Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
372/13.JAFAR.E1
Relator: MARTINS SIMÃO
Descritores: HOMICÍDIO TENTADO
MOTIVO FÚTIL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 04/07/2015
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Sumário: I - Face ao local, à distância donde disparou (a não mais de 25 metros do ofendido) e à direção do tiro que atingiu o ofendido na região pélvica e abdómen, regiões que alojam órgãos essenciais à vida, é de concluir que o arguido representou como possível a morte do ofendido, com o que se conformou, o que só não aconteceu por circunstâncias alheias à sua vontade, pelo que incorreu na prática de um crime de homicídio na forma tentada, com dolo eventual, e não na prática de um crime de ofensa à integridade física grave.
II - O arguido transportou no táxi três jovens. Efetuado o serviço, que importava em € 7,70, os jovens puseram-se em fuga e não pagaram aquela quantia, que é um valor diminuto (irrisório). Perante a conduta dos jovens, o arguido disparou contra os mesmos, tendo atingido um deles, pelo que o motivo que impeliu o arguido à ação constitui um motivo fútil.
III - No caso concreto, tendo em conta as circunstâncias em que ocorreu o crime em causa, na sequência do exercício das funções do arguido, tudo leva a crer que estamos perante um ato isolado na sua vida, que não voltará a repetir-se, sendo certo que o arguido nunca teve qualquer contacto com o sistema prisional e que a efetividade da pena irá trazer-lhe um risco de desestruturação e um corte no esforço reintegrativo, pelo que a pena suspensa na sua execução não deve ser recusada, até na medida em que pode ficar sujeita a condições, benéficas para a comunidade e para o arguido, em termos de prevenção especial, com repercussões ao nível da prevenção geral.
Decisão Texto Integral:



ACÓRDÃO

Acordam, em Conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:


I – Relatório
Por Acórdão de 15 de Outubro de 2014, proferido no processo comum colectivo com o número acima mencionado da 2ª Secção Criminal da Instância Central de Portimão do Tribunal Judicial da Comarca de Faro deliberou-se:
a) condenar o arguido JMB pela prática, como autor material e na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 73º, 132º/1 e /2-e) do Código Penal, na pena especialmente atenuada, de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;
b) julgar procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante CHA, EPE, e, em consequência, condenar o arguido/demandado a pagar ao demandante a quantia de €9.659,75 (nove mil, seiscentos e cinquenta e nove euros e setenta e cinco cêntimos) respeitante ao custo da assistência médica prestada ao ofendido GS, acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal dos juros civis, desde a notificação para contestar até integral pagamento;
c) manter a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com fiscalização através de meios técnicos de controlo à distância, por se manterem inalterados os pressupostos que determinaram a sua aplicação ao arguido, em 4/1/2014, na sequência da sua detenção em 3/1/2014, e a presente condenação - em pena de prisão efectiva - confirma.
d) declarar perdida a favor do Estado a arma e munições apreendidas a fls. 59 e ordenar a sua entrega à PSP aonde ficarão depositadas e que promoverá sobre o respectivo destino, ordenando-se a restituição das demais apreendidas a fls. 146 e respectivos livretes.

Inconformado o arguido recorreu tendo extraído da motivação as seguintes conclusões:
ERRADA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA

“I-O crime que decorre dos factos é o de ofensa à integridade física grave, p. e p. art. 144.º, al. d) do CP, pois que por força do art. 127.º do CPP, deveria sobre a prova o Tribunal ter criticamente aplicado as regras da experiência, que dizem que quem tenta matar outra pessoa, só não realiza completamente o seu intento se razões alheias (a vítima, embora ferida, foge; um terceiro impede a continuação da agressão; a arma encrava; o agressor percebe que há gente que vem ao seu caminho e foge, etc.) lhe impedem a consecução plena do seu objectivo. Não obtém o resultado por razões exteriores à sua vontade.

II- Ora, no caso concreto, as circunstâncias da acção e os factos que a envolvem, antes e depois, se apreciados segundo as regras da experiência, levariam à conclusão inevitável de que o arguido não quis nem queria matar. Pois a). - empunhou a arma na direcção do GS e efectuou um disparo a uma distância não superior a 25 m - Facto Provado 1.7 (pág. 3 do douto Acórdão); b). - o GS e o VS o abordaram logo de imediato e lhe entregaram 5,00€ - facto provado 1.8; c). - que de seguida, o arguido se foi embora.

III- Ou seja, o arguido teve à sua inteira disposição a pessoa que supostamente pretendia matar; nessa mesma circunstância e imediatamente no momento a seguir ao tiro, essa pessoa veio junto dele; ele continuava com a arma……e todavia não efectuou mais nenhum disparo, não efectuou ameaças ou agressões, nem continuou com qualquer conduta que revelasse aquela intenção de matar com que segundo o Acórdão estaria a agir.

IV- As regras da experiência comum deverão pesar na reflexão do Tribunal para concluir que ao disparar, embora o arguido, tal como se diz no ponto 1.15 dos factos provados, representou como possível que pudesse atingir o ofendido; mas dada a sequência dos factos posteriores, não o fez para lhe causar a morte ou porque quisesse causar-lha, mas com outro objectivo. Ou o de assustar os passageiros, como o arguido declarou (Acórdão, linhas 20 e 21 de fls. 8); ou, a não crer-se nisso, o de ofendê-los fisicamente.

V- Nestas circunstâncias, não pode nem deve concluir-se pela intenção homicida (a sequência dos factos desmente essa intenção: o arguido afinal não mata nem o tenta quando tem a vítima à sua disposição e nada que o impeça); mas tendo do disparo resultado ferimentos na vítima, a não se conferir credibilidade à explicação do arguido, deverá concluir-se pela prática do crime de ofensa à integridade física grave. Assim não o considerando, porque não apreciou a prova à luz das regras da experiência, o douto Tribunal “a quo” violou as disposições do artigo 127.º do CPP.

VI- O crime praticado, com dolo eventual, é o do artigo 144.º do CP; e nunca o do artigo 132.º do mesmo CP, artigos que também foram assim violados; e a qualificação da conduta como ofensa à integridade física grave, necessariamente deverá reflectir-se no quantum da pena, que deverá ser menos gravosa que a que foi aplicada.

VII- Se porventura se considerar haver homicídio na forma tentada, este não poderia, a nosso ver e com todo o respeito por opinião diversa, ser qualificado. A qualificação decorre da consideração de que na base do disparo está um motivo fútil: pretender cobrar dos passageiros os 7,70€ que lhe não tinham sido pagos. Ora, o arguido adiantou que não disparou para cobrar os 7,70€, mas sim para de algum modo tentar assustar os vultos que supôs serem os passageiros que tinham fugido sem pagar; para que não voltassem a agir do mesmo modo com outros profissionais de táxis; mas o Tribunal “a quo” não considerou credível esta explicação. Todavia, dos factos provados não parece que decorra que a intenção do disparo foi a de efectivamente obrigar os passageiros a pagarem os 7,70€.

VIII- Não é essa a dinâmica e sequência dos factos, (1.7 a 1.9 de fls. 3 do Acórdão): O arguido dispara; ao apear-se são dois dos passageiros que o abordam e que lhe entregam, sem que este peça, uma quantia inferior a 5,00€.Não há nenhuma exigência por parte do arguido, nesse acto e nessa circunstância, de que os passageiros lhe paguem o valor da corrida, os 7.70€, supostamente o motivo porque teria disparado. Nem nada lhes pede. Logo, os factos provados não permitem concluir aquele motivo, considerado fútil. Deixa assim de presidir ao acto a eventual qualificativa do motivo fútil.

IX- Ainda que se pudesse admitir que o motivo fora esse (e não meramente o de assustar os passageiros em fuga), também não se pode colocar a situação ao nível do carácter pesadamente repugnante, baixo ou gratuito com que o Professor Figueiredo Dias classifica aquilo que deve ser um motivo fútil, in Comentário Conimbricense do Código Penal I, pág. 3.

X- Os factos provados não demonstram que foi essa afinal a motivação do arguido. Termos em que o homicídio não pode ser qualificado por força da al. e) do n.º 2 do artigo 132.º do CP; inexistindo prova de haver motivo fútil. Pelo que a haver homicídio este sempre teria que ser homicídio simples, na forma tentada. Ao decidir de forma contrária, o Tribunal “a quo” violou o art. 132.º do CP.

XI- Face aos factos dados como provados em Ponto 1.21 a Ponto 1.24, o Tribunal extraiu correctamente a conclusão (primeiras linhas da fls. 13 do Acórdão) de que pode ser formulado o juízo de prognose favorável no âmbito das exigências de prevenção especial em face do arrependimento manifestado pelo arguido em audiência, e do facto de ser pessoa social e familiarmente bem integrada (…).sublinhado nosso.

