Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
22/15.7GDABF.E1
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
ALCOOLÍMETRO
ERRO MÁXIMO ADMISSÍVEL
Data do Acordão: 02/18/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário:
I – Perante o desconhecimento sobre a natureza da verificação do alcoolímetro, que foi certificada, deve descontar-se o EMA de 8%, por ser o mais favorável ao arguido.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal:

1. No Processo Comum Singular n.º 22/15.7GDABF, da Comarca de Faro (Albufeira – Juiz 1) foi proferida sentença a condenar a arguida CC, como autora de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez dos artigos 69.°, n.º 1 al. a) e 292.°, n.º 1 do Código Penal, nas penas de sessenta dias de multa à taxa diária de €6,00 e de três meses e quinze dias de proibição de condução de veículos.

Inconformada com o decidido, recorreu a arguido, concluindo:
“1- O presente recurso é interposto da Douta Sentença proferida nos presentes autos, na qual a arguida foi condenada pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º 1, do CP, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de €6,00, o que perfaz o valor de €360,00, na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 3 meses e 20 dias e ainda nas custas do processo.

2- Defende a ora recorrente, que em face do direito aplicável, bem como da factualidade apurada em sede de julgamento, outra deveria ter sido a decisão que absolvesse a arguida dos factos que lhe eram imputados, motivo pelo qual vem apresentar o presente recurso.

3- No presente recurso impugna-se a matéria de Facto e de Direito, nos seguintes pontos:

Impugnação da matéria de facto - Erro notório na apreciação da prova, vício do art. 410º, nº 2, al. a) e c) do CPP - quanto aos pontos 1. e 2. dos factos provados da Douta Sentença.

4- Consta da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto da Douta Sentença, que a convicção do Tribunal "a quo", assentou, nomeadamente, no Auto de Notícia junto a fls. 5 a 6 e o talão a fls. 7, decorrente do teste de controlo de alcoolemia a que a arguida foi sujeita, no qual acusou uma TAS de 1,35 g/I, valor este que, após dedução do erro máximo admissível (EMA) previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição (Portaria n.º 1556/2007, de 10/12), resultou uma TAS igual a 1,28 g/1.

5- Do certificado de verificação, constante de fls. 8 dos autos, a última verificação periódica do alcoolímetro era válida até 31/12/2014 e a arguida efectuou o exame no dia 29/01/2015.

6- Não pode valer como meio de prova um controlo efectuado com aparelho que ultrapassou o prazo de validade, sem ter ido ao controlo de medição, para se aferir do rigor da medição do controlo feito pelo mesmo.

7- Para valer como meio de prova, o aparelho de medição do álcool deveria ter sido submetido a inspecção periódica até ao dia 31/12/2014, o que não sucedeu ou, pelo menos, não consta dos autos que tal tivesse ocorrido.

8- O apuramento concreto da TAS, com que a arguida alegadamente se apresentava, é essencial ao preenchimento de um dos elementos do tipo objectivo de ilícito e o apuramento concreto da TAS só é possível mediante a realização de um teste fiável, o que não sucedeu no caso sub judice.

9- Pelo que, considera a arguida, ora recorrente, que impunha-se a sua absolvição, com base no princípio "in dubio pro reo".

10- A valoração pelo Douto Tribunal “a quo" do resultado do referido exame significou valoração de prova proibida, não podendo e não devendo, a prova (talão do alcoolímetro e auto de notícia), ser valorada, nos termos dos arts. 125.º e 127.º do CPP.

11- De acordo com as normas que regulam o controlo metrológico dos alcoolímetros, cuja existência se funda, precisamente, na necessidade de garantir a respectiva fiabilidade, os aparelhos em causa têm, forçosamente, de ser objecto de pelo menos uma verificação anual, sendo tal verificação periódica válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, o que não sucede no caso em apreço ou, pelo menos, não consta dos autos que tivesse sido realizada tal verificação.

12- O exame/controlo é um meio de obtenção de prova, pelo que não pode ser valorada positivamente a prova obtida mediante a utilização de um aparelho de medição que ultrapassou o respectivo prazo de validade ou que, pelo menos, se desconhece se foi sujeito a outra verificação periódica mais recente.

13- A prova da existência de uma taxa de álcool no sangue igualou superior a 1,2 g/I depende da validade do instrumento medidor da alcoolemia, e, logo, da sua regular verificação periódica.

14- A questão não se situa no âmbito da validade ou nulidade do exame/controlo em si, mas antes na fiabilidade da prova que do mesmo resulta e de acordo com o certificado junto aos autos, o aparelho em causa nestes autos ultrapassou o prazo de validade, e, salvo melhor opinião, não é válida a prova obtida com o mesmo, desconhecendo-se se o mesmo é fiável, nomeadamente, às temperaturas que ocorrem no país, caso seja Verão ou Inverno, como era o caso sub judice (Janeiro).

