito».
Revertendo o que vimos de referir à situação em presença, temos que, incumbindo à sociedade a prova de comportamentos que assumam a gravidade justificativa da cessação da relação de administração antes do final do mandato, a mesma não invocou qualquer facto de onde resultasse que daquelas situações resultou prejuízo para a vida em sociedade. Por isso, atenta a sua essencialidade, não podem ser extraídos por ilação nem a simples prova havida, sustenta tal ilação retirada em primeira instância, desde logo, porque a sociedade se obriga com 2 administradores, ou um com a procuração do outro. Sendo que o co-vogal administrador, ora Presidente, tinha então procuração da mãe de ambos, então Presidente, não se vê, nem a sociedade alegou, que a recusa da assinatura da folha de vencimentos tivesse redundado em qualquer atraso no seu processamento. Acresce que, relativamente à questão do aval, a sociedade alegou, e não provou, que tivesse sido exigido de todos os sócios. Portanto, tendo sido prestado por outro, não se extrai da recusa de um, a gravidade de conduta que se repercuta no normal funcionamento da vida da sociedade.
E tanto basta a este respeito aduzir, porquanto entendemos que, na economia dos autos, outro e decisivo fundamento determina a improcedência da acção
Na verdade, como já referido, o autor alegou e demonstrou a sua qualidade de administrador e a destituição ocorrida escasso tempo volvido desde a sua nomeação.
Porém, para a procedência da acção importava ainda que o autor alegasse, para que oportunamente pudesse provar, os prejuízos por si sofridos em consequência da sua destituição.
Compulsado o petitório inicial, verificamos que, para preenchimento deste pressuposto da obrigação de indemnizar, o Autor apenas invocou os preceitos legais fundamento da sua pretensão indemnizatória com base na teoria da diferença, no caso, o n.º 5 do artigo 403.º do CSC, e o n.º 2 do artigo 566.º do CC, aduzindo que entre as partes não foi celebrada convenção determinando a indemnização (artigos 94.º a 96.º da petição inicial), e seguidamente referiu que «não havendo quaisquer razões para presumir que o Autor não iria exercer o cargo de administrador durante todo o mandato para o qual foi designado, o dano patrimonial por si sofrido corresponde aos lucros cessantes consubstanciado nas remunerações que receberia até ao final do mandato em curso, isto, é, 31 de dezembro de 2019, e que deixou de auferir por via da destituição” (artigo 97.º), concluindo no artigo 100.º ser “credor das remunerações vencidas de junho e julho de 2017 e das vincendas até 31 de dezembro de 2019 (incluindo prestações compensatórias análogas aos subsídios de férias e de Natal, totalizando 14 meses/noa), perfazendo assim a indemnização ora peticionda o montante total de € 127.400,00”.
Ora, como tem vindo a ser jurisprudência pacífica do nosso mais Alto Tribunal, que se extrai do aresto proferido em 29.05.2014,[26] «O administrador tem o ónus de alegar e provar a destituição, os danos sofridos e o nexo de causalidade entre aquela e estes, não constituindo alegação dos danos a mera alegação das remunerações que auferiria se não tivesse sido destituído do conselho de administração […] Cumpria-lhe, portanto, alegar os factos integrativos desse prejuízo e isso ele não fez, pois partiu do pressuposto que o seu prejuízo correspondia à perda das retribuições que iria auferir se não tivesse sido destituído […]. De qualquer modo, não basta a simples invocação da perda de remuneração devida pelo exercício da administração, pois os prejuízos para o autor só se verificam se ele não teve a oportunidade de exercer outra atividade remunerada de idêntico nível económico, social e profissional» (o sublinhado é nosso).
Como é bom de ver, decorre deste sentido decisório, que sufragamos, que a matéria de facto alegada pelo Autor e provada nos pontos 29 e 30, referente à sua remuneração no exercício do cargo de administrador da Ré e que lhe foi abonada ainda no mês de Maio de 2017, pelo que, conforme também sublinhado no citado aresto, «comprova apenas o ganho mensal que o autor, com a destituição, deixou de auferir, não bastando para daí se concluir que sofreu prejuízos».