XII- Todos os factos provados e, mormente o arrependimento e a conduta anterior e posterior ao crime, fazem concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Só se as necessidades de prevenção geral fossem de tal modo exacerbadamente grandes, e as razões de prevenção especial não abonassem favoravelmente ao arguido, esta pena aplicada não poderia ser suspensa na sua execução. Mas ela pode ser suspensa.

XIII- Os factos provados (ser o arguido pessoa pacata, calma, trabalhadora, cuidadosa e respeitadora, sem agressividade - fls. 9, linhas 22 a 25 da Decisão-; com enquadramento familiar, apoiado por família e amigos, inserido socialmente, arrependido, sem antecedentes criminais–factos provados 1.21 a 1.23; pessoa responsável, determinado para o trabalho, cumpridor de regras, com um padrão de relacionamento cordial, sem características de agressividade ou impulsividade, com capacidade de análise dos seus actos, com cumprimento das regras referentes à sua situação – relatório social e Ponto 1.24 do Acórdão), claramente apontam para aquela prognose favorável e para a conclusão de que a nível das exigências de prevenção, a suspensão da execução da pena será totalmente eficaz. O quantum da pena permite a suspensão; as condições sociais, pessoais e laborais do arguido permitem o mesmo; o arrependimento provado milita a favor dessa suspensão; o próprio Tribunal declara no Acórdão que pode ser formulado um juízo de prognose favorável.

XIV- A invocação das necessidades de prevenção geral não nos parece que possa prevalecer sobre as demais para contrariar a possibilidade da suspensão da execução da pena. O artigo 50.º do CP não prevê limitação da suspensão em crimes de homicídio tentado, pelo que não pode essa limitação ser deste modo criada pelo Tribunal. Além disso, a efectividade da pena terá um efeito totalmente inverso daquele que pretende a filosofia juspenalista actual e já demonstrado no arrependimento do Arguido: irá trazer-lhe risco acrescido de desestruturação, um corte no esforço reintegrativo, adiamento das suas competências profissionais, lapso na reinserção e um hiato negativo na manutenção do seu afastamento do mundo do crime. Tudo o que aponta para a necessidade de uma suspensão da execução da pena. Não o entendendo assim, o Tribunal “a quo” violou os art. 40.º, 50.º, 70.º e 71.º todos do C.P.

XV- No final de fls. 11 e nas 12 primeiras linhas de fls. 12 do douto Acórdão, listam-se os critérios e pressupostos de que o Tribunal se serviu para a determinação da pena: as exigências de prevenção geral; a ilicitude da conduta; a intensidade do dolo; e a gravidade das circunstâncias; e ainda, a conduta anterior e posterior do arguido, que alude à inexistência de antecedentes criminais, e as exigências de prevenção especial. Mas não obstante o seu arrependimento ter sido referido diversas vezes ao longo do Acórdão, e como provado, naqueles pressupostos da determinação da medida da pena ele (arrependimento) não figura na conduta posterior, como elemento para a determinação concreta.

XVI- Ora, se sem considerar o arrependimento, nesta determinação concreta, o Tribunal fixou a pena em 4 anos e 6 meses de prisão, a considerar o arrependimento provado, a pena deverá ser menos gravosa; e nunca superior a 4 anos, sempre suspensa na sua execução, face ao que acima se disse. Ao assim não decidir, o Tribunal “a quo” violou os artigos 70 e 71 do CP.

XVII- De passo, quanto ao PIC, no Ponto 7 do douto Acórdão, a fls. 13, diz a decisão que ao PIC opôs o demandado que a maioria dos tratamentos e intervenções prestadas não decorre da conduta imputada ao arguido mas do tempo decorrido entre os factos e o recurso ao tratamento, que estimou em quase 24 horas. Porém, o demandado não indicou qual da assistência prestada inclui ou exclui da sua responsabilidade por forma a que pudesse ser sindicada a alegação – ónus de alegação e prova que nos termos do artigo 342.º do Código Civil lhe cabia e não cumpriu, com esse fundamento improcedendo a alegação.

XVIII- É indesmentível que entre o momento dos factos (3h38m da madrugada de 30.12.2013 – Factos Provados 1.3 a 1.9), e o momento da ida ao centro de saúde (21h000 da noite desse 30.12.2013, Facto Provado 1.13), se passaram pelo menos 17 horas; em que o ofendido esteve com o projéctil alojado no corpo, mas não procurou qualquer tratamento ou ajuda médica, por decisão própria -Acórdão a linhas 7 de fls. 7). Podendo e devendo fazê-lo, de acordo com as regras da normalidade.

XIX- Mas só passadas 17 horas e porque não conseguiu urinar, foi ao centro de saúde, e depois ao Hospital Distrital, já cerca da meia noite; portanto quase 24 horas após os factos, como resulta dos documentos médicos de fls. 353 a 355 e de 483 a 485, dos autos. Entre o ferimento e a decisão do ofendido de pedir tratamento médico, mediaram entre 17 a 19 horas; o que não pode consentir a conclusão do Facto Provado 1.16 de que ele foi correcta e atempadamente socorrido. E essa falta de tratamento imediato, por decisão do próprio ofendido, tem que ser objectivamente considerada, mais que não fosse para explicação do quadro séptico que sobrevém, pois a extensa demora no tratamento obviamente levou a uma infecção, a qual significa um agravamento de todo o quadro clínico, e uma necessidade de maior grau de tratamentos, mais complicados e mais demorados.

XX- A situação de extensa demora entre o momento do ferimento e o momento do tratamento decorre dos próprios factos dados como provados (1.4 e seguintes e 1.13). O demandado alegou essa demora; e vê essa alegação provada. Não recai sobre ele outro ónus de prova, nomeadamente o de ter que provar quais foram, de todos os tratamentos médicos, aqueles que são e sempre seriam necessários por causa do ferimento; e aqueles que tiveram que ser mais demorados, e mais dolorosos, para debelar consequências decorrentes da tardia ida ao hospital. Isso cabia, sim, ao demandante, entidade hospitalar com conhecimentos médico-científicos que lhe permitem produzir essa alegação e fazer dela prova, como era seu ónus.

XXI- Cabia-lhe fazer essa prova, que não foi feita, e a de que todos aqueles tratamentos sempre seriam necessários em qualquer circunstância, com socorro médico de imediato, ou passadas 17 ou 19 horas; ou que as consequências infecciosas sempre existiriam com ou sem demora no tratamento. Essa prova não foi feita nem o Acórdão a dá por feita, e é uma prova cujo ónus não cabe ao demandado, mas ao Demandante que deveria provar que todos os tratamentos seriam sempre aqueles, fosse a vítima socorrida às 3h50m ou fosse às 22h00 seguintes.

XXII- Embora o facto inicial tenha sido o disparo, as consequências do mesmo são mais ou menos gravosas, também dependendo da atitude do ofendido quanto ao seu próprio tratamento, pois podendo ter acesso a esse tratamento, e a ele acorrer de imediato, resolveu ir para casa, onde pernoitou, deixando passarem 17 horas pelo menos. As consequências são necessariamente diferentes e acrescidas, por força desta demora; e provada que está ela, não podem todas as consequências ser assacadas ao arguido.

XXIII- Deve o demandando ser absolvido do PIC; ou a sua condenação ser em valor muito inferior ao peticionado, e fixada pelo Tribunal segundo critérios de equidade; ou em quantia a ser liquidada em execução de sentença que atendesse a essa diferença de tratamentos num e noutro caso. Assim não decidindo o Tribunal “a quo” violou o art. 483.º do CC e o artigo 324 do mesmo Código.

Termos em que deve ser revogado o Acórdão recorrido e ser substituído por outro que declare que o crime praticado é o de ofensa à integridade física grave; ou, a haver homicídio na forma tentada, o mesmo é simples e não qualificado; que a pena aplicada deve ser suspensa na sua execução e deve ser menos gravosa que a aplicada, nunca devendo ser superior a 4 anos de prisão, sempre suspensa na sua execução; e que quanto ao PIC deve o demandado ser absolvido ou, a haver condenação, ser ela em valor muito inferior ao peticionado, e fixada pelo Tribunal segundo critérios de equidade; ou em quantia a ser liquidada em execução de sentença que atenda a essa diferença de tratamentos num e noutro caso.

Assim se fazendo JUSTIÇA!”

O assistente respondeu ao recurso dizendo:
“I - A actuação do arguido, caçador, com 49 anos de idade e experiencia de tiro há mais de 20 anos, munido de uma arma letal, de calibre 32 Magum, ao apontar e disparar na direcção do assistente , foi adequada a provocar a morte do assistente.

II- Possibilidade que realizou, e com a qual se conformou, porquanto, se é verdade que o arguido não atingiu o assistente com mais nenhum tiro, é inequívoco que viu que atingiu o assistente, verificou que aquele estava a sangrar e não lhe prestou qualquer assistência, abandonando-o à sua sorte., pondo-se em fuga.