15- Assim sendo, e porque - repita-se - o certificado de Verificação, que consta de fls. 8 dos autos, é válido apenas até 31/12/2014, não é possível concluir, com um mínimo de segurança, pela sua fiabilidade em 29/01/2015, razão pela qual a factualidade em causa deveria ter sido dada como não provada.

16- Considera-se que foi incorrectamente julgado o ponto 2. dos factos provados, pois que o resultado do exame para pesquisa de álcool, materializado no talão do alcoolímetro, contendo alusão à taxa de álcool que a arguida acusou, impõe diversa, no sentido de que não resulta provado que a arguida conduzia com uma taxa de, pelo menos, 1,28 g/I, conforme resulta do exame efetuado no aparelho "Drager Alcotest" 7110 MK III P.

17- Face ao supra exposto, o constante do ponto 2. dos factos provados, deveria constar nos pontos de facto não provados, ou seja, que não resultou provado que a arguida conduzia com uma taxa de, pelo menos, 1,28 g/I, conforme resulta do exame efetuado no aparelho "Drager Alcotest" 7110 MK III P.

18- Nos termos e para os efeitos dos artigos 410º, nº 2, a) e c) e 412º, nº 3, a) do CPP, salvo o devido respeito, mostra-se incorrectamente julgado o ponto 2. dos factos dados como provados, o qual foi dado como provado e deverá ser dado como não provado.

19- Pelo que, impugna a Recorrente o ponto 2. dos factos dados como provados.

20- Considera a Recorrente, salvo melhor opinião, que o Douto Tribunal a "quo" violou o disposto no art. 292º, nº 1 do CP e arts. 125º e 127º do CPP e arts. 18º e 32º, nº 2 da CRP, ao ter condenado a arguida pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por a alcoolemia da mesma ter sido medida apenas por um alcoolímetro cuja verificação periódica estava à data ultrapassada.

21- Quanto ao ponto 1. dos factos provados, refere a Douta Sentença, nomeadamente, que a convicção do Douto Tribunal "a quo" em relação aos factos provados e não provados, fundou-se no conjunto da prova, apreciada criticamente, junta aos autos e a produzida em sede da audiência de julgamento, em especial nas declarações da arguida, que negou a factualidade que lhe era imputada e nas declarações das testemunhas Mariana, que corroborou a versão da arguida, e do militar da GNR, BM, que apresentou uma versão distinta.

22- E perante as declarações apresentadas, entendeu o Douto Tribunal "a quo" desvalorizar as declarações da arguida e da testemunha Mariana e, condenar a arguida, face às declarações da testemunha, militar da GNR, BM.

23- Com tal entendimento, não concorda a Recorrente, que considera que perante a prova apresentada em sede de julgamento, outro deveria ter sido o entendimento do Douto Tribunal "a quo", pois que da prova produzida resulta provada a factualidade descrita pela arguida de que não estava a conduzir ou, pelo menos, da prova produzida resultam sérias dúvidas que o estivesse a fazer, ao contrário do que consta da acusação.

24- Das declarações da arguida prestadas em sede de audiência de julgamento" (gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, no dia 18/09/2019, entre as 12:13:49 e as 12:28:37), esta negou, peremptoriamente, a factualidade que lhe é imputada, nomeadamente que estivesse a conduzir o veículo automóvel na via pública na altura da fiscalização, alegando que o condutor do veículo automóvel era o seu irmão, PP.

25- Que foram a uma festa, em casa de uma amiga, e que quando saíram da festa, a arguida, conjuntamente, com os outros que a acompanhavam, permaneceram no interior da viatura, desligada, a qual se encontrava parqueada junto da casa da amiga, a comer, tendo esta, por mero acaso, se sentado no lugar do condutor, pois que o irmão sentou-se no banco traseiro, com a namorada, embora não fosse esta a condutora, nem tivesse pretensões de conduzir, quando foram abordados pelos militares da GNR (passagem aos minutos 02:37 a 10:10 das suas declarações'"), tendo esclarecido, inclusive, que a chave do veículo estava com o seu irmão, não estava na ignição (passagem a minutos 14:08 a 14:25 das suas declarações 15).

26- A versão da arguida foi corroborada pela testemunha Mariana, cujo depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, no dia 03-10-2019, entre as 11:35:34 e as 11:52:38, que quando saíram da referida festa, os mesmos decidiram permanecer no interior da viatura, desligada, a comer e a conviver.

27- Mais, declarou, a referida testemunha que, a arguida não era a condutora do veículo no dia e hora em questão (passagem aos minutos 04:40 a 10:45 das suas declarações") (…)

28- Declarou ainda a testemunha Mariana que, aquando da fiscalização pelos militares da GNR, recordava-se, claramente, o motor do veículo estar desligado, que o veículo estava totalmente desligado, nem o rádio estava ligado e que os cintos de segurança não estavam colocados (passagem aos minutos 08:25 a 08:58 das suas declarações's).

29- Esta testemunha, no entender da Recorrente, depôs de forma coerente e credível, demonstrando ter conhecimento dos factos, contudo, o Tribunal lia quo" entendeu dar maior credibilidade ao depoimento do militar BM.

