Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
348/15.0T8OLH.E1
Relator: FLORBELA MOREIRA LANÇA
Descritores: ENCERRAMENTO DO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 03/26/2018
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
A declaração do encerramento do processo de insolvência por altura do despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante, quando existam bens a liquidar, determina unicamente, tem como único efeito, o início do período de cessão do rendimento disponível.
Decisão Texto Integral:

- Decisão sumária, proferida nos termos do art.º 656.º do CPC -
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I. Relatório
O insolvente AA requereu a exoneração do passivo restante e proferido despacho inicial, foi, de seguida, proferida a seguinte decisão:
“(…)
2. ENCERRAMENTO DO PROCESSO
Foi proferido despacho inicial relativamente ao pedido de exoneração do passivo restante, nos termos a que alude o art. 237º, al. b), do CIRE.
Existem bens a liquidar.
Assim sendo:
1) Declaro encerrado o processo de insolvência, nos termos do previsto no art. 230º, nº 1, al. e), do CIRE, estritamente para efeito de início do período de cessão.
2) Não existindo motivos, de acordo com o relatório apresentado pelo(a) Sr.(ª) Administrador(a) da Insolvência, para considerar que a insolvência é culposa, declara-se que a mesma é fortuita – art. 233º, nº 6, do CIRE.
3) Declaro que não se produzem os efeitos previstos no art. 233º, do CIRE.
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Registe e dê cumprimento ao disposto nos arts. 230º, nº 2, e 247º do CIRE, publicitando esta decisão nos seguintes termos:
1) Notifique o(a) Insolvente;
2) Notifique o Ministério Público;
3) Notifique todos os credores;
4) Publique-se, devendo, quanto ao encerramento, ser indicada a razão determinante do mesmo: início do período de cessão.
(…)”
O M.P. não se conformando com a decisão prolatada, quanto ao encerramento do processo, dela interpôs recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