III – Aliás, se a intenção do arguido era apenas a de assustar, designadamente o assistente, pergunta-se, porque é que o arguido procurou os jovens durante algum tempo, ao encontra-los abriu a janela do lado do pendura e atirou na sua direcção, revelando frieza de ânimo desprovido que caracter emotivo, inexistindo dúvida que o arguido praticou um crime de homicídio na forma tentada, p.e p. pelos artigos 22º, 23º e 132º, nº 1 e 2, al. e) do CP

IV – Quanto à questão da qualificação do crime, como homicídio qualificado, alega o arguido sob o ponto 29 da sua douta motivação que “ Assim, os factos provados e a sua concatenação não permitem a conclusão de que foi para obrigar os passageiros a pagar os 7,70€ que o arguido disparou, atingindo o GS.

V – Ora, a ser assim, mais grave seria ou será ( e portanto mais fútil será o motivo ) se o arguido atingiu o assistente movido por mero desejo de vingança e/ou afirmação pessoal, quando o que estava em causa era uma misera quantia de cerca de 7,00€, e/ou, a fuga dos três jovens .
VI – Seja como for, face aos factos provados, e só esses interessam, está demonstrado o motivo fútil, e portanto o correcto enquadramento da acção do arguido no disposto no artigo132º, nº 2, al. e) do CP, que dispõe que,
“(…)
2 - É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente:
(…);
e) Ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil;

(…)”

VII – Relativamente à suspensão da execução da pena, importa considerar que o arguido continua a imputar ao assistente a responsabilidade de não ter recorrido aos serviços médicos mais cedo, esquecendo, porém, dois ou três pontos.
- Foi o arguido, caçador, que disparou e atingiu o assistente com uma arma de calibre 32 Magnum;
- O arguido podia ter prestado e/ou chamado essa assistência medica, mas limitou-se a recolher dinheiro;
- O arguida tinha à data dos factos 49 anos e o assistente 16, pelo que o seu dever de adopção de padrões de conduta é ( era ) incomensuravelmente superior.

VIII - Portanto, a execução da pena, aliás através de permanência na habitação, deverá ser mantida, uma vez que não estão cumpridos os requisitos consagrados para a suspensão da sua execução, aliás como de forma judiciosa, ponderada e fundamentada consta do ponto 6 do douto acórdão recorrido.

IX – Assinale-se que, a simples declaração proferida em audiência ou em sede de recurso pelo arguido de que está arrependido não tem qualquer valor, pois o que tem valor, como circunstância atenuante da sua responsabilidade criminal é a demonstração que está arrependido, sublinhando-se que, o arrependimento é um ato interior, devendo essa demonstração ser visível de modo a convencer o tribunal que se no futuro vier a ser confrontado com uma situação idêntica, não voltará a delinquir

X – Quanto à determinação da medida da pena, conforme supra referido, o arguido não assimilou ou incorporou a censurabilidade da sua actuação, mantendo uma postura de negação e até de imputação de culpa ao assistente, pelo que a pena, concretamente aplicada mostra-se ajustada às circunstâncias da actuação tal como resulta dos factos provados e não naturalmente, na conveniente versão apresentada pelo arguido, aliás conforme consta do ponto 6 do acórdão recorrido.

XI – Por ultimo quanto ao PIC, dos factos provados ( pontos 1. 10 e 1.11 ) decorre que as lesões e posterior assistência médica e hospitalar ao assistente foram consequência directa e necessária do disparo realizado pelo arguido, pelo que não está provado que o lapso de tempo que decorreu entre o deflagrar da lesão e o recurso a assistência medica tenha sido causa das lesões sofridas e assistência médica consequente.

XII – Acresce que, não será demais reiterar que o arguido, com 49 anos de idade, pai de dois filhos, atingiu o assistente com a idade de 16 anos com um tiro, viu-o a sangrar, saiu do carro, recolheu das suas mãos dinheiro ( +- 5,00€ ), e, pôs-se em fuga, arguido que é caçador e com experiencia de tiro há mais de 20 anos, tinha consciência do calibre com que atingiu o assistente e a sua idoneidade para lhe provocar lesões graves .

VIII - Em face do exposto, a existir falta de assistência atempada, tal deve-se única e exclusivamente, em primeira linha, à actuação/omissão do arguido, porquanto o assistente para além de ter sido atingido, não conhecia, ou podia conhecer, a gravidade da lesão e, próprio da idade, tentou escondê-la até mais não poder
TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO, JULGADAS PROCEDENTES AS CONCLUSÕES SUPRA, REQUER-SE A MANUTENÇÃO DO ACORDÃO RECORRIDO ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA”.

O Ministério Público respondeu ao recurso dizendo:
“1- Não contém a douta decisão impugnada qualquer erro de julgamento da matéria de facto, ou outro vício que a inquine.
2- A matéria constante na fundamentação do Douto Acórdão recorrido, provou-se de modo inequívoco, não se justificando qualquer alteração.
3- As provas produzidas e analisadas em audiência de julgamento foram avaliadas pelo Tribunal “a quo” no seu todo e segundo o que preceituam os arts.124º a 127º, do Código de Processo Penal, entre outros preceitos legais.
4- A qualificação jurídica dos factos dados como provados e que o arguido praticou, afigura-se-nos, tendo o arguido sido condenado pelo crime:” de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. nos artigos 22º, 23º, 73º, 132º, nº1 e 2, al. e), do Código Penal.
5- Porém, poder-se-á entender, face ao que se passou na audiência de julgamento e se provou, que os aludidos factos podem ser qualificados como: “crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. artigo 144.º, al. d), do Código Penal, como aliás o recorrente preconiza.
6- Afirma-se nas alegações de recurso, que o arguido não é: “uma pessoa agressiva” não parece curial, senão vejamos: ”uma pessoa que por somente não lhe pagarem um serviço que prestou com o seu táxi, o qual era de um pequeno montante: 7,70€, dá um tiro com uma arma de calibre 7,65 mm, a curta distância, sendo exímio atirador, num jovem que não esboçou qualquer agressividade, estava a fugir e que teve as consequências para a saúde, a vida do assistente bem como dos seus familiares, não é agressiva?.
7- A espécie humana é agressiva, as pessoas são agressivas e o arguido ora recorrente, foi no caso descrito nos autos extremamente agressivo, temerário, insensato…
8- Sendo o arguido “pessoa pacata, calma, trabalhadora, cuidadosa e respeitadora sem agressividade”, quando se apercebeu que o ora Assistente tinha sido por si atingido a tiro, não o transportou ao Hospital ou cuidou que lhe fossem prestados os cuidados indispensáveis? É evidente que não procede a argumentação da normalidade que utiliza, por não se adequar ao caso concreto, para situações aflitivas, são indispensáveis cuidados específicos.
9- No que respeita à medida da pena que o recorrente igualmente questiona: diz o Prof. Germano Marques da Silva [Direito Penal Português, 3, pág. 130], “que a pena será estabelecida com base na intensidade ou grau de culpabilidade(...). Mas para além da função repressiva medida pela culpabilidade, a pena deverá também cumprir finalidades preventivas de protecção do bem jurídico e de integração do agente na sociedade. Vale dizer que a pena deverá desencorajar ou intimidar aqueles que pretendem iniciar-se na prática delituosa e deverá ressocializar o delinquente”.
10- Considerando o binómio culpa /prevenção, afigura-se-nos adequada, proporcional e justa, a pena aplicada pelo Tribunal “a quo”, ou seja; quatro anos e seis meses de prisão.
11- O Tribunal “a quo” teve em consideração para a escolha e medida da pena aplicada ao arguido todos os critérios referidos nos artigos 40º, 70º e 71º, do Código Penal, conjugados com os factos que se provaram em audiência de julgamento, mostrando-se a pena adequada às circunstâncias que abonam a favor e contra o arguido e em sintonia com a respectiva culpa.
12- Concorda-se com o recorrente quando afirma que a pena de prisão deve ser a “ultima ratio”, e, é isso que a nossa Lei Penal no seu art.70º, preconiza.
13- No decurso da audiência de julgamento preconizamos e agora também o fazemos, que se poderia suspender na sua execução a pena de prisão aplicada ao arguido, nomeadamente por não ter antecedentes criminais, estar em prisão domiciliária à ordem destes autos desde: 4-1-2014, primeiro em prisão preventiva e depois em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica, ter-se mostrado arrependido, ser pessoa trabalhadora e integrada com actividade laboral conhecida e poder-se fazer um juízo de prognose favorável, não obstante a gravidade dos factos que praticou e que supõe-se, não repetirá.
14- A aplicar-se a suspensão da execução da pena de prisão, poder-se-á fazê-lo mediante injunções ou Plano de Reinserção Social a elaborar pela DGRS., não saindo beliscados os imperativos de prevenção geral ou especial, artigo 50º e seguintes do Código Penal.
15- Não padece o Douto Acórdão de nenhum erro ou vício em especial, não ocorreram os previstos no art.410º, nº2, do Código de Processo Penal.
Deve em suma, manter-se o Douto Acórdão recorrido, com eventual qualificação jurídica distinta e aplicação da suspensão da pena de prisão de quatro anos e seis meses mediante deveres e ou regras de conduta.
Concedendo parcial provimento ao recurso. Assim se fazendo justiça”.

Nesta Relação, a Exma. Procuradora Geral Adjunta no seu elaborado parecer no sentido do recurso ser julgado improcedente.
Observado o disposto no art. 417º nº 2 do CP, o arguido não respondeu.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – Fundamentação
1. Factos Provados
Discutida a causa, dos relevantes para a decisão, resultaram provados os seguintes factos:
1.1 No dia 29/12/2013, um grupo de jovens, constituído, entre outros, pelo ofendido GS, por VS e por VR, dirigiram-se à residência de uma amiga, sita na Urbanização dos Caliços, lote B20 em Albufeira para os festejos de fim de ano.
1.2 Após se instalarem deambularam por vários estabelecimentos de diversão nocturna, na zona da Oura, bem como por residências onde estavam alojados outros amigos, locais onde consumiram álcool, tendo depois decidido retornar a casa, cerca das 03h00m da manhã, já do dia 30/12/2013.
1.3 Assim, cerca das 03h25m, GS contactou a Central de Táxis de Albufeira, solicitando a deslocação de duas viaturas de táxi a fim de recolhê-lo, bem como aos seus amigos, no estabelecimento hoteleiro denominado Ouratlântico.
1.4 Deste modo, pelas 03h38m do dia 30/12/2013, GS, VS e VR, introduziram-se no táxi de matrícula (…..), de cor beige, marca Mercedes-Benz, modelo E220, com a tipologia de carrinha, ao qual estava atribuído o nº 50, tripulado pelo arguido JMB e solicitaram transporte até à Urbanização dos Caliços, em Albufeira,
1.5 Aí chegados, sucede que, porquanto os jovens não tivessem dinheiro para pagar o transporte de táxi que haviam solicitado naquela ocasião, que totalizava o montante de €7,70, pediram ao arguido que imobilizasse a viatura perto do supermercado “Alisuper” localizado na referida urbanização, e, aproveitando tal circunstância, colocaram-se em fuga, vindo a esconder-se nas proximidades, aguardando depois um pouco, até terem visto o táxi passar pelo local sem que o arguido os tivesse visto,
1.6 Volvidos poucos minutos, o arguido, que não tinha desistido de tirar satisfações dos jovens, voltou a interceptá-los na citada zona da Urbanização dos Caliços, junto ao restaurante denominado (…..), a poucas centenas de metros do local onde os havia deixado, momento em que, apercebendo-se da aproximação do táxi tripulado pelo arguido, o GS e o VS se colocaram em fuga para um descampado, tendo o VR optado por se esconder atrás de umas chapas que encontrou no local.
1.7 Nesse momento, em acto contínuo e sem nada que o fizesse prever, o arguido abriu o vidro do lado do passageiro (pendura), muniu-se do revólver de marca Smith & Wesson, modelo 431PD, Airweight, calibre .32 Magnum (equivalente a 7,65 mm no sistema métrico) de cor preta, com o número de série CSD1669, registado e manifestado em seu nome, que fazia transportar no porta-luvas do veículo automóvel e estava devidamente municiado, e, empunhando-o na direcção do jovem GS efectuou um disparo a uma distância não superior a vinte e cinco metros, atingindo-o com um projéctil na zona das nádegas.
1.8 Com o GS a sangrar, o arguido apeou-se, tendo sido abordado por aquele e pelo VS e recolheu destes quantia inferior a €5,00 euros, que os mesmos tinham na sua posse,
1.9 Após, o arguido regressou ao interior do veículo automóvel e iniciou a condução, colocando-se em fuga para parte incerta.
1.10 Como consequência directa e necessária do referido disparo, o ofendido GS sofreu os ferimentos que se encontram descritos e examinados a fls. 313/315, 390/394, e 353/355, autos e relatórios cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nomeadamente, ferimento de entrada na região nadegueira, perfuração do recto, laceração da uretra membranosa/prostática, quadro séptico de pneumo-retro-peritoneu e alojamento do projéctil na região anterior do períneo em posição justapeniana.
1.11 Tais ferimentos causaram-lhe um período de doença ainda não definitivamente computado, porém, nunca inferior ao período compreendido entre o dia dos factos e a data da acusação, (03/06/2014), ou seja, cento e cinquenta dias, em que o ofendido GS se encontrava ainda em tratamento e convalescença, sujeitando-se além do mais, a colonoscopias, e a intervenções cirúrgicas.
1.12 Tais ferimentos provocaram ainda ao ofendido doença particularmente dolorosa, considerando o seu quadro clínico e o tipo de tratamentos a que teve de se sujeitar.
1.13 Com efeito, no início da noite de 30/12/2013, cerca das 21h, porquanto não conseguia urinar, GS deslocou-se ao centro de saúde de Albufeira, para receber assistência médica, tendo sido transferido para o Hospital Distrital de Faro, onde foi sujeito a uma intervenção cirúrgica, no dia 31/12/2013, após anestesia geral, com laparoscopia, colostomia e citostomia supra-púbica, visto que tinha o projéctil alojado na região anterior do períneo em posição justa peniana.
1.14 Esteve depois internado na Unidade de Cuidados Intensivos, com prognóstico reservado, apenas lhe tendo sido retirado o projéctil a 13/01/2014, sendo que depois permaneceu internado no serviço de cirurgia até 31/01/2014, data da sua alta clínica.
1.15 Ao agir da forma descrita, disparando na direcção do ofendido GS do modo como o fez, o arguido representou como possível atingir o corpo daquele em zona vital e dessa forma provocar-lhe a morte, e, ainda assim, conformou-se com esse resultado, o qual não se concretizou por motivos alheios à sua vontade.
1.16 Na realidade, o arguido atingiu a região pélvica e o abdómen do ofendido, regiões que alojam órgãos essenciais à vida, com um projéctil, sendo este um instrumento plenamente adequado a causar a morte, quando actuando sobre as ditas regiões corporais, só não tendo ocorrido esse resultado em virtude do ofendido ter sido correcta e atempadamente socorrido.
1.17 O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, movido por razões menores e fúteis, relacionadas com a omissão do pagamento do serviço, ciente que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
1.18 No exercício da sua actividade, o Centro Hospitalar do Algarve, E.P.E., prestou cuidados de saúde a GS no período que decorreu entre 31/12/2013 e 3/6/2014, descriminados e facturados a fls. 484 a 485.
1.19 A assistência prestada ficou a dever-se às lesões sofridas pelo assistido em consequência da conduta do arguido descrita supra.
1.20 O custo da referida assistência importou em €9.659,75.
1.21 O arguido é pessoa de trabalho, inserido social, familiar e laboralmente, pacato e calmo e goza do respeito e do apoio da família dos amigos e colegas de trabalho,
1.22 O arguido está arrependido do sucedido.
1.23 O arguido não tem antecedentes criminais.
1.24 O arguido é natural de Moçambique, de onde veio com cerca de 12 anos, tendo completado o 8° ano de escolaridade em Portugal. Posteriormente completou um curso de pescador-marinheiro, e seguidamente exerceu a actividade regular na pesca de longa distância em costas internacionais por conta de armador português, durante três anos. Aos 21 anos, iniciou vida marital com a actual cônjuge, e têm dois filhos, de 29 e 15 anos, consigo residentes, pautando-se o enquadramento famiIiar pela existência de laços afectivos sólidos, com a participação activa do arguido no processo de desenvolvimento dos filhos. Em 1991 JMB fixou-se em Albufeira, com o seu agregado familiar constituído, tendo uma banca de venda de marisco no mercado municipal de Albufeira, mantendo esta actividade de forma contínua durante alguns anos. Em 2009 iniciou a actividade regular como motorista de táxi, por conta de outrem, só interrompida na sequência da actual situação processual. Para o efeito, necessitou de qualificação profissional, tendo obtido junto do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP o respectivo certificado de aptidão profissional de motorista de táxi. É caçador legalmente habilitado, e é portador de licença de uso e porte de arma de defesa (classe Bl) desde 2012 (n° 6101/2012-02) válida até 06Fev2017 e portador de licença de tiro desportivo válida até 28Fev2018. À data dos factos trabalhava como motorista de táxi desde 2009, por conta de uma empresa. Auferia um valor médio mensal de €700, acrescido de outros montantes não quantificados, especialmente durante as épocas de maior movimento turístico em Albufeira. É considerado um trabalhador responsável nas tarefas desempenhadas e determinado para o trabalho, cumpridor das regras e assíduo nos horários. De igual forma foi mencionado como um funcionário de fácil relacionamento interpessoal com entidade patronal e clientes. Nos últimos anos, não tinha forma organizada para ocupar os tempos livres, permanecia em casa, ou nas imediações, e auxiliava também a cônjuge na venda de pescado/marisco na praça local. JMB foi referido no seu meio social como um indivíduo de fácil trato, com um padrão de relacionamento cordial. Não foram mencionados comportamentos aditivos que determinassem comportamentos problemáticos, nem envolvimentos em situações controversas, quer no seio familiar quer no meio residencial, nem obtidas informações que pudessem consignar algumas características de agressividade ou impulsividade do arguido. Apresenta neste momento uma situação económica dependente do rendimento da companheira (proprietária de uma banca de venda de pescado/marisco), segundo o próprio com proventos variáveis e pouco significativos face à concorrência das grandes superfícies comerciais na zona. E beneficia do apoio material da mãe (reformada e residente no mesmo edifício) cuja pensão mensal ronda os € 950. Apesar das responsabilidades bancárias decorrentes do empréstimo para compra de habitação própria permanente e de um crédito pessoal (cerca de €350 mês). a economia doméstica é considerada suficiente para fazer face às necessidades quotidianas do agregado, ainda que num quadro de alguma contenção de despesas. JMB revela capacidades de análise e previsão das consequências dos seus actos vivendo com constrangimento a actual situação de privação de liberdade e os motivos da actual sujeição a julgamento. No cumprimento da actual medida de coacção o arguido tem revelado capacidade no cumprimento de regras, respeitando os compromissos e obrigações inerentes à situação de confinamento. Sempre que beneficiou de autorizações para ausências excepcionais, maioritariamente, por motivos de saúde, cumpriu os horários de saída e regresso a casa, bem como os percursos previamente delineados. O apoio da família constituída (cônjuge e filhos) tem-se revelado de primordial importância durante este, período para a sua estabilidade emocional.
2. Factos Não Provados
Dos relevantes para a decisão da causa não resultaram não provados nenhuns factos,
3. Motivação da decisão de facto
A convicção do Tribunal quanto aos factos provados e não provados fundou-se nos seguintes elementos de prova:
quanto à questão da culpabilidade,
nas declarações do arguido,
que, no essencial, assumiu ter disparado a arma do interior do veículo, no sentido em que se encontrava o ofendido, mas, contra uma barreira existente no terreno, e com a intenção de assustar os jovens, e que é caçador e pratica tiro desde os 20 anos, e que está arrependido do sucedido, nas declarações do assistente GS, ofendido,
e
nos depoimentos das testemunhas,
VS e VR, amigos do ofendido, que seguiam com ele no táxi, todos, assistente e testemunhas, tendo relatado de forma idêntica as circunstâncias em que se encontravam – em fuga do arguido/condutor do táxi – quando o GS foi atingido e, bem assim, os comportamentos posteriores ao tiro, os ferimentos que o ofendido apresentava e da entrega do dinheiro que traziam ao arguido, e do tempo que decorreu até à decisão do ofendido de recorrer a assistência médica, e da motivação que o determinou e circunstâncias em que se encontrava quando foi assistido,
PR - inspector da PJ, que teve a seu cargo a investigação, e se pronunciou sobre as diligencias que realizou,
IN e LS – pais do ofendido, que se pronunciaram sobre os padecimentos do filho, estado de dependência de terceiros em que esteve durante 6 meses, tempos de doença, internamentos, intervenções cirúrgicas a que foi submetido, e necessidade do acompanhamento da evolução da situação clínica do mesmo,
DG – amigo do ofendido, que se encontrava na residência aonde o grupo de jovens estava alojado e dali apenas ouviu o tiro, cujo conhecimento dos factos é posterior à ocorrência dos mesmos,
MBS – dono do táxi, entidade patronal do arguido, que nada sabia nem do sucedido nem do uso de armas pelo arguido,
nos RDE´s da PJ - de fls. 35, 38 e ss, 46,
Auto de apreensão da arma do crime - a fls. 59,
docs. de fls. 65, 66, 67 e 68 – documentos comprovativos da aquisição, registo da arma do arguido, e respectivo seguro e licença de uso e porte,
docs. de fls. 71 a 74 – livretes de 4 armas distintas pertencentes ao arguido e auto de apreensão das referidas armas a fls. 146,
docs. de fls. – 36 e 37, mostrando a bala alojada na zona pélvica do corpo do ofendido,
exames periciais do LPC da PJ,
- a fls. 75 a 85, e 288 a 290 do veículo automóvel de cujo interior foi disparado o tiro, que conclui pela existência de partículas com resíduos de disparo no interior da viatura,
- de fls. 273 a 283, que conclui que foi o revólver Smith and Wesson, o responsável pelo disparo do projéctil retirada ao ofendido,
docs. de fls. 353 a 355 – relatório do Hospital de Faro, da assistência médica prestada ao ofendido,
exame pericial do Gabinete Médico Legal e Forense do Barlavento Algarvio – a fls. 345, de 2/4/2014, donde resultam identificadas as lesões apresentadas pelo ofendido e estabelecido o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano, e conclusões intercalares.
doc. de fls. 489 – do Hospital de Faro, CHA, EPE, comprovativo de que o ofendido, em 27/5/2014, continuava sob vigilância médica e a ser submetido a exames,
docs. de fls. 483 a 485 – comprovativo da assistência médica prestada ao ofendido e respectivo custo,
Exame crítico:
Interpretada a totalidade da prova produzida à luz das regras da experiência comum,
Quanto à acusação
Não sendo controvertido que o arguido disparou o tiro que atingiu o ofendido, as questões de facto a decidir ficaram circunscritas ao elemento subjectivo do tipo de homicídio.
E, nesta parte, perante as declarações do arguido, que assumiu que por não lhe terem pago o serviço se sentiu enganado pelos jovens, que, por isso, os procurava, que reconheceu nos dois vultos que viu passar à distância dois dos jovens em fuga, e que, quis disparar com a intenção de os assustar, tendo presente que o arguido é praticante de tiro há mais de vinte anos, deste conjunto de factos e circunstâncias do comportamento do arguido nenhuma dúvida ficou de que o arguido se encontrava habilitado com os conhecimentos especiais necessário para avaliar as consequências do acto que decidiu praticar, e em face deles não pôde deixar de representar a possibilidade de poder atingir algum dos referidos jovens, pois a distância a que se encontrava (fosse de 25 metros, como consta na RDE de fls. 41, ou outra) não lhe deixou dúvidas quanto à concreta localização dos vultos, tanto assim que acertou num deles, e que sabia, que, de noite, àquela distância, que apenas permitia ver vultos, seria absolutamente desaconselhável atirar pelo risco de acertar – como explicou a testemunha PR, inspector da Polícia Judiciária – donde se concluiu, que, o arguido, com os especiais conhecimentos de tiro que detinha, não podia ignorar a possibilidade de atingir o ofendido numa zona vital e com isso poder causar-lhe a morte, e por isso, tendo avaliado essa possibilidade, quando decidiu disparar conformou-se com a realização do facto punível, deste modo, ficando provados os factos atinentes ao tipo subjectivo.
Com efeito, a única reserva colocada pelo arguido à acusação respeitou ao facto de, segundo declarou em audiência, ter visado disparar contra uma barreira existente no terreno perto da estrada, e nesta parte as suas declarações não mereceram credibilidade,
como a factualidade apurada demonstra que não aconteceu, quer porque o ofendido foi efectivamente atingido, quer porque, se alguma barreira ali existia, a posição em que o arguido se encontrava - disparando do interior do veículo - não lhe permitiria atirar com segurança à barreira, o que o arguido, que, segundo se apurou, pratica tiro há mais de 20 anos, também não podia ignorar.
Quanto ao pedido de indemnização civil,
além dos relatórios médicos e exame pericial do Gabinete Médico-Legal, foram consideradas as facturas juntas pelo demandante, comprovativas dos serviços prestados e dos respectivos custos.
Por último, quanto à matéria da Contestação que não consta em 1. e 2. dos factos supra, provados e não provados, não foi considerada ou em virtude da natureza conclusiva ou por se tratar de alegação de Direito.
Quanto à situação pessoal, social e económica do arguido,
a convicção resultou
do depoimento das testemunhas JC e DC, amigos do arguido que o descreveram como pessoa pacata, calma, trabalhador, com família, e IN, armeiro, que conhece o arguido há mais de 20 anos, de lhe vender várias armas e como companheiro de caça e o descreveu como pessoa conhecedora de armas, e cuidadoso e respeitador, sem agressividade,
- no CRC e no relatório social do arguido.

III- Apreciação do Recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação e por elas limitado – veja-se o Ac. S.T.J. de 19-4-94, C.J., Ano II, Tomo II, pág. 189 e de 29-2-96 proc. nº 46740, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como são os vícios da sentença previstos no art. 410º nº 2 do C. P. Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19.10.95, in D.R. I-A Série de 28.12.95) .
As conclusões do recurso destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões da discordância dos recorrentes em relação à decisão recorrida, a nível de facto e de direito e por isso, elas devem conter um resumo claro e preciso das razões do pedido (cfr. neste sentido o Ac. STJ de 19-6-96, in BMJ 458,98).
Perante as conclusões do recurso as questões a decidir são as seguintes:
1ª- Da impugnação da matéria de facto e do enquadramento jurídico- penal;
2ª- Se os factos integram o crime de homicídio simples ou qualificado na forma tentada;
3ª- Da medida da pena;
4ª-Se a pena deve ser suspensa na sua execução;
5ª- Do pedido de indemnização civil.

III- 1ª- Da impugnação da matéria de facto e do enquadramento jurídico- penal.
A discordância do recorrente em relação à matéria de facto tem a ver com o facto 1.15 “ao agir da forma descrita, disparando na direcção do ofendido GS do modo como o fez, o arguido representou como possível atingir o corpo daquele em zona vital e dessa forma provocar-lhe a morte, e, ainda assim, conformou-se com esse resultado, o qual não se concretizou por motivos alheios à sua vontade”.
Fundamenta a sua pretensão alegando que, no caso concreto, as circunstâncias da acção e os factos que a envolvem, se apreciados face às regras da experiência comum, levariam à conclusão de que não quis nem queria matar o ofendido, o que infere dos seguintes factos: a) efectuou o disparo a uma distância não superior a 25 m (facto 1.7); b) o ofendido e VS abordaram de imediato o arguido e entregaram-lhe 5,00 €; c) que de seguida, o arguido se foi embora.
Conclui assim, o arguido que teve à sua inteira disposição a pessoa que pretendia matar, uma vez que esta veio junto dele, que tinha a arma consigo mas não efectuou mais nenhum disparo, nem continuou com qualquer conduta que revelasse intenção de matar, por isso, face à sequência dos factos posteriores ao disparo não efectuou este para causar a morte do ofendido, mas sim para assustar os passageiros, ou caso não se acredite neste facto, de o ofender fisicamente, pelo que incorreu no crime de ofensa à integridade física grave.
Cumpre apreciar e decidir.
Ao alegar deste modo, o arguido põe em causa o elemento subjectivo da infracção, o dolo, que constitui matéria de facto, como é reconhecido de forma unânime pela jurisprudência. Sendo o dolo um acontecimento do foro interno só é susceptível de ser apreendido com recurso a factos indiciários, a partir dos quais se possam extrair presunções judiciais geradoras de uma suficiente convicção positiva sobre a sua verificação.
O julgador tem de partir de factos objectivos, para aferir até que ponto da conduta que o agente levou a cabo, se pode extrair que a sua intenção era matar o ofendido, ou que tenha admitido essa possibilidade e se tenha conformado com ela
Os factos conhecidos, objectivos, são os seguintes:
- o arguido é motorista de táxi e transportou GS, VS e VR, pelas 3h 25m, do dia 30/12/2013, que após o serviço não pagaram, puseram-se em fuga e esconderam-se nas proximidades;
- passados poucos minutos, o arguido que não tinha desistido de tirar satisfações dos jovens, viu-os no local e ao aperceberem-se da aproximação do táxi colocaram-se em fuga num descampado;
- perante este facto o arguido muniu-se de um revólver com o calibre equivalente a 7,65 mm, que estava devidamente municiado, abriu o vidro do lado do passageiro e efectuou um disparo na direcção do GS a uma distância não superior a 25 metros (RDE de fls 41), atingindo-o com um projéctil na zona das nádegas;
- Como consequência directa e necessária do disparo GS sofreu os ferimentos descritos e examinados a fls. 313/315, 390/394 e 353/355 nomeadamente, ferimento na região nadegueira, perfuração do recto, laceração da uretra membranosa/ prostática, quadro séptico de pneumo-retro-peritoneu e alojamento do projéctil na região anterior do períneo em posição justapeniana;
- o arguido atingiu a região pélvica e o abdómen do ofendido, regiões que alojam órgãos essenciais à vida, com o projéctil, instrumento adequado causar a morte do ofendido, o que só não aconteceu porque este foi socorrido.
e ofendido foi sujeito a colonoscopias e a intervenções cirúrgicas,
- O arguido é caçador e portador de licença de tiro desportivo válida até 28 de Fevereiro de 2018.
Do conjunto destes factos relativos à conduta do arguido, que é caçador, portador da licença de tiro e praticante de tiro e que por isso, como consta da decisão recorrida, o que corroboramos, “se encontrava habilitado com os conhecimentos necessários para avaliar as consequências do acto que decidiu praticar, e em face deles não pôde deixar de representar a possibilidade de atingir algum dos referidos jovens, pois a distância a que se encontrava (fosse de 25 metros, como consta do RDE de fls. 41, ou outra) não lhe deixou dúvidas quanto à concreta localização dos vultos, tanto mais que acertou num deles, e que sabia, que de noite, àquela distância, que apenas permitia ver vultos, seria absolutamente desaconselhável atirar pelo risco de acertar – como explicou a testemunha PR, inspector da Polícia Judiciária – donde se conclui, que o arguido, com os especiais conhecimentos de tiro que detinha não podia ignorar a possibilidade de atingir o ofendido numa zona vital e com isso poder causar-lhe a morte, tendo avaliado essa possibilidade quando decidiu disparar conformou-se com a realização do facto punível, deste modo ficando provados os factos atinentes ao tipo subjectivo”.
Vem o arguido alegar, que após o disparo o ofendido esteve junto de si, foi-lhe entregue por um dos jovens a quantia de € 5,50, que tinha a arma consigo, mas não efectuou qualquer disparo, pelo que conclui que não teve intenção de matar, mas apenas de assustar ou de o ofender fisicamente.
Não assiste razão ao recorrente.
Não é crível que a intenção do arguido era apenas assustar os jovens, pois, se assim fosse não se compreenderia porque é que o arguido os procurou durante algum tempo, após estes se terem posto em fuga, e ao encontrá-los abriu a janela do passageiro e disparou na direcção do ofendido.
Por outro lado, as circunstâncias invocadas pelo arguido posteriores ao disparo são inócuas, para se aferir do elemento subjectivo da infracção.
Na verdade, as circunstâncias que têm relevo para aferir se o arguido representou como possível a morte do ofendido e se se conformou com tal facto são as anteriores e contemporâneas à realização do disparo e destas não resulta qualquer dúvida face ao local, à distância, à direcção do disparo e à zona do corpo do ofendido atingida, que a resposta é afirmativa.
Da conjugação e ponderação dos factos objectivos conhecidos, à luz das regras da lógica e da experiência comum, resulta face ao local, à distância donde disparou e direcção do tiro que atingiu o ofendido na região pélvica e abdómen, regiões que alojam órgãos essenciais à vida, que o arguido representou como possível a morte do ofendido, com o que se conformou, e que só não aconteceu por circunstâncias alheias à sua vontade, pelo que incorreu no crime de homicídio na forma tentada, com dolo eventual e não no crime de ofensa à integridade física grave.

2ª- Se os factos integram o crime de homicídio simples, ou qualificado na forma tentada.
O recorrente alega que o crime de homicídio não pode ser qualificado, uma vez que dos factos provados não decorre que a intenção do disparo foi efectivamente obrigar os passageiros a pagarem os € 7,70.
Carece de razão o recorrente.
Da matéria provada nomeadamente dos factos 1.5 a 1.7 resulta que a única razão pela qual o arguido disparou contra o ofendido foi devido ao facto de, não lhe ter sido paga a quantia, de 7,70 €, relativa ao serviço de táxi que lhes prestou.
Integrarão os factos o crime de homicídio qualificado na forma tentada?
Para a qualificação do crime de homicídio o legislador combinou um critério generalizador, determinante de um especial tipo de culpa, com a técnica dos exemplos padrão.
A qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, que assenta em conceitos indeterminados “ a especial censurabilidade ou perversidade”, como resulta do art. 132º nº 1 do C.Penal; verificação indiciada pelas circunstâncias ou elementos constantes do nº 2 do mesmo preceito.
Assim, para que um facto seja subsumível a este crime, importa desde logo verificar se o mesmo se enquadra no âmbito do nº 2. Se estiver preenchida uma das situações aí previstas, estamos perante um efeito indiciador, que não constitui fundamento suficiente para a qualificação do crime, sendo necessário apurar se, em concreto, o agente manifestou a culpa agravada que se suscitou. Na verdade, não se pode concluir pela qualificação sem estar demonstrado que o agente tenha revelado especial censurabilidade ou perversidade, sendo estes os factores que funcionam como elementos essenciais para a concretização do crime.
Assim, o facto de estar preenchida uma das circunstâncias previstas no nº 2 não de fundamenta por si só o tipo qualificado. É necessário também concluir pela especial censurabilidade ou perversidade, o que nos conduz à conclusão de que o que é efectivamente determinante na concretização do tipo são os elementos constantes do nº 1 e que sustentam, a culpa agravada do agente.
O fundamento da agravação reside, pois, no maior grau de culpa que o agente revela com a sua conduta, o que resulta dos trabalhos preparatórios da Comissão Revisora do Código Penal em que se assume este tipo como um tipo de culpa, em que os exemplos padrão do nº 2 funcionam para orientar o julgador, apontando factos e situações que podem fundamentar um juízo de culpa agravada.
Portanto, os exemplos-padrão do nº 2 não operam automaticamente, é indispensável determinar, no caso concreto, se qualquer daqueles exemplos padrão preenche ou não a circunstância da especial censurabilidade ou perversidade e justificam uma sanção que não cabe na moldura prevista para o crime de homicídio simples (vide neste sentido, os Acórdãos do STJ de 04.07.1996, em C.J., ano IV, Tomo 2, pág. 222).
Importa, pois apurar se a conduta do arguido é susceptível de relevar especial censurabilidade ou perversidade.
O tribunal da 1ª instância considerou que a factualidade provada integrava a qualificativa da al. e) do nº 2 do art. 132 agir “por motivo fútil”.
Motivo fútil é o motivo de importância mínima, sem valor, insignificante para explicar ou tornar aceitável, dentro do razoável, a actuação do agente do crime.
Como referem Simas Santos e Leal Henriques, em Código Penal Anotado, 2º volume, 3ª edição, citando Nelson Hungria “motivo é fútil quando razoavelmente desproporcionado ou inadequado, do ponto de vista do homem médio, e em relação ao crime de que se trata”.
Do mesmo modo se refere Bettiol, em Direito Penal, Parte Geral, III, pág 131 e ss. “se por motivo entendermos o antecedente psíquico da acção, teremos um motivo fútil sempre que seja possível estabelecer uma desproporção manifesta entre a gravidade do facto e a intensidade ou a natureza do motivo que impeliu a acção. Trata-se, como diz Maggiori, de uma insensibilidade moral que tem a sua manifestação mais alta na brutal malvadez”.
Motivo fútil é, pois, “o motivo sem importância, frívolo, leviano, a ninharia que leva o agente à prática desse grave crime, na inteira desproporção entre o motivo e a extrema reacção homicida” (vide neste sentido o Ac. STJ de 15-12-2005, in Proc. 05P2978).
No caso em apreço, o arguido transportou no táxi três jovens. Efectuado o serviço, que importava em € 7,70, os jovens puseram-se em fuga e não pagaram aquela quantia, que é um valor diminuto, irrisório. Perante a conduta dos jovens, o arguido nas circunstâncias mencionadas na primeira questão disparou contra os mesmos, tendo atingido o GS causando-lhe as lesões acima mencionadas, pelo que o motivo que impeliu o arguido à acção constitui um motivo fútil.
Neste sentido, vide o Ac. STJ de 22-03-90, procº nº 40582 que refere “é motivo fútil, para efeitos dessa disposição legal ( art. 132º nº 2 al. e) do C.Penal), um prejuízo de 500$00 supostamente causado em mimosas (árvores) pelo ofendido num crime de homicídio qualificado na forma tentada”, vide o Ac. STJ de 22-03-90, procº nº 40582.
Dos factos praticados pelo arguido resulta não só que o sentimento que o determinou é claramente desproporcionado com a gravidade do crime que cometeu, mas também que o motivo que subjaz à prática do crime não é capaz de explicar ou tornar aceitável, dentro do razoável a actuação do arguido.
Por causa do não pagamento da quantia de € 7,70, o arguido actuou do modo descrito, o que constitui um motivo fútil para efeitos do disposto no nº 2 al. d) do art. 132º do C.Penal, o que revela também especial censurabilidade, já que manifesta não apenas um profundo desrespeito por um normal padrão axiológico vigente na sociedade, como ainda traduz uma situação em que a exigência para não empreender a conduta se revela mais acentuada.
A conduta do arguido integra o crime de homicídio qualificado na forma tentada previsto e punível no art. 132º, nºs 1 e 2 al. e), 22º, 23º e 73º do C.Penal.

III- 3ª- Da medida da pena.
O recorrente alega que a pena deverá ser menos gravosa, uma vez que se provou o seu arrependimento, no entanto, esta circunstância não foi tida em conta na medida da pena, pelo que foi violado o disposto arts. 70º e 71º do C.Penal
Estabelece o nº 1 art. 71º do C.Penal que a determinação da medida da pena, «... dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção» e o nº 2 que « na determinação concreta da pena, o tribunal, atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele...» passando, seguidamente a enumerar, exemplificativamente um conjunto delas.
O art. 40º do C. Penal estipula, por sua vez, no seu nº 1 «A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade» e, o seu nº 2 que « em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».
Assim, no quadro legislativo actual, a culpa e a prevenção são os traços norteadores da medida da pena, sendo que esta visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Conforme se escreve no acórdão do STJ de 8-11-95 (procº 48318): « De acordo com estes princípios, o limite superior da pena é o da culpa do agente. O limite abaixo do qual a pena não pode descer é o que resulta da aplicação dos princípios da prevenção geral segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor. A medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade. Daí para cima, a medida exacta da pena é a que resulta das regras de prevenção especial. É a medida necessária á reintegração do indivíduo na sociedade causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade».
E como refere o Professor Figueiredo Dias em “As consequências do crime”, pág. 215, «Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização «in casu» das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligado ao mandamento incondicional do respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limite de forma inultrapassável às exigências de prevenção».
Os factos cometidos pelo arguido integram a prática de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. no art. 132 nºs 1 e 2 al. e), 22º 23º e 73º do C.Penal, a que corresponde em abstracto a pena de prisão de 2 anos 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses.
O tribunal aplicou ao arguido a pena de quatro anos e seis meses de prisão.
Para a determinação da medida da pena o tribunal teve em conta os critérios constantes do art. art. 71 nº 1 e 2 do C.Penal, nomeadamente:
“- as exigência de prevenção geral dos crimes de homicídio, que são muito elevadas atenta a frequência com que, cada vez maior vêm ocorrendo;
- a ilicitude da conduta – elevada, manifestada no recurso a uma arma de fogo e nas circunstâncias em que disparou, apesar da experiência e dos conhecimentos que o arguido tinha do uso de armas de fogo;
- a intensidade do dolo – na forma grave do dolo eventual;,
- a gravidade das consequências – revelada na importância das lesões causadas ao ofendido, referidas nos factos provados supra, afectando-o na sua vida futura;
- a conduta anterior e posterior do arguido - a atenuando a inexistência e antecedentes criminais e as exigências de prevenção especial”.
Vem o arguido alegar que se provou o seu arrependimento, no entanto, o tribunal não teve em conta esta circunstância, pelo que a pena deve ser menos gravosa.
É certo que se provou a circunstância referida, mas há que ter em conta, também, que após o disparo o arguido foi abordado pelo ofendido e VS, recolheu destes a quantia inferior a € 5,00, viu o ofendido a sangrar, e nada fez para o socorrer, nomeadamente conduzindo-o ao hospital e assumindo as suas responsabilidades.
Assim, entendemos que a pena se mostra criteriosamente fixada, pelo que se mantém.

III- 4ª-Se a pena deve ser suspensa na sua execução.
O arguido alega que a pena deve ser suspensa na sua execução, uma vez que da prova testemunhal e do relatório social, o tribunal extraiu correctamente a conclusão de que pode ser “formulado um juízo de prognose favorável no âmbito das exigências de prevenção especial em face do arrependimento manifestado pelo arguido em audiência, e do facto de ser pessoa social e familiarmente bem integrada (….) e que não se lhe afigura que, no caso concreto, as exigências de prevenção geral devam prevalecer sobre aquelas para contrariar a possibilidade de suspensão da pena.
Vejamos.
Estabelece o nº 1 do art. 50º do C. Penal: « O tribunal suspende a execução da pena de prisão em medida não superior a 5 anos, face à redacção introduzida pela lei nº 59/2007 de 4-9 se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura dos factos a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
De acordo com o nº 3 do art. 53º do C.Penal, o regime de prova é sempre ordenado (…) quando a pena de prisão suja execução for suspensa tiver sido aplicada em medida superior a três anos.
Os factores a ter em conta para se formular juízo de prognose são: a personalidade do agente; as condições da sua vida; a sua conduta anterior e posterior ao facto punível e as circunstâncias deste.
A decisão de suspender a execução da pena deve ter na base uma prognose favorável do arguido, (prognóstico que assenta naqueles factores e que terá como ponto de partida não a data da prática do crime, antes a do momento da decisão), isto é, a esperança de que ele assimilará a advertência que a condenação implica e que será desencorajado de cometer novos crimes. Não se trata, portanto, de uma certeza que tal irá ocorrer. Há um risco. Mas, se há dúvidas sérias sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, então a prognose deverá ser desfavorável.
Portanto, para o legislador a suspensão da pena deve arrancar desde logo de considerações de natureza especial preventivas, no sentido de que, é possível formular um juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro. Mas, a lei não considera este requisito como único e nem sequer prevalente, uma vez que as finalidades da punição são não só de natureza especial, mas também geral.
Assim, por um lado, cumpre assegurar que a suspensão da execução da pena não colida com os propósitos de prevenção especial, e deverá mesmo favorecer a recuperação social do condenado e por outro lado, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a sociedade não encare a suspensão como uma impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal.
Quanto às exigências de prevenção especial, importa realçar que o arguido é pessoa de trabalho, está inserido social, familiar e laboralmente, é pacato, calmo e goza de respeito e do apoio da família e dos colegas de trabalho, está arrependido do sucedido e não tem antecedentes criminais, perante estas circunstância e como concluiu tribunal a quo, o que corroboramos, é possível formular um juízo de prognose favorável, quanto ao seu comportamento futuro.
Quanto às exigências de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas do ordenamento jurídico elas são muito elevadas, face à necessidade de proteger de forma eficaz o valor da vida humana, .
Mas, no caso concreto tendo em conta as circunstâncias em que ocorreu o crime em causa nos autos, na sequência do exercício das funções do arguido, tudo leva a crer que estamos perante um acto isolado na sua vida, que não voltará a repetir-se, que nunca teve qualquer contacto com o sistema prisional e que a efectividade da pena irá trazer-lhe um risco de desestruturação e, um corte no esforço reintegrativo, afigura-se-nos que estamos perante um caso limite em que a pena suspensa na sua execução, não deve ser recusada já que pode ficar sujeita a condições, benéficas para a comunidade e para o arguido, em termos de prevenção especial, com repercussões a nível da prevenção geral.
Assim, suspende-se a execução da pena pelo período de quatro anos e seis meses, nos termos do art. 50º nº 5 do C.Penal, a qual deverá ser acompanhada de regime de prova, nos termos do art. 53º nº 1 a 3 do C. Penal.
O tribunal da primeira instância elaborará o plano de reinserção social do arguido, de acordo com o art. 54º do C. Penal, plano esse que incluirá, para além do mais, que se entenda por conveniente, e como condição de suspensão da pena, o cumprimento da seguintes obrigações:
- Pagar a GS a quantia de 6.000,00 (seis mil euros), em três prestações anuais, no montante de € 2.000,00 cada uma, vencendo-se a primeira até 31-12-2015, a segunda em 31-12- 2016 e a terceira em 31-12-2017, o que deverá comprovar nos autos.
A quantia referida no parágrafo que antecede será tida em conta, em eventual acção a propor por GS, pelos danos sofridos.
- Não utilizar nem ter em seu poder qualquer arma de fogo ou munições, art. 52º nº 2 al. f) do C.Penal.

5ª- Do pedido de indemnização civil.
O Centro Hospitalar do Algarve, EPE, formulou um pedido de indemnização civil contra o demandado no montante de € 9.659,75 e juros legais, pelos diversos tratamentos médicos/hospitalares prestados a GS.
O demandado foi condenado a pagar a quantia referida ao Centro Hospitalar do Algarve, Ldª.
O demandado vem alegar que, GS só se dirigiu ao Centro de Saúde, cerca de 17 horas após os factos, que tal demora levou a uma infecção e a um agravamento do seu estado clínico, pelo que não lhe podem ser assacadas todas as consequências sofridas.
Dispõe o art. 129º do C.Penal que “ A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”.
Por sua vez, estabelece o art. 483º do Cód. Civil, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Deste preceito resulta que é necessário que se verifiquem cumulativamente cinco pressupostos para haver lugar a responsabilidade civil por factos ilícitos:
1º- a existência de um facto voluntário, significando tal conceito um facto objectivamente controlável ou dominável pela vontade;
2º- que o facto seja ilícito, podendo tal ilicitude, nos termos do art. 483º nº 1 do Cód. Civil assumir duas variantes: a) violação do direito de outrém; b) violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesse alheios;
3- a verificação de um nexo de imputação do facto ao lesante, ou, seja, é necessária a verificação de culpa;
4- a verificação de um nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Da matéria apurada resulta que estão preenchidos os pressupostos mencionados, uma vez que o demandado através de um facto ilícito, que constitui um crime, deu causa às lesões sofridas por GS, constantes da matéria provada, que necessitou de ser assistido no Hospital e cujas despesas importaram na quantia de € 9.659,75.
Quanto ao alegado pelo recorrente, não se provou que o tempo decorrido entre as lesões que causou a GS e o recurso a assistência médica tenha dado origem a um agravamento das lesões que este sofreu.
Por outro lado, o demandado tinha consciência que atingiu o ofendido com um tiro, uma vez que o viu a sangrar e face à sua idade tinha maturidade suficiente de que devia, de imediato, socorrê-lo conduzindo-o ao Hospital, o que não fez, dado que abandonou o local.
Assim sendo, a haver falta de assistência atempada a GS, tal omissão é antes de mais assacada ao demandado, que estava consciente da arma que utilizou, que tinha atingido aquele com a arma e que de tal conduta podiam resultar consequências graves para GS.
Improcede, assim o alegado.
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IV – Decisão
Termos em que acordam os Juízes desta Relação em conceder provimento parcial ao recurso, mantendo o acórdão recorrido, salvo quanto à não suspensão da pena, que revogam nesta parte e por isso, lhe suspendem a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, por igual período, acompanhada do regime de prova, e sujeita às seguintes condições:
- Pagar a GS a quantia de 6.000,00 (seis mil euros), em três prestações anuais, no montante de € 2.000,00 cada uma, vencendo-se a primeira até 31-12-2015, a segunda em 31-12- 2016 e a terceira em 31-12-2017, o que deverá comprovar nos autos.
A quantia referida no parágrafo que antecede será tida em conta, em eventual acção a propor por GS, pelos danos sofridos.
- Não utilizar, nem ter em seu poder qualquer arma de fogo ou munições, art.52ºnº 2 al. f) do C. Penal.
Sem custas.
Notifique e comunique ao tribunal da 1ª instância.

Évora, 07 de Abril de 2015
(texto elaborado e revisto pelo signatário).

José Maria Martins Simão
Fernando Ribeiro Cardoso
Maria Onélia Vicente Neves Madaleno (com voto de vencido)


VOTO DE VENCIDO

Voto vencida, por discordar do douto acórdão ora proferido, apenas na parte em que deliberou suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido, ora recorrente, pois salvo o devido respeito, entendo que seria de manter a pena de prisão efectiva, aplicada pelo Tribunal recorrido, não dando nessa parte razão ao recorrente.
Do disposto no artigo 50º, nº 1, do Código Penal, não retiro que, no caso presente, a simples censura do facto ou a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Atentas as circunstâncias do crime, tal como se encontram descritas na matéria de facto dada como provada, entendo não ser possível fazer um juízo de prognose favorável ao recorrente, atenta a zona da vítima atingida pelo disparo, graves e dolorosas sequelas do mesmo e sobretudo à idade da vítima, menor (de 16 anos), a que acresce o facto de ter sido abandonado pelo arguido, de noite (após as 3h 38m) e em local descampado, e atento ainda a que o arguido se absteve totalmente de lhe prestar qualquer auxílio ou diligenciar nesse sentido, colocando-se em fuga, para parte incerta, tal como se encontra descrito, nomeadamente nos pontos 6, 7 e 9 a 17 da matéria de facto dada como provada, mostrando-se ainda no caso presente muito acentuadas as exigências de prevenção geral.
Pesem embora a favor do arguido, ora recorrente, o facto de não ter antecedentes criminais registados, e se encontrar inserido laboral, social e familiarmente, as mesmas não se mostram só por si suficientes para se poder concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade, atento a que, por motivo fútil, dispara contra o menor e abandona-o à sua sorte, num descampado, e de noite, reveladora de uma personalidade pouco conforme às regras éticas e socialmente estabelecidas, que em nada o abona, revelando desrespeito pela vida humana e total desconsideração pela vítima, apesar de menor de idade, sem tentar reparar por qualquer forma o mal do crime que praticara.
Pelo exposto, entendo que só a pena de prisão efectiva, tal como foi aplicada na douta sentença recorrida, se encontra “dentro da medida da culpa e imposta pela necessidade de tutela da confiança das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada”, como consta, exemplarmente, do douto AC do STJ de 4/1/2006 (entre outros, no mesmo sentido, em casos semelhantes, Ac do STJ de 11/01/2006, proc. nº 430/05, ambos disponíveis em www.dgsi.pt - Acórdãos do STJ), sendo esta a razão da minha discordância, concordando com tudo o mais deliberado no presente acórdão.

Maria Onélia Vicente Neves Madaleno