30- A testemunha BM, cujo depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, no dia 03-10-2019, entre as 11:19:21 e as 11:34:09, e com interesse para o presente recurso, declarou não ter visto quem era o condutor do veículo quando este mudou a marcha da viatura, dada a distância de onde se encontrava, entre 50 a 100m, só tendo visto que se tratava de um veículo de cor escura, talvez um Pólo ou um Cllo (passagem aos minutos 07:10 a 10:20 das suas declarações21).

31- Declarou ainda que quando avistou o referido veículo, ele e o seu colega estavam fora da viatura da GNR, deslocaram-se para a mesma, e só depois, seguiram no encalço do veículo que tinha alterado a sua marcha ao constatar a presença da GNR.

32- Tendo declarado ainda, não ter dúvidas que se trata do mesmo veículo por si fiscalizado, dadas ambos terem as mesmas características, mas sobretudo dado o curto hiato temporal que distou desde a primeira vez que viu a viatura e a sua abordagem e pela sua experiência profissional.

33- Tendo admitido, contudo, que perdeu de vista o veículo que tinha avistado a alterar a sua marcha, até ao momento em que fez a abordagem ao veículo XX (passagem aos minutos 13:45 a 14:17 das suas declarações 22).

34- Considera a Recorrente, que perante a prova produzida deveria o Douto Tribunal "a quo" ter decidido de maneira diversa, pois que apesar dos pequenos lapsos de memória, que são naturais atendendo ao lapso de tempo decorrido (4 anos), esta testemunha prestou um depoimento credível, circunstanciado e coerente e, no entender da arguida, compatível com a demais prova dos autos e que atesta na íntegra a versão desta.

35- Além de que, do depoimento da testemunha BM, nomeadamente, passagem aos minutos 08:05 a 08:37 das suas declarações 23, podemos concluir que o mesmo não viu quem vinha a conduzir quando avistou o veículo.

36- E o grau de certeza desta testemunha de que se tratava do mesmo veículo que abordou, o veículo XX, é apenas a sua convicção pessoal, por ambos terem as mesmas características, pelo curto espaço de tempo que distou desde a primeira vez que viu a viatura e a sua abordagem (tendo admitido que não o teve sempre ao alcance da vista) e pela sua experiência profissional, o que entende a Recorrente que é manifestamente insuficiente para com o devido grau de certeza, dizermos que se tratava da mesma viatura.

37- Assim, face ao que resultou da prova produzida, entende-se e salvo melhor entendimento, que não poderia ter sido dado como provado o facto constante do ponto 1. dos factos provados constantes da Douta Sentença.

38- Pelo que, impugna a Recorrente o ponto 1. dos factos dados como provados.

39- Em processo penal estamos no campo da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento que leva á condenação ou da falta de prova que conduz á absolvição do arguido, sendo que até a dúvida aproveita ao arguido, por aplicação do princípio intocável e constitucionalmente previsto do "in dubio pro reo".

40- Pelo que, salvo o devido respeito, mais que não fosse por aplicação do princípio da presunção de inocência deveria a arguida ter sido absolvida do crime que lhe era imputado.

41- Por aplicação do princípio "in dubio pro reo", previsto no art. 32º, n.º 2 da CRP, deveria a arguida ter sido absolvida do crime que lhe era imputado.

42- Para tanto, e nos termos e para os efeitos dos arts. 410º, nº 2, a) e c) e 412º, nº 3, a) do CPP, salvo o devido respeito, mostra-se incorrectamente julgado o ponto 1. dos factos dados como provados, o qual foi dado como provado e deverá ser dado como não provado e, em consequência, a arguida ser absolvida do crime de que está acusada.

43- As declarações da arguida e das testemunhas Mariana e BM, cujos depoimentos estão devidamente referenciados e indicadas concretamente as respectivas passagens (art. 412º, nº 3, b) CPP), salvo melhor entendimento, impõem uma decisão diversa da decisão ora recorrida, a qual deverá ser revogada.

44- Face ao supra exposto, e salvo melhor entendimento, considera-se haver erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto na alínea c) do nº 2 do art. 410º do CPP, gerador de nulidade que se invoca para todos os efeitos legais tidos por convenientes.

45- Nestes termos, salvo melhor entendimento, terá assim o Tribunal "a quo" violado o disposto nos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a) do CP, art. 127º do CPP e arts. 18º e 32º, nº 2 da CRP.”

O Ministério Público arguido respondeu ao recurso pronunciando-se no sentido da procedência parcial, e concluindo:

“1.a A data da aferição do aparelho, em 27-6-2014, consta expressamente do auto de notícia, a fls. 6, e do talão de fls. 7, o que permite a validação probatória relativamente à taxa de álcool verificada.

2.a Na sentença realizou-se um desconto de 5% ao valor registado a fls. 7 considerando a primeira verificação certificada a fls. 8,

3.a Porém, desconhece-se a natureza da verificação realizada no dia 27-6-2014, razão pela qual há-de realizar-se um desconto de 8% correspondente a verificação periódica, por ser o mais favorável.