Na realidade, tendo a acção entrado em juízo decorridos mais de dois meses da Assembleia-Geral de destituição, já se justificava alegar que não foi desde aquele momento conseguida outra atividade remunerada pelo administrador destituído.
E, como igualmente se sublinhou naquele aresto, «no presente caso, estão em causa os danos previsíveis (artigo 564.º/2) derivados da situação criada. Ora a previsibilidade de a situação atual se prolongar no futuro não se basta com a alegação de que houve perda de rendimentos com a destituição. O autor terá de alegar factos que justifiquem admitir-se que não será viável lograr ocupação profissional. Tais factos, por exemplo, hão de evidenciar a situação profissional em que o administrador destituído ficou considerada à luz do seu passado e do seu presente e da sua idade, a situação existente no respetivo ramo de trabalho, a influência exercida pela empresa em que trabalhou no mundo do mercado, designadamente sobre outras empresas dela clientes que sejam demonstrativos de uma previsível perda de oportunidade laboral, etc.».
Só se tal tivesse ocorrido poderia este tribunal ter elementos para ponderar se estavam ou não provados factos demonstrativos de uma efetiva perda de possibilidade. Deste modo, é completamente irrelevante o facto de a Ré não ter provado os factos constantes dos pontos 70 e 71 da matéria “não provada”, isto porque, a sua pertinência só poderia importar enquanto alegação de factos impeditivos dos alegados pelo Autor, que, como vimos, não existem.
Na realidade, como certeiramente se concluiu no aresto do Supremo Tribunal de Justiça que vimos acompanhando, «podia a lei prescrever que, em caso de destituição ad nutum, o administrador destituído teria sempre direito a receber as remunerações que lhe seriam devidas até ao termo do seu mandato salvo se a destituição se fundasse em justa causa, situação em que a elas não teria direito. Não foi esta a opção da lei e, por conseguinte, tal como resulta do preceito, a indemnização pelos danos deve ser atribuída "nos termos gerais do direito"».
Em suma, a mera alegação pelo administrador das remunerações que auferiria se não tivesse sido destituído do conselho de administração, comprova apenas o ganho mensal que o autor, com a destituição, deixou de auferir, não bastando para daí se concluir que sofreu prejuízos e, por isso, ainda que se considere não verificada a alegada justa causa, nos termos gerais de direito, o autor não tem direito à peticionada indemnização.
Deste modo, não tendo o ora Apelante alegado os necessários factos constitutivos do direito de obter a pretendida indemnização, e que por mor do disposto no artigo 342.º do CC, não podiam deixar de ser alegados enquanto factos constitutivos do seu invocado direito à indemnização pela destituição, falece um dos pressupostos do seu direito e, só por isso, conforme certeiramente observou a Apelada nas contra-alegações, a acção sempre teria que improceder.
E por isso se disse que seria inútil reapreciar a matéria de facto não provada.
Improcede, pois, o recurso.
Vencido o Apelante, suportará as custas devidas, de harmonia com o princípio da causalidade vertido nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, e 529.º, n.ºs 1 e 4, do CPC.
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IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar improcedente o presente recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
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Évora, 30 de Janeiro de 2020
Albertina Pedroso [27] (relatora)
Tomé Ramião
Francisco Xavier
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[1] Juízo Central Cível de Santarém - Juiz 3.
[2] Relatora: Albertina Pedroso; 1.º Adjunto: Tomé Ramião; 2.º Adjunto: Francisco Xavier.
[3] Doravante abreviadamente designado CPC.
[4] Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, 2017, pág. 736.
[5] Cfr. JOSÉ ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, págs. 142 e ss; e Ac. STJ de 19-04-2012, processo n.º 9870/05.5TBBRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt, como a demais jurisprudência abaixo citada sem menção de outra fonte.