1.O Mmo. Juiz a quo, após a prolação do despacho liminar de admissão do pedido de exoneração do passivo restante, decidiu declarar encerrado o processo de insolvência, nos termos do previsto no art.º 230º n.º 1, al. e) do CIRE, declarando que não se produziam os efeitos previstos no art.º 233 do CIRE.
2. A única questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se uma vez proferido o despacho inicial de exoneração do passivo restante, e perante a existência de bens a liquidar, podia ter sido ordenado o encerramento do processo.
3. O corpo do n.º 1 do art.º 230º do CIRE delimita o seu campo de aplicação, restringindo-se aos factos determinantes do encerramento do processo de insolvência que se verificam na hipótese de ele prosseguir após a declaração de insolvência.
4. Quando o processo prossiga as causas do seu encerramento constam das alíneas do n.º 1, merecendo especial relevo para a decisão do presente recurso as alíneas a) e e), esta introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril.
5. Prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o encerramento só deverá ser determinado depois de realizada a liquidação, o rateio final e o pagamento aos credores, ressalvando-se apenas a situação prevista no art.º 239º n.º 6 do CIRE.
6. Só se procede ao rateio final e distribuição do respectivo produto pelos credores após a liquidação dos bens que integram a massa insolvente, donde para que esta possa ser feita deve estar pendente a instância insolvencial.
7. Tendo sido requerida a exoneração do passivo restante, duas situações podem ocorrer: ou há património que deve ser liquidado na pendência do processo ou não há e, então, o processo pode e deve ser encerrado no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante.
8. O que resulta da alínea e) do n.º 1 do art.º 230º é que o prosseguimento do incidente de exoneração do passivo restante não obsta ao encerramento do processo de insolvência de que pende, e se à data do despacho inicial já existirem elementos que revelem a inexistência de bens, deve o tribunal declarar o encerramento.
9. Se a liquidação ainda não tiver sido iniciada ou concluída, não há fundamento para a aplicação da alínea e) do art.º 230º do CIRE, aplicandose o regime regra previsto na alínea a) do mesmo preceito legal.
10. Não faz qualquer sentido, uma declaração de encerramento do processo, com a inevitável cessação das atribuições do administrador da insolvência, quando ainda não foi levada a cabo a primordial função do mesmo, erigida pelo legislador a finalidade do processo de insolvência, a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores (cfr. art.º 1º n.º 1 do CIRE).
11. A existência de bens na massa para liquidar impede o encerramento no despacho inicial de apreciação do pedido de exoneração do passivo restante, razão porque inevitável é o art.º 230º n.º 1 al. e) dever ser objecto de interpretação restritiva.
12. O encerramento do processo de insolvência constitui uma fase final do mesmo, pelo que deverá ocorrer uma vez realizados os fins previstos no mesmo processo, referidos no art.º 1º, do CIRE.
13. Assim, se à data do despacho inicial do pedido de exoneração do passivo restante já existirem elementos nos autos que revelem a inexistência de activo a liquidar, deve o juiz declarar o encerramento do processo de insolvência.
14. Mas se o património do devedor tiver bens para liquidar e a liquidação, o rateio e o pagamento dos créditos aos credores ainda não estiverem concluídos, então não existe fundamento para encerrar o processo no despacho liminar de deferimento do pedido de exoneração do passivo restante, mesmo que esta decisão seja apenas para efeitos de início do período de cessão.
15. Ao interpretar o art.º 230º n.º 1 al. e) do CIRE como se o mesmo permitisse encerrar o processo de insolvência sem a liquidação, o rateio e o pagamento aos credores estarem realizados, o tribunal interpretou erradamente aquela norma, dando-lhe um sentido que não é adequado à situação concreta.
Nestes termos deverá ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se o prosseguimento dos autos para realização do rateio final e das operações de pagamento dos creditos.
Decidindo em conformidade, Vossas Excelências farão a costumada Justiça!”
Não foram produzidas contra-alegações.
Foram dispensados os vistos.
II. Objecto do Recurso
Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (art.º 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC).
Como deflui das conclusões, a única questão a decidir é a de saber se o processo de insolvência pode ser encerrado, sem que esteja concluída a liquidação do activo do insolvente e o rateio final, nos termos em que o foi.
III. Fundamentação
1. Factos a Considerar
Os factos a considerar são os que constam do antecedente relatório.