4.a A matéria de facto do ponto 2 dos factos provados deve alterar-se consignando-se que conduziu com uma taxa de álcool no sangue de 1,24 gramas por litro.

s.a Na sentença expõe-se as razões de facto que determinaram a prova dos factos inseridos no ponto 1 dos factos provados,

6.a A fundamentação é clara, bastante, e permite perceber o raciocínio lógico que levou a dar como provado que a arguida era a condutora;

7.ª Dos factos constatados pela testemunha BM, retirou o tribunal a convicção de que a arguida conduziu o veículo,
8.a Não há violação das regras de experiência nem do principio in dubio pro reo,

9.° Não pode haver absolvição.”

Neste Tribunal, o Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, mas não acompanhando integralmente a resposta ao recurso por considerar enfermar a sentença de uma insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, sugerindo o reenvio à primeira instância com vista à supressão do referido vício.

Não houve resposta ao parecer. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

2. A sentença, na parte que releva em recurso, tem o seguinte teor:

“Factos Provados
1.1.1. - Com relevância para a decisão criminal, provaram-se os seguintes factos:
1. No dia 29 de janeiro de 2015, pelas 5h47, na EM 1287, Albufeira, área desta comarca, a arguida conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, matrícula XX.

2. Fazia-o com uma TAS de, pelo menos, 1,28 g/l, conforme resulta do exame efetuado no aparelho "Drager Alcotest" 7110 MK III P.

3. A arguida agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que não podia conduzir veículos na via pública após ter ingerido bebidas alcoólicas na quantidade que ingeriu.

4. Sabia que a sua conduta era proibida por Lei.

1.1.2. - Com relevância para a decisão criminal, provaram-se os seguintes factos da contestação:

5. No interior do veículo automóvel ligeiro de passageiros, matrícula XX, para além da arguida, encontravam-se pelo menos mais três pessoas no interior do veículo, todos a comer, sendo que a arguida se encontrava sentada no lugar do condutor.

6. O veículo automóvel ligeiro de passageiros, matrícula XX era, à altura dos factos, propriedade de PP.

7. A chave do veículo encontrava-se na ignição.

8. Aquando da fiscalização, o veículo automóvel encontrava-se ligado, sendo que a arguida se encontrava sentada no lugar do condutor, com o cinto posto.

9. A arguida exerce a atividade de auxiliar de ação médica, auferindo uma renumeração mensal de €630,00, recebendo ainda apoio social a título de RSI, no montante de €300,00 pelo filho maior e abonos pelos filhos menores de idade, para além de ter apoio económico da progenitora.

10. Vive com os três filhos, dois menores de idades, numa habitação arrendada pela quantia mensal de €600,00.

11. Concluiu o 11.° ano de escolaridade.

12. A arguida foi condenada:
• Por sentença proferida no processo comum n.º ---/09.7PAPTM do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Portimão, transitada em julgado em 30.05.2011, pela prática de um crime de injuria agravada, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €5,00; pena extinta por cumprimento.
*
1.2. - Factos Não Provados
1.2.1. - Com relevância para a decisão criminal, não se provaram os seguintes factos da contestação:

a) O veículo automóvel ligeiro de passageiros, matrícula XX encontrava-se estacionado à porta do prédio onde foram comemorar um aniversário.

b) O veículo automóvel estava desligado.

c) A chave encontrava-se na ignição para permitir que o radio funcionasse, porquanto os ocupantes do veículo estariam a ouvir música enquanto comiam.

d) A arguida não era condutora do veículo.
*
1.3. - Fundamentação da Decisão Sobre a Matéria de Facto
A convicção do Tribunal em relação aos factos provados e não provados acima descritos fundou-se no conjunto da prova, apreciada criticamente, junta aos autos e a produzida em sede da audiência de julgamento, em especial nas declarações da arguida, a qual negou, em sumula, a factualidade que lhe é imputada, nomeadamente que estivesse a conduzir o veículo automóvel na via publica à altura da fiscalização, alegando que o condutor do veículo automóvel seria PP, seu irmão.

Alegou que, no dia em questão, ter-se-ia deslocado a um aniversário de uns amigos, na companhia do irmão, da sua então namorada e uma amiga, Mariana, tendo esta ingerido bebidas alcoólica no decurso do festejo (cerca de cinco copos de vinho). No final da comemoração, esta, em conjunto com os outros supra indicados, permaneceram no interior da viatura, desligada, a qual se encontrava parqueada junto da habitação do aniversariante, a comer, tendo esta, por mero acaso, se sentado no lugar do condutor (sendo que o condutor ter-se-ia sentado no banco traseiro, na companhia da namorada), embora não fosse esta a condutora, nem tivesse pretensões de conduzir, quando foram abordados por militares da GNR.

Declarou ainda que, apesar de ter esclarecido tais factos aos militares da GNR, os mesmos ainda assim sujeitaram-na ao teste alcoolemia por ar expirado, assim como ao seu irmão, a pedido deste último.

Similar com a versão relatada pela arguida foi o depoimento prestado por Mariana, a qual depôs que, numa ocasião a qual não logrou concretizar, ter-se-ia deslocado até a uma festa, a qual ocorreu numa residência de pessoas que desconhecia e em local que também não se recorda, na companhia da arguida e o irmão desta. Indicou ainda que, no final da referida festa, os mesmos decidiram permanecer no interior da viatura, desligada, a comerem e a conviverem, enquanto o irmão da arguida mantinha atos amorosos com a então namorada deste no banco traseiro, quando subitamente foram abordados pela GNR.

Testemunhou ainda que, na referida ocasião, cuja memória admite ser vaga, tanto a arguida, como o irmão, como a própria testemunha teriam sido sujeitos ao teste de alcoolemia. Por fim, afirmou que a arguida não era a condutora do veículo na referida ocasião.

Ora, não obstante, da aparente concordância do depoimento prestado por Mariana com a versão da arguida, não será despiciendo salientar que a testemunha não logrou circunstanciar os eventos por esta descritos em termos de tempo e lugar, para além da própria admitir a incerteza da sua memória quanto aos acontecimentos decorrente do hiato temporal decorrido conjugado com o estado etílico da própria testemunha. Com efeito, a testemunha admitiu ser amiga da arguida, sendo que, à data dos factos, eram igualmente colegas de trabalho, não tendo a sua convivência e saídas se circunscrito a uma única ocasião.

Acresce que não se afigura plausível que a testemunha fosse sujeita a teste de alcoolemia por ar expirado, bem como a arguida e o irmão desta, não tendo o Tribunal encontrado qualquer motivo legal para tal ocorrência, nem a própria testemunha logrado indicar qualquer razão para tal circunstância.

Implausível igualmente é a descrição dos eventos pela arguida e sua testemunha quanto à decisão de comerem no interior do veiculo, quando tinham supostamente acabado de sair do interior de uma habitação onde decorria os festejos, e durante o qual, seria usual consumirem comida e bebida. Alias, afigura-se incongruente que estes decidissem comer no interior de um veículo automóvel (comida essa que, nem a arguida, nem a testemunha logram esclarecer aonde a obtiveram), de madrugada (cerca de 5h47m), durante o inverno (janeiro), com o veículo automóvel desligado (ou seja, sem qualquer tipo de aquecimento ou musica), enquanto aguardavam que o condutor, irmão da arguida, terminasse de comer e simultaneamente os atos amorosos que mantinha com a sua namorada no banco traseiro.

Versão distinta foi a relatada pelo militar da GNR, BM, o qual de forma clara, precisa e consentânea, depôs que, no dia e local constante na acusação, quando se encontrava a proceder a uma fiscalização rodoviária, apercebeu-se da presença de um veículo automóvel, o qual, alterou de modo súbito a sua marcha ao constatar a sua presença, tendo entrado numa via sem saída. Depôs a testemunha que, de imediato, foi no encalço da viatura, tendo se deparado com o veículo automóvel, parado, mas com o motor ainda ligado, sendo que os ocupantes se encontravam com os cintos colocados (entre os quais a arguida), sendo que a arguida ocupava o lugar do condutor, todos a comer.

Questionado, a testemunha indicou não ter logrado observar quem era o condutor do veiculo quando este mudou a marcha da viatura, dada a distancia de onde se encontrava ¬entre 50 a 70 metros-, não tendo, contudo, duvidas que se trata do mesmo veiculo por si fiscalizado, dadas ambos terem as mesmas características, mas sobretudo dado o curto hiato temporal que distou desde a primeira vez que viu a viatura e a sua abordagem (escassos momentos).

Igualmente indicou que, no local aonde procedeu à abordagem, trata-se de uma estrada sem saída, a qual dá para as traseiras de condomínios fechados, sendo que, à data dos factos, apenas se encontrava no local o veículo de matrícula XX com tripulantes no seu interior e com o motor ligado, inexistindo sinais de outro veículo, nem mesmo do eventual acionamento de entrada para os referidos condomínios.

A testemunha não revelou qualquer motivo de vindicta contra a arguida, logrando concretizar de modo detalhado os eventos, inclusive recordando-se de factos de foro da vida pessoal da arguida, nomeadamente atividade profissional, negando que lhe tivesse sido indicado que não era a arguida a condutora, nem de ter efetuado teste de alcoolemia a outros ocupantes do veiculo, para alem da arguida.

O depoimento da supra referida testemunha é corroborado pela prova documental junta aos autos, nomeadamente o Auto de Noticia junto a fls. 5 a 6 e o talão a fls. 7 decorrente do teste de controlo de alcoolemia a que a arguida foi sujeita, no qual acusou uma TAS de 1,35 g/l, valor este que, após dedução do erro máximo admissível (EMA) previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição - Portaria n.º 1556/2007, de 10 de dezembro -, resulta igual a 1,28 gll.

Prestou o arguido, igualmente, declarações sobre o seu modo de vida, profissão e agregado familiar. Por fim, considerou o Tribunal o Certificado de Registo Criminal, bem como as declarações do próprio, no que se refere à (in)existência de antecedentes criminais.”

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP (arts. 403º e 412º nº1 do CPP e AFJ nº 7/95 de 19.10.95), as questões a apreciar respeitam à impugnação da matéria de facto, optando a recorrente pela via (de impugnação) ampla ou alargada prevista no art. 412º, nº 3, do CPP, embora simultaneamente invoque o erro notório na apreciação da prova, e suscitando ainda um problema de validade da prova (por utilização de alcoolímetro não verificado).

Assim, indica como concretos pontos de facto os especificados em 1. e 2. dos factos provados da sentença, ou seja, que fosse a arguida a condutora do veículo em causa e que estivesse com a taxa de alcoolemia referida na sentença.

Indica como concretas provas excertos de declarações e depoimentos - dos quais resultaria a confirmação da sua versão e a infirmação do depoimento do militar da GNR, este confirmativo dos factos impugnados -, e o documento (certificado de verificação) de fls. 8, do qual resultaria a “validade do alcoolímetro até 31/12/2014” e, logo, a ausência de demonstração da taxa efectivamente mesurada (porque mensurada por um aparelho com verificação desactualizada.

Do exposto resulta que os ónus de impugnação da prova por via do recurso amplo se encontram cumpridos, e, nessa medida, a Relação procederá à sindicância da “sentença de facto” (composta pelos factos provados, os factos não provados e o exame crítico das provas) pela via alargada com acesso a provas, não se atendo ao mero exame do texto da sentença. E assim sendo, não faz sentido vir a conhecer depois do erro notório na apreciação da prova, o que implicaria um exame mais superficial do que aquele a que se procederá de imediato.

Começando então pelo ponto de facto 2., respeitante à taxa de alcoolemia, a posição do Ministério Público na 1ª e na 2ª instâncias não é inteiramente coincidente. Na resposta ao recurso, e na decorrência de se desconhecer nos autos qual o tipo de verificação a que o aparelho medidor fora sujeito, pronunciou-se por uma redução da taxa dada como provada, propondo a alteração da matéria de facto em sentido favorável à arguida; no parecer, considerou que esse desconhecimento (quanto ao tipo de verificação efectuada) configuraria o vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, o que determinaria o reenvio para supressão do vício, determinando-se depois, e em conformidade, qual a taxa efectivamente a considerar como provada na sentença.

As duas conclusões apresentam-se sustentadas juridicamente. Optar-se-á, no entanto, pela solução proposta na resposta ao recurso, atento o sentido do recurso (interposto apenas pela defesa) e a regra da proibição da reformatio in pejus.

Na verdade, sempre inexistiria uma afronta clara ao referido princípio na solução proposta pelo Senhor Procurador-geral Adjunto. Mesmo optando pela solução expressa no parecer, tratar-se-ia apenas de vir a lograr justificar factualmente, mas agora devidamente, uma taxa de alcoolemia dada já como provada na sentença. Mas o certo é que se conseguiria essa sustentação (da taxa de alcoolemia de 1,28 g/l) na sequência de um recurso da defesa. Sustentação que não se encontra efectivamente na sentença, de que apenas a arguida recorreu.

Assim, e afigurando-se a argumentação desenvolvida na resposta inteiramente correcta, porque devidamente sustentada nos elementos do processo e na lei, acompanham-se as considerações expressas pela senhora magistrada do Ministério Público, que por isso se transcrevem:

“A Lei n.º 18/2007, de 17 de maio (Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas), no artigo 14.° determina que a aprovação dos analisadores utilizados nos testes quantitativos de álcool no ar expirado seja precedida de homologação de modelo, a efectuar pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.

Nos termos do artigo 2.°, n.º 7 do Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de setembro (Regime de controlo metrológico de métodos e instrumentos de medição), "os instrumentos de medição em utilização cuja aprovação de modelo não seja renovada ou tenha sido revogada podem permanecer em utilização desde que satisfaçam as operações de verificação aplicáveis".

No artigo 3.° do mesmo diploma prevê-se:
"1 - Primeira verificação é o exame e o conjunto de operações destinados a constatar a conformidade da qualidade metrológica dos instrumentos de medição, novos ou reparados, com a dos respetivos modelos aprovados e com as disposições regulamentares aplicáveis, devendo ser requerida, para os instrumentos novos, pelo fabricante ou importador, e pelo utilizador, para os instrumentos reparados."

E no artigo 4.°:
"1 - Verificação periódica é o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respetivo, devendo ser requerida pelo utilizador do instrumento de medição.

2 - Os instrumentos de medição são dispensados de verificação periódica até 31 de dezembro do ano seguinte ao da sua primeira verificação, salvo regulamentação específica em contrário. ( ... )

5 - A verificação periódica é válida até 31 de dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário."

O aparelho Drager, modelo 7110 MKIIIP com o número de série ARZL - O 190 teve primeira verificação em 6 de dezembro de 2013, conforme se extrai do teor de fls. 8.

Em conformidade com o previsto no citado artigo 4.°, n.º 2, após a primeira verificação, o aparelho esteve dispensado de fazer a verificação periódica até ao dia 31 de dezembro de 2014.

No entanto, extrai-se do auto de notícia, fls. 6 dos autos, o seguinte:
"O teste foi efetuado no a1coolímetro Drager modelo a1cotest 7110 MK I1IP, com o n.º de série ARZL 0190, aprovado pela ANSR, através do despacho 19684/09 de 25 de junho, e pelo IPQ através do Despacho de aprovação n.º 11037/07 de 24 de abril, ficando com o modelo de aprovação 211.06.07.3.06, de 24ABR07, verificado pelo IPQ em 27-06-2014".
Também no talão de fls. 7 se menciona ter sido verificado no dia 27-06-2014.

Os autos não comprovam a natureza da verificação realizada no dia 27 de junho de 2014 pois não se encontra junto o respetivo certificado de verificação.

A fiscalização da GNR foi realizada no dia 29 de janeiro de 2015

Há a admitir duas possibilidades quanto à verificação de 27 de junho de 2014:

Ter sido uma verificação periódica - artigo 7.°, n.º 2 da Portaria 1556/2007 de 10 de dezembro. Neste caso manteve-se válida até 31 de dezembro de 2015 - artigo 4.° n.º 5 do Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de setembro.

Ter sido uma nova primeira verificação - artigo 7.°, n.º 1 da Portaria 1556/2007 de 10 de dezembro. Neste caso esteve dispensada de verificação periódica igualmente até 31 de dezembro de 2015 - artigo 4.° n.º 2 do Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de setembro.

A fiscalização da GNR foi realizada no dia 29 de janeiro de 2015. Portanto, foi-o dentro do período de validade da certificação do aparelho Drager, modelo 7110 MKIIIP com o número de série ARZL - 0190 - no dia da realização do teste pela recorrente tal verificação estava vigente e válida, até ao final do ano de 2015.

Com a lei n.º 72/2013, de 3 de Setembro, entrada em vigor no dia 1 de Janeiro de 2014, o artigo 170.°, n.º 1 alínea b) do Código da Estrada estabeleceu que o auto de notícia deve conter "b) O valor registado e o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, quando exista, prevalecendo o valor apurado, quando a infração for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares."

Nos termos do previsto no artigo 8.° da Portaria 1556/2007 de 10 de dezembro "Os erros máximos admissíveis - EMA, variáveis em função do teor de álcool no ar expirado - TAE, são o constante do quadro que figura no quadro anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante."

Calculando o erro máximo admissível tendo em conta a referência do quadro anexo a esta Portaria, na sentença realizou-se a operação de desconto considerando estar-se perante uma primeira verificação do aparelho, fls. 8, e fez o desconto de 5% ao valor medido, apurando-se o valor de 1,28 gramas por litro.

No entanto, não se sabe a natureza da verificação realizada no dia 27 de junho de 2014.

Há a possibilidade de ter sido uma nova primeira verificação (a primeira verificação é efectuada antes da colocação do instrumento no mercado, após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando -se a verificação periódica nesse ano - artigo 7.°, n.º 1 da Portaria). Neste caso o desconto de 5% está correto.

No entanto, pode ter sido uma verificação periódica (a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo - artigo 7.°, n.º 1 da Portaria). Neste caso há que descontar 8%.

Ora, salvo o devido respeito por melhor entendimento, perante o desconhecimento sobre a natureza da verificação de 27-6-2014 deve descontar-se 8% por ser o mais favorável. Neste caso, considerando o critério de erro máximo admissível em caso de verificação periódica, o desconto de 8% ao valor registado (1,35) permite apurar o valor de 1,24 gramas por litro.

Este é o procedimento mais favorável à recorrente e relativamente ao qual se pode formular o juízo de certeza que permitirá confirmar a condenação.

Com estes fundamentos, deverá ser alterada a matéria de facto julgada provada no ponto 2. em que se considerou que a arguida conduziu com uma TAS de, pelo menos, 1,28 g/l, conforme resulta do exame efetuado no aparelho "Drager Alcotest " 7110 MK I1IP e passar a considerar-se que a arguida conduziu com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,24 gramas por litro.”

Do exposto resulta que a prova produzida e examinada em julgamento permite seguramente concluir que a arguida se encontrava com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,24 gramas por litro.” E, nesta medida, a sentença resiste à impugnação da recorrente. Mas quanto a este ponto, resiste apenas em parte, pois a matéria de facto provada em 2. será alterada na parte referente à TAS. E onde se lia “de, pelo menos, 1,28 g/l” passará a constar “de, pelo menos, 1,24 gramas por litro.”.

Passando ao ponto 1. dos factos provados da sentença, segundo ponto impugnado em recurso, alega a recorrente que inexiste prova de que conduziu o veículo em causa.

Reitere aqui a versão (de negação do facto) que apresentou em julgamento, a qual se encontrará sustentada ainda pelo depoimento de uma testemunha que apresentou. E procura suportar a maior verosimilhança da sua versão, versus a versão de testemunha de acusação militar da GNR, esta corroborativa dos factos provados.

Do confronto do recurso com a “sentença de facto” resulta que a controvérsia se reduz à “livre apreciação” que as provas mereceram, inexistindo oposição de relevo no que respeita ao teor das declarações e depoimentos. Ou seja, não é sinalizado qualquer erro de percepção de provas, por parte do tribunal, centrando-se a discórdia no valor positivo ou negativo dado às versões apresentadas.

Assim, refere-se na sentença, tal como se enfatiza no recurso, que a arguida não foi vista a conduzir o veículo (ou não foi reconhecida pela testemunha no momento em que conduzia o veículo). Mas a sentença explica adequadamente, sempre de acordo com regras de racionalidade e de lógica, e sempre com base em provas realmente produzidas em julgamento (e o recurso não contesta esse sentido da apreensão das provas pelo tribunal) porque razão concluiu factualmente como se especificou em 1. dos factos provados. Explicou porque mereceu credibilidade total o depoimento do militar da GNR e porque foi possível retirar desse depoimento, na contextualização mais ampla das concretas circunstâncias de tempo, modo e lugar de ocorrência dos factos (circunstâncias relativamente às quais existiu aliás, também, alguma convergência de provas) que era a arguida a condutora do veículo automóvel.

Lembra-se que o recurso da matéria de facto visa a reparação de erros (de facto) de decisão, não sendo um segundo julgamento. Como tal, não releva requerer uma reapreciação de provas em segunda instância que exorbite os poderes de cognição da Relação em matéria de facto, pois a Relação exercerá sempre os seus poderes de fiscalização e controle de acordo com o modelo de recurso do código de processo penal, aceitando-se que existe sempre uma margem de insindicabilidade da decisão do juiz de julgamento sobre a matéria de facto.

No caso presente, da leitura da “sentença de facto”, no confronto do recurso, resulta que a argumentação desenvolvida pela recorrente não permite concluir pela detecção de um erro (de facto) de decisão. A “sentença de facto” traduz um acertado processo de decisão, uma “justificação” com o detalhe que a complexidade dos factos e da prova exigia, não deixando transparecer erros de raciocínio na apreciação das provas, não enfermando de ilegalidades por eventual violação de regras e de princípios de prova. Por último, para além de se justificar por si, responde às objecções apresentadas no recurso.

Em suma e para concluir, a racionalidade abstracta do discurso argumentativo desenvolvido pela recorrente pode até de per si “fazer sentido” e encontrar alguma sustentação nas provas que especificou. Mas permite apenas mostrar, em recurso, uma possibilidade de interpretação das provas especificadas (e apenas destas). Impondo-se proceder sempre a uma análise de todas as provas (produzidas a favor e contra o arguido) e não apenas das provas especificadas em recurso, e encontrando-se essa análise (a análise de cada uma das provas produzidas incluindo as especificadas no recurso, e de todas elas no conjunto), rigorosa e completa, adequadamente concretizada na sentença, não é possível vislumbrar o erro de facto.

Constatando-se a ausência de desconformidades entre a prova de julgamento e a percepção que dela foi feita pelo tribunal (desconformidades que õ recurso interposto não denunciou), a legalidade das provas apreciadas, a justificação suficiente e adequada de todas as opções que a senhora juíza fez na valoração de todas as provas, atribuindo-lhes um valor positivo ou negativo sempre de modo racionalmente justificado (de acordo com regras de racionalidade e de lógica e de experiência comum, com respeito pelo princípio do in dubio pro reo no exercício da livre apreciação), resta à Relação confirmar a decisão da matéria de facto da sentença, com a correcção do ponto de facto tratado de início.

A alteração do ponto 2. da matéria de facto provada, ou seja, a redução da TAS provada repercute-se na medida das penas, principal e acessória. A recorrente não recorreu da pena, mas a sentença terá de ser corrigida na parte em que, na determinação da medida da pena se ponderou uma concreta TAS com que a arguida conduzia, e que não é agora a considerada demonstrada. E é disso que se trata apenas agora, de fazer repercutir na medida da multa e da proibição de conduzir a redução (pouco acentuada) da taxa de alcoolemia. Mantendo-se todas as considerações efectuadas já na sentença em sede de pena, que não foram impugnadas e não se revelam incorrectas, reduz-se a pena principal para 45 dias de multa e a pena acessória para três meses e dez dias de proibição de conduzir.

4. Face ao exposto, acordam na Secção Criminal da Relação de Évora em:

- julgar parcialmente procedente o recurso, alterando-se a matéria de facto provada na parte referente à TAS, passando a constar do ponto 2. dos factos provados a taxa de 1,24 gramas por litro;

- reduzir a pena principal para 45 dias de multa e a pena acessória para 3 meses e 10 dias de proibição de conduzir, confirmando-se em tudo o mais a sentença.

Sem custas.

Évora, 18.02.2020

(Ana Barata Brito)
(Carlos Berguete)