[6] Cfr. neste sentido, exemplificativamente, Ac. STJ de 12-01-2010, processo n.º 630/09.5YFLSB; Ac. TRL de 20-12-2010, processo n.º 1650/10.2TBOER-A.L1-1; e Ac. TRC de 29-02-2012, processo n.º 144732/10.9YIPRT.C1. Este entendimento jurisprudencial pacífico estriba-se na doutrina já defendida por José Alberto dos Reis que a propósito do correspondente normativo afirmava que se impõe ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, resultando a nulidade, precisamente, da infracção pelo juiz desse dever que lhe está legalmente cometido.
[7] In Direito Processual Civil, vol. II, Almedina 2015, pág. 371.
[8] Cfr. para maior desenvolvimento, Ac. TRP de 05.03.2015, proferido no processo n.º 1644/11.0TMPRT-A.P1.
[9] Cfr., Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2014, pág. 139.
[10] Pois como se refere no Ac. STJ de 21.05.2009, “Se a questão é abordada, mas existe uma divergência entre o afirmado e a verdade jurídica ou fáctica, há erro de julgamento, não “error in procedendo”.
[11] Cfr. Acórdão do TRL de 10-02-2011, proferido no processo n.º 334/10.6TVLSB-C.L1-2.
[12] Proferido no processo n.º 4111/13.4TBBRG.G1.S1.
[13] Doravante abreviadamente designado CSC.
[14] Cfr. na doutrina MENEZES CORDEIRO, in Manual de Direito das Sociedades, Vol. II, 2.ª edição, pág. 431, e na jurisprudência, os recentes Acórdãos deste TRE de 11.07.2019, proferido no processo n.º 110/17.5T8STR.E1, e de 10.10.2019, proferido no processo n.º 111/17.3T8STR.E1, orientação já preconizada no Ac. de 13.02.2014, proferido no processo n.º 802/09.2TBSLV.E1, e relatado pelo ora 2.º adjunto.
[15] Cfr. DIOGO LEMOS CUNHA, in A Destituição de Administradores de Sociedades Anónimas: Em Particular o Alcance e o Sentido da Justa Causa de Destituição, in ROA, Ano 74 vol. III/IV, Lisboa, 2014, pág. 606.
[16] Cfr. MENEZES CORDEIRO, ob. e loc. citados.
[17] Cfr. Ac. STJ de 11.07.2006, proferido no processo 06A1884.
[18] V.g. no artigo 30.º al. A) do Regime Jurídico do Contrato de Agência, no artigo 351.º, n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho e no artigo 1083.º, n.º 2, do CC, a respeito da resolução do contrato de arrendamento.
[19] In Pressupostos da Resolução por Incumprimento, Obra Dispersa, Vol. I, pág. 143.
[20] Cfr. FRANCISCA NEVES MATA DE CARVALHO, in Destituição de Administradores de Sociedades Anónimas – a regra da livre destituição, Dissertação em Ciências Jurídico-Empresariais-Menção em Direito Empresarial, Universidade de Coimbra, Julho/2016, pág. 28, nota de rodapé 28.
[21] Cfr. a título meramente exemplificativo, Ac. STJ, de 27.11.2007, proferido no processo n.º 07S2879.
[22] Cfr. Ac. TRL de 05.07.2018, proferido no processo n.º 875/14.6TVLSB-8.
[23] Cfr. citado Ac. TRE relatado pelo ora 2.ª adjunto.
[24] Cfr. FRANCISCA NEVES MATA DE CARVALHO, loc. cit., nota de rodapé 47.
[25] Cfr., proferido no processo n.º 06A1884, que se cita a título meramente exemplificativo do entendimento pacífico, no mesmo preconizado.
[26] Proferido no processo 2387/08.8TBFAR.E1.S1, citando parcialmente o Ac. de 8-2-2011, n.º 536/03, do relator (Cons. Salazar Casanova) e os Acs do STJ de 11-7-2006 (rel. Pereira da Silva), P. 988/2006, de 14-12-2006 (rel. Azevedo Ramos), P. 3803/2006.
[27] Texto elaborado e revisto pela Relatora.