2. O Direito
Prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o encerramento do processo (n.º 1 do art.º 230.º do CIRE):
“a) Após a realização do rateio final, sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 239.º;
b) Após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência, se a isso não se opuser o conteúdo deste;
c) A pedido do devedor, quando este deixe de se encontrar em situação de insolvência ou todos os credores prestem o seu consentimento;
d) Quando o administrador da insolvência constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente.
e) Quando este ainda não haja sido declarado, no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante referido na alínea b) do artigo 237.º”.
“Não se verificando no caso sub judice nenhuma das situações a que aludem as alíneas b), c) e d), também nos parece indiscutível que o encerramento do processo no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante – nos termos da alínea e) – pressupõe que não existam bens a liquidar, já que, como é evidente, existindo património a liquidar, não faria sentido – e não teria sido essa, seguramente, a intenção do legislador – que, pela simples razão de ter sido liminarmente admitido o pedido de exoneração do passivo restante, o processo fosse encerrado sem que fosse cumprido aquele que é o seu objectivo essencial: a satisfação dos direitos dos credores à custa do património existente.
Parece-nos, portanto, indiscutível que, existindo património a liquidar e não se verificando as situações previstas nas alíneas b) a d) da norma supra-citada, o encerramento do processo apenas pode e deve ser declarado após a realização do rateio final, em conformidade com o disposto na alínea a) do nº 1 do citado art. 230º” e 182.º do CIRE” [1].
Assim, existindo património do devedor nunca o encerramento do processo poderia ser declarado no despacho liminar do incidente de exoneração do passivo restante, pelo que, em hipóteses como a dos autos – em que a massa insolvente é integrada por bens que devem ser liquidados em ordem a distribuir o produto pelos credores do insolvente –,a previsão em destaque – al. e) do n.º 1 do art.º 230.º do CIRE - devia ser concatenada com o teor da alínea a) do mesmo preceito, de onde se extrai que o processo de insolvência deve ser encerrado apenas após a realização do rateio final.
O rateio final e a subsequente distribuição do produto da liquidação pelos credores reconhecidos pressupõem, logicamente (n.º 1 do art.º 182.º do CIRE), a conclusão das operações de liquidação (art.ºs 158.º e ss. do mesmo diploma).
Daí que, mesmo nos casos em que tenha sido admitido o incidente de exoneração do passivo restante, o encerramento do processo de insolvência só devia ter lugar quando estiverem concluídos o rateio e a liquidação.
Para corroborar deste argumento lógico, atendia-se a que o processo de insolvência tem como finalidade “a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores” (art.º 1.º do CIRE). Seria assim desprovido de sentido que se pudesse determinar o encerramento do processo de insolvência sem que, existindo património a liquidar e, consequentemente, produto dessa actividade a distribuir pelos credores do insolvente, se executassem as necessárias tarefas, sendo que o encerramento do processo de insolvência acarretaria, inevitavelmente, a cessação de funções do administrador de insolvência (al. b) do n.º 1 do art.º 233.º do CIRE).
Este era o entendimento perfilhado pela generalidade da doutrina e da jurisprudência[2], antes das alterações introduzidas, no art.º 233.º do CIRE, pelo Dec.-Lei n.º 79/2017, de 30 de Junho.
Contudo, por via do Dec.-Lei n.º 79/2017, de 30 der Junho foi aditado o n.º 7 ao referido normativo, nos termos do qual:
“O encerramento do processo de insolvência, nos termos da al. e) do n.º 1 do artigo 230.º, quando existam bens ou direitos a liquidar, determina unicamente o início do período de cessão do rendimento disponível”.
Destarte, é hodiernamente admissível o encerramento do processo de insolvência, nos termos da al. e) do n.º 1 do art.º 230.º do CIRE, ainda que existam bens ou direitos a liquidar, tendo a declaração de encerramento do processo o único efeito de determinar o início do período de cessão do rendimento disponível.
O legislador, considerando, por um lado, que o entendimento prosseguido pela doutrina e jurisprudência determinava que o período de cessão só se iniciaria, declarado encerrado o processo, após a liquidação e rateio final, o que obrigava o insolvente a aguardar por um largo e penoso período para que iniciasse o período de cessão e, por outro, as razões que estavam na base do entendimento do entendimento anterior acima explanado, restringiu os efeitos da declaração de encerramento do processo ao início do período de cessão do rendimento disponível, não se produzindo, assim, os efeitos previstos nos n.ºs 1 a 6 do art.º 233.º do CIRE.
Ora, na espécie, o que se verifica é que não foi declarado o encerramento do processo tout court e, consequentemente, a cessação de funções do administrador e a produção dos efeitos do art.º 233.º do CIRE.
Lê-se da decisão sob censura, prolatada, após a entrada em vigor das alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 79/2017, de 30 de Junho, que: “Declaro encerrado o processo de insolvência, nos termos do previsto no art. 230º, nº 1, al. e), do CIRE, estritamente para efeito de início do período de cessão.
Vale isto por dizer que o processo foi declarado encerrado apenas e tão-só para efeitos de início do período de cessão e não mais, constando, até, do despacho que não se produzem os efeitos previstos no art.º 233º do CIRE.
Ora, haja ou não activo a liquidar “À luz da letra lei é claro que se divisa a intenção de conceder autonomia à al. e) do n.º 1 do art.º 230.º do CIRE e assim o intérprete fica compelido a declarar o encerramento do processo de insolvência no despacho inicial de exoneração do passivo restante, quando tal ainda não tenha previamente sucedido”[3].
“A solução agora moldada em lei carece de alguns esclarecimentos.
Antes de mais, embora no dito preceito se escreva que o encerramento no despacho inicial do incidente de exoneração determina unicamente o início do período de cessão, isso não quer dizer que, a partir daí, só se pratiquem os actos relacionados com essa cessão. A palavra “unicamente” significa penas, julgamos nós, que os outros efeitos doe encerramento previstos no art.º 233.º não se produzem. Como há bens a liquidar, deve proceder-se a essa liquidação no processo de insolvência.


Mas quando é que se produzem os restantes efeitos do encerramento ? Ou não se produzem ? É necessário ter em conta que encontraremos, a correr paralelamente, a liquidação da massa e o incidente de exoneração do passivo restante, tendo-se também iniciado o período de cessão. Julgamos, por isso, que a produção dos restantes efeitos do encerramento terá lugar em função do que suceder de um ou de outro lado.
Por outro lado, o novo art.º 233.º, n.º 7, também não esclarece se, depois da decisão de encerramento prevista no art.º 230.º, n.º 1 al. e), será ou não necessária uma outra decisão de encerramento para que se produzam os restantes efeitos do encerramento. Da sua letra parece retirar-se que não. Mas, se assim é, a identificação do momento da produção desses restantes efeitos exige algum cuidado.
(…)
A nova solução legal complica a vida do intérprete. Veio consagrar uma via que tinha sido aceite por uma parte da jurisprudência. Mas fá-lo por caminhos complicados. E, na verdade, era possível chegar ao mesmo resultado por avenidas muito largas. Podia-se ter alterado o regime da exoneração do passivo restante m vez de mexer no encerramento. Podia-se ter dito que o regime de exoneração do passivo restante seguiria determinados passos no caso de haver bens a liquidar na data do despacho inicial, e seguiria outros passos no caso de não haver. (…) Por outro lado, esclarecia-se o âmbito de aplicação do art.º 230.º, 1, e). (…)”.[4]
Destarte, considerando a alteração legislativa operada pelo Dec.-Lei n.º 79/2017, de 30 de Junho, o despacho recorrido, que declarou o encerramento do processo de insolvência estritamente para efeito de início do período de cessão, não merece censura, improcedendo, pois, o recurso[5].

Sumário
A declaração do encerramento do processo de insolvência por altura do despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante, quando existam bens a liquidar, determina unicamente, tem como único efeito, o início do período de cessão do rendimento disponível.


IV. Dispositivo
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão apelada.
Sem custas.
Registe.
Notifique.

Évora, 26 de Março de 2018
Florbela Moreira Lança (Relatora)


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[1] Ac. da RC de 07.03.2015, acessível em www.dgsi.pt
[2] Para maiores desenvolvimentos, consultem-se os ensinamentos concitados no Ac. da RP de 07.11. 2016, proferido no processo n.º 1790/13.6TBPVZ-I.P1 e acessível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, vide ainda o Ac. da RG de 07.05.2015, proferido no processo n.º 498/14.0TBGMR-G.G1, Ac. da RC de 28.10.2014, proferido no processo n.º 2544/12.2TBVIS.C1 e Ac. da da RE, proferido no processo n.º 5422/10.6TBSTB-H.E1, todos acessíveis em www.dgsi.pt, Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, Almedina, 2015, pp 344 e 540 a 542, Luís Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 5.ª ed., Almedina, 2013, pp. 273, Catarina Serra, O Regime Português da Insolvência, pp. 144 e I Congresso de Direito da Insolvência, pp. 49 e Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 2.ª ed., Quid Juris, 2013, pp. 875 e ss.
[3] Ac. da RE de 22.02.2018, proferido no proc. n.º 1170/15.9T8OLH.E1, acessível em www.dgsi.pt
[4] Alexandre Soveral Martins, Estudos de Direito da Insolvência, 2018, Almedina, pp.21-22
[5] No mesmo sentido Acs. da RE de 25.01.2018, proferido no proc. n.º 774/16.7OLH.E1 e de 08.02.2018, proferido no processo n.º 412/17.0T8OLH.